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Uso de serviços básicos de saúde por idosos portadores de condições crônicas, Brasil

Uso de servicios básicos de salud por ancianos portadores de condiciones crónicas, Brasil

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a utilização de serviços de saúde entre idosos portadores de doenças crônicas. MÉTODOS:Estudo transversal realizado com 2.889 indivíduos com idade a partir de 65 anos, portadores de condições crônicas - hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença mental -, residentes em áreas de abrangência de unidades básicas de saúde em 41 municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil em 2005. Os dados analisados foram obtidos do estudo de linha de base do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família. As variáveis estudadas foram sexo, idade, cor da pele, situação conjugal, escolaridade, renda familiar, tabagismo, incapacidade funcional e modelo de atenção da unidade básica de saúde. A análise ajustada dos desfechos foi realizada com regressão de Poisson. RESULTADOS: A prevalência de consulta médica nos últimos seis meses foi de 45% no Sul e de 46% no Nordeste. A prevalência de participação em grupos de atividades educativas no último ano foi de 16% na região Sul e de 22% na região Nordeste. Nas duas regiões, o uso dos serviços foi maior por idosos com idade inferior a 80 anos, baixa escolaridade e residentes em áreas de abrangência de unidades básicas de saúde com Programa Saúde da Família. Apenas na região Sul os idosos com incapacidade funcional apresentaram maior prevalência de consultas médicas. CONCLUSÕES: As prevalências de consulta médica e de participação em grupos de atividades educativas foram baixas, quando comparadas com estudos anteriores realizados com idosos no Brasil. Os resultados indicam que, apesar de o Programa Saúde da Família promover maior uso de serviços das unidades básicas de saúde pelos idosos portadores de condições crônicas, há necessidade de ampliar o acesso daqueles com mais de 80 anos e dos portadores de incapacidade funcional.

Idoso; Serviços de Saúde para Idosos; Atenção Primária à Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde; Necessidades e Demandas de Serviços de Saúde; Estudos Transversais


OBJETIVO: Evaluar la utilización de servicios de salud entre ancianos portadores de enfermedades crónicas. MÉTODOS:Estudio transversal realizado con 2.889 individuos con edad a partir de 65 años, portadores de condiciones crónicas - hipertensión arterial, diabetes mellitus y enfermedad mental -, residentes en áreas que abarcan unidades básicas de salud en 41 municipios de las regiones Sur y Noreste de Brasil en 2005. Los datos analizados fueron obtenidos del estudio en línea de base del Programa de Expansión y Consolidación de la salud de la Familia. Las variables estudiadas fueron sexo, edad, color de la piel, situación conyugal, escolaridad, renta familiar, tabaquismo, incapacidad funcional y modelo de atención de la unidad básica de salud. El análisis ajustado de los hechos fue realizado con regresión de Poisson. RESULTADOS: La prevalencia de consulta médica en los últimos seis meses fue de 45% en el Sur y de 46% en el Noreste. La prevalencia de participación en grupos de actividades educativas en el último año fue de 16% en la región Sur y de 22% en la región Noreste. En las dos regiones, el uso de los servicios fue mayor por ancianos con edad inferior a 80 años, baja escolaridad y residentes en áreas que abarcan unidades básicas de salud con Programa Salud de la Familia. Apenas en la región Sur los ancianos con incapacidad funcional presentaron mayor prevalencia de consultas médicas. CONCLUSIONES: Las prevalencias de consulta médica y de participación en grupos de actividades educativas fueron bajas, al compararlas con estudios anteriores realizados con ancianos en Brasil. Los resultados indican que, a pesar de que el Programa Salud de la Familia promueve mayor uso de servicios de las unidades básicas de salud por los ancianos portadores de condiciones crónicas, hay necesidad de ampliar el acceso a aquellos con más de 80 años y de los portadores de incapacidad funcional.

Anciano; Servicios de Salud para Ancianos; Atención Primaria de Salud; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Necesidades y Demandas de Servicios de Salud; Estudios Transversales


OBJECTIVE: To assess the use of healthcare services by elderly individuals suffering from chronic diseases. METHODS:Cross-sectional study carried out with 2,889 individuals aged 65 years or more with chronic conditions - arterial hypertension, diabetes mellitus and mental illness -, living in catchment areas of primary care units in 41 cities of the South and Northeast regions of Brazil in 2005. The analyzed data were obtained in the baseline study of Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (Program for the Expansion and Consolidation of Family Health). The studied variables were sex, age, skin color, marital status, level of schooling, family income, smoking, functional disability, and care model of the primary care unit. The adjusted analysis of outcomes was performed by means of Poisson regression. RESULTS: The prevalence of medical visit in the last six months was 45% in the South region and 46% in the Northeast region. The prevalence of participation in groups of educational activities in the last year was 16% in the South and 22% in the Northeast. In both regions, use of services was higher for elderly people under the age of 80 years, with low level of schooling and living in catchment areas of primary care units with Programa Saúde da Família (Family Health Program). Only in the South region did the elderly with functional disability have higher prevalence of medical visits. CONCLUSIONS: The prevalence of medical visit and participation in groups of educational activities was low when compared to previous studies conducted with elderly individuals in Brazil. The results indicate that, although the Family Health Program promotes greater use of services at primary care units by elderly people with chronic conditions, it is necessary to expand the access of those aged over 80 and of individuals with functional disability.

Aged; Health Services for the Aged; Primary Health Care; Health Services Accessibility; Health Services Needs and Demand; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Uso de serviços básicos de saúde por idosos portadores de condições crônicas, Brasil

Uso de servicios básicos de salud por ancianos portadores de condiciones crónicas, Brasil

Maria Aparecida P RodriguesI, II;Luiz Augusto FacchiniI;Roberto Xavier PicciniI;Elaine TomasiIII, IV;Elaine ThuméI, V;Denise Silva SilveiraI, III;Fernando Vinholes SiqueiraIV;Vera Maria Vieira PanizI

IDepartamento de Medicina Social. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pelotas, RS, Brasil

IISecretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

IIISecretaria Municipal de Saúde e Bem Estar de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil

IVCentro de Ciências Humanas e da Educação, Escola de Psicologia. Universidade Católica de Pelotas. Pelotas, RS, Brasil

VDepartamento de Enfermagem, Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia. UFPel. Pelotas, RS, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Maria Aparecida P Rodrigues R. Marechal Deodoro , 250, 3º piso 96020-220 Pelotas, RS, Brasil E-mail: rodriguesmapa@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a utilização de serviços de saúde entre idosos portadores de doenças crônicas.

MÉTODOS:Estudo transversal realizado com 2.889 indivíduos com idade a partir de 65 anos, portadores de condições crônicas - hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença mental -, residentes em áreas de abrangência de unidades básicas de saúde em 41 municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil em 2005. Os dados analisados foram obtidos do estudo de linha de base do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família. As variáveis estudadas foram sexo, idade, cor da pele, situação conjugal, escolaridade, renda familiar, tabagismo, incapacidade funcional e modelo de atenção da unidade básica de saúde. A análise ajustada dos desfechos foi realizada com regressão de Poisson.

RESULTADOS: A prevalência de consulta médica nos últimos seis meses foi de 45% no Sul e de 46% no Nordeste. A prevalência de participação em grupos de atividades educativas no último ano foi de 16% na região Sul e de 22% na região Nordeste. Nas duas regiões, o uso dos serviços foi maior por idosos com idade inferior a 80 anos, baixa escolaridade e residentes em áreas de abrangência de unidades básicas de saúde com Programa Saúde da Família. Apenas na região Sul os idosos com incapacidade funcional apresentaram maior prevalência de consultas médicas.

CONCLUSÕES: As prevalências de consulta médica e de participação em grupos de atividades educativas foram baixas, quando comparadas com estudos anteriores realizados com idosos no Brasil. Os resultados indicam que, apesar de o Programa Saúde da Família promover maior uso de serviços das unidades básicas de saúde pelos idosos portadores de condições crônicas, há necessidade de ampliar o acesso daqueles com mais de 80 anos e dos portadores de incapacidade funcional.

Descritores: Idoso. Serviços de Saúde para Idosos. Atenção Primária à Saúde. Acesso aos Serviços de Saúde. Necessidades e Demandas de Serviços de Saúde. Estudos Transversais.

RESUMEN

OBJETIVO: Evaluar la utilización de servicios de salud entre ancianos portadores de enfermedades crónicas.

MÉTODOS:Estudio transversal realizado con 2.889 individuos con edad a partir de 65 años, portadores de condiciones crónicas - hipertensión arterial, diabetes mellitus y enfermedad mental -, residentes en áreas que abarcan unidades básicas de salud en 41 municipios de las regiones Sur y Noreste de Brasil en 2005. Los datos analizados fueron obtenidos del estudio en línea de base del Programa de Expansión y Consolidación de la salud de la Familia. Las variables estudiadas fueron sexo, edad, color de la piel, situación conyugal, escolaridad, renta familiar, tabaquismo, incapacidad funcional y modelo de atención de la unidad básica de salud. El análisis ajustado de los hechos fue realizado con regresión de Poisson.

RESULTADOS: La prevalencia de consulta médica en los últimos seis meses fue de 45% en el Sur y de 46% en el Noreste. La prevalencia de participación en grupos de actividades educativas en el último año fue de 16% en la región Sur y de 22% en la región Noreste. En las dos regiones, el uso de los servicios fue mayor por ancianos con edad inferior a 80 años, baja escolaridad y residentes en áreas que abarcan unidades básicas de salud con Programa Salud de la Familia. Apenas en la región Sur los ancianos con incapacidad funcional presentaron mayor prevalencia de consultas médicas.

CONCLUSIONES: Las prevalencias de consulta médica y de participación en grupos de actividades educativas fueron bajas, al compararlas con estudios anteriores realizados con ancianos en Brasil. Los resultados indican que, a pesar de que el Programa Salud de la Familia promueve mayor uso de servicios de las unidades básicas de salud por los ancianos portadores de condiciones crónicas, hay necesidad de ampliar el acceso a aquellos con más de 80 años y de los portadores de incapacidad funcional.

Descriptores: Anciano. Servicios de Salud para Ancianos. Atención Primaria de Salud. Accesibilidad a los Servicios de Salud. Necesidades y Demandas de Servicios de Salud. Estudios Transversales.

INTRODUÇÃO

A proporção de idosos na população tem apresentado um rápido crescimento nas décadas mais recentes, o que implica aumento na demanda dos sistemas de saúde. Nos países em desenvolvimento, o impacto é maior devido ao grande contingente de indivíduos em condições de baixa escolaridade e pobreza, os quais estão mais expostos a fatores de risco para doenças crônicas como tabagismo, obesidade e sedentarismo.ª a Social development and ageing: crisis or opportunity? In: Panel of the Geneva 2000 Forum: the next step in social development; 2000 June 26-30; Geneva. Geneva: World Health Organization, 2000. Nesse sentido, em 2004 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou projeto com o objetivo de sensibilizar e capacitar os profissionais do nível primário de saúde sobre as necessidades específicas dos idosos, ressaltando a importância do acolhimento do idoso e de sua participação nas decisões a respeito da própria saúde.17

O Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Constituição de 1988, garante ao cidadão brasileiro o acesso igualitário aos serviços de saúde. Desde 1994, o SUS adotou o Programa Saúde da Família (PSF) como estratégia para reorganizar a atenção básica à saúde, visando promover a melhor atuação no atendimento e prevenção de doenças na comunidade.b Rev Saude Publica. b Programa Saúde da Família. 2000;34(3):316-9. No entanto, o contexto dos municípios brasileiros é bastante variado, tornando esse processo bastante heterogêneo em escala nacional.3 Apesar da criação da Política Nacional da Saúde do Idoso em 1999 e do Estatuto do Idoso em 2003, apenas em 2006, por meio do Pacto pela Saúde, o SUS passou a considerar a saúde da população idosa como prioridade.c c Ministério da Saúde. Pacto pela Saúde 2006. Diario Oficial Uniao. 23 fev 2006;Seção 1:46-51. Na atenção básica, o objetivo principal passou a ser a manutenção da capacidade funcional do idoso, garantindo a prioridade no atendimento àquele identificado como frágil.

A avaliação da saúde dos idosos em dois inquéritos realizados no Brasil em 1998 e 2003 mostrou que, apesar de os mais pobres apresentarem piores condições de saúde, são os que menos utilizam os serviços de saúde.10

Considerando que a atenção básica é responsável pela prestação direta da maioria das ações e programas de saúde, o objetivo do presente estudo foi avaliar a utilização de serviços de saúde entre idosos portadores de doenças crônicas.

MÉTODOS

Estudo transversal dos dados de indivíduos a partir de 65 anos de idade, obtidos do estudo de linha de base (ELB) do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF) executado em 41 municípios com mais de 100 mil habitantes no período de março a agosto de 2005. Destes, 21 estavam localizados na região Sul e 20 na região Nordeste.

A seleção da amostra foi realizada em múltiplos estágios. Inicialmente, foi calculado o tamanho de amostra necessário para examinar diferenças na efetividade das ações programáticas, segundo o modelo atenção, PSF e modelo tradicional, nas áreas de abrangência das unidades básicas de saúde (UBS), totalizando 2.100 indivíduos em cada região geográfica, 4.200 no conjunto. Para ampliar a representatividade da amostra populacional e de UBS (e diminuir o efeito de conglomerado), a amostra populacional foi localizada em cerca de 10% a 20% da rede básica instalada em cada município, alcançando o número de 120 UBS em cada região, um total de 240 UBS. A seguir, selecionaram-se aleatoriamente as UBS, a partir de listas elaboradas pelas secretarias municipais de saúde, estratificadas por modelo de atenção, proporcionalmente ao tamanho da rede básica municipal. Foram selecionadas duas UBS com modelo de PSF para uma UBS com modelo tradicional. Ao dividir a amostra de idosos pelo total de UBS, definiu-se em 18 indivíduos a amostra a ser entrevistada na área de abrangência de cada UBS. A localização dos indivíduos foi realizada por meio de visitas consecutivas aos domicílios a partir das UBS selecionadas, entrevistando somente uma pessoa por domicílio. A metodologia completa do PROESF está descrita em outra publicação.6

Foram identificados e entrevistados 4.003 indivíduos, dos quais 2.889 eram portadores de uma ou até três condições crônicas de saúde - hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e doença mental -, 1.386 na região Sul e 1.503 na região Nordeste. Considerando a região Sul como referência porque apresentou a menor amostra, a margem de erro para a estimativa de prevalência de consulta médica nos últimos seis meses foi de 1,8% e para a participação em grupos de atividades educativas no último ano foi de 2,4%. Para avaliação de associações, o estudo teve poder de 80% para detectar como significativas razões de prevalência de 1,5 ou maiores, para exposições que afetam de 10% a 90% da população com um nível de 95% de confiança.

As entrevistas domiciliares foram realizadas por 15 entrevistadores, previamente treinados, utilizando um questionário estruturado e pré-codificado. Caso o idoso não conseguisse responder ao questionário, outro indivíduo residente no domicílio poderia ajudá-lo se a incapacidade fosse parcial, ou responderia a todas as questões a respeito do idoso selecionado, se a incapacidade fosse total.

As variáveis dependentes foram dois indicadores de uso de serviços básicos de saúde. Para cada indivíduo entrevistado que informasse ser portador de uma das três condições crônicas já mencionadas, era perguntado: "Desde <seis meses atrás> quantas vezes o(a) senhor(a) consultou devido a <condição crônica> no <posto de saúde de abrangência>?" e "Desde <um ano atrás> o(a) senhor(a) participou de algum grupo de <condição crônica> no <posto de saúde de abrangência>?" Foram consideradas como consulta médica na UBS as respostas de uma ou mais consultas devido a essas condições crônicas, não sendo somado mais de uma vez o indivíduo que tinha consultado por duas ou mais doenças nos últimos seis meses. Indivíduos com inconsistências entre ter consultado e não ter relatado nenhuma doença crônica foram excluídos. Foi considerada participação em grupos educativos no ano anterior a resposta positiva de portador de uma ou mais condições crônicas, não sendo somado mais de uma vez o indivíduo que tinha participado de dois ou três grupos no último ano. Os dois desfechos foram dicotômicos: o uso de consultas médicas nos últimos seis meses (sim/não) e a participação em grupos de condições crônicas no último ano (sim/não) na UBS.

As variáveis independentes foram indicadores demográficos, socioeconômicos, de hábitos de saúde, de incapacidade funcional e de modelo de atenção da UBS. A região geográfica (categorizada em Sul e Nordeste) foi uma variável demográfica referente ao contexto dos indivíduos da amostra. As variáveis demográficas individuais foram sexo, cor da pele (observada pelo entrevistador e classificada como branca, parda e preta), situação conjugal (classificada como casado, com companheiro, viúvo, separado, divorciado e solteiro) e idade (anos completos). As variáveis socioeconômicas foram escolaridade (anos completos de estudo) e renda familiar (em reais). O indicador de hábito de saúde foi tabagismo (classificado como fumante - indivíduo que fumou mais de um cigarro por dia durante mais de um mês, ex-fumante e nunca fumou). Incapacidade funcional foi classificada como nenhuma, pouca, média, muita dificuldade e necessidade de ajuda de outra pessoa para realizar três ou mais de 12 atividades, a saber: tomar banho, alimentar-se, vestir-se, usar o banheiro, caminhar, passar da cama para uma cadeira, lavar o rosto, empurrar um objeto grande, carregar cinco quilogramas, agachar-se, levantar os braços acima da cabeça e lidar com objetos pequenos. O modelo de atenção da UBS foi uma variável relacionada ao sistema de saúde e classificado como PSF e tradicional.

Os dados foram digitados utilizando-se o programa Epi Info 6.04 e a análise dos dados foi realizada no programa Stata 9.0. O controle de qualidade foi realizado por telefone mediante aplicação de um questionário reduzido, alcançando cerca de 6% da amostra do estudo. A análise de concordância foi obtida pelo índice kappa.

As análises foram estratificadas por região geográfica. A comparação entre as regiões Sul e Nordeste da utilização de serviços da UBS foi feita pelo teste de qui-quadrado de Pearson. A análise multivariada de consultas médicas e de participação de grupos em UBS de abrangência por idosos portadores de condições crônicas foi realizada por meio de regressão de Poisson com variância robusta, levando em conta o efeito de conglomerado. Foram utilizados os testes de Wald de heterogeneidade de proporções e de tendência linear para variáveis ordinais, com descrição das razões de prevalências e respectivos intervalos com 95% de confiança.

A análise ajustada dos dois desfechos seguiu um modelo conceitual com quatro níveis de determinação. No primeiro nível, foram consideradas as variáveis demográficas e socioeconômicas. No segundo nível, o tabagismo. No terceiro nível, incapacidade funcional. No quarto nível, o modelo de atenção básica da UBS, tradicional ou PSF. Para controle dos fatores de confusão, o efeito de cada variável foi controlado para outras variáveis do mesmo nível e superior com valor p d" 0,2 na associação com o desfecho.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas. Os entrevistados foram esclarecidos quanto ao caráter voluntário de participação do estudo, sigilo e confidencialidade das informações individuais.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as características dos 2.889 idosos entrevistados, segundo regiões estudadas. Os idosos do sexo feminino, de cor de pele branca, viúvos e separados/divorciados/solteiros, com idade até 74 anos, com até quatro anos de estudo, com renda familiar até R$ 600,00, sem incapacidade funcional e residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF representaram a maioria da amostra em ambas as regiões. Algumas características da amostra foram diferentes entre as regiões. Na região Sul, a maioria dos idosos tinha algum grau de escolaridade enquanto na região Nordeste a maioria nunca havia freqüentado a escola. Na região Nordeste, houve maior concentração nas três faixas de menor renda familiar. Na região Sul, metade dos idosos nunca havia fumado enquanto na região Nordeste a maioria dos idosos era composta pelos grupos de ex-fumantes e fumantes atuais.

A Tabela 2 compara as prevalências de uso de serviços das UBS de abrangência por idosos portadores de condições crônicas de saúde. A prevalência de pelo menos uma consulta médica nos últimos seis meses na região Sul foi 44,8% (IC 95% 42,1;47,5) com um efeito de delineamento de 1,757 e 45,6% (IC 95% 43,0;48,1) na região Nordeste com um efeito de delineamento de 2,246. A prevalência de participação em pelo menos um grupo de atividades educativas no último ano foi 16,3% (IC 95% 14,3;18,2) na região Sul com um efeito de delineamento de 2,076 e 21,7% (IC 95% 19,6;23,8) na região Nordeste com um efeito de delineamento de 3,017.

A Tabela 3 apresenta análises ajustadas de consulta médica em UBS de abrangência nas duas regiões estudadas. Na região Sul, houve redução do uso de consultas médicas na UBS de abrangência após os 80 anos de idade e com aumento da escolaridade. Os idosos com incapacidade funcional consultaram 30% a mais do que aqueles sem limitações funcionais e os idosos residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF realizaram aproximadamente 20% mais consultas médicas do que aqueles residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo tradicional. Na região Nordeste, uso de consultas médicas na UBS de abrangência diminuiu após os 80 anos de idade e com o aumento da escolaridade dos idosos. Os idosos residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF realizaram 60% mais de consultas médicas que aqueles residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo tradicional.

A Tabela 4 apresenta análises ajustadas da participação em grupos de atividades educativas em UBS de abrangência nas duas regiões estudadas. Na região Sul, a participação em grupos de atividades educativas reduziu conforme aumentou a idade e renda familiar dos idosos. Os idosos tabagistas participaram menos de grupos de atividades educativas do que os ex-fumantes. Os idosos residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF participaram 2,5 vezes mais de grupos de atividades educativas do que aqueles residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo tradicional. Na região Nordeste, as mulheres participaram aproximadamente 30% a mais em grupos de atividades educativas. A participação em grupos reduziu conforme aumentaram a idade e escolaridade dos idosos. Os idosos com incapacidade funcional participaram aproximadamente 30% a menos de grupos de atividades educativas do que aqueles sem incapacidade funcional. Os idosos residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF participaram 2,5 vezes mais de atividades educativas do que aqueles residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo tradicional.

DISCUSSÃO

O uso de serviços de saúde é resultado de um processo de interação entre fatores relacionados ao indivíduo, ao sistema de saúde e ao contexto em que ele ocorre.2 O presente estudo observou esses três fatores ao analisar variáveis individuais em conjunto com a variável referente ao modelo de atenção da UBS estratificado por região geográfica. A avaliação de idosos portadores de condições crônicas de saúde pretendeu reduzir o uso de serviços desvinculado de necessidade de cuidados em saúde.

Comparando com os dados referentes a idosos do censo demográfico de 2000, observam-se categorias associadas ao maior uso de serviços de saúde: mulheres, de indivíduos acima de 75 anos de idade e de indivíduos com baixa escolaridade.13 O tabagismo foi mais freqüente entre os idosos da região Nordeste, resultado também observado em inquérito domiciliar, realizado nos anos de 2002 e 2003 em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal.d d Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer, Coordenação de Prevenção e Vigilância, Prevalência de tabagismo no Brasil. Rio de Janeiro; 2004. Nesse mesmo inquérito foi identificada uma associação entre menor escolaridade e tabagismo, o que justifica a presença de maior proporção de tabagistas na amostra da região Nordeste. O modelo do PSF foi mais freqüente na região Nordeste do que na região Sul, o que é condizente com a política do Ministério da Saúde de implantar a estratégia do PSF prioritariamente nas UBS daquela região, devido a maior carência de serviços de saúde e piores índices de morbidade e mortalidade populacional.b Rev Saude Publica. b Programa Saúde da Família. 2000;34(3):316-9.

Quanto às consultas médicas, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e 2003 foram identificados, respectivamente, 72% e 78% de prevalência de realização de ao menos uma consulta médica nos últimos 12 meses por indivíduos a partir de 60 anos.11 Estudo de base populacional realizado na cidade de São Paulo identificou 83% desse mesmo desfecho em indivíduos com 60 ou mais anos nos últimos 12 meses.12 Como a amostra do presente estudo incluiu idosos a partir de 65 anos e que referiram ser portadores de doenças crônicas, era esperado que aproximadamente metade deles tivesse realizado ao menos uma consulta médica na UBS de abrangência, mesmo considerando que o período de recordatório utilizado correspondeu à metade daqueles estudos. A prevalência de consulta médica foi semelhante em ambas as regiões, o que está de acordo com avaliação dos dados da PNAD de 2003 que observou que a utilização dos serviços do SUS foi semelhante entre as regiões geográficas, após ajuste para renda e escolaridade.14

A redução de consultas médicas na UBS de abrangência conforme aumento da idade dos idosos, principalmente a partir de 80 anos, nas duas regiões, também foi observada em estudo que avaliou o uso geral de serviços de saúde por idosos.12 Considerando que a prevalência de doenças crônicas cresce com o aumento da idade,1 é provável que esses indivíduos apresentem dificuldade de acesso à UBS.

A diminuição de consultas médicas em UBS de abrangência em ambas as regiões conforme aumento da escolaridade é sugestiva de que, assim como observado em outros estudos, os indivíduos com maior escolaridade busquem outros locais de assistência à saúde.5,14

A maior prevalência de consultas médicas em idosos com incapacidade funcional apenas na região Sul sugere que na região Nordeste esses idosos tenham menor acesso à UBS. Considerando que essa condição é um indicador de necessidade de cuidados de saúde,7,13 esse resultado indica a importância de criação de estratégias que garantam o acesso à assistência médica na atenção básica a esses indivíduos.

A maior prevalência de consultas médicas na UBS de abrangência entre os idosos residentes em áreas de UBS com estratégia de PSF nas regiões Sul e Nordeste indica que esse modelo de atenção promove um maior acesso dos idosos. Estudo que comparou o uso de serviços de UBS com modelo PSF e com modelo tradicional em São Paulo mostrou que o PSF promoveu um uso mais eqüitativo dos serviços básicos de saúde.8

A avaliação de atividades preventivas dirigidas aos idosos na atenção básica é escassa na literatura. A prevalência de participação em ao menos um grupo de atividades educativas para portadores de condições crônicas, embora baixa em ambas as regiões geográficas, foi pior no Sul. Essa diferença é justificada pela menor proporção de UBS com modelo de PSF no Sul, uma vez que essas atividades são mais ofertadas nas UBS com esse modelo de atenção.b Rev Saude Publica. b Programa Saúde da Família. 2000;34(3):316-9.

Estudo de revisão apontou que variáveis relacionadas às condições de saúde desempenham um papel menos importante na determinação de uso de serviços preventivos do que de uso de serviços de assistência à saúde.4 A maior participação dos idosos em grupos de atividades educativas na região Nordeste pode estar relacionada a pior condição socioeconômica dos idosos naquela região, o que os torna mais dependentes dos serviços prestados pela UBS como, por exemplo, o fornecimento de medicamentos dos programas de hipertensão arterial e diabetes, garantidos aos usuários que participam das atividades de grupos de portadores dessas doenças. A maior participação de mulheres idosas em grupos de atividades educativas, observada no Nordeste, é justificada pela maior valorização dessas atividades pelas idosas.7

A menor participação em grupos de atividades educativas conforme o aumento da idade dos idosos, em ambas as regiões, pode ser atribuída a maior prevalência de doenças crônicas entre os indivíduos mais idosos,1 o que dificulta o acesso à UBS.

A menor participação de idosos com maior renda familiar em grupos de atividades educativas, na região Sul, é justificada pela preferência do uso de serviços privados de saúde.5

A maior participação dos idosos ex-fumantes em grupos de atividades educativas deve-se a maior prevalência de doenças crônicas nesses indivíduos.15

A menor participação em grupos de atividades educativas pelos idosos com incapacidade funcional na região Nordeste é indicativa de que esses idosos têm menor acesso à UBS de abrangência do que aqueles não portadores de limitações funcionais.16 A maior participação de idosos residentes em áreas de abrangência de UBS com modelo PSF em grupos de atividades educativas nas regiões Sul e Nordeste mostra que o PSF promove maior acesso à UBS dos idosos portadores de condições crônicas de saúde do que o modelo tradicional.8

Entre as limitações do presente estudo, o delineamento transversal pode ter ocasionado viés de causalidade reversa. Entretanto, o uso de recordatório no questionário procurou minimizar o potencial efeito desse viés. A resolubilidade dos serviços prestados pela UBS de abrangência não foi avaliada, embora ela seja importante para o uso continuado dos serviços de saúde.

Por outro lado, o baixo percentual de perdas em relação à amostra estimada para idosos reforça a validade interna do estudo. Tal amostra pode ser considerada representativa dos idosos portadores de uma ou mais de três condições crônicas - hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença mental - que residem em áreas de abrangência de UBS de municípios com população a partir de 100.000 habitantes nas regiões Sul e Nordeste do Brasil.

Em conclusão, os resultados do presente estudo mostraram que a atenção básica atendeu mais os idosos com menor escolaridade e renda familiar, contribuindo para a eqüidade em saúde. No entanto, a proporção de ao menos uma consulta médica nos últimos seis meses foi menor do que a esperada quando comparada às prevalências em dados populacionais. A maior utilização das UBS com modelo de PSF indica que essa estratégia de atenção básica, independentemente de contexto geográfico, promove maior acesso dos idosos portadores de condições crônicas do que o modelo tradicional. Os idosos com mais de 80 anos bem como aqueles portadores de incapacidade funcional devem ser beneficiários de estratégias que assegurem o acesso às UBS.

Recebido: 11/02/2008

Revisado: 05/12/2008

Aprovado: 17/12/2008

Pesquisa financiada pelo Ministério da Saúde com recursos do Banco Mundial processo nº 23.110.006.237/2004-94.

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    Maria Aparecida P Rodrigues
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Revisado
      05 Dez 2008
    • Recebido
      11 Fev 2008
    • Aceito
      17 Dez 2008
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