Acessibilidade / Reportar erro

Padrões de violência domiciliar associada ao uso de álcool no Brasil

Patrones de violencia domiciliar asociada al uso de alcohol en Brasil

Resumos

OBJETIVO: Analisar as situações de violência domiciliar ocorridas com o agressor sob efeito do álcool. MÉTODOS: Foi realizado um levantamento domiciliar que incluiu as 108 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes em 2005. A amostragem foi por conglomerados, estratificada, probabilística e autoponderada, obtida em três estágios de seleção: setores censitários, domicílios e respondentes (população entre 12-65 anos de idade). O instrumento utilizado para obtenção dos dados foi o Substance Abuse and Mental Health Services Administration, com perguntas sobre dados sociodemográficos e uso de drogas psicotrópicas. RESULTADOS: Foram pesquisados 7.939 domicílios. Em 33,5% foi relatado histórico de violência domiciliar, sendo 17,1% com agressores alcoolizados. Os tipos de violência em associação com uso de álcool mais freqüentes foram: discussões direcionadas a pessoas do domicílio (81,8%), escândalos não direcionados a alguém específico (70,9%), ameaça de agressão física (39,5%) e de quebra de objetos (38,7%), agressões físicas (27,8%), com armas (5,5%) e abuso sexual (3,2%). Mais da metade dos agressores era morador do domicílio, 88,8% deles do sexo masculino. A maioria das vítimas era do sexo feminino (63,9%); 33,9% eram esposas e 18,2% filhos. Quanto às reincidências, 14,1% dos casos perduraram por período entre um a cinco anos e em 14,3% ultrapassaram uma década. A maior parte das vítimas (86%) e dos agressores (77,9%) não procurou por ajuda em serviço de saúde e/ou delegacia. CONCLUSÕES: Além da alta proporção de domicílios brasileiros com histórico de violência com agressores alcoolizados, as agressões apresentaram várias especificidades. A baixa procura por ajuda em serviços de saúde/segurança indica a importância da detecção ativa de casos de violência domiciliar.

Violência Doméstica; Consumo de Bebidas Alcoólicas; Relações Familiares; População Urbana; Levantamentos Epidemiológicos; Brasil


OBJETIVO: Analizar las situaciones de violencia domiciliar ocurridas con el agresor bajo efecto de alcohol. MÉTODOS: Fue realizado un levantamiento domiciliar que incluyó las 108 ciudades brasileras con más de 200 mil habitantes en 2005. El muestreo fue por conglomerados, estratificado, probabilístico y autoponderado, obtenido en tres fases de selección: sectores censitarios, domicilios y respondentes (población entre 12-65 años de edad). El instrumento utilizado para obtención de los datos fue el Substance Abuse and Mental Health Services Administration, con preguntas sobre datos sociodemográficos y uso de drogas psicotrópicas. RESULTADOS: Fueron investigados 7.939 domicilios. En 33,5% fue relatado histórico de violencia domiciliar, siendo 17,1% con agresores alcoholizados. Los tipos de violencia en asociación con uso de alcohol más frecuentes fueron: discusiones direccionadas a personas del domicilio (81,8%), escándalos no direccionados a alguien específico (70,9%), amenaza de agresión física (39,5%) y de ruptura de objetos (38,7%), agresiones físicas (27,8%), con armas (5,5%) y abuso sexual (3,2%). Más de la mitad de los agresores era morador del domicilio, 88,8% de ellos del sexo masculino. La mayoría de las víctimas era del sexo femenino (63,9%); 33,9% eran esposas y 18,2% hijos. Con relación a las reincidencias, 14,1% de los casos perduraron por período entre uno a cinco años y en 14,3% ultrapasaron una década. La mayor parte de las víctimas (86%) y de los agresores (77,9%) no procuró ayuda en servicio de salud y/o policía. CONCLUSIONES: Además de la alta proporción de domicilios brasileros con histórico de violencia con agresores alcoholizados, las agresiones presentaron varias especificidades. La baja búsqueda de ayuda en servicios de salud/policía indica la importancia de la detección activa de casos de violencia domiciliar.

Violencia Doméstica; Consumo de Bebidas Alcohólicas; Relaciones Familiares; Población Urbana; Encuestas Epidemiológicas; Brasil


OBJECTIVE: To describe situations of domestic violence committed by perpetrators under the influence of alcohol in the largest Brazilian cities. METHODS: A household survey was carried out in the 108 Brazilian cities with more than 200,000 inhabitants in 2005. A multistage probabilistic self-weighted sample stratified in terms of conglomerate units was performed in three selection stages: census tracts, households, and respondents (population between 12 and 65 years old). The instrument to collect the data was the Substance Abuse and Mental Health Services Administration, with questions on sociodemographics and psychotropic drug abuse.. RESULTS: The survey encompassed 7,939 households. In 33.5% of them there were reports of domestic violence, 17.1% out of which involving intoxicated perpetrators. The most frequently reported types of violence associated with the use of alcohol were: arguments among the people in the household (81,8%), loud arguments not aimed at a specific person (70.9%), threats of assault (39.5%), and breaking households objects (38.7%). The respondents also reported physical assault (27.8%), physical assault with weapon (5.5%), and sexual abuse (3.2%). More than half of perpetrators lived in the household and 88.8% were male. Most of the victims were female (63.9%); 33.9% were wives and 18.2% were children. In terms of recidivism, 14.1% of the cases lasted for a period between 1 and 5 years, and in 14.3% they lasted for over a decade. Most of the victims (86%) and perpetrators (77.9%) did not look for the help of either the health services or the police. CONCLUSIONS: In addition to the considerable number of Brazilian households with a history of violence involving intoxicated abusers, this kind of abuse has many specific characteristics. The low rate for the search for help at the health services/police stations point to the importance of actively identifying cases of domestic violence.

Domestic Violence; Alcohol Drinking; Family Relations; Urban Population; Health Surveys; Brazil


ARTIGOS ORIGINAIS

Padrões de violência domiciliar associada ao uso de álcool no Brasil

Patrones de violencia domiciliar asociada al uso de alcohol en Brasil

Arilton Martins FonsecaI; José Carlos Fernandes GaldurózII; Cláudia Silveira TondowskiI; Ana Regina NotoI

IPrograma de Pós-Graduação do Departamento de Psicobiologia. Escola Paulista de Medicina (EPM). Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Psicobiologia. EPM-Unifesp. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Ana Regina Noto R. Napoleão de Barros, 925 - Vl. Clementino 04024-002 São Paulo, SP, Brasil E-mail: ananoto@psicobio.epm.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as situações de violência domiciliar ocorridas com o agressor sob efeito do álcool.

MÉTODOS: Foi realizado um levantamento domiciliar que incluiu as 108 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes em 2005. A amostragem foi por conglomerados, estratificada, probabilística e autoponderada, obtida em três estágios de seleção: setores censitários, domicílios e respondentes (população entre 12-65 anos de idade). O instrumento utilizado para obtenção dos dados foi o Substance Abuse and Mental Health Services Administration, com perguntas sobre dados sociodemográficos e uso de drogas psicotrópicas.

RESULTADOS: Foram pesquisados 7.939 domicílios. Em 33,5% foi relatado histórico de violência domiciliar, sendo 17,1% com agressores alcoolizados. Os tipos de violência em associação com uso de álcool mais freqüentes foram: discussões direcionadas a pessoas do domicílio (81,8%), escândalos não direcionados a alguém específico (70,9%), ameaça de agressão física (39,5%) e de quebra de objetos (38,7%), agressões físicas (27,8%), com armas (5,5%) e abuso sexual (3,2%). Mais da metade dos agressores era morador do domicílio, 88,8% deles do sexo masculino. A maioria das vítimas era do sexo feminino (63,9%); 33,9% eram esposas e 18,2% filhos. Quanto às reincidências, 14,1% dos casos perduraram por período entre um a cinco anos e em 14,3% ultrapassaram uma década. A maior parte das vítimas (86%) e dos agressores (77,9%) não procurou por ajuda em serviço de saúde e/ou delegacia.

CONCLUSÕES: Além da alta proporção de domicílios brasileiros com histórico de violência com agressores alcoolizados, as agressões apresentaram várias especificidades. A baixa procura por ajuda em serviços de saúde/segurança indica a importância da detecção ativa de casos de violência domiciliar.

Descritores: Violência Doméstica. Consumo de Bebidas Alcoólicas. Relações Familiares. População Urbana. Levantamentos Epidemiológicos. Brasil.

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar las situaciones de violencia domiciliar ocurridas con el agresor bajo efecto de alcohol.

MÉTODOS: Fue realizado un levantamiento domiciliar que incluyó las 108 ciudades brasileras con más de 200 mil habitantes en 2005. El muestreo fue por conglomerados, estratificado, probabilístico y autoponderado, obtenido en tres fases de selección: sectores censitarios, domicilios y respondentes (población entre 12-65 años de edad). El instrumento utilizado para obtención de los datos fue el Substance Abuse and Mental Health Services Administration, con preguntas sobre datos sociodemográficos y uso de drogas psicotrópicas.

RESULTADOS: Fueron investigados 7.939 domicilios. En 33,5% fue relatado histórico de violencia domiciliar, siendo 17,1% con agresores alcoholizados. Los tipos de violencia en asociación con uso de alcohol más frecuentes fueron: discusiones direccionadas a personas del domicilio (81,8%), escándalos no direccionados a alguien específico (70,9%), amenaza de agresión física (39,5%) y de ruptura de objetos (38,7%), agresiones físicas (27,8%), con armas (5,5%) y abuso sexual (3,2%). Más de la mitad de los agresores era morador del domicilio, 88,8% de ellos del sexo masculino. La mayoría de las víctimas era del sexo femenino (63,9%); 33,9% eran esposas y 18,2% hijos. Con relación a las reincidencias, 14,1% de los casos perduraron por período entre uno a cinco años y en 14,3% ultrapasaron una década. La mayor parte de las víctimas (86%) y de los agresores (77,9%) no procuró ayuda en servicio de salud y/o policía.

CONCLUSIONES: Además de la alta proporción de domicilios brasileros con histórico de violencia con agresores alcoholizados, las agresiones presentaron varias especificidades. La baja búsqueda de ayuda en servicios de salud/policía indica la importancia de la detección activa de casos de violencia domiciliar.

Descriptores: Violencia Doméstica. Consumo de Bebidas Alcohólicas. Relaciones Familiares. Población Urbana. Encuestas Epidemiológicas. Brasil.

INTRODUÇÃO

A violência doméstica afeta a população mundial, o que a torna um grave problema social e de saúde pública.10,13,14 A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência passível de prevenção e recomenda como prioritárias pesquisas nessa área com base na Resolução 56.24 da World Health Assembly (WHA) de 2003.ª a World Helth Orgniztion. World report on violence nd helth. Genev; 2002[citdo 2007 out 15]. Disponível em: http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/

A associação entre violência doméstica e o uso de bebidas alcoólicas tem sido observada em pesquisas realizadas em países como EUA, Reino Unido, Austrália e Suíça. Pesquisas norte-americanas apontam que em 50% a 70% dos casos de violência entre casais houve consumo de álcool pelo marido antes da agressão.9,14,16,19Outro estudo nos EUA que analisou chamados policiais por violência doméstica encontrou 86% de casos em que os agressores haviam consumido álcool no dia da agressão.3

Na América Latina, em um estudo envolvendo oito cidades (Salvador e Rio de Janeiro, Brasil; Santiago, Chile; Cali, Colômbia; San José, Costa Rica; San Salvador, El Salvador; Caracas, Venezuela), 68% dos agressores tinham consumido álcool antes de agredirem suas mulheres.18 Em outro estudo realizado em cinco países (Colômbia, República Dominicana, Haiti, Nicarágua e Peru), as mulheres cujos parceiros se embriagavam com freqüência tinham 2,6 a 9,8 vezes mais probabilidade de sofrer violência, comparadas às mulheres de parceiros que não se embriagavam.8 No Brasil, um levantamento domiciliar mostrou que os agressores estavam embriagados em 52% dos domicílios com histórico de violência.20

O álcool é consumido em praticamente todas as regiões do mundo em diferentes contextos culturais. No Brasil, um levantamento nacional domiciliar com população de 12 a 65 anos estimou uma prevalência de 74,6% de uso na vida de álcool e 12,3% de dependência do álcool.4

Embora existam fortes associações entre violência domiciliar e abuso de álcool, há poucos estudos sobre as peculiaridades dessa associação.

Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar as situações de violência domiciliar ocorridas sob efeito do álcool.

MÉTODOS

Os dados analisados foram obtidos no "II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil - 2005", no Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID).

O universo estudado correspondeu à população entre 12-65 anos de idade, residente nas 108 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes de agosto a dezembro de 2005. As informações foram colhidas no âmbito domiciliar por meio de uma amostra de conglomerados, estratificada, probabilística e autoponderada, obtida por três estágios.

No primeiro estágio foram sorteados setores censitários, os quais representam regiões geográficas com cerca de 200 a 300 domicílios. O setor censitário é a menor unidade de análise de informações socioeconômicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estas informações foram usadas para definir em cada cidade, por meio de técnicas estatísticas multivariadas, grupos de setores homogêneos chamados estratos. O número de setores censitários por cidade variou de um a 60 dependendo da população do município.

No segundo estágio, foi composta uma amostra sistemática randomizada de 24 domicílios por setor censitário. Para a o cálculo da amostra de domicílios, foram excluídas casas comerciais, hospitais, fábricas, albergues, hotéis, entre outros. No caso de prédios, cada apartamento foi contado como um domicílio.

No terceiro estágio foi sorteado um respondente para prestar informações sobre as situações de violência doméstica. A escolha foi realizada aleatoriamente, por um mecanismo independente do entrevistador, de acordo com Kish.11

Foi aplicado o questionário do Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA), instrumento adaptado e validado para as condições brasileiras em 1999,b b Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS, Carlini EA. I Levantamento Domiciliar Nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas - Parte A: estudo envolvendo as 24 maiores cidades do Estado de São Paulo, São Paulo: CEBRID, UNIFESP, 2000 com perguntas sobre dados sociodemográficos e uso de drogas psicotrópicas. Em relação à violência doméstica, foi utilizado questionário sobre situações de violência ocorrida no domicílio:20 freqüência, duração e tipos de violência (verbal, física e sexual) segundo os critérios da WHO.ª a World Helth Orgniztion. World report on violence nd helth. Genev; 2002[citdo 2007 out 15]. Disponível em: http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/ Também foi perguntado sobre o estado do agressor no momento da violência (com uso de álcool), características dos agressores e vítimas (idade, sexo e grau de parentesco) e busca de ajuda em serviços de saúde e/ou segurança. A classe socioeconômica (alta, média e baixa) foi avaliada por meio de uma escala padronizada da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). Os índices socioeconômicos foram semelhantes ao censo IBGE 2000, o que garante a representatividade da amostra.

A equipe de entrevistadores das 27 capitais brasileiras recebeu treinamento padronizado, com a finalidade de homogeneizar os procedimentos de abordagem dos entrevistados, bem como na aplicação e preenchimento do questionário.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (registro Nº 1895/06). As entrevistas foram realizadas em local isolado e sem a presença de terceiros. Os entrevistados foram esclarecidos a respeito dos objetivos e procedimentos do estudo, com garantia de anonimato e direito de interromper a entrevista.

RESULTADOS

Foram sorteados 9.528 domicílios, dos quais 7.939 foram incluídos no estudo. O índice de perda foi de 16,7%, sendo 9,6% por recusas e 7,1% por motivos de segurança da equipe, como domicílios situados em áreas de tráfico de drogas.

Na Tabela 1 observam-se as características sociodemográficas dos 7.939 respondentes. Os entrevistados se distribuíram de forma relativamente semelhante entre os sexos e estado civil (casado/solteiro). Mais da metade tinha idade igual ou superior a 35 anos. Quanto ao grau de instrução, 28,3% eram analfabetos ou não tinham concluído o ensino fundamental.

Entre os 7.939 domicílios pesquisados, em 2.661 (33,5%) foi relatado algum tipo de violência, dos quais em 1.361 (17,1%) domicílios os agressores estavam sob o efeito do álcool no momento da violência. Entre os casos de violência relatados, 49,4% ocorreram no ano que antecedeu a pesquisa.

A Tabela 2 apresenta os diversos tipos de violência ocorridos nos domicílios com agressores embriagados. Os mais freqüentes foram de agressão verbal (bronca/discussão 81,8% e escândalo 70,9%), seguidos de ameaças: de quebrar objetos do domicílio (38,7%), de agressão física (39,5%) e de agressão com uso de objetos (27,9%). Também foram considerados como violência relatos de agressões com uso de armas, abuso sexual e furto de dinheiro e de objetos do domicílio. Todos os domicílios relataram ocorrência de mais de um tipo de violência ao mesmo tempo.

Quanto às reincidências, entre os domicílios com histórico de violência associada ao álcool, em 14,1% esses episódios perduraram por período entre um a cinco anos, em 6,8% entre seis a dez anos e em 14,3% dos casos as reincidências ultrapassaram uma década.

As características dos 1.306 agressores estão descritas na Tabela 3. Foi observada uma proporção maior de agressores moradores do domicílio pesquisado. A grande maioria dos agressores era do sexo masculino. A faixa etária predominante foi entre 31 e 59 anos de idade. Apenas 10,9% desses agressores buscaram por algum tipo de ajuda para diminuir ou parar o uso de álcool.

A Tabela 4 apresenta as características das 1.173 vítimas identificadas. A proporção de mulheres foi mais que o dobro em relação aos homens (63,9% versus 31,0%) e 49,5% tinha idade entre 31 e 59 anos; 18,2% envolveu filhos como vítimas. Apenas 8,3% das vítimas procuraram por algum tipo de ajuda em serviços de segurança e 3,7% procuraram por ajuda em serviços de saúde.

DISCUSSÃO

Devido à complexidade do tema é possível que os casos de violência tenham sido sub-relatados. Mesmo assim houve alta prevalência de domicílios com histórico de violência associada ao uso de bebidas alcoólicas. Em mais da metade dos casos de violência encontrados, o agressor estava sob o efeito do álcool. Essa parcela de eventos de violência com consumo de bebidas alcoólicas vem ao encontro de estudos realizados no Brasil e em outros países.6,8,17,20,21,24

As diferentes formas de manifestação de violência associada ao álcool observadas no presente estudo também têm sido descritas na literatura. Estudos apontam que episódios de violência doméstica que envolvem o uso do álcool tendem a ser mais graves e aumentar as chances da ocorrência de diferentes tipos de violência.7,12,19,22,23

De acordo com o modelo farmacológico, o álcool provoca desinibição e reduz a capacidade de julgamento, o que pode em algumas situações facilitar ou servir como justificativa para a ocorrência de determinados comportamentos mais agressivos.1,7,8,10,16,24 As alterações nos níveis de neurotransmissores monoaminérgicos, como a dopamina e a serotonina, também podem estar associadas com a agressão relacionada ao álcool.2,5

No entanto, entre as múltiplas vertentes propostas para explicar a violência, o consumo excessivo do álcool é uma das mais controversas, pois não existe consenso sobre se essa associação é causal ou se o consumo do álcool é usado como desculpa pelo comportamento violento.15 Provavelmente trata-se de uma relação complexa, que envolve vários outros fatores biológicos, psicológicos e sociais.2,5,12,17

Quanto ao período de reincidência da violência, o consumo de álcool pelo agressor parece aumentar o impacto da violência, suas conseqüências para a saúde da família e o prolongamento da violência. A crença de que o álcool é o responsável pelas agressões diminui a culpa do agressor e aumenta a tolerância da vítima, podendo favorecer novos episódios.15 Além disso, o padrão crônico de beber pode ser um importante fator na reincidência das agressões, o que pode ser agravado em situação de dependência do álcool.9,12,22,24

Em relação às características das pessoas envolvidas, mais da metade dos agressores era morador do domicílio. Verificou-se uma proporção maior de agressores homens e vítimas mulheres, das quais 33,9% eram parceiras desses agressores. Muitos estudos que abordam a violência entre casais apontam que a grande maioria dos agressores são homens e cometem violência sob o efeito do álcool.3,7,9,12,24 Em geral os estudos abordam a associação do álcool nas agressões entre casais e não contemplam outras relações familiares importantes como, por exemplo, pais-filhos. A violência testemunhada pelas crianças, além do sofrimento associado, parece aumentar a chance de reprodução do comportamento violento na vida adulta.2,3,9,24 Além disso, o prolongamento da violência associada ao álcool acaba permeando muitos anos da infância e/ou adolescência, as quais são fases fundamentais para o desenvolvimento humano saudável. Nesse sentido, são necessários estudos e ações mais específicas voltadas à violência associada ao álcool na relação pais-filhos.

Em relação aos agressores, também uma pequena proporção procurou por ajuda, dos quais 10,9% dos agressores alcoolizados procuraram auxílio para tentar reduzir ou parar o consumo de álcool. Esse resultado indica que os serviços para tratamento de dependência podem auxiliar na prevenção da violência, conforme sugerido por alguns estudos.15,19,23,24 Mais uma vez fica explicitada a necessidade de ações preventivas na intersecção das áreas da violência doméstica e da dependência química.

Além da considerável prevalência de situações de violência com agressores embriagados nas cidades brasileiras, o presente estudo mostra que essas agressões apresentaram várias especificidades. Existe, portanto, a necessidade de iniciativas que ampliem o auxílio às famílias, incluindo busca ativa dos casos, por exemplo, por meio do Programa Saúde da Família. Ainda, considerando-se que as vítimas utilizam serviços de saúde ou delegacias como uma das poucas formas de buscar auxílio, os profissionais desses serviços devem estar atentos uma vez que essa procura pode representar oportunidade única de intervenção.14,16 São necessários estudos que contemplem outros aspectos da violência doméstica associada ao uso de álcool, como a quantidade de álcool consumida pelos agressores nos episódios de violência doméstica e se as vítimas também haviam consumido álcool.

Recebido: 5/3/2008

Revisado: 20/10/2008

Aprovado: 28/1/2009

Pesquisa financiada pela Secretaria Nacional Antidrogas (Proc. Nº: 011/2004).

Artigo baseado na dissertação de mestrado de Fonseca AM, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, em 2008.

  • 1. Bennett L, Williams OJ. Substance abuse and men who batter: issues in theory and practice. Aggression Violent Behav. 2003;9(5):558-75. DOI: 10.1177/1077801202250453
  • 2. Boles SM, Miotto K. Substance abuse and violence: a review of the literature. Aggression Violent Behav. 2003;8(2):155-74. DOI: 10.1016/S1359-1789(01)00057-X
  • 3. Brookoff D, O'Brien KK, Cook CS, Thompson TD, Williamns C. Characteristics of participants in domestic violence. Assessment at the scene of domestic assault. JAMA 1997;277(17):1369-73. DOI: 10.1001/jama.277.17.1369
  • 4. Carlini EA, Galduróz JC, Noto AR, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo SA, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país - 2005. São Paulo: Páginas & Letras; 2007.
  • 5. Chermack ST, Giancola PR. The relation between alcohol and aggression: an integrated biopsychosocial conceptualization. Clin Psychol Rev. 1997;17(6):621-49. DOI: 10.1016/S0272-7358(97)00038-X
  • 6. Duarte PCAV, Carlini-Cotrim B. Álcool e violência: estudo dos processos de homicídios julgados nos Tribunais do Júri de Curitiba, PR, entre 1995 e 1998. J Bras Dep Quim. 2000;1(1):17-25.
  • 7. Fals-Stewart W, Golden J, Schumacher JA. Intimate partner violence and substance use: a longitudinal day-to-day examination. Addict Behav. 2003;28(9):1555-74. DOI: 10.1016/j.addbeh.2003.08.035
  • 8. Flake DF, Forste R. Fighting families: family characteristics associated with domestic violence in five Latin American countries. J Fam Violence. 2006;21(1):19-29. DOI: 10.1007/s10896-005-9002-2
  • 9. Irons R, Schneider JP. When is domestic violence a hidden face of addiction? J Psychoative Drugs. 1997;29(4):337-44.
  • 10. Jewkes R. Intime partner violence: causes and prevention. Lancet 2002;359(9315):1423-9. DOI: 10.1016/S0140-6736(02)08357-5
  • 11. Kish L. Survey sampling. New York: John Wiley & Sons; 1965.
  • 12. Klostermann KC, Fals-Stewart W. Intimate partner violence and alcohol use: exploring the role of drinking in partner violence and its implications for intervention. Aggression Violent Behav. 2006;11(6):587-97. DOI: 10.1016/j.avb.2005.08.008
  • 13. Koenig MA, Lutalo T, Zhao F, Nalugoda F, Wabwire-Mangen F, Kiwanuka N, et al. Domestic violence in rural Uganda: evidence from a community-based study. Bull World Health Organ. 2003;81(1):53-60. DOI: 10.1590/S0042-96862003000100011
  • 14. Kyriacou DN, McCabe F, Anglin D, Lapesarde K, Winer MR. Emergency departament-based study of risk factors for acute injury from domestic violence against women. Ann Emerg Med. 1998;31(4):502-6. DOI: 10.1016/S0196-0644(98)70261-6
  • 15. Leonard KE. Domestic violence and alcohol: what is known and what do we need to know to encourage environmental interventions? J Subst Abuse. 2001;6(4):235-47.
  • 16. Lipsky S, Caetano R, Field C, Larkin GL. Is there a relationship between victim and partner alcohol use during an intimate partner violence event? Findings from an urban emergency department study of abused women. J Stud Alcohol. 2005;66(3):407-12.
  • 17. Logan TK, Walker R, Cole J, Leukefeld C. Victimization and substance abuse among women: contributing factors, interventions, and implications. Rev Gen Psychol. 2002;6(4):325-97. DOI: 10.1037/1089-2680.6.4.325
  • 18. Martín FM. La Violencia en la pareja. Rev Panam Salud Publica.1999;5(4/5):245-57. DOI: 10.1590/S1020-49891999000400008
  • 19. Murphy CM, O'Farrell TJ, Fals-Stewart W, Feehan M. Correlates of intimate partner violence among male alcoholic patients. J Consult Clin Psychol. 2001;69(3):528-40. DOI: 10.1037/0022-006X.69.3.528
  • 20. Noto AR, Fonseca AM, Silva EA, Galduróz JCF. Violência domiciliar associada ao consumo de bebidas alcoólicas e de outras drogas: um levantamento no estado de São Paulo. J Bras Dep Quim. 2004;5(1):9-17.
  • 21. O'Leary KD, Schummacher JA. The association between alcohol use and intimate partner violence: linear effect, threshold effect, or both? Addict Behav. 2003;28(9):1575-85. DOI: 10.1016/j.addbeh.2003.08.034
  • 22. Testa M, Quigley BM, Leonard KE. Does alcohol make a difference? Within-participants comparison of incidents of partner violence. J Interpers Violence. 2003;18(7):735-43. DOI: 10.1177/0886260503253232
  • 23. Thompson MP, Kingree JB. The roles of victim and perpetrator alcohol use in intimate partner violence outcomes. J Interpers Violence. 2006;21(2):163-77. DOI: 10.1177/0886260505282283
  • 24. White HR, Chen PH. Problem drinking and intimate partner violence. J Stud Alcohol. 2002;63(2):205-14.
  • Correspondência | Correspondence:
    Ana Regina Noto
    R. Napoleão de Barros, 925 - Vl. Clementino
    04024-002 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • a
    World Helth Orgniztion. World report on violence nd helth. Genev; 2002[citdo 2007 out 15]. Disponível em:
  • b
    Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS, Carlini EA. I Levantamento Domiciliar Nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas - Parte A: estudo envolvendo as 24 maiores cidades do Estado de São Paulo, São Paulo: CEBRID, UNIFESP, 2000
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Out 2009

    Histórico

    • Revisado
      20 Out 2008
    • Recebido
      05 Mar 2008
    • Aceito
      28 Jan 2009
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br