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Risco relativo para Aids de homens homo/bissexuais em relação aos heterossexuais

Resumos

OBJETIVO: Analisar o risco relativo para Aids na população de homens que fazem sexo com homens em relação à população heterossexual masculina. MÉTODOS: Foram utilizadas estimativas sobre a proporção de homens que fazem sexo com homens no Brasil e dados de Aids do Sistema Nacionald e Agravos de Notificação. Foram calculadas estimativas para o risco relativo (RR) para Aids desta população em relação à população heterossexual masculina do Brasil; cidade e estado de São Paulo; e cidade e estado do Rio de Janeiro, para o período de 1996 a 2003. As trajetórias do RR neste período também foram analisadas. RESULTADOS: As estimativas do RR declinaram, mostrando tendência de estabilização: de 34,3 para 19,3 no País como um todo e entre 32,1 e 6,3 nos locais analisados. Para o País em 2003, o RR dos bissexuais masculinos em relação à população heterossexual masculina era 16. O RR para homossexuais exclusivos teve trajetória decrescente em todos os locais analisados, mas não para os bissexuais. CONCLUSÕES: O risco relativo para homens que fazem sexo com homens foi mais elevado em relação aos heterossexuais, em todos os locais. Esse resultado indica alta e persistente vulnerabilidade dessa população.

Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Homossexualidade Masculina; Heterossexualidade; Comportamento Sexual; Fatores de Risco; Vulnerabilidade em Saúde


OBJECTIVE: To assess the relative risk for AIDS between men who have sex with other men and heterosexual men. METHODS: Estimates on the proportion of men who have sex with men in Brazil and AIDS data from Brazil's Information System for Notifiable Diseases, were utilized. Estimates were calculated for the relative risk (RR) for AIDS of men who have sex with men with respect to heterosexual masculine population in Brazil; state and city of São Paulo; and state and city of Rio de Janeiro, from 1996 to 2003. The trajectory of the RR in this period was also analyzed. RESULTS: The estimates for relative risk decreased, with a tendency to stabilize: from 34.3 to 19.3 in the entire country and from 32.1 and 6.3 in the locations analyzed. In the country in 2003, the relative risk of bisexual men in relation to heterosexual men was 16.0. The RR for exclusive homosexuals had a decreasing trajectory in all of the locations studied, but not for the bisexual population. CONCLUSIONS: In all locations, the relative risk for men who have sex with other men was higher in relation to heterosexual men. This result indicates a high and persistent vulnerability among this population.

Acquired Immunodeficiency Syndrome; Homosexuality, Male; Heterosexuality Health; Sexual Behavior; Risk Factors; Vulnerability


ARTIGO ORIGINAL

Risco relativo para Aids de homens homo/bissexuais em relação aos heterossexuais

Jorge A Beloqui

Instituto de Matemática e Estatística. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Jorge A Beloqui Instituto de Matemática e Estatística Universidade de São Paulo Cx. Postal 66281 05311-970 São Paulo, SP, Brasil E-mail: jbeloqui@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o risco relativo para Aids na população de homens que fazem sexo com homens em relação à população heterossexual masculina.

MÉTODOS: Foram utilizadas estimativas sobre a proporção de homens que fazem sexo com homens no Brasil e dados de Aids do Sistema Nacionald e Agravos de Notificação. Foram calculadas estimativas para o risco relativo (RR) para Aids desta população em relação à população heterossexual masculina do Brasil; cidade e estado de São Paulo; e cidade e estado do Rio de Janeiro, para o período de 1996 a 2003. As trajetórias do RR neste período também foram analisadas.

RESULTADOS: As estimativas do RR declinaram, mostrando tendência de estabilização: de 34,3 para 19,3 no País como um todo e entre 32,1 e 6,3 nos locais analisados. Para o País em 2003, o RR dos bissexuais masculinos em relação à população heterossexual masculina era 16. O RR para homossexuais exclusivos teve trajetória decrescente em todos os locais analisados, mas não para os bissexuais.

CONCLUSÕES: O risco relativo para homens que fazem sexo com homens foi mais elevado em relação aos heterossexuais, em todos os locais. Esse resultado indica alta e persistente vulnerabilidade dessa população.

Descritores: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. Homossexualidade Masculina. Heterossexualidade. Comportamento Sexual. Fatores de Risco. Vulnerabilidade em Saúde.

INTRODUÇÃO

Os casos de Aids na população masculina homo/bissexual ou homens que fazem sexo com homens (HSH) notificados no Brasil correspondem a 79.286 para o período de 1980 a 2006, segundo o Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação1 1 Boletim Epidemiológico DST-AIDS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006;3(). (Sinan). Esse Sistema reporta o total de 261.190 casos de Aids na população masculina, dos quais 51.006 permanecem na categoria de exposição ignorada, ou seja, 30% do total de casos masculinos reportados e 37% do total de casos masculinos com categoria de exposição conhecida.

A tendência de diminuição do número de casos de Aids na população de HSH e o aumento na população heterossexual diminuíram a estigmatização dos HSH em relação à Aids. Por outro lado, levou esta população a ser menor alvo de políticas públicas específicas. Com efeito, somente em junho de 2007 o Programa Nacional de DST-Aids (PN-DST/Aids) colocou em consulta pública o Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e outras DST entre gays, HSH e travestis.

Todavia o estigma sobre a população HSH permanece: iniciativas publicitárias voltadas à diminuição da discriminação em relação a HSH têm sido censuradas, o projeto de lei de união civil não é votado e os HSH são proibidos de doarem sangue.

Embora os dados epidemiológicos estejam disponíveis, o cálculo da taxa de incidência anual de Aids da população HSH masculina no Brasil não foi realizado até o momento. Um motivo é a dificuldade de se obter o dado sobre a população de indivíduos homo/bissexuais. Algumas estimativas recentes da população HSH adulta podem ser utilizadas para proporcionar bases ao cálculo de incidência do HIV ou da Aids. Em 1995, Binson et al1 estimavam esta população nos Estados Unidos em 5% a 7%. Cáceres et al2 (2006), em revisão da literatura, apresentam diversas estimativas sobre a proporção de HSH em países em desenvolvimento, variando de 2,5% a 48,5%. Estudo recente do Ministério de Saúde da Espanha2 2 Instituto Nacional de Estadística. Encuesta de salud y hábitos sexuales 2003. Madrid; 2003. [acesso em: 21/04/06]. Disponível em: http://www.ine.es/inebase/cgi/um?M=%2Ft15%2Fp455&O=inebase&N=&L= (2003) afirma que 3,9% dos homens de 18 a 49 anos declararam ter mantido relações homossexuais alguma vez na vida e a população masculina sexualmente ativa nessa faixa de idade era de 94,6%; 1,1% dos homens declararam relações homossexuais exclusivas.

Berquó et al3 3 Berquó E, Loyola MA, Pinho MDG, Ferreira MP, Correa M, Souza MR, et al. Comportamento Sexual da População Brasileira e Percepções do HIV/AIDS. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/168comporamento.pdf [Série Avaliação, 4]. (2000) estimam que homens que tiveram pelo menos um parceiro masculino nos últimos cinco anos constituem 2,5% da população de 15 a 49 anos, ou seja, um em cada 40 homens no Brasil.

Segundo Szwarcwald et al,3 (2004) a proporção da população masculina sexualmente ativa de 15 a 49 anos que teve pelo menos um parceiro do mesmo sexo durante a vida é de 3,5%, representando 1.538.621 homens. Usando esta estimativa de população HSH e os dados de Aids do Sinan4 4 Ministério da Saúde. Dados de AIDS no Brasil (Banco de dados). Brasília [acesso em: 05/12/06]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/final/dados/dados_aids.asp (2006) com categoria de exposição conhecida, a taxa de incidência para HSH no ano de 2004 seria de 237 casos por 100.000 pessoas/ano. A taxa de incidência para heterossexuais masculinos seria de 12,3 casos por 100.000 pessoas/ano, sendo então a primeira 19 vezes superior à segunda.

Assim, o objetivo do presente artigo foi analisar o risco relativo para Aids dos HSH, incluindo homossexuais exclusivos e bissexuais masculinos. Esses dados podem servir às políticas publicas do País, direcionando ações específicas para essa população.

MÉTODOS

Analisou-se o risco relativo (RR) para Aids da população HSH com relação à população heterossexual masculina com base nos dados de Aids para a população masculina de 15 a 49 anos do Sinan, atualizados até 30/6/2006, para o Brasil, cidade e estado de São Paulo, cidade e estado do Rio de Janeiro.5 5 Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS, Centro de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. A Vigilância Epidemiológica da AIds no Estado de São Paulo (dados até 30/06/2005). Boletim Epidemiologico AIDS. 2005;24(1):4-6

A análise compreendeu o período de 1996 a 2003; 1996 foi escolhido por ser o ano de início da distribuição da terapia tríplice em São Paulo, o que diminuiu a morbidade por Aids. A análise limitou-se a dados até 2003 já consolidados, pois o atraso médio das notificações é de dois anos. Os locais foram escolhidos por serem as cidades mais populosas do Brasil e concentrarem a maior proporção de casos de Aids nesse grupo populacional.

O cálculo do risco de Aids relativo à exposição sexual (HSH e heterossexuais) foi determinado considerando que o RR é a razão das incidências de um determinado evento ocorrendo em dois grupos. O quociente de taxas de incidência para Aids, RR, é:

R = (casosdeAIDSemHSH ÷ população HSH) ÷ (casosdeAIDSemHeterossexuais ÷ populaçãoHeterossexual)

Que pode ser escrito como:

R = (casosdeAIDSemHSH ÷ população HSH) × (casosdeAIDSemHeterossexuais ÷ populaçãoHeterossexual)

O primeiro fator é obtido a partir do Sinan, isto é, o quociente (ou razão) de casos absolutos de Aids, chamado de Q. Há diversas estimativas para o inverso da proporção de HSH em relação à população heterossexual masculina (segundo fator), que pode ser escrito como:

(populaçãoHeterossexual ÷ população HSH) = (1 – t) × p) ÷ (t × p),

onde

p = população masculina sexualmente ativa na faixa de 15 a 49 anos e t = a proporção de p correspondente a HSH.

Este fator é (1-t)/t, isto é, independe da população sexualmente ativa p e somente depende da proporção t da população HSH.

Utilizando a proporção de HSH de t =3,5 % dada por Szwarcwald et al,3 (2004) define-se a primeira estimativa do risco relativo:

R 1 = Q × 96,5 ÷ 3,5 = Q × 27,5

Os mesmos autores3 estimam a população masculina de 15 a 49 anos exclusivamente homossexual (2%) e a bissexual (1,5%). Assim, a estimativa RR11 será a razão entre as taxas de incidência de Aids entre homossexuais exclusivos e entre heterossexuais masculinos ou

R11 = (casosdeAIDSemHSHexclusivos ÷ casosdeAIDSemHeterossexuais) × (96,5 ÷ 2)

e RR12 será a razão entre as taxas de incidência de Aids entre bissexuais e entre heterossexuais masculinos ou

R12 = (casosdeAIDSemBissexuais ÷ casosdeAIDSemHeterossexuais) × (96,5 ÷ 1,5)

As taxas informadas por Cáceres et al 2 (2006) para América Latina motivam a definição de uma estimativa para uma proporção superior de HSH, correspondente a 10% de HSH masculinos na população sexualmente ativa.

Deste modo, a segunda estimativa será:

R2 = Q × 9

RR2 é aproximadamente um terço de RR1.

Para abordar a questão da proporção da população HSH de outro ângulo, definiu-se outro indicador, similar ao utilizado por Szwarcwald6 6 Szwarcwald CL. Relatório: estimativa da proporção de infectados pelo HIV para homens de 18 a 59 anos segundo a orientação sexual. Brasília: Ministério da Saúde; 1998. (1998). Com a finalidade de introduzir o indicador, observa-se que RR=1 quando as taxas de incidência são iguais e as populações comparadas enfrentam o mesmo risco. O indicador será o valor de t acima que corresponde ao valor 1 de RR. Este é a proporção de casos de Aids em HSH dividido pelos casos de Aids de transmissão sexual na população masculina. Este indicador é denominado de T (taxa de igualdade do risco relativo para HSH):

T = Q ÷ (1 + Q)

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra a evolução de Q para os locais escolhidos. Sua utilidade reside no fato de que RR1 e RR2 são múltiplos de Q e, dessa forma, a trajetória deles depende da trajetória de Q. Esta Tabela mostra que o quociente entre casos de Aids em HSH e em heterossexuais masculinos decresce no Brasil ao longo dos anos. Ele variou de 1,25 em 1996 para 0,70 em 2003, uma diminuição de 44%. Porém, na Figura 1 observa-se que o RR1 caiu de 34,3 para 19,3 e RR2 de 11,2 para 6,3 no período estudado. Portanto, os HSH tinham, no Brasil, em 2003, uma taxa de incidência de Aids seis vezes maior do que a dos heterossexuais masculinos, segundo a estimativa menor. O declínio de RR11 (população exclusivamente homossexual masculina) foi de 48% passando de 41 para 21, e o declínio de RR12 (população bissexual masculina) foi de 35%, passando 24 para 16. A taxa de igualdade permaneceu em 41% da população adulta masculina. Nesse sentido, em 2003 seria necessário que 41% da população masculina adulta do Brasil fosse constituída por HSH para termos o mesmo risco para Aids entre as populações HSH e heterossexual masculina.


No estado de São Paulo, Q variou de 0,95 para 0,72, com queda de 24% e trajetória decrescente. A estimativa superior RR1 para os HSH variou de 26,05 a 19,76 enquanto RR2, estimativa inferior, variou de 8,5 a 6,4. A RR11 variou de 33,4 a 22,8 (queda de 32%), em trajetória decrescente. Muito mais irregular na sua trajetória, a RR12 variou de 16,3 a 15,7, queda de 4%, alcançando máximo de 20 em 1998. Logo, a diminuição do RR em HSH é uma composição das diminuições do RR em homossexuais exclusivos e bissexuais, a segunda sendo menor. Ainda assim, o RR para Aids em bissexuais masculinos foi inferior em 2003 àquele dos homossexuais exclusivos. A taxa de igualdade variou de 48,6% a 41,8%. Sendo assim, em 2003 a população HSH do estado de São Paulo devia ser da ordem de 41,8% da população masculina adulta para termos RR igual a 1.

Na cidade de São Paulo, Q variou de 1,45 a 1,13, resultando em queda de 22%. Porém, a trajetória foi oscilante, havendo um valor máximo em 1997 e um mínimo em 2000; estabilizando a partir de 2001. A Figura 2 mostra que RR1 acompanha Q e variou de 39,9 a 31 enquanto RR2 variou de 13 a 10,1. A taxa de igualdade variou de 59,2% a 53%. Isto significa que, seria necessário que a população HSH adulta da cidade de São Paulo fosse de 53% em 2003 (superior à população heterossexual masculina) para que houvesse o mesmo risco entre as populações HSH e heterossexual masculina. Observa-se que RR11, variou de 55,3 a 36,3 (queda de 32%), em trajetória decrescente até 2000. Em 2001 cresceu novamente e estabilizou-se em nível maior do que o de 2000. Já RR12 variou de 19,6 a 24,2 com aumento de 23%; o mínimo desta estimativa aconteceu em 1996. Portanto, pode-se afirmar que o RR para Aids em bissexuais está aumentando na cidade de São Paulo, apesar de se manter em níveis bem inferiores do que o RR para Aids em homossexuais exclusivos.


Para o estado do Rio de Janeiro, Q passou de 2,07 em 1996 a 1,02 em 2003, mantendo uma trajetória decrescente e queda de 50%. Acompanhando Q, a estimativa superior RR1 variou de 56,9 a 28,2, enquanto RR2 variou de 18,6 a 9,2. O valor de Q foi muito mais elevado em 1996 no estado do Rio de Janeiro do que no Brasil, no estado de São Paulo e na cidade de São Paulo. A estimativa para homossexuais exclusivos variou de 68,1 a 33 (queda de 52%) em trajetória decrescente. Um pouco mais irregular em sua queda, a estimativa para bissexuais variou de 42,2 a 22 com queda de 48%. Mais uma vez, o RR para Aids em bissexuais masculinos foi inferior àquele dos homossexuais exclusivos. A taxa de igualdade variou de 67,4% para 50,6 %.

Na cidade do Rio de Janeiro (Figura 3), Q passou de 2,32 em 1996 a 1,17 em 2003, resultando em queda de 50% e trajetória decrescente, exceto pelo aumento em 2000, retornando à queda em 2001. RR1 passou de 63,8 a 32,2 enquanto RR2 passou de 20,9 a 10,5. O valor de RR11 foi de 79,6 em 1996 e de 39 em 2003 (queda de 51%) em trajetória decrescente. Porém, RR12 variou de 43,1 para 23,2 – uma queda de 46%, com trajetória irregular. A taxa de igualdade passou de 69,9% para 54%, ou seja, população HSH na cidade do Rio de Janeiro devia ser superior à população heterossexual para que RR fosse igual a 1.


A Tabela 2 sintetiza a situação do Risco Relativo em 2003.

DISCUSSÃO

O presente estudo, como todos os que utilizam dados de fonte secundária, apresenta limitações. A primeira delas se refere à definição de Aids: durante o período em análise em 1998 foi acrescentada à definição de Aids a notificação por resultado de CD4 inferior a 350 células/ml (Critérios de definição de casos de Aids em adultos e crianças7 7 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids.Critérios de definição de casos de AIDS em adultos e crianças. Brasília; 2003. Série Manuais, 60). Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/documents/storedDocuments/%7BB8EF5DAF-23AE-4891 -AD36-1903553A3174%7D/%7B2A9F7D1C-093E-4A04-8380 -84ED432964A5%7D/criterios.pdf 2004). A segunda diz respeito à subnotificação dos casos de Aids e a importância da proporção de casos com categoria de exposição ignorada. Com efeito, os casos de exposição ignorada (Boletim Epidemiológico DST-Aids1 1 Boletim Epidemiológico DST-AIDS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006;3(). 2006) e a subnotificação de casos de Aids (Oliveira et al8 8 Oliveira MTC, Barreira D, Santos LCO, Latorre MRDO. A subnotificação de casos de AIDS em municípios brasileiros selecionados: uma aplicação do método de captura-recaptura. Boletim Epidemiológico AIDST. 2004;1(1):7. 2004) mudam de proporção entre cidades e estados. A terceira limitação é a diversidade de definições de homossexual e de bissexual masculino usadas nos trabalhos que estimam a prevalência desta população no Brasil e aquelas usadas pela notificação do caso de Aids. A quarta limitação é que se assumiram como constantes as taxas de prevalência de homossexualidade masculina no período analisado. A taxa de prevalência da população HSH em diversos locais é provavelmente diferente, portanto a comparação direta da mesma estimativa para lugares distintos deve ser realizada com cautela.

Os resultados mostram que o RR permanece em níveis muito elevados. Em 2003 as estimativas RR1 e RR2 alcançaram os mesmos valores para o Brasil e para o estado de São Paulo (RR1=19,3 e RR2= 6,32). Isto é, nesses locais, a população de HSH apresenta risco de desenvolver Aids entre seis e 19 vezes superior àquele dos heterossexuais masculinos. Nos outros locais estudados os valores são maiores. Já o indicador a taxa de igualdade mostra que, em 2003, para se obter a igualdade de risco de Aids no Brasil, seria necessário que pelo menos 41% da população masculina fosse HSH. Na cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro e na cidade de São Paulo, essa taxa é superior a 50%, ou seja, a igualdade de risco para Aids estima ou indica que a população HSH deva ser superior à população heterossexual masculina nesses locais. Uma proporção tão alta permite afirmar que os HSH no Brasil enfrentam um enorme risco relativo para a Aids.

As trajetórias dos RR para HSH no período analisado são diferentes segundo o local. Observam-se dois comportamentos. Um deles, de queda no Brasil, no estado de São Paulo e na cidade e estado do Rio de Janeiro, com tendência de estabilização. O outro comportamento é o da cidade de São Paulo: onde as trajetórias são de queda até 2000 com estabilização em patamar superior àquele de 2000.

Os resultados do presente estudo mostram RR superior entre os homossexuais exclusivos sobre os bissexuais. Em 2003, a estimativa para homossexuais exclusivos oscilou entre 21,7 no Brasil e 39 na cidade do Rio de Janeiro, o que significa que o risco de desenvolver Aids no Brasil em 2003 era pelo menos 20 vezes superior àquele dos heterossexuais masculinos. A estimativa do RR para bissexuais oscilou entre 16 no Brasil e 24 na cidade de São Paulo: O risco de desenvolver Aids no Brasil em 2003 para os bissexuais masculinos era pelo menos 15 vezes superior àquele dos heterossexuais masculinos.

O RR para homossexuais exclusivos tem trajetória decrescente em todos os locais analisados, o mesmo não ocorrendo com o RR para bissexuais. Comparando RR11 (estimativa para homossexuais exclusivos) nos anos de 1996 e de 2003 observa-se que decresce em todos os locais estudados. Isto não acontece com RR12 (para os bissexuais masculinos), havendo até um aumento de 23% no caso da cidade de São Paulo.

Assim, conclui-se a partir dos dados utilizados – e suas limitações – que a vulnerabilidade dos HSH à Aids permanece em níveis altos. As causas desta vulnerabilidade, que podem incluir uma prevenção inadequada para a infecção pelo HIV no passado, devem ser motivo de estudos futuros. O diagnóstico tardio da infecção ou da doença, por negação ou por falta de orientação adequada de saúde, é uma outra possibilidade. Também, sendo esta epidemia mais antiga na população HSH, algumas pessoas desta população estão provavelmente em tratamento há mais tempo e portanto mais próximas do esgotamento do repertório de terapias existentes. De acordo com os resultados do presente estudo, algumas subpopulações dos HSH, como os homossexuais exclusivos e os bissexuais, apresentam diversos RR. A causa desta diferença fica a determinar, como também a tendência de aumento ou de queda menor do RR nos bissexuais em relação aos homossexuais exclusivos. As subpopulações de travestis e os trabalhadores comerciais do sexo são outros segmentos constitutivos dos HSH nos quais o RR pode ter um comportamento diferenciado.

Recebido: 11/4/2007

Revisado: 2/10/2007

Aprovado: 6/12/2007

  • 1. Binson D, Michaels S, Stall R, Coates TJ, Gagnon JH, Catania JA. Prevalence and social distribution of men who have sex with men: United States and its urban centers. J Sex Res. 1995;32(3):245-54.
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  • Correspondência:
    Jorge A Beloqui
    Instituto de Matemática e Estatística
    Universidade de São Paulo
    Cx. Postal 66281
    05311-970 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Boletim Epidemiológico DST-AIDS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006;3().
  • 2
    Instituto Nacional de Estadística. Encuesta de salud y hábitos sexuales 2003. Madrid; 2003. [acesso em: 21/04/06]. Disponível em:
  • 3
    Berquó E, Loyola MA, Pinho MDG, Ferreira MP, Correa M, Souza MR, et al. Comportamento Sexual da População Brasileira e Percepções do HIV/AIDS. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. Disponível em:
  • 4
    Ministério da Saúde. Dados de AIDS no Brasil (Banco de dados). Brasília [acesso em: 05/12/06]. Disponível em:
  • 5
    Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS, Centro de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. A Vigilância Epidemiológica da AIds no Estado de São Paulo (dados até 30/06/2005).
    Boletim Epidemiologico AIDS. 2005;24(1):4-6
  • 6
    Szwarcwald CL. Relatório: estimativa da proporção de infectados pelo HIV para homens de 18 a 59 anos segundo a orientação sexual. Brasília: Ministério da Saúde; 1998.
  • 7
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids.Critérios de definição de casos de AIDS em adultos e crianças. Brasília; 2003. Série Manuais, 60). Disponível em:
  • 8
    Oliveira MTC, Barreira D, Santos LCO, Latorre MRDO. A subnotificação de casos de AIDS em municípios brasileiros selecionados: uma aplicação do método de captura-recaptura. Boletim Epidemiológico AIDST. 2004;1(1):7.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      06 Dez 2007
    • Revisado
      02 Out 2007
    • Recebido
      11 Abr 2007
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