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Universidade como coping para lidar com o trabalho na assistência do mestrando enfermeiro

Resumos

OBJETIVO: Analisar a relação entre os principais indícios de estresse, coping e estressores em mestrandos enfermeiros e o processo de elaboração da dissertação com sua inserção profissional. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Pesquisa exploratória qualitativa de análise temática utilizando entrevistas individuais. A amostra de conveniência consistiu de 18 mestrandos e seis orientadores de uma universidade do Estado de São Paulo, em 2004. ANÁLISE DOS RESULTADOS: Apesar de o curso apresentar momentos estressantes, os mestrandos consideravam o estudo como oportunidade de abandonar a assistência para vir a lecionar. O aspecto mais prazeroso da pós-graduação foi dispor de um ambiente de reflexão das questões profissionais, reforçando a visão do mestrado como fuga e busca de suporte. O mestrado era visto pelo enfermeiro como fórum de legitimação do saber para conquistar o reconhecimento profissional não encontrado na assistência, onde se sentia desprestigiado, emergindo possivelmente deste contexto sua necessidade de "fugir" do hospital. CONCLUSÕES: Para os mestrandos de enfermagem o mestrado era menos estressante que suas atividades profissionais, consistindo em coping de fuga e busca de suporte para lidar com a prática assistencial.

Estudantes; Estresse Psicológico; Dissertações Acadêmicas; Pesquisa Qualitativa; Programas de Pós-Graduação em Saúde


OBJECTIVE: To assess the main signs of stress, coping and stressors of nursing Master's students, and the process of writing their dissertation with professional insertion. METHODOLOGICAL PROCEDURES: A explorative qualitative research of thematic analysis was conducted using individual interviews. The convenience sample comprised 18 Master's students and six tutors of a university in the State of São Paulo, in 2004. ANALYSIS OF RESULTS: Although the course was stressful at times, Master's students considered the study as an opportunity to leave care and start teaching. The most satisfying aspect of the post graduation course was to be in an environment where professional issues were reflected upon reinforcing the view of Master degree as an escape and a search for support. The Master's degree was seen by nurses as the legitimization of knowledge to be professionally recognized. That does not occur in care, where they feel neglected, and probably from this context there is this need of "escaping" from the hospital. CONCLUSIONS: For nursing Master's students, the Master's course was less stressful than their professional activities, and it was a way of coping, escaping, and looking for support to deal with care.

Students; Stress, Psychological; Dissertations, Academic; Qualitative Research; Health Postgraduate Programs


ARTIGOS ORIGINAIS

Universidade como coping para lidar com o trabalho na assistência do mestrando enfermeiro

Yasmin Lilla Veronica BujdosoI; Amélia CohnII

IPrograma de Pós-graduação da Faculdade de Medicina (FM). Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP, Brasil.

IIDepartamento de Medicina Preventiva. FM/USP. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Yasmin Lilla Veronica Bujdoso Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo 455, 2º andar 01246-903 São Paulo, SP, Brasil E-mail: yasminlilla@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a relação entre os principais indícios de estresse, coping e estressores em mestrandos enfermeiros e o processo de elaboração da dissertação com sua inserção profissional.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Pesquisa exploratória qualitativa de análise temática utilizando entrevistas individuais. A amostra de conveniência consistiu de 18 mestrandos e seis orientadores de uma universidade do Estado de São Paulo, em 2004.

ANÁLISE DOS RESULTADOS: Apesar de o curso apresentar momentos estressantes, os mestrandos consideravam o estudo como oportunidade de abandonar a assistência para vir a lecionar. O aspecto mais prazeroso da pós-graduação foi dispor de um ambiente de reflexão das questões profissionais, reforçando a visão do mestrado como fuga e busca de suporte. O mestrado era visto pelo enfermeiro como fórum de legitimação do saber para conquistar o reconhecimento profissional não encontrado na assistência, onde se sentia desprestigiado, emergindo possivelmente deste contexto sua necessidade de "fugir" do hospital.

CONCLUSÕES: Para os mestrandos de enfermagem o mestrado era menos estressante que suas atividades profissionais, consistindo em coping de fuga e busca de suporte para lidar com a prática assistencial.

Descritores: Estudantes. Estresse Psicológico. Dissertações Acadêmicas. Pesquisa Qualitativa. Programas de Pós-Graduação em Saúde.

INTRODUÇÃO

As pesquisas acerca de estresse e respectivas estratégias de coping são eminentemente quantitativas, onde se aplicam questionários padronizados que dificultam a análise de especificidades da subjetividade dos distintos sujeitos envolvidos, pela continência das questões demandadas por esse tipo de instrumento. E de fato, Laurell & Noriega12 (1989) alertam para a importância da escolha da abordagem teórico-metodológica quando o pesquisador se encontra diante de um problema que requer uma reformulação em relação à maneira dominante de conceituá-lo.

Entre diversos temas relevantes para pesquisas futuras sobre estresse, Dewe et al9 (1993) enfatizam a necessidade de se mensurar o significado que os sujeitos atribuem aos eventos a que estão sujeitos, mas não explicitam quais categorias seriam representativas da subjetividade nesse processo. Já Pearlin18 (1986) enfatiza a necessidade de deixar de buscar identificar causas específicas de estresse, pois este é um processo que relacionado a diferentes papéis que o indivíduo desempenha na sociedade. Por outro lado, pessoas com experiências similares de vida não são necessariamente afetadas da mesma forma, provavelmente em função de seus diferentes repertórios de coping. Para Newton,17 (1989) há necessidade da realização de pesquisas qualitativas para investigar estresse e coping, em vez de se realizar uma mera releitura de métodos quantitativos já existentes.

Há excessiva preocupação com classificação e especialização dos instrumentos quantitativos que avaliam o estresse e o coping, o que distancia a visão de processo. As fontes de estresse podem vir do ambiente externo, como violência; do trabalho, como medo de perder o emprego; ou de ameaças mais genéricas como recessão econômica. Porém há experiências menos estressantes que estão presentes no cotidiano, que causam estresse crônico e tensões constantes que demandam a adaptação do indivíduo.

A profissionalização do enfermeiro é permeada por uma dificuldade de delimitação do espaço institucional de suas funções e, conseqüentemente, de apropriação de seu objeto idealizado de trabalho – o cuidado. Isso poderia se refletir no objeto de pesquisa do mestrando enfermeiro, podendo a dissertação consistir na busca de respostas para lidar com sua dificuldade ocupacional.

Autores como Silva20 (1986) discorrem sobre aspectos particulares da profissão e destacam a dificuldade de delimitação das funções da enfermagem, o que pode refletir na escolha do tema e no desenvolvimento da dissertação. Essa problemática contribuiu para a escolha do mestrando de enfermagem como sujeito da presente pesquisa.

Analisando pesquisas recentes acerca da formação do enfermeiro, Chirelli & Mishima7 (2004), entre outros, constatam que a formação na enfermagem ainda enfatiza a dimensão técnica, havendo um conflito entre os valores conhecimento e cuidado. Esses profissionais lidam ainda com a quebra do significado da relação do cuidar pela falta de clareza de sua função, fato documentado em pesquisas anteriores, como a de Silva20 (1986). Professoras pesquisadoras como Mendes13 (1991) também atentam para essa dicotomia entre o ensino e a prática.

Trata-se de problemática complexa, voltada para o profissional de enfermagem na condição de aluno de pós-graduação. São relações entre a qualidade da produção acadêmica, a formação de uma elite pensante, a real vocação do curso de pós-graduação na formação de pesquisadores, a maior qualificação profissionalizante e fatores técnicos, econômicos, políticos e ideológico-culturais – questões que não se esgotam no presente estudo.

O objetivo do estudo foi analisar a relação entre os principais indícios de estresse, coping e estressores em mestrandos enfermeiros ao processo de elaboração da dissertação com sua inserção profissional.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada em faculdade de enfermagem de uma universidade do estado de São Paulo. O trabalho de campo consistiu de uma pesquisa exploratória de abordagem qualitativa, utilizando-se como instrumento de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas individuais gravadas com 18 mestrandos ingressantes em 2001, 2002 e 2003 e seis orientadores de cada uma das seis áreas de concentração da unidade: administração de serviços de enfermagem, enfermagem obstétrica e neonatal, enfermagem pediátrica, enfermagem psiquiátrica, enfermagem em saúde coletiva e enfermagem na saúde do adulto.

Foram entrevistados mestrandos em diferentes estágios de desenvolvimento do mestrado e a amostra foi por conveniência.

O procedimento operacional que norteou a coleta e a organização do material foi a análise temática.

Foram pesquisados aspectos subjetivos relacionados ao trabalho acadêmico e profissional do mestrando de enfermagem, dado que o objeto da dissertação e do trabalho se inter-relacionam, podendo assim gerar conflitos tanto pelo excesso de aproximação, quanto pelo excesso de distanciamento entre ambos.

A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina e da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os discursos apresentados são de mestrandos (M) ou orientadores (O).

A maioria dos mestrandos era recém-formada em instituições públicas; era especializada e pensou em realizar o mestrado após ter concluído a graduação; trabalhava em hospital, relatando interesse em ser bolsista e apenas estudar. Porém foi com freqüência enfatizada a impossibilidade de se viver apenas com o valor da bolsa.

"Não posso largar o trabalho, até porque eu não tenho bolsa e nem posso ter bolsa porque eu tenho vínculo empregatício, e mesmo com a bolsa [é] (...) simbólica, porque (...) é uma coisa ridícula, (...) como que eles dão uma bolsa dessa!" (M)

O orientador foi escolhido em função de sua linha de pesquisa. Os mestrandos foram levados a modificar o objeto e a metodologia da dissertação para se adequarem ao do orientador. Quando havia proximidade entre o objeto de estudo e aquele do seu trabalho, houve preocupação por não se conseguir um devido distanciamento entre ambos. Por outro lado, reconheceram que isso facilitou a apropriação do objeto da dissertação, pois emergiu de uma questão formulada a partir do trabalho cotidiano.

"Foi uma coisa casada, e super importante, porque eu trabalhava naquilo que eu estava estudando" (M)

Quando existia um distanciamento com o objeto de estudo, a formulação do problema e o desenvolvimento da dissertação ficavam confusos. Embora os mestrandos ficassem frustrados por não desenvolverem o tema que tinham proposto, mostravam-se resignados em ter que seguir a linha de pesquisa do seu orientador.

"A orientadora que você tem vai definir qual vai ser seu pré-projeto (...) a linha de pesquisa dela é [tema] eu tinha que me aderir à linha de pesquisa dela" (M)

Em relação à escolha de objeto de pesquisa do mestrando, há necessidade de conciliar as demandas internas e externas (Bourdieu2 2004), pois desconsiderar a relação do sujeito com seu trabalho pode ser perigoso para a saúde mental (Dejours8 1999). Porém, tampouco se pode desconsiderar os compromissos e adesões necessárias para ser um pesquisador (Kuhn11 2003), como também seus aspectos organizacionais (Giannotti10 1987).

Segundo Giannotti,10 (1987) assim como se perde paulatinamente o paradigma do trabalho artesão, a prática da ciência é mais do que simples ato de conhecer, de elaborar uma visão cobrindo parte da realidade, resultante de uma curiosidade contemplativa. Tal prática resulta de uma organização que abrange pesquisadores, funcionários tolhidos por uma infra-estrutura extraordinária, onde os indivíduos se tornam substituíveis, perdendo-se com isso o vínculo íntimo que ligava o inventor do problema e da solução.

A problemática da adequação do objeto refere-se ainda à divisão excessiva do recorte e de sua delimitação bibliográfica atrelada a grupos,11 à hierarquização de objetos em legítimos ou não2 e seu comprometimento aos interesses historicamente construídos,15 tornando a tese mera reprodução de pesquisas já realizadas4,22 pela falta de autonomia do estudante.2,7,22

A relação entre ensino e pesquisa está condicionada à sua suposta indissociabilidade (Chauí7 2001; Giannotti10 1987) bem como à tensão entre graduação e pós-graduação, ou seja, entre ensino e pesquisa (Buarque4 1994; Santos19 2003). Buarque4 (1994) analisa que a pós-graduação seria o melhor espaço da universidade para a reflexão de novas idéias enquanto um centro privilegiado da produção de pesquisas. Todavia, a pós-graduação no Brasil sofreu o desvio de se transformar em um programa formal de ensino para compensar as deficiências da graduação, assemelhando-se mais a curso de terceiro grau do que a centro de avanço do conhecimento e de produção de pensamento.4

Os mestrandos procuravam o orientador com aproximadamente um ano de antecedência da matrícula para prepararem o pré-projeto para que estivesse pronto para o exame de qualificação, dado o prazo exíguo de 30 meses para a conclusão do mestrado. Já a pressão dos órgãos de avaliação de pós-graduação foi uma preocupação para os orientadores, que consideravam que esse prazo comprometia todo o desenvolvimento da dissertação; havia preocupação em selecionar mestrandos que terminassem a dissertação no prazo e não os fizessem perder tempo.

"Fui mais cuidadosa, com mais ou menos um ano de antecedência procurei a professora e apresentei o projeto". (M)

A relação com o orientador revelou-se ambivalente: os mestrandos se sentiam cobrados pelos orientadores e ao mesmo tempo, esperavam que os orientadores estivessem sempre disponíveis, mesmo quando eram os mestrandos que estavam atrasados no cumprimento de um determinado prazo, como depósito para o exame de qualificação, dar entrada em comitê de ética em pesquisa ou depositar a dissertação. Os orientadores tinham preferência pelos mestrandos mais jovens, que já tinham tido experiência com bolsa de iniciação científica; porém, não negavam acesso aos mais velhos, com maior experiência de vida, mas que também apresentavam maior dificuldade para lidar com os aspectos metodológicos. A preocupação com a qualidade do trabalho foi mais evidente no relato dos orientadores, que referiam que os mestrandos manifestavam maior preocupação com a utilidade de seu mestrado para a prática profissional da enfermagem.

"Não adianta fazer qualquer coisinha (...) não fica bem com a gente mesmo (...) não estão preocupados com a qualidade, que a principal preocupação em relação à qualidade é do orientador". (O)

Houve diversas questões acadêmicas que permearam o processo de elaboração da dissertação, como a preocupação em conciliar no campo prático os conhecimentos desenvolvidos no campo teórico.

"Existem coisas que você aprende aqui dentro que infelizmente você não consegue pôr na prática, lá fora, que é o teu campo (...) e é uma tristeza que tudo se resume só dentro da universidade, para um número pequeno de pessoas, e a gente não vai pra quem é realmente o nosso objeto de estudo". (M)

A dificuldade de conciliar na prática os ensinamentos teóricos é uma questão levantada em pesquisas com graduandos de enfermagem (Ax & Kincade1 2001; Chirelli & Mishima7 2004). Alguns dos orientadores entrevistados manifestaram considerar, dentro do possível, a incorporação dos questionamentos advindos do trabalho no mestrado como forma de buscar respostas para os conflitos ocupacionais enfrentados pelos mestrandos. Um dos orientadores foi enfático em colocar as limitações que a linha de pesquisa impõe para a escolha do tema da dissertação, o que inviabilizaria que o mestrando estudasse uma questão pessoal de trabalho.

Apesar de a maioria dos mestrandos relatar que o motivo para realizar o mestrado era lecionar, os orientadores descreviam a pós-graduação como fundamentalmente ensino de pesquisa e não de docência, embora reconhecessem a necessidade de a universidade estar mais próxima da assistência.

"O mestrado está um pouco distanciado do ensino; ensino eu deixo muito a desejar, quase que absolutamente nulo, acabam achando que ser mestre é você fazer pesquisa". (O)

A pós-graduação era sentida pelos mestrandos como um caminho para sua valorização dentro da equipe de trabalho e pelos outros profissionais da saúde, principalmente em relação ao médico. Eles acreditavam que a aquisição de conhecimentos propiciados pelo mestrado era vista como uma forma de obter maior poder, pois sentiam que a submissão e a obediência eram questões presentes na sua realidade de trabalho.

"A enfermagem é pouco reconhecida, ainda tem a estigma de (...) sermos obedientes ao médico, e a gente está num patamar igual, a diferença é que a gente cursou enfermagem e ele cursou medicina; e eu acho que a hora que você começa a (...) desenvolver a vida acadêmica, então isso vai ter um reconhecimento muito maior". (M)

O conhecimento é uma forma de se obter maior poder (Bourdieu3 2001; Castellanos5 1988; Nakamae16 1987). Um pesquisador deve intervir no mundo político, pois sua autoridade social se deve a seu suposto respeito pelas "leis morais não-escritas" e à sua competência técnica; são intelectuais indispensáveis à luta social, considerando as formas absolutamente novas assumidas pela dominação (Bourdieu3 2001). Para o enfermeiro, o processo de pesquisa induz a questionamento acerca da realidade em que está inserido e o saber advindo desse exercício de indagação confere a seu detentor um novo poder, que afeta o equilíbrio das forças em jogo (Nakamae16 1987).

Em relação à hegemonia médica, as práticas de saúde contribuíram para a reprodução das estruturas sociais. A apropriação do conhecimento restrito aos agentes hierarquicamente superiores – difundido seletivamente pelas universidades – e os regulamentos corporativos proibindo a execução de várias atividades por agentes não qualificados perpetuam na sociedade a posição inferior da mulher em relação ao homem, e da enfermeira em relação ao médico (Castellanos5 1988).

Os mestrandos na sua prática assistencial assumiam o papel de trabalhadores intelectuais da enfermagem, uma vez que ocupavam cargos de chefia ou de supervisão nos hospitais públicos e privados, e aqueles que estavam vinculados a instituições públicas realizavam programas de saúde específicos exerciam cargos de gerência (Centros de Atenção Psicossocial, Programa de Saúde da Família). No entanto, os mestrandos viam a profissão associada ao hospital e os que lá trabalhavam declararam falta de opção, aguardando uma oportunidade no ensino e saída do hospital que o mestrado permitiria. Os que ingressaram no mestrado imediatamente após a graduação, viam o estudo como oportunidade de não trabalharem em instituições hospitalares; o mesmo ocorrendo com os que trabalhavam em instituições públicas não hospitalares.

"Daqui uns dois anos eu quero sair do hospital e ficar só com a docência". (M)

O modelo médico-hospitalar não promove a autoridade nem a autonomia do enfermeiro para refletir sobre a intencionalidade dos seus atos e o conteúdo do "núcleo técnico-científico" que os orienta, pois afetam o tipo, o conteúdo e os propósitos das suas intervenções. Todavia, dada a necessidade de serem considerados "seres racionais", e como tal capazes de criação e "auto-desenvolvimento", acabam por refletir sobre si mesmos e sobre suas atuações (Castellanos5 1988).

As questões relativas ao conflito da própria profissão influenciaram o processo de dissertação, pois os mestrandos e orientadores relataram características marcantes do enfermeiro que acreditavam que se reproduziam na universidade. Os mestrandos e orientadores viam o enfermeiro como um ser autoritário, abnegado, prático, sistemático, que seguia normas, imagem que coincide com a literatura (Castellanos5 1987; Mendes Gonçalves14 1994), é sistemático e autoritário (Mendes Gonçalves14 1994) e busca autonomia (Castellanos5 1987; Nakamae16 1987).

"O comportamento dos enfermeiros não é muito flexível, são rígidos, são conservadores (...) têm que fazer coisas práticas (...) são muito autoritários" (M)

Os principais indícios de estresse psíquico nos mestrandos e registrados pelos orientadores foram ansiedade, insônia (ou sono excessivo com menor freqüência), nervosismo (irritação, briga), medo e insegurança, bloqueio (esquecimento de palavras, dispersão), alteração na voz (engasgo, nó na garganta, gaguejo), esgotamento, depressão (abalo, arrasado) e alteração de humor.

No que diz respeito aos indícios de estresse físico, estes consistiram em: taquicardia (ou aperto no peito), problemas digestivos (gastrite, dor de estômago), tensão (dores no corpo), alteração de peso (mais freqüente engordar, emagrecer), dor de cabeça ou enxaqueca, alteração menstrual ou problema hormonal, sudorese, queda da imunidade (gripes freqüentes), e somatização (manchas no corpo, formigamento).

Os principais indícios de mecanismos de coping entre os mestrandos e relatados pelos orientadores foram: mecanismos de fuga, busca de suporte, racionalização ou planejamento, descarga emocional (principalmente chorar), comer em excesso, realizar outras atividades e ver a realização do mestrado como desafio.

O processo de elaboração da dissertação teve como principais estressores conciliar mestrado, trabalho, lar e vida pessoal e lidar com o prazo de conclusão.

"Foi complicado por conta do tempo (...) trabalhar (...) tinha dois chefes, (...) não tinha vida pessoal, social não, só com meu parceiro (...) não fui ao aniversário de ninguém (...) não dá pra estar em dois lugares ao mesmo tempo". (M)

A ansiedade é o indício de estresse psíquico mais encontrado em pesquisas com graduandos de enfermagem.1 Lidar com o tempo e o prazo é o estressor mais encontrado, tanto em pesquisas com graduandos de enfermagem (Ax & Kincade1) como em pesquisas com enfermeiras (Silva & Bianchi21 1992), o que reforça os achados da presente pesquisa.

Na análise dos aspectos mais prazerosos, o que se destacou foi a visão do mestrado como um espaço de discussão. Consistia na busca de suporte das questões do trabalho, e como fuga quando relatavam o "dentro" e "fora" da universidade; o "dentro" protegendo-os do "fora", reforçando com isso a perspectiva da opção do mestrado como mecanismo de coping que facilitaria poder lecionar e com isso se libertar do trabalho no hospital.

"Uma fuga, acabo jogando tudo pra escola é o dia que você chega e dorme na cadeira, responde mal, é onde libero meus bichos". (M)

CONCLUSÕES

O mestrando de enfermagem não tinha claramente definida a finalidade de seu trabalho acadêmico; qual seria sua ocupação ideal – se enfermeiro, pesquisador ou professor; qual seria a utilidade de sua pesquisa para a prática da enfermagem, apesar de sua preocupação com este aspecto e que mudanças isso traria para sua vida.

Para os mestrandos de enfermagem o mestrado era menos estressante que o trabalho, consistindo o estudo em coping de fuga e busca de suporte para lidar com a prática assistencial. O mestrado era visto como um espaço de legitimação do saber e de seu trabalho intelectual, para conquistar o reconhecimento que não encontrava na assistência, onde era ou se sentia desprestigiado, emergindo possivelmente deste contexto sua necessidade de "fugir" do hospital.

Recebido: 9/3/2007

Revisado: 6/9/2007

Aprovado: 1/10/2007

Artigo baseado em dissertação de mestrado de YLV Bujdoso, apresentada ao Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 2005.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      01 Out 2007
    • Recebido
      09 Mar 2007
    • Revisado
      06 Set 2007
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