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Perfil dos fumantes que não buscam tratamento para deixar de fumar, município do Rio de Janeiro

Resumos

É fundamental compreender que os fumantes não são iguais e que determinados fumantes precisam ser conquistados como "potenciais clientes" de programas de intervenção voltados às suas necessidades específicas. O objetivo do estudo foi comparar os perfis de fumantes recrutados para um estudo de intervenção para cessação de fumar com os da população geral de fumantes no município do Rio de Janeiro, nos anos 2002-2003. As heterogeneidades encontradas indicam que diferentes estratégias de captação associadas às intervenções existentes devem ser elaboradas para motivar o maior e mais diversificado número possível de indivíduos elegíveis.


It is essential to understand that not all smokers are equal, and that certain smokers need to be "won" as "potential clients" of an intervention program aimed at addressing their specific needs. Thus, the objective of the article was to compare the profile of smokers recruited for a smoking cessation clinical trial with that of the general smoking population in the city of Rio de Janeiro, in the years 2002-2003. Heterogeneities observed may indicate the need for adopting different recruitment strategies, associated with the existing interventions, to encourage as many and as diverse eligible individuals as possible.


COMUNICAÇÂO BREVE

Perfil dos fumantes que não buscam tratamento para deixar de fumar, município do Rio de Janeiro

André Salem Szklo; Ubirani Barros Otero

Coordenação de Prevenção e Vigilância. Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: André Salem Szklo R. dos Inválidos, 212, 3º andar – Centro 20231-048 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: aszklo@inca.gov.br

RESUMO

É fundamental compreender que os fumantes não são iguais e que determinados fumantes precisam ser conquistados como "potenciais clientes" de programas de intervenção voltados às suas necessidades específicas. O objetivo do estudo foi comparar os perfis de fumantes recrutados para um estudo de intervenção para cessação de fumar com os da população geral de fumantes no município do Rio de Janeiro, nos anos 2002-2003. As heterogeneidades encontradas indicam que diferentes estratégias de captação associadas às intervenções existentes devem ser elaboradas para motivar o maior e mais diversificado número possível de indivíduos elegíveis.

INTRODUÇÃO

Embora tenha havido declínio da prevalência de fumantes no Brasil, de 32% em 1989 para 20% em 2002, existe uma crescente necessidade de se abordar mais amplamente os programas de intervenção para o controle do tabagismo. Para alcançar maior efetividade, esses programas precisam englobar a complexidade das situações culturais e socioeconômicas que fazem parte do contexto dos fumantes por meio de estratégias direcionadas de captação e intervenção para a cessação de fumar.1 2 Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis: Brasil, 15 capitais e Distrito Federal, 2002-2003. Rio de Janeiro; 2004.

Compreender a heterogeneidade entre fumantes é imprescindível para que eles sejam conquistados como "potenciais clientes" de programas de intervenção voltados às suas necessidades específicas. Motivar os fumantes a modificarem os seus comportamentos implica a reflexão de que suas percepções de risco presentes afetam os respectivos comportamentos futuros, assim como os comportamentos presentes afetam as percepções de risco e do estado de saúde atuais.1

A comparação entre fumantes que participam de intervenções para cessão de fumar e fumantes da população geral pode auxiliar na compreensão das características dos fumantes que buscam tratamento e, principalmente, do perfil daqueles que não são sensíveis às estratégias de captação utilizadas. Existem poucos estudos disponíveis no Brasil sobre cessação de fumar e, para as considerações mencionadas aqui, não existem, até o momento, registros em literatura indexada. O presente trabalho teve por objetivo analisar o perfil de fumantes recrutados para um estudo específico de intervenção para cessação de fumar e o perfil da população geral de fumantes.

MÉTODOS

O ensaio clínico randomizado avaliou a efetividade da abordagem cognitivo-comportamental e uso de terapia de reposição de nicotina com adesivos na cessação de fumar, tendo sido realizado em 2002, no município do Rio de Janeiro. O estudo foi divulgado na mídia escrita (jornais de ampla circulação) e falada (programas de rádio). Os critérios de elegibilidade foram: estar fumando no momento, residir no município do Rio de Janeiro e ter idade entre 18 e 59 anos. Após exclusão dos que não preencheram esses critérios durante o cadastramento, foram entrevistados 1.560 voluntários para coleta de dados sociodemográficos e história tabagística. Detalhes sobre a alocação aleatória, cálculo do tamanho amostral e intervenção podem ser observados em publicação anterior.3

Os dados do ensaio randomizado foram comparados aos do "Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco para doenças e agravos não transmissíveis", um estudo transversal de base populacional, realizado em 2002/2003. A população-alvo do inquérito foi composta por indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos, residentes no Distrito Federal e em 15 capitais brasileiras. O modelo de amostragem adotado foi de amostra autoponderada com dois estágios de seleção. As unidades primárias de amostragem foram os setores censitários e as unidades secundárias, os domicílios. Foram selecionados 470 fumantes para o município do Rio de Janeiro, dos quais 415 apresentavam idade entre 18 e 59 anos. Maiores detalhes sobre este estudo podem ser encontrados em publicação anterior.2 2 Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis: Brasil, 15 capitais e Distrito Federal, 2002-2003. Rio de Janeiro; 2004.

Entre os fumantes que buscaram tratamento e os fumantes da população geral, foram calculadas: proporções simples e proporções estimadas segundo sexo, ter idade superior a 39 anos, ter escolaridade igual ou superior ao ensino fundamental completo, fumar o primeiro cigarro dentro de cinco minutos após acordar, consumir 21 cigarros ou mais por dia, apresentar percepção do estado de saúde excelente e situação conjugal. Para o cálculo dos respectivos intervalos de confiança, considerou-se erro tipo I de 5%; para os intervalos das proporções oriundas do Inquérito populacional, utilizou-se o comando svy do aplicativo Stata 8.2 para lidar adequadamente com a estrutura amostral de conglomeração e permitir a incorporação das frações de expansão nas análises; para o cálculo dos intervalos de confiança do ensaio clínico, levou-se em consideração que os dados seguiam distribuição binomial exata oriunda de amostra aleatória simples.

RESULTADOS

De acordo com os dados sociodemográficos (Tabela), entre os indivíduos que buscaram tratamento especializado, as proporções de mulheres, de indivíduos acima de 39 anos e de indivíduos que apresentavam pelo menos o ensino fundamental completo foram superiores às da população de fumantes no município do Rio de Janeiro.

Quanto às variáveis indicadoras de dependência ao tabagismo, as proporções observadas no grupo de indivíduos que buscou tratamento foram praticamente o dobro daquela verificada na população geral de fumantes nas variáveis "fumar o primeiro cigarro nos primeiros cinco minutos do dia" e "consumir mais do que 20 cigarros em média por dia". A idade média de iniciação foi aproximadamente três anos inferior para aqueles fumantes que buscaram a clínica de tratamento.

Observou-se ainda que a proporção de fumantes que relataram suas percepções do estado de saúde como excelente e a proporção de indivíduos solteiros foi praticamente o dobro na população geral quando comparadas aos que buscaram ajuda.

Para todas as comparações citadas anteriormente, os intervalos de confiança calculados para as proporções dos dois estudos não coincidiram.

DISCUSSÃO

Foram comparados os dados oriundos de duas pesquisas que utilizaram metodologias de captação de fumantes diferentes – uma ativa (inquérito domiciliar cuja captação atingiu uma amostra da população elegível), outra reativa (ensaio clínico cuja captação atingiu toda a população de elegíveis). A essa limitação inicial, pode-se ainda acrescentar que algumas perguntas formuladas e utilizadas como desfecho (Tabela), como aquela envolvendo a percepção do estado de saúde, tiveram formas de perguntar e opções de respostas ligeiramente diferentes, assim como ordem nos questionários diversa. Algumas perguntas adicionais definidoras de grau de dependência dos fumantes que procuraram atendimento no ensaio clínico não estavam presentes no inquérito populacional. Por outro lado, perguntas no inquérito envolvendo opiniões sobre a atual Política Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) não estavam presentes no ensaio clínico. Isso dificultou o levantamento de hipóteses sobre os múltiplos e reais motivos que levaram os fumantes a procurarem tratamento.

No presente estudo, as características dos fumantes que procuraram tratamento diferiram das da população geral de fumantes (Tabela). Esses resultados estão de acordo com o descrito na literatura sobre maior participação de mulheres, indivíduos mais velhos e fumantes em estágios mais avançados de dependência. Esses últimos foram identificados pela menor idade de iniciação, menor tempo que demora a fumar o primeiro cigarro após acordar e maior número de cigarros consumidos por dia. Essa maior procura pode refletir suas maiores percepções sobre os benefícios das intervenções para a cessação de fumar, além de piores percepções dos respectivos estados de saúde, quando comparados a homens, jovens e fumantes menos dependentes.2

A maior participação dos fumantes com nível de escolaridade mais elevado pode refletir sua maior interação com a leitura de jornais, uma das estratégias de recrutamento utilizada. Finalmente, a maior proporção de indivíduos casados recrutados para o ensaio clínico pode indicar maior pressão da família, aliada ao suporte afetivo para buscar tratamento. Portanto, de maneira geral, o perfil da população recrutada parece ser função da estratégia de captação utilizada, associada à intervenção proposta e dos contextos socioculturais e/ou organizacionais específicos, determinando a motivação do fumante em participar do estudo.

As ações do PNCT incluem ampla disseminação de informação relacionada à percepção dos efeitos nocivos do cigarro e dos malefícios do fumo passivo para fumantes de ambos os sexos e idades, em diversos estágios de dependência. Contudo, observa-se que provavelmente para os fumantes mais dependentes, a percepção de risco assume uma característica relacionada a risco mais próximo. Tal percepção está intimamente associada àquela de estado de saúde regular ou ruim individual atual, aumentando o interesse dos fumantes em procurar ajuda para evitar uma perda iminente. Já a alteração da percepção de risco e, conseqüentemente, de mudança de comportamento dos fumantes leves, poderá passar por uma avaliação de troca de algo que proporciona prazer por algo que proporcionará tanto ou mais prazer a um custo/risco menor. Sendo assim, para se obter um maior impacto populacional das intervenções multi-direcionadas existentes, diferentes estratégias de captação devem ser elaboradas para motivar o maior e mais diversificado número possível de indivíduos elegíveis.1

Ao se incorporarem as heterogeneidades dos fumantes por meio de políticas de saúde pública direcionadas, poder-se-á, por exemplo, atingir de forma mais eficiente os fumantes menos dependentes, que representam cerca de 90% da população total de fumantes. Além desses, incluem-se os fumantes pertencentes às camadas mais baixas da sociedade, os quais são menos captados atualmente pelos programas de intervenção para o controle do tabagismo.

Recebido: 20/4/2007

Aprovado: 10/9/2007

Financiado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde com a contrapartida do Instituto Nacional de Câncer; pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), contrato nº 4.009.03.05; pela Fogarty International Center of the National Institutes of Health nos Estados Unidos (Process n. R01-HL-73699).

  • 1. Lyna P, McBride C, Samsa G, Pollak KI. Exploring the association between perceived risks of smoking and benefits to quitting: who does not see the link? Addict Behav 2002;27(2):293-307.
  • 2. McKee SA, O´Malley SS, Salovey P, Krishnan-Sarin S, Mazure CM. Perceived risks and benefits of smoking cessation: gender-specific predictors of motivation and treatment outcomes. Addict Behav 2005;30(3):423-35.
  • 3. Otero UB, Perez CA, Szklo M, Esteves GA, Pinho MM, Szklo AS, et al. Ensaio clínico randomizado: efetividade da abordagem cognitivo-comportamental e uso de adesivos transdérmicos de reposição de nicotina, na cessação de fumar, em adultos residentes no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica 2006;22(2):439-49.
  • Correspondência | Correspondence:

    André Salem Szklo
    R. dos Inválidos, 212, 3º andar – Centro
    20231-048 Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Centers for Disease Control and Prevention. Best practices for comprehensive tobacco control programs-August 1999. Atlanta; 1999 [Acesso em 16/4/2007]. Disponível em:
  • 2
    Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis: Brasil, 15 capitais e Distrito Federal, 2002-2003. Rio de Janeiro; 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2007
    • Recebido
      20 Abr 2007
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