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Suplementação com vitamina A no puerpério: revisão sistemática

Suplementación con vitamina A en el puerperio: revisión sistemática

Resumos

Realizou-se revisão sistemática de estudos avaliativos da aplicação de megadoses de vitamina A nas concentrações de retinol no sangue e no leite maternos como medida de curto prazo para a prevenção de hipovitaminose A. Com base na estratégia do Centro Cochrane do Brasil para ensaios clínicos aleatórios foram identificadas 115 publicações no PubMed, entre as quais, por um conjunto de critérios de inclusão/exclusão, foram selecionados 14 artigos publicados entre 1993 a 2007. O efeito das intervenções com três esquemas posológicos (200.000, 300.000 e 400.000 UI) de vitamina A foram analisados. Dos 11 experimentos realizados em leite materno, nove apresentaram elevação dos níveis de retinol em comparação com o grupo controle; dos nove que avaliaram sangue materno, quatro mostraram elevação após tempos variados de aplicação de megadoses de vitamina A. Conclui-se que a administração de vitamina A em elevadas doses foi positiva em 82% dos ensaios com leite materno, mas menos notáveis em comparação ao sangue materno. Não foram observadas diferenças significativas quanto à posologia aplicada.

Deficiência de Vitamina A; terapia medicamentosa; Suplementos Dietéticos; Vitamina A; Saúde Materno-Infantil; Revisão


Se realizó revisión sistemática de estudios evaluativos de la aplicación de megadosis de vitamina A en las concentraciones de retinol en la sangre y en la leche maternos como medida de corto plazo para la prevención de hipovitaminosis A. Con base en la estratégia del Centro Cochrane de Brasil para ensayos clínicos aleatorios fueron identificadas 115 publicaciones en el PubMed, entre las cuales, por un conjunto de criterios de inclusión/exclusión, fueron seleccionados 14 artículos publicados entre 1993 a 2007. El efecto de las intervenciones con tres esquemas posológicos (200.000. 300.000 y 400.000 UI) de vitamina A fueron analizados. De los 11 experimentos realizados en leche materna, nueve presentaron elevación de los niveles de retinol en comparación con el grupo control; de los nueve que evaluaron sangre materna, cuatro mostraron elevación posterior a tiempos variados de aplicación de megadosis de vitamina A. Se concluye que la administración de vitamina A en elevadas dosis fue positiva en 82% de los ensayos con leche materna, pero menos notables en comparación a la sangre materna. No fueron observadas diferencias significativas con relación a la posología aplicada.

Deficiencia de Vitamina A; terapia medicamentosa; Suplementos Dietéticos; Vitamina A; Salud Materno-Infantil; Revisión


A systematic review on studies evaluating the effect of applying megadoses of vitamin A on the retinol concentrations in maternal milk and blood, as a short-term measure for preventing hypovitaminosis A, was conducted. Based on the strategy of the Brazilian Cochrane Center for randomized trials, 115 published papers were identified in PubMed. From these, through a set of inclusion/exclusion criteria, 14 articles published between 1993 and 2007 were selected. The effects of interventions with three posological regimens (200,000, 300,000 and 400,000 IU) of vitamin A were analyzed. Out of 11 experiments conducted on maternal milk, nine presented elevation of the retinol levels in comparison with the control group; out of nine that evaluated maternal blood, four showed elevation at varying times after applying megadoses of vitamin A. It was concluded that the results from administration of vitamin A at high doses were positive in 82% of the trials on maternal milk, but less notable in relation to maternal blood. No significant differences regarding the posological regimens applied were observed.

Vitamin A Deficiency; drug therapy; Dietary Supplements; Vitamin A; Maternal and Child Health; Review


REVISÃO

Suplementação com vitamina A no puerpério: revisão sistemática

Suplementación con vitamina A en el puerperio: revisión sistemática

Maria de Fátima Costa CaminhaI; Malaquias Batista FilhoI; Taciana Fernanda dos Santos FernandesII; Ilma Kruze Grande de ArrudaII; Alcides da Silva DinizII

IInstituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira. Recife, PE, Brasil

IIUniversidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Maria de Fátima Costa Caminha Av. Dezessete de Agosto, 2413, apto. 1901 - Casa Forte 52060-590 Recife, PE, Brasil E-mail: fatimacaminha@imip.org.br

RESUMO

Realizou-se revisão sistemática de estudos avaliativos da aplicação de megadoses de vitamina A nas concentrações de retinol no sangue e no leite maternos como medida de curto prazo para a prevenção de hipovitaminose A. Com base na estratégia do Centro Cochrane do Brasil para ensaios clínicos aleatórios foram identificadas 115 publicações no PubMed, entre as quais, por um conjunto de critérios de inclusão/exclusão, foram selecionados 14 artigos publicados entre 1993 a 2007. O efeito das intervenções com três esquemas posológicos (200.000, 300.000 e 400.000 UI) de vitamina A foram analisados. Dos 11 experimentos realizados em leite materno, nove apresentaram elevação dos níveis de retinol em comparação com o grupo controle; dos nove que avaliaram sangue materno, quatro mostraram elevação após tempos variados de aplicação de megadoses de vitamina A. Conclui-se que a administração de vitamina A em elevadas doses foi positiva em 82% dos ensaios com leite materno, mas menos notáveis em comparação ao sangue materno. Não foram observadas diferenças significativas quanto à posologia aplicada.

Descritores: Deficiência de Vitamina A, terapia medicamentosa. Suplementos Dietéticos. Vitamina A. Saúde Materno-Infantil. Revisão.

RESUMEN

Se realizó revisión sistemática de estudios evaluativos de la aplicación de megadosis de vitamina A en las concentraciones de retinol en la sangre y en la leche maternos como medida de corto plazo para la prevención de hipovitaminosis A. Con base en la estratégia del Centro Cochrane de Brasil para ensayos clínicos aleatorios fueron identificadas 115 publicaciones en el PubMed, entre las cuales, por un conjunto de criterios de inclusión/exclusión, fueron seleccionados 14 artículos publicados entre 1993 a 2007. El efecto de las intervenciones con tres esquemas posológicos (200.000. 300.000 y 400.000 UI) de vitamina A fueron analizados. De los 11 experimentos realizados en leche materna, nueve presentaron elevación de los niveles de retinol en comparación con el grupo control; de los nueve que evaluaron sangre materna, cuatro mostraron elevación posterior a tiempos variados de aplicación de megadosis de vitamina A. Se concluye que la administración de vitamina A en elevadas dosis fue positiva en 82% de los ensayos con leche materna, pero menos notables en comparación a la sangre materna. No fueron observadas diferencias significativas con relación a la posología aplicada.

Descriptores: Deficiencia de Vitamina A, terapia medicamentosa. Suplementos Dietéticos. Vitamina A. Salud Materno-Infantil. Revisión.

INTRODUÇÃO

O ciclo grávido-puerperal e notadamente o período de lactação representam um período biológico de peculiar vulnerabilidade nutricional para a mulher, principalmente nas populações de baixas condições socioeconômicas. Isto ocorre em função das elevadas demandas fisiológicas, alterações comportamentais, metabólicas e freqüentes doenças associadas a essas fases. Estimativas mostram que de um total de 107,4 milhões de mulheres no mundo que tiveram filhos a cada ano e que habitam regiões em risco de deficiência de vitamina A (DVA), 19,8 milhões (18%) apresentam baixas concentrações de retinol no sangue ou leite materno (<1,05µmol/L), das quais 7,2 milhões teriam concentrações consideradas como deficientes (<0,70µmol/L).30

A DVA leva a um distúrbio no funcionamento das células da retina, cujo efeito funcional mais conhecido é a cegueira transitória, freqüentemente descrito em estudos sobre o problema durante a gravidez, principalmente no terceiro trimestre gestacional.7 A DVA também afeta a integridade anátomo-funcional das mucosas gastrointestinais e respiratórias, contribuindo para um aumento significativo da morbimortalidade por doenças infeciosas.27

Nessas condições, a suplementação com vitamina A ou betacaroteno em mulheres no período reprodutivo pode reduzir significativamente sintomas e sinais de co-morbidades relacionadas à cegueira noturna, com grande impacto nas estatísticas de mortalidade materna.6,8,15,29,31 Nesse aspecto, o ensaio comunitário de West Jr et al29 (1999) com 44.646 mulheres em idade reprodutiva no Nepal mostrou redução do risco de mortalidade materna de 44%, o que pode ser considerado uma indicação do efeito protetor da suplementação de vitamina A nesse período do ciclo de vida.

A vitamina A é requerida continuamente pelo concepto durante a gestação.23 No entanto, estoques fetais desse micronutriente são habitualmente baixos ao nascimento, de modo que, para manter e acumular níveis orgânicos normais até que alimentos complementares forneçam suficientes quantidades adicionais de vitamina A, o recém-nascido passa a depender do leite materno, sobretudo o inicial (colostro), rico em vitamina A (média de 7,0 µmol/L).32

As médias de retinol no leite maduro em mulheres de países em desenvolvimento são menores (em torno de 1,0 µmol/L) em relação aquelas observadas em mulheres de países desenvolvidos (média de 2,3 µmol/L). Em regiões de pobreza, os teores encontrados no leite materno seriam suficientes apenas para atender os requerimentos metabólicos basais da criança, sem permitir a formação de reservas orgânicas dessa vitamina,23 tornando assim os lactentes mais suscetíveis ao problema.21

Várias estratégias têm sido propostas nos países em desenvolvimento para o enfrentamento da DVA no período de lactação, entre as quais a suplementação de megadoses de vitamina A no pós-parto imediato33 que, teoricamente, parece a estratégia mais efetiva a curto prazo. Assim, seriam beneficiadas tanto a mulher, pela elevação dos níveis desse micronutriente em seu organismo, como a criança, via leite materno.23 No entanto, desde a proposição original da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 200.000 UI,33 a posologia e os efeitos benéficos dessa estratégia ainda não foram suficientemente avaliados.

Dentre os indicadores de resposta à suplementação materna de megadoses de vitamina A, as concentrações de retinol no sangue e no leite maternos têm sido assumidas como referenciais,17,23 tendo como principal fundamento o estudo de Vahlquist & Nilsson26(1979).

O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão sistemática de estudos sobre o efeito da suplementação com megadoses de vitamina A nas concentrações de retinol no sangue e no leite maternos.

MÉTODOS

Utilizando a estratégia de revisão sistemática do Centro Cochrane do Brasil para ensaios clínicos aleatórios,ª a Centro Cochrane do Brasil, Laboratório de Ensino a Distância. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo. Curso de revisão sistemática e metanálise [Internet]. [citado 2006 dez 28]. Disponível em: http://www.virtual.epm.br/cursos/metanalise/ a busca foi realizada na base de dados PubMed, no período de 1980 a 2007, mediante o uso dos seguintes descritores: "randomized controlled trial" [Publication Type] OR "controlled clinical trial" [Publication Type] OR "randomized controlled trials" [MeSH Terms] OR "random allocation" [MeSH Terms] OR "double blind method" [MeSH Terms] OR "single blind method" [MeSH Terms] OR "clinical trial" [Publication Type] OR "clinical trials" [MeSH Terms] OR "(clinical* [Text Word] AND trial* [Text Word])" OR "single*" [Text Word] OR "double*" [Text Word] OR "treble*" [Text Word] OR "triple*" [Text Word] OR "placebos" [MeSH Terms] OR "placebo*" [Text Word] OR "random*" [Text Word] OR "research design" [MeSH Terms] OR "comparative study" [MeSH Terms] OR "evaluation studies" [MeSH Terms] OR "follow-up studies" [MeSH Terms] OR "prospective studies" [MeSH Terms] OR "control*" [Text Word] OR "prospectiv*" [Text Word] OR "volunteer*" [Text Word] AND "supplementation" AND "vitamin A" AND "mothers". A consulta à base de dados identificou 115 publicações.

Após a leitura dos títulos, resumos e, quando indicado, dos textos completos, procedeu-se à seleção dos artigos utilizando cinco critérios de inclusão: 1- ensaios clínicos controlados e randomizados; 2- comparação de suplementação isolada com megadoses de vitamina A na forma de palmitato de retinol; 3- presença de diferentes esquemas posológicos, (200.000 UI, 300.000 UI e 400.000 UI); 4- que avaliaram o efeito da suplementação nas concentrações de retinol no sangue materno; 5- que avaliaram, no leite materno, o possível efeito da suplementação de vitamina A nos níveis de retinol. Com estes cinco critérios básicos definiu-se o conjunto de trabalhos da revisão. A inclusão de exigências adicionais sobre procedimentos metodológicos resultaria num elenco final de artigos numericamente inadequados para os objetivos do estudo. Não houve restrição quanto ao ano e idioma da publicação. Foram excluídos artigos de revisão e estudos experimentais com animais.

Os 115 estudos identificados pela estratégia de revisão foram analisados de forma criteriosa e independente por dois pesquisadores e a seleção dos artigos ocorreu quando havia concordância e/ou desempate por um terceiro pesquisador, com base nos critérios de inclusão, totalizando 14 artigos.

RESULTADOS

Dos 14 estudos selecionados, sete3-5,10,16,19,28 avaliaram a dose única de 200.000 UI, um22 estudou os resultados da aplicação de 300.000 UI, três ensaios9,11,24 realizaram uma comparação entre a aplicação de 200.000 UI e 400.000 UI, enquanto três outros experimentos1,14,34 utilizaram a megadose de 400.000 UI.

O tempo de aplicação da vitamina A após o parto variou de 12 a 48 horas em seis estudos1,4,5,10,19,28 e até sete a 42 dias em seis outros,3,9,11,16,22,24 enquanto dois outros artigos,14,34 ministraram a suplementação vitamínica após 48 horas de ocorrência do parto. Em um trabalho10 o tempo de seguimento entre a aplicação de vitamina A e a avaliação da resposta foi de seis horas. Nas outras experiências relatadas, os casos experimentais foram avaliados entre 45 dias14,34 três meses,5,28 cinco a seis meses1,4,9,24 e até nove meses.3,11,16,19,22 Quatro trabalhos foram publicados na década de 1990 e os demais, após o ano 2000.

Nove1,3,4,5,10,16,19,22,28 dos 11 artigos revisados resultaram em elevação dos níveis de retinol no leite materno, na comparação com o resultado basal (ponto zero do experimento) ou em comparação com o grupo controle. Quanto às respostas ao retinol sérico, entre nove trabalhos quatro14,19,22,34 revelaram um efeito positivo na elevação da vitamina A no soro dos grupos acompanhados.

Os resultados mostraram variação de procedimentos em relação a: horário, técnica de coleta de leite e outras diferenças na avaliação da linha basal de vitamina A nas amostras, conforme apresentado na Tabela.

DISCUSSÃO

A questão fundamental da revisão sistemática é se a aplicação de megadoses de vitamina A (200.000 UI, 300.00 UI ou 400.000 UI) seria suficiente para assegurar a provisão adequada deste nutriente para a cobertura das necessidades basais do lactente no período crítico do aleitamento materno (os quatro a seis primeiros meses de vida). Por conseguinte, este se torna o desfecho desejado em primeiro plano, sendo os níveis de retinol sérico da mãe um objetivo colinear ou um co-requisito para se assegurar a primeira condição. Ainda, a biologia materno-fetal pode recorrer a mecanismos compensatórios em favor do feto ou do lactente, a exemplo da depleção de nutrientes do próprio organismo materno.32

Partindo destas considerações, dos 11 ensaios que analisaram a condição do retinol no leite materno, nove1,3,4,5,10,16,19,22,28 apresentaram uma elevação de maior ou menor expressão após a aplicação de megadoses de vitamina A, o que não ocorreu em dois estudos.9,11 Todavia, num dos casos11 os valores basais de retinol no leite já eram bastante elevados (média=4,34; desvio-padrão=3,01 µmol/L) um mês após o parto, de modo que uma maior elevação já não poderia se justificar como um objetivo necessariamente desejável. Na pesquisa de Darboe et al9 (2007), não há informações sobre a situação basal de retinol no leite materno, de modo que o desfecho se limita a considerar a comparação estatística dos resultados entre duas posologias, não esclarecendo o impacto final em relação a níveis seguros de retinol no leite seis meses depois. Trata-se, portanto, de um resultado cuja análise não pode ser devidamente estabelecida.

Entre os experimentos que mostraram respostas positivas em relação aos interesses da revisão, observa-se que no ensaio de Dimenstein et al10 (2007), o seguimento foi de apenas seis horas após a administração da vitamina A. Não se enquadra, portanto, na perspectiva de um efeito protetor efetivo. Segundo ensaio de Azaïs-Braesco & Pascal2 (2000), o processo de transporte da vitamina A até o fígado se faz em cerca de cinco horas. Portanto, o experimento de Dimenstein et al10 (2007) apenas confirmaria tal observação, tornando pertinente a constatação bem anterior de Vahlquist & Nilsson26 (1979), de que, após uma ingestão de alimentos ricos em vitamina A, esse nutriente pode passar diretamente da dieta para o leite materno, sem necessitar da regulação do fígado. Assim, o efeito registrado no colostro das mulheres suplementadas poderia refletir uma elevação de caráter transitório.

Por outro lado, a análise comparativa da posologia das megadoses (200.000 UI, 300.000 UI e 400.000 UI) não possibilita esclarecer as possíveis diferenças de resultados em função do esperado efeito dose-resposta da carga crescente de vitamina A. Tal comparação seria relevante para a proposta mais recente da OMS18 de aplicação de doses mais elevadas de vitamina A (400.000 UI) como uma estratégia mais segura de prevenção de DVA no período de aleitamento.23

Entre os nove estudos que consideraram o status da vitamina A no sangue materno,1,9,14,16,19,22,24,28,34 apenas quatro estudos encontraram elevação dos níveis de retinol sérico em relação aos valores basais.14,19,22,34 Seriam, portanto, resultados pouco conclusivos em termos de estratégia de intervenção efetivamente segura. Ademais, mesmo sendo um indicador importante, os teores sanguíneos do status de vitamina A sérica seriam de importância secundária em relação ao comportamento dos níveis de retinol no leite materno.

Quanto aos limites da presente revisão, dentro do pequeno conjunto de artigos selecionados na triagem da revisão sistemática, persistem condicionantes que afetam a validade interna e externa dos seus resultados. Assim, dos estudos que utilizaram a dose de 200.000 UI, proposta pela OMS33 (1997) e que seguiram prospectivamente as mães por um mês ou mais,3,4,5,16,19,28 a elevação do retinol no leite materno variou de 45 dias5 ao sexto mês pós-parto.19 Ainda, três desses experimentos não esclareceram adequadamente a técnica de coleta do leite materno. O estudo de Bhaskaram et al5 (1998) não levou em consideração o período de coleta, assim como não referiu o instrumento utilizado e o intervalo entre as mamadas, não distinguindo coleta de mama cheia ou casual. Outros trabalhos não informaram o instrumento de coleta,19 assim como a mama utilizada.3,19 Considerando-se os demais estudos que utilizaram a dose referida de 200.000 UI4,16,28 e que padronizaram a técnica da coleta do leite, pode-se inferir um efeito positivo de cerca de três meses de duração.

Por outro lado, dois aspectos não foram devidamente considerados: a condição de aleitamento materno exclusivo, face à recomendação universal de que se trata de melhor opção para a alimentação da criança nos seis primeiros meses de vida e, em segundo plano, a situação basal no início do experimento. Em relação à exclusividade do aleitamento materno, seu prolongamento por seis meses implica, cumulativamente, maiores demandas de vitamina A do que, por exemplo, nos casos de mães que praticam apenas uma, duas ou três mamadas diárias. Nesse sentido, apenas dois artigos4,28 consideraram esta importante condição.

Sobre a situação basal, dos 11 estudos que avaliaram o leite materno, quatro não consideraram a situação inicial do retinol lácteo,1,5,9,28 enquanto dos nove estudos que avaliaram o retinol sérico, um não considerou sua situação inicial.9 Três implicações decorrem dessas observações: a) o seguimento prospectivo dos casos que apresentam valores iniciais normais ou elevados não obedece ao mesmo padrão em relação aos casos que, já no ponto zero, apresentam valores baixos; b) a questão final do desfecho não se limita à circunstância de que os níveis de vitamina A tenham simplesmente aumentado ou diminuído, mas a pergunta sobre se, nos casos de diminuição ou, eventualmente, de pequenos aumentos, os valores do retinol não se situariam em níveis inseguros, ou seja, baixos e deficientes; c) finalmente, tal avaliação bioquímica inicial possibilitaria distinguir a evolução temporal dos níveis de retinol de forma distinta entre o sangue e o leite materno, considerando que o colostro ou o leite dos primeiros dias apresenta, naturalmente teores mais elevados de vitamina A que o leite maduro. Sete estudos oferecem algumas informações sobre este aspecto. 3,4,10,11,16,19,22

A variabilidade do conteúdo de gordura do leite deve ser considerada, uma vez que a vitamina A é veiculada na fração lipídica deste alimento, sujeita a erros amostrais por procedimentos não padronizados de coleta. A mais importante fonte desses erros se relaciona ao conteúdo da mama da qual a amostra é retirada. Quanto mais cheia a mama, mais baixo é seu conteúdo de gordura.23 Outra fonte de variação na gordura do leite que pode influir nos níveis de vitamina A está relacionada à hora do dia em que a amostra é retirada. Assim, Ruel et al20 (1997) encontraram maior concordância nas concentrações de lipídios no leite materno coletado no período de seis e oito horas da manhã de mães em jejum e maior variação entre 16-18 horas e 12-14 horas, o que poderia explicar diferenças entre os resultados sem a devida homogenização de procedimentos.

Em alguns dos estudos em que se avaliou o retinol sérico materno16,19,28 apenas um19 encontrou diferença estatisticamente significante até o sexto mês pós-suplementação. Embora a pesquisa de Rice et al16 (1999) não tenha observado esse efeito no sangue, verificou-se aos três meses elevação da deposição hepática pelo teste Modified relative dose responde (MRDR) nas mulheres suplementadas. Vinutha et al28 (2000) observaram na linha de base que 27% das mulheres apresentavam níveis de retinol considerados como baixos (0,35-0,70 µmol/L), enquanto no estudo de Rice et al16 (1999), o grupo placebo possuía 54% das mulheres com as reservas hepáticas comprometidas aos três meses pós-parto, o que leva a crer que o grupo experimental teria evoluído para essa situação caso não tivesse sido suplementado. Como o status de vitamina A não estava adequado na linha e base, e tendo em conta o papel homeostático das reservas em situações especiais, como a amamentação, é possível que os níveis séricos respondam menos ao uso de megadoses que o leite.25

O estudo de Roy et al19 (1997) dosou o retinol sérico na linha de base até 24h pós-parto, o de Vinutha et al28 (2000) até 48 h e o de Rice et al16(1999) até 15 dias pós parto. É admissível que o processo inflamatório do parto/puerpério em suas primeiras horas possa ter interferido nas concentrações séricas do retinol.12,13 Ademais, se a linha de base no estudo de Roy et al19 (1997) apresentava níveis de 1,38 (dp= 0,17 µmol/L), provavelmente essas mulheres dispunham de estoques hepáticos relativamente adequados, o que não deve ter ocorrido com os demais estudos. Isso explicaria a elevação dos níveis de retinol até o sexo mês pós-suplementação, tanto no leite quanto no sangue materno.

No caso específico da suplementação com 300.000 UI, apenas um estudo foi identificado e selecionado,22 relatando um efeito persistente no leite até o oitavo mês e nos níveis séricos até o sexto mês. No entanto, o teste Relative Dose Response (RDR) não detectou diferença no grupo de mulheres suplementadas. Os estudos que compararam a dose de 400.000 UI vs 200.000 UI, não mostraram efeito diferencial quanto ao conteúdo de vitamina A no leite materno,9,11 sérico e hepático.24 Possivelmente os métodos usados não foram apropriados para tal fim. Quanto à ausência de efeito nos depósitos hepáticos e no sangue, o estudo de Tchum et al24 (2006) refere que o percentual de mulheres com MRDR > 0,060 diminuiu em todos os grupos e que, no quinto mês, não havia nenhuma mulher em ambos os grupos com MRDR > 0,060. Os autores sugerem que a dose de 400.000 UI provavelmente aumentou as reservas do fígado mais do que a dose de 200.000UI, mas que não pôde ser mostrado pelo teste MRDR e, portanto, apenas indicou reservas normais de vitamina A em todas as avaliações pós tratamento para cada grupo.

Dos estudos que utilizaram a dose de 400.000 UI e avaliaram o efeito da suplementação no retinol sérico,1,14,34 e no leite materno,1 Ayah et al1 (2007) encontraram diferenças nos teores de vitamina A no leite materno entre os grupos até o final de acompanhamento no sexto mês. Todavia, não ocorreu o mesmo com o retinol sérico, provavelmente devido à deficiência deste micronutriente nas mulheres na linha de base. Malaba et al14 (2005) encontraram efeito que se mantiveram até 45 dias e Zvandsara et al34 (2006) relacionaram o efeito positivo em mulheres soronegativas para o HIV suplementadas em comparação com mulheres com o vírus HIV, o que é consistente com a associação conhecida entre processos infeciosos/inflamatórios e diminuição de vitamina A no sangue.25

Em síntese, as pesquisas com a dose recomendada pela OMS (200.000 UI) foram controversas em relação ao tempo de cobertura da vitamina A no leite materno, possivelmente devido à diversidade de procedimentos de coleta de leite materno. Em relação ao sangue, provavelmente ocorreriam efeitos diferenciais em populações em que as reservas hepáticas não estivessem depletadas. Finalmente, pode-se concluir que vários aspectos referentes à efetividade da suplementação com megadoses de vitamina A em mães lactantes não estão devidamente esclarecidos, recomendando-se a realização de estudos mais aprofundados e controlados, considerando as principais restrições relacionadas às variações dos procedimentos discutidos, de modo a presumir seus potenciais resultados, e, em conseqüência, fundamentar a recomendação de ações estratégicas. Tais questões são particularmente importantes no Brasil, onde a aplicação de megadoses de vitamina A no pós-parto vem se difundindo como uma estratégia potencialmente promissora para a prevenção da DVA no binômio mãe/filho.

Recebido: 13/06/2008

Revisado: 12/11/2008

Aprovado: 04/12/2008

Artigo baseado em tese de doutorado de Caminha MFC, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco em 2009.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 2008
    • Revisado
      12 Nov 2008
    • Recebido
      13 Jun 2008
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