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Editorial

EDITORIAL

Rosely Sichieri; Maria Helena D'Aquino Benício; Sandhi Maria Barreto; Maria Fernanda Lima-Costa

A coorte de nascimentos de Pelotas tornou-se uma jovem em pleno esplendor. Mais de 25 anos já se passaram desde sua constituição, com muitas publicações e muito conhecimento gerado a partir desse trabalho pioneiro no Brasil, com importantes repercussões para a saúde pública.

A coorte de nascimentos de Pelotas de 1982 é a maior coorte e a com mais anos de seguimento de que se tem notícia em países em desenvolvimento. Seus idealizadores, os pesquisadores brasileiros Cesar G. Victora e Fernando C. Barros, na maturidade de sua produção científica já publicaram mais de 300 trabalhos referenciados no PubMed e desempenham uma liderança inspiradora na formação de novos epidemiologistas.

Os estudos de coorte constituem-se no desenho por excelência para determinar os fatores de risco associados com vários desfechos. Vários autores têm utilizado os dados das coortes de nascimentos de Pelotas para explorar muitas exposições, conforme o leitor pode constatar pela leitura do presente suplemento da Revista de Saúde Pública.

Os estudos publicados neste suplemento da Revista de Saúde Pública mostram a qualidade dos dados da coorte, fruto do gigantesco esforço de padronização das abordagens, e a importância de estudos de coorte no Brasil, particularmente desse tipo de coorte, que permite explorar o ciclo vital na etiologia das doenças e comportamentos. Assim, a coorte de nascimentos de Pelotas é um claro exemplo da importância de se constituir coortes no Brasil, dada a singularidade da população em franca transição epidemiológica e nutricional, que não permite extrapolar diretamente resultados obtidos de países em desenvolvimento, particularmente nas interações mediadas pelo nível socioeconômico.

Os artigos incluídos neste suplemento contemplam temas diversos. Em um dos artigos que descreve a metodologia da coorte, chama a atenção o investimento feito para que o acompanhamento da população da coorte fosse viável e que as perdas (principal limitação para estudos coortes de longa duração) fossem as menores possíveis. Um outro aspecto que merece destaque foi o uso complementar da abordagem antropológica para desvendar mecanismos envolvidos em algumas associações observadas em estudos epidemiológicos preliminares. Dessa forma, além da riqueza das inúmeras publicações oriundas dos dados da coorte de Pelotas, sua contribuição metodológica é, também, muito relevante.

Pela primeira vez no País um estudo epidemiológico longitudinal investiga o papel das desvantagens socioeconômicas precoces, do peso ao nascer e da amamentação no desenvolvimento e oportunidades futuras da criança, representadas neste suplemento pelo ingresso na universidade e no mercado de trabalho. Os achados evidenciam o círculo vicioso de produção de desigualdades sociais em suas diferentes dimensões e a necessidade de quebrá-lo. O impacto de longo prazo das condições precárias de vida na infância sobre a saúde também é evidenciado pela maior mortalidade dos mais pobres em todas as fases, do nascimento ao início da vida adulta e em relação ao comportamento sexual. Nas análises evidencia-se, ainda, uma forte relação entre a maternidade/paternidade na adolescência e condições socioeconômicas, fatores a serem considerados no delineamento de ações preventivas no campo da saúde pública. Os estudos também confirmam outros achados nacionais com relação ao sobrepeso/obesidade que identificam como subgrupos onde esses problemas nutricionais são mais freqüentes os homens de todos os níveis de renda e mulheres de baixo nível socioeconômico. O sedentarismo no período de lazer, mesmo se tratando de adultos jovens, também se mostrou elevado, principalmente no sexo feminino, identificando os indivíduos atualmente pobres ou que se tornaram pobres na idade adulta como os mais sedentários.

Ao longo destes 25 anos, duas outras coortes foram iniciadas em Pelotas, agregando maior complexidade ao estudo dos determinantes de saúde na infância. As coortes de 1993 e 2003 além de expandirem o rol de fatores e determinantes de saúde estudados na coorte de 1982, permitem avaliar tendências temporais nos indicadores de saúde de crianças e adolescentes correlacionando tais mudanças com a evolução do contexto histórico, cultural e socioeconômico local e do Brasil. Em países em desenvolvimento não se tem notícia de estudos robustos e abrangentes como as coortes de nascimento de Pelotas. Em conjunto, elas representam a oportunidade de estudar o fenômeno saúde-doença na infância, adolescência e início da vida adulta e seus determinantes socioeconômicos e culturais como fenômenos complexos, interativos e dinâmicos. Elas também possibilitam identificar determinantes distais, mediais e proximais não apenas de doenças, mas também de comportamentos relacionados à saúde, como a iniciação sexual precoce, abordado em um dos artigos deste suplemento.

Uma das questões desafiadoras da epidemiologia do ciclo de vida é desvelar os mecanismos e a teia de relações que vinculam exposições como pobreza, condições gestacionais, infecção, desnutrição e cuidados precoces na infância com alterações metabólicas tardias. No Brasil, este vasto e precioso campo de estudo conta com a contribuição singular das análises produzidas na coorte de nascimentos de Pelotas, com uma realidade socialmente distinta daquela evidenciada pelos países desenvolvidos que deram origem à maioria das hipóteses hoje estudadas.

Sem dúvida, o presente suplemento traz contribuições originais para a reflexão e debate sobre a saúde e seus determinantes precoces e contemporâneos. A epidemiologia brasileira certamente não seria tão vital e tão importante internacionalmente se não tivesse a contribuição tão vasta e socialmente relevante das coortes de Pelotas. Vida longa às coortes de Pelotas!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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