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Pontes e obstáculos à apropriação de resultados de estudos e pesquisas para a gestão do SUS

Obstacles and bypasses for the appropriation of study and research results in SUS management

INFORMES TÉCNICOS INSTITUCIONAIS TECHNICAL INSTITUTIONAL REPORTS

Pontes e obstáculos à apropriação de resultados de estudos e pesquisas para a gestão do SUS

Obstacles and bypasses for the appropriation of study and research results in SUS management

Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Decit – Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde Esplanada dos Ministérios Bloco G sala 845 70058-900 Brasília, DF, Brasil

Historicamente no Brasil, a incorporação acritíca de tecnologias1 1 De acordo com a Portaria GM/MS n. 2.510 de 19 de dezembro de 2005, que instituiu a Comissão para Elaboração da Política de Gestão Tecnológica (CPG) no âmbito do Sistema Único de Saúde, o termo "tecnologias" deve ser entendido como compreendendo "medicamentos, materiais e procedimentos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte, e os programas e protocolos assistenciais, por meio dos quais a atenção e os cuidados de saúde são prestados". vem sendo responsabilizada pelo aumento crescente dos custos setoriais em saúde. Esse diagnóstico aparece relacionado às mais diversas situações, referindo-se desde a aquisição de equipamentos e a utilização de novos medicamentos à implementação de práticas e programas inadequados, quando consideradas as características institucionais, demográficas e epidemiológicas prevalentes. Nesse contexto, é essencial identificar os obstáculos à utilização do conhecimento científico como suporte ao processo de decisão dos gestores, bem como as oportunidades e instrumentos disponíveis para superá-los.

De acordo com os dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, "a pesquisa em saúde representa cerca de 30% da produção científica nacional e conta com mais de 24 mil doutores em ciências da saúde e ciências biológicas".2 2 Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ciência e Tecnologia em Saúde, 007. Brasília; 007 (Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 4). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/colec_progestores_livro4.pdf O problema não parece estar, assim, na existência de pesquisadores, embora sua distribuição seja muito heterogênea no território nacional. A concentração de pesquisadores é acentuadamente maior nas regiões Sudeste e Nordeste, e a carência desses profissionais pode ser observada em alguns estados da região Norte e Centro-Oeste.

Nos últimos anos, um número crescente de artigos, produzidos por estudiosos deste tema em muitos países, vem focando o problema na interação entre gestores e pesquisadores. Alguns dos obstáculos são comuns, inclusive aqueles que parecem ter maior identidade com o que pode ser observado no Brasil.

Provavelmente, os obstáculos mais relevantes são relacionados às características do processo de tomada de decisão dos gestores e às dificuldades dos acadêmicos para entendê-las. Entre outros, Gurgel3 3 Gurgel IGD. A pesquisa científica na condução das políticas de controle de doenças transmitidas por vetores [tese de doutorado]. Recife: Instituto Ageu Magalhães da Fiocruz; 2007. aponta como elementos importantes desse processo, no Brasil:

  • o fato de envolver negociação e busca de consensos entre atores de diferentes níveis hierárquicos, setores, instituições;

  • a rotatividade na ocupação de cargos nos órgãos gestores, com solução de continuidade de políticas e programas;

  • a predominância de problemas que exigem respostas rápidas, imediatas;

  • a agilidade na mudança de temas prioritários e / ou de suas abordagens;

  • o papel desempenhado pela ideologia político-partidária e pela ideologia setorial na tomada de decisão;

  • a valorização de experiências e informações diretas em detrimento de estudos e pesquisas.

Ainda segundo essa autora, para que as pesquisas tenham melhores chances de influírem na gestão, elas devem ter uma ou mais das características: estar voltadas para necessidades políticas; atuar na identificação ou no registro da dimensão de problemas; visar ao desenvolvimento de novas idéias ou soluções que expandam o leque de opções possíveis de ação; construir evidências acerca da efetividade das diferentes intervenções políticas; registrar impactos de intervenções sobre a saúde ou sobre as pessoas, sua capacidade de execução e custos; e, principalmente, apresentar seus resultados em formato que possa ser compreendido por gestores e técnicos.

Uma publicação recente do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT)/Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE)/Ministério da Saúde (MS) – "Construindo Pontes entre a Academia e a Gestão da Saúde Pública" – mostra que alguns passos vêm sendo dados para a facilitação desse diálogo por meio da promoção da convergência de agendas de gestão e pesquisa, com a utilização de editais centralizados e descentralizados que permitem aos gestores a explicitação de suas demandas e a identificação de parceiros capazes de atendê-las. Embora o exercício de formulação do problema por parte do gestor e o de sua compreensão e atendimento por parte dos estudiosos sejam ainda incipientes, desde já alguns avanços podem ser identificados. Nessa publicação, são abordadas algumas das prioridades definidas pelos gestores no Pacto pela Vida4 4 A redução da mortalidade infantil e materna, o controle das doenças emergentes e endemias, como a dengue e a hanseníase, e a redução das vítimas de câncer de colo de útero e de mama, além da implementação da Política Nacional de Saúde do Idoso, à elaboração e implantação de uma Política Nacional de Promoção da Saúde e à consolidação da Atenção Básica à Saúde tendo como prioridade o Programa Saúde da Família (PSF). e a presença desses temas nos projetos apoiados pela SCTIE no último quadriênio, sendo observada uma correlação expressiva.

Além dos obstáculos citados anteriormente, outros, mais identificados com a realidade brasileira, devem também ser considerados. Entre eles destacam-se os relativos ao acesso dos gestores à informação e a algumas características das organizações. No primeiro caso, incluem-se o perfil de escolaridade dos gestores e a diversidade de sua formação profissional, além das dificuldades para utilização de microcomputadores e de acesso à Internet. No segundo, uma estrutura de tomada de decisão descentralizada e uma burocracia muitas vezes resistente a inovações, o que provoca demoras em sua apropriação pelo setor.

Ao lado das diferenças esperadas entre pessoas que optam por se dedicar a atividades acadêmicas e aquelas que atuam na execução de ações e serviços, outros fatores contribuem para as dificuldades de comunicação entre elas no Brasil, particularmente no que se refere à forma e conteúdo das colocações. Há poucas informações relacionadas ao perfil profissional dos técnicos das secretarias de saúde. De acordo com pesquisa realizada por Fleury et al5 5 Fleury S, Carvalho AI, Manotas N, Bloch R, Nevares S. Municipalização da saúde e poder local no Brasil. Rev Adm Publica. 1997;31(5). Disponível em: http://www.ebape.fgv.br/academico/pdf/municipalizacao_saude_21_enanpad.pdf (1997) sobre o perfil dos secretários municipais de saúde, aproximadamente 30% deles não tinham o curso superior completo e em torno de 35% não eram originários da área de saúde. A julgar por pesquisas estaduais realizadas em anos posteriores,6 6 Souza AACL. O Perfil dos secretários municipais de saúde em Minas Gerais e a organização dos programas e projetos municipais. Rev Min Saude Publica. 2002;1(1). Disponível em: http://www.esp.mg.gov.br/comunicacao/imagens_comunicacao/revista/4%20- %20O%20perfil%20dos%20Secretarios%20Municipais%20de%20Saude.pdf. Vilar RLA. O estudo sobre o perfil dos gestores municipais de saúde do estado do Rio Grande do Norte. Natal: Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2001. Pinto Sobrinho LC, Moura F. Rodrigues FM. Identificação do perfil profissional dos responsáveis pela saúde nos municípios do Rio Grande do Sul. In: Rede Observatório RH da Escola de Saúde Pública. Perfil profissional e a formação em saúde no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; 2006. Disponível em: http://www.esp.rs.gov.br/observatoriorh/img2/projpinto.pdf esse quadro não vem apresentando mudanças substanciais. Esses percentuais são maiores nos extratos de municípios menos populosos.

Por sua vez, as dificuldades relacionadas ao acesso à Internet e à utilização de microcomputadores se refletem diretamente como dificuldades de acesso ao conhecimento. Segundo publicação recente do Ministério da Educação e parceiros,7 7 Waiselfise JJ. Lápis, Borracha e Teclado: tecnologia da informação na educação – Brasil e América Latina. Rede de Informação Tecnológica Latino-americana. Brasília: Ritla / Instituto Sangari / Ministério da Educação; 2007. Disponível em: http://www.ritla.net/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=83 com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o uso de Internet e computadores aumentou entre 2001 e 2005, 62,9% e 48,4%, respectivamente. Apesar disso, profundas desigualdades regionais foram observadas:

"em um extremo, o Norte e o Nordeste, com 7,9 e 7,6% de sua população com posse de computador no domicílio e 4,3 e 5,2% de sua população conectada à Internet. Em outro extremo, as regiões Sudeste e Sul, com 25,8 e 24,1% de micros domiciliares e 19,5 e 17,6% de disponibilidade de Internet na moradia. As unidades federadas apresentam situações mais extremas ainda, que vão desde o Maranhão, com 3,6% pessoas com computador e 1,7% de Internet nos domicílios, até o Distrito Federal, com 37,2% com computador e 29% com acesso à Internet no domicílio."

O próprio potencial de crescimento da utilização da Internet é limitado, quando avaliado sob a luz de um levantamento realizado pelo Ministério das Comunicações. Em 2006,

No que se refere à incorporação de inovações pelas secretarias de saúde, genericamente referidas como "organizações" anteriormente, poucas são as informações disponíveis. É lícito supor, no entanto, que isso aconteça de forma também heterogênea entre as unidades da federação, considerado o arranjo institucional definido pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), envolvendo a descentralização do processo decisório. De fato, isso pode ser observado nos resultados das auto-avaliações de nove secretarias estaduais de saúde (SES), com a utilização do instrumento denominado Funções Essenciais de Saúde Pública (FESP), proposto pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e adaptado para a gestão estadual do SUS pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS).8 8 Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A gestão da saúde nos estados: avaliação e fortalecimento das funções essenciais. Brasília; 2007. Disponível em: http://www.conass.org.br/admin/arquivos/livro_fesp_final_completo Nesse instrumento, a décima função, ou FESP SUS 10, se relaciona à Pesquisa e Incorporação Tecnológica em Saúde e, nela, três indicadores são avaliados:

  • desenvolvimento de uma Agenda Estadual de Pesquisa em Saúde;

  • desenvolvimento da capacidade institucional de pesquisa e incorporação tecnológica; e

  • cooperação e apoio aos municípios, diretamente ou em parceria com instituições acadêmicas, para o desenvolvimento de pesquisas em saúde.

Numa faixa de 0 a 1, a média das nove SES para essa função foi de 0,51, com variação de 0,35 a 0,80, enquanto a da similar da OPS, para 41 países da América Latina e Caribe, foi de 0,55. Ainda, seis das nove SES, ou 66,7%, se avaliaram abaixo da média.

Com base em todas essas informações, a SCTIE/MS vem trabalhando em diversas frentes com vistas a facilitar o acesso do gestor ao conhecimento científico e a favorecer sua interação com pesquisadores. Entre as estratégias propostas, muitas já implementadas ou em processo de implementação, podem ser citadas: a utilização de diferentes mídias para disseminação (Internet, rádio, TV, publicações); publicações de diferentes naturezas (livros, revista temática, boletins, artigos em revistas de ampla circulação); premiação e divulgação de teses de mestrado, doutorado, especialização e trabalhos publicados; apoio a eventos técnicos e científicos de naturezas diversas; construção de Portal do DECIT, em parceria com a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/BIREME); seminários temáticos nacionais e regionais com a participação de pesquisadores, divulgadores, gestores; promoção de capacitação em divulgação científica.

Trata-se na verdade de disponibilizar novos instrumentos e espaços que possam conectar processos que, de outra forma, ocorreriam de forma independente, propiciando "momentos de oportunidade". Como ensina Báscolo,9 9 Ernesto Pablo Báscolo, citando Trostle, Bronfman y Langer, em sua apresentação "Utilización de los resultados de la investigación en el proceso de decisión, formulación e implementación de políticas: una revisión de la literatura", no I Congreso Nacional de Investigación en Salud Pública, Bogotá / Colômbia, em 25 de outubro de 2006. "momentos de oportunidade" se prestam "para que os atores de um dos processos (investigação ou gestão) possam aprender de ou contribuir para os do outro. O principal desafio de utilizar a investigação para as políticas consiste em aprender a criar ou reconhecer esses momentos e atuar eficientemente para tirar vantagem deles."

Texto de difusão técnico-científica do Ministério de Saúde.

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    2 Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ciência e Tecnologia em Saúde, 007. Brasília; 007 (Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 4). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/colec_progestores_livro4.pdf havia menos de 700 municípios no Brasil com infra-estrutura de transmissão de dados de alta capacidade, concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
  • Correspondência | Correspondence:
    Decit – Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde
    Esplanada dos Ministérios
    Bloco G sala 845
    70058-900 Brasília, DF, Brasil
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    De acordo com a Portaria GM/MS n. 2.510 de 19 de dezembro de 2005, que instituiu a Comissão para Elaboração da Política de Gestão Tecnológica (CPG) no âmbito do Sistema Único de Saúde, o termo "tecnologias" deve ser entendido como compreendendo "medicamentos, materiais e procedimentos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte, e os programas e protocolos assistenciais, por meio dos quais a atenção e os cuidados de saúde são prestados".
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    Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Ciência e Tecnologia em Saúde, 007. Brasília; 007 (Coleção Progestores – Para entender a gestão do SUS, 4). Disponível em:
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    Gurgel IGD. A pesquisa científica na condução das políticas de controle de doenças transmitidas por vetores [tese de doutorado]. Recife: Instituto Ageu Magalhães da Fiocruz; 2007.
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    A redução da mortalidade infantil e materna, o controle das doenças emergentes e endemias, como a dengue e a hanseníase, e a redução das vítimas de câncer de colo de útero e de mama, além da implementação da Política Nacional de Saúde do Idoso, à elaboração e implantação de uma Política Nacional de Promoção da Saúde e à consolidação da Atenção Básica à Saúde tendo como prioridade o Programa Saúde da Família (PSF).
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    Fleury S, Carvalho AI, Manotas N, Bloch R, Nevares S. Municipalização da saúde e poder local no Brasil.
    Rev Adm Publica. 1997;31(5). Disponível em:
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    Souza AACL. O Perfil dos secretários municipais de saúde em Minas Gerais e a organização dos programas e projetos municipais.
    Rev Min Saude Publica. 2002;1(1). Disponível em:
    http://www.esp.mg.gov.br/comunicacao/imagens_comunicacao/revista/4%20- %20O%20perfil%20dos%20Secretarios%20Municipais%20de%20Saude.pdf. Vilar RLA. O estudo sobre o perfil dos gestores municipais de saúde do estado do Rio Grande do Norte. Natal: Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2001. Pinto Sobrinho LC, Moura F. Rodrigues FM. Identificação do perfil profissional dos responsáveis pela saúde nos municípios do Rio Grande do Sul. In: Rede Observatório RH da Escola de Saúde Pública. Perfil profissional e a formação em saúde no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; 2006. Disponível em:
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    Waiselfise JJ. Lápis, Borracha e Teclado: tecnologia da informação na educação – Brasil e América Latina. Rede de Informação Tecnológica Latino-americana. Brasília: Ritla / Instituto Sangari / Ministério da Educação; 2007. Disponível em:
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    Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A gestão da saúde nos estados: avaliação e fortalecimento das funções essenciais. Brasília; 2007. Disponível em:
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    Ernesto Pablo Báscolo, citando Trostle, Bronfman y Langer, em sua apresentação "Utilización de los resultados de la investigación en el proceso de decisión, formulación e implementación de políticas: una revisión de la literatura", no I Congreso Nacional de Investigación en Salud Pública, Bogotá / Colômbia, em 25 de outubro de 2006.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008
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