Acessibilidade / Reportar erro

Recidivas de casos de hanseníase no estado de Mato Grosso

Recurrencia de casos de hanseníasis en el estado de Mato Grosso, Centro-Oeste de Brasil, 2004-2006

Resumos

OBJETIVO: Comparar as novas entradas por recidiva de hanseníase em unidades básicas de saúde (UBS) e em unidades especializadas (UE) no estado de Mato Grosso. MÉTODOS: Estudo transversal com base em todos os registros (N = 323) de recidivas de hanseníase do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2004 a 2006, notificados no estado de Mato Grosso. Os casos diagnosticados foram comparados quanto ao sexo, idade, aspectos clínico-laboratoriais e distribuição geográfica nos municípios. Para a comparação e cálculo das proporções das variáveis utilizou-se o teste qui-quadrado ao nível de significância de 5%. RESULTADOS: Das novas entradas de recidiva, 20% foi confirmado nas UE e 80% em UBS; entretanto, a maioria dos diagnósticos em UBS tinham baciloscopia negativa (÷² =12,34; p = 0,002). O sexo masculino atingiu 71%, com idade média de 43 anos. Não foi observada diferença nos percentuais das entradas entre as unidades de saúde segundo forma clínica, classificação operacional e grau de incapacidade física. Do total de municípios do estado, 64,7% apresentou recidiva, com percentual entre 6% e 20% de todas as entradas. CONCLUSÕES: As novas entradas de casos de recidiva em Mato Grosso são influenciadas pelos diagnósticos feitos em UBS, sugerindo que há deficiência na rede de serviços de saúde em reconhecer casos de recidiva.

Hanseníase; Recidiva; Notificação de Doenças; Estudos Transversais


OBJETIVO: Comparar las nuevas entradas por recurrencia de hanseníasis en unidades básicas de salud (UBS) y en unidades especializadas (UE) en el estado de Mato Grosso, en Centro-Oeste de Brasil. MÉTODOS: Estudio transversal con base en todos los registros (N=323) de recurrencias de hanseníasis del Sistema de Información de Agravios de Notificación (SINAN) de 2004 a 2006, notificados en el estado de Mato Grosso. Los casos diagnosticados fueron comparados con relación a sexo, edad, aspectos clínicos-laboratoriales y distribución geográfica en los municipios. Para la comparación y cálculo de las proporciones de las variables se utilizó la prueba de Chi-cuadrado con nivel de significancia de 5%. RESULTADOS: De las nuevas entradas de recurrencia, 20% fueron confirmadas en las UE y 80% en UBS; mientras que la mayoría de los diagnósticos en UBS tenían baciloscopia negativa (c2 =12,34; p = 0,002). 71% eran del sexo masculino con edad promedio de 43 años. No fue observada diferencia en los porcentajes de las entradas entre las unidades de salud según forma clínica, clasificación operacional y grado de incapacidad física. Del total de municipios del estado, 64,7% presentaron recurrencias, con porcentaje entre 6% y 20% de todas las entradas. CONCLUSIONES: Las nuevas entradas de casos de recurrencia en Mato Grosso son influenciadas por los diagnósticos hechos en UBS, sugiriendo una deficiencia en la red de servicios de salud en reconocer casos de recurrencia.

Lepra; Recurrencia; Notificación de Enfermedades; Estudios Transversales


OBJECTIVE: To compare new registrations of recurrences of leprosy cases in primary healthcare units (PHUs) and in specialized units in the State of Mato Grosso. METHODS: This was a cross-sectional study based on all new registrations (N = 323) of recurrences of leprosy cases within the Notifiable Disease Information System (SINAN) between 2004 and 2006 that were made in the State of Mato Grosso, Central-West Brazil. The cases diagnosed were compared regarding sex, age, clinical-laboratory characteristics and geographical distribution among the municipalities. To compare and calculate the proportions of the variables, the chi-square test at the significance level of 5% was used. RESULTS: Among the new registrations of recurrences, 20% were confirmed at specialized units and 80% at PHUs. However, most of the diagnoses at PHUs presented negative bacilloscopy findings (c2 = 12.34; p = 0.002). Seventy-one per cent of the cases were among males; the mean age was 43 years. No differences in the percentages of registrations were observed between the healthcare units with regard to clinical form, operational classification or degree of physical incapacity. Out of the total number of municipalities in the state, 64.7% presented recurrences and these accounted for 6 to 20% of all registrations. CONCLUSIONS: The new registrations of cases of recurrence in Mato Grosso were influenced by the diagnoses made at PHUs, thus suggesting that there is a deficiency within the healthcare services in recognizing cases of recurrence.

Leprosy; Leprosy; Disease Notification; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Recidivas de casos de hanseníase no estado de Mato Grosso

Recurrencia de casos de hanseníasis en el estado de Mato Grosso, Centro-Oeste de Brasil, 2004-2006

Silvana Margarida Benevides FerreiraI, II; Eliane IgnottiIII; Ligia Maria SenigaliaIV; Diego Ricardo Xavier SilvaV; Mônica Antar GambaVI

IFaculdade de Enfermagem. Universidade de Cuiabá. Cuiabá, MT, Brasil

IISecretaria Municipal de Saúde de Cuiabá. Cuiabá, MT, Brasil

IIIDepartamento de Enfermagem. Universidade do Estado de Mato Grosso. Cáceres, MT, Brasil

IVHospital Jardim Cuiabá. Cuiabá, MT, Brasil

VInstituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VIEscola Paulista de Enfermagem. Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Silvana Margarida Benevides Ferreira Universidade de Cuiabá - Unic R. Av. Beira Rio, 3100 - Dom Aquino 78065-900 Cuiabá, MT, Brasil E-mail: jffbenev@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar as novas entradas por recidiva de hanseníase em unidades básicas de saúde (UBS) e em unidades especializadas (UE) no estado de Mato Grosso.

MÉTODOS: Estudo transversal com base em todos os registros (N = 323) de recidivas de hanseníase do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2004 a 2006, notificados no estado de Mato Grosso. Os casos diagnosticados foram comparados quanto ao sexo, idade, aspectos clínico-laboratoriais e distribuição geográfica nos municípios. Para a comparação e cálculo das proporções das variáveis utilizou-se o teste qui-quadrado ao nível de significância de 5%.

RESULTADOS: Das novas entradas de recidiva, 20% foi confirmado nas UE e 80% em UBS; entretanto, a maioria dos diagnósticos em UBS tinham baciloscopia negativa (÷2 =12,34; p = 0,002). O sexo masculino atingiu 71%, com idade média de 43 anos. Não foi observada diferença nos percentuais das entradas entre as unidades de saúde segundo forma clínica, classificação operacional e grau de incapacidade física. Do total de municípios do estado, 64,7% apresentou recidiva, com percentual entre 6% e 20% de todas as entradas.

CONCLUSÕES: As novas entradas de casos de recidiva em Mato Grosso são influenciadas pelos diagnósticos feitos em UBS, sugerindo que há deficiência na rede de serviços de saúde em reconhecer casos de recidiva.

Descritores: Hanseníase, epidemiologia. Recidiva, prevenção & controle. Notificação de Doenças. Estudos Transversais.

RESUMEN

OBJETIVO: Comparar las nuevas entradas por recurrencia de hanseníasis en unidades básicas de salud (UBS) y en unidades especializadas (UE) en el estado de Mato Grosso, en Centro-Oeste de Brasil.

MÉTODOS: Estudio transversal con base en todos los registros (N=323) de recurrencias de hanseníasis del Sistema de Información de Agravios de Notificación (SINAN) de 2004 a 2006, notificados en el estado de Mato Grosso. Los casos diagnosticados fueron comparados con relación a sexo, edad, aspectos clínicos-laboratoriales y distribución geográfica en los municipios. Para la comparación y cálculo de las proporciones de las variables se utilizó la prueba de Chi-cuadrado con nivel de significancia de 5%.

RESULTADOS: De las nuevas entradas de recurrencia, 20% fueron confirmadas en las UE y 80% en UBS; mientras que la mayoría de los diagnósticos en UBS tenían baciloscopia negativa (c2 =12,34; p = 0,002). 71% eran del sexo masculino con edad promedio de 43 años. No fue observada diferencia en los porcentajes de las entradas entre las unidades de salud según forma clínica, clasificación operacional y grado de incapacidad física. Del total de municipios del estado, 64,7% presentaron recurrencias, con porcentaje entre 6% y 20% de todas las entradas.

CONCLUSIONES: Las nuevas entradas de casos de recurrencia en Mato Grosso son influenciadas por los diagnósticos hechos en UBS, sugiriendo una deficiencia en la red de servicios de salud en reconocer casos de recurrencia.

Descriptores: Lepra, epidemiología. Recurrencia, prevención & control. Notificación de Enfermedades. Estudios Transversales.

INTRODUÇÃO

O controle da hanseníase iniciou-se no final da década de 1940,4 com a introdução da sulfona no tratamento da doença. Após algum tempo, dada a ineficácia dessa terapia, tiveram início os estudos sobre a resistência à monoterapia sulfônica,8 comprovada experimentalmente em 1964 por Pettit & Rees15 por meio da técnica de inoculação do Mycobacterium leprae, padronizada por Shepard.17 A partir da década de 1980 a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar o uso do esquema da poliquimioterapia (PQT), resultando em tratamento e cura de mais de 11 milhões de pacientes de hanseníase. ª a Orgnizção Mundil d Súde. A estrtégi do esforço finl pr eliminção d hnseníse: plno estrtégico, 2000-2005. Genebr; 2000. O resultado mencionado da PQT foi decisivo no encurtamento do tempo de tratamento, influenciando a inversão do fluxo de entradas e saídas dos casos de hanseníase em registro ativo e a queda do coeficiente de prevalência na maioria dos países endêmicos.b b Weekly epidemiological record Relevé épidémiologique hebdomadaire. Geneva: World Health Organization; 2007;25(82).

No entanto, após a alta do tratamento PQT, alguns casos de hanseníase poderão apresentar intercorrências da doença, seja por estados reacionais hansênicos seja por recidivas.3,20,21,c c Ministério da Saúde. Guia para o ontrole da hanseníase. Brasília; 2002. (Cadernos de Atenção Básia, 10).

A ocorrência de recidiva é o indicador mais importante para a eficácia do tratamento, ª a Orgnizção Mundil d Súde. A estrtégi do esforço finl pr eliminção d hnseníse: plno estrtégico, 2000-2005. Genebr; 2000. ainda que as recidivas em hanseníase possam ser causadas por cepas mono e multirresistentes aos quimioterápicos.4,7,12,13,15

Segundo o Ministério da Saúde (MS),d d Ministério da Saúde. Portaria Conjunta nº 125, de 26 de março de 2009. Define ações de controle da hanseníase. Diario Oficial Uniao. 27 mar 2009;Seção1:73. os critérios clínicos para o diagnóstico de recidiva deverão se basear na classificação operacional, quando afastada a possibilidade de estado reacional. Pacientes paucibacilares (PB) são considerados casos de recidiva quando, após alta por cura, apresentarem comprometimento da função neural, novas áreas com alteração de sensibilidade, lesões novas e/ou exacerbação de lesões anteriores e que não responderem com corticosteróide por pelo menos 90 dias. Pacientes multibacilares (MB), após a alta por cura, apresentam as mesmas alterações dermatoneurológicas descritas para os PB, acrescidas de resultados de exames baciloscópicos e/ou histopatológicos compatíveis com as formas ativas da doença; além disso, não respondem ao uso de corticosteróide e/ou talidomida para o tratamento. A confirmação de recidiva deve ser discutida com especialistas de centros de referência, seguindo os critérios de suspeita e confirmação do diagnóstico. c c Ministério da Saúde. Guia para o ontrole da hanseníase. Brasília; 2002. (Cadernos de Atenção Básia, 10).

A ocorrência de recidiva, no começo de 2007, foi de 2.270 casos no mundo, dois quais 1.584 (69,8%) foram registrados no Brasil.b b Weekly epidemiological record Relevé épidémiologique hebdomadaire. Geneva: World Health Organization; 2007;25(82). Segundo o MS, o risco cumulativo de recidiva, após a adoção da PQT, é de 0,7% para os casos submetidos ao esquema MB e de 1,1% para os PB.e e Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Área Técnica de Dermatologia Sanitária. Hanseníase: atividades de controle e manual de procedimentos. Brasília; 2001.

Ademais, há diferenças importantes de registros de recidivas em regiões brasileiras nas quais a prevalência da doença é alta, como a borda da Amazônia Legal. Os estados de Mato Grosso, Acre, Amazonas, São Paulo, Paraná e Santa Catarina registraram os maiores índices do País, entre 4% e 8% de casos de recidiva no conjunto de todas as entradas em 2006.f f Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Acompanhamento de hanseníase. Brasília; 2006[citado 2008 abr 04]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/

Estudos que identifiquem fatores relacionados à recidiva são essenciais para que se obtenha melhor acurácia do diagnóstico clínico, epidemiológico e terapêutico, evitando o aumento da morbidade, da persistência bacilar, resistência medicamentosa e incapacidades físicas. Mediante esses elevados registros de casos de recidiva em Mato Grosso, o presente estudo teve por objetivo comparar registros desses casos de hanseníase diagnosticados em unidades básicas de saúde (UBS) e em unidades especializadas (UE) no estado de Mato Grosso.

MÉTODOS

Estudo transversal utilizando as entradas por recidiva em hanseníase notificadas no estado de Mato Grosso no período de 2004 a 2006, obtidas a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MT). Foram selecionados casos cujo município de residência era Cuiabá, Cáceres, Diamantino, Rondonópolis ou Várzea Grande, no período de 2004 a 2006. Esses municípios foram selecionados por possuírem unidades de apoio diagnóstico e hansenologista (policlínicas, centros de especialidade médica e Centro de Referência de Média e Alta Complexidade - Cermac). Esses municípios possuem 1.032.523 habitantes, 36,2%, do total da população do estado, estimada em 2.854.462 habitantes.g g Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população 2007. População recenseada e estimada, segundo os municípios de Mato Grosso. Rio de Janeiro; 2007. A análise comparativa incluiu os casos diagnosticados como recidiva em unidades especializadas (UE), os indivíduos residentes nos cinco municípios selecionados e aqueles diagnosticados em UBS nos demais municípios do estado. Os casos foram comparados quanto ao sexo, idade, aspectos clínico-laboratoriais e distribuição geográfica nos municípios do estado.

Foram incluídas todas as entradas de recidiva (n = 344), segundo o município de residência. Desse total, foram excluídas 21 entradas por erro diagnóstico, duplicidade e transferência para outro estado, totalizando 323 registros de casos no período estudado. Para os três registros de duplicidade retornou-se às unidades de tratamento para validação dos dados, optando-se para este estudo a unidade de diagnóstico e seu município. Foi considerado para seleção da recidiva o campo data/ano de diagnóstico que coincide na maioria dos casos com data/ano de início de tratamento. Quando havia discordância ou ausência de preenchimento desse campo, procurou-se validar os dados por meio das anotações no prontuário médico. Os casos foram classificados segundo a classificação operacional (PB/MB) obtida na confirmação diagnóstica de recidiva realizada na unidade de diagnóstico. Não foram observadas entradas como recidiva que apresentassem mudança na classificação operacional após início do retratamento.

Foram selecionadas para análise as variáveis: sexo, idade, município de residência, forma clínica, classificação operacional, grau de incapacidade física avaliado no início do tratamento e baciloscopia no diagnóstico de recidiva.

O indicador percentual de recidivas em hanseníase corresponde ao percentual de entradas como recidivas, definido como: número de recidivas dos anos pesquisados dividido por todas as entradas do mesmo ano para tratamento de hanseníase, multiplicado por 100. Para o denominador também foram retiradas as entradas com erro de diagnóstico, duplicidade e transferência para outros estados. O percentual de recidiva foi calculado para todos os municípios, considerando a classificação operacional do conjunto de entradas de cada localidade.

Realizou-se a agregação dos municípios segundo o tipo de unidade de saúde de atendimento para comparação dos critérios clínico-laboratoriais utilizados nas unidades no diagnóstico de recidiva.

Para a comparação do total dos casos de recidiva entre UBS e UE segundo classificação operacional, realizou-se, em planilha eletrônica, o cálculo [(UBS/UE)-1)*100] de razão de taxas do percentual de casos de recidiva.

Para comparação e cálculo das proporções segundo a freqüência relativa das variáveis utilizou-se o teste qui-quadrado no EpiInfo, versão 3.2.1. A distribuição geográfica dos registros dos percentuais de recidiva foi realizada por meio do software Terraview versão 3.2.0.

O presente projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller (CEP/HUJM - processo nº 321 em abril de 2007).

RESULTADOS

Os 323 casos de recidiva em hanseníase registrados em Mato Grosso no período de 2004 a 2006 representam uma média de 107,6 casos/ano.

A Tabela 1 apresenta a comparação de percentuais de entradas por recidiva diagnosticada em UBS e UE segundo as variáveis de sexo, idade, forma clínica, classificação operacional e grau de incapacidade física no diagnóstico. Não foi verificada diferença estatisticamente significante nos percentuais entre as unidades de saúde segundo o sexo. A maioria (71%, n = 229) dos pacientes de recidiva era do sexo masculino, idade média de 42,6 anos (DP = 15,8; mínimo 12, máximo 84 anos). As cinco crianças foram diagnosticadas como recidiva em UBS. O município de Cuiabá apresentou o maior percentual, com 13% (n = 43). De todos os registros de recidiva, 20,1% foi diagnosticado em UE e 79,9% em UBS. Em geral, a forma dimorfa representou 48% (n = 156) das entradas; 82% (n = 266) era de MB e 56% (n = 182) teve grau de incapacidade física zero. Não foi observada diferença nos percentuais das entradas entre as unidades de saúde segundo forma clínica, classificação operacional e grau de incapacidade física.

Foi observada diferença estatisticamente significante no percentual de casos de recidiva entre as unidades de diagnóstico, segundo resultado de baciloscopia [χ2 = 5,86 (p = 0,053)] (Tabela 2). Dos casos de recidiva MB, 37% (n = 76) foi diagnosticado com resultado de baciloscopia negativa nas UBS [χ2 = 12,34 (p = 0,002)].

Na Tabela 3, observa-se que a diferença do percentual de diagnósticos de recidiva entre todas as entradas para o tratamento de hanseníase realizadas nas UBS e nas UE foi de 116%; na categoria dos casos de recidiva PB essa diferença chega a 150%.

A Figura apresenta a distribuição geográfica de entradas de casos de recidiva em hanseníase por município de residência, segundo número total de casos de recidiva (A), casos de recidiva MB (B) e casos de recidiva PB (C). Dos 141 municípios de Mato Grosso, 139 apresentaram notificação de algum caso de hanseníase. Do total de municípios, 64,7% (n = 90) registrou casos de recidiva, dos quais 14% (n = 13) apresentou mais de cinco casos, com percentual entre 6% e 20% de todas as entradas. Os casos MB representaram a maioria dos registros de recidiva, indistintamente em todas as áreas geográficas do estado. Casos PB com mais de cinco casos foram registrados nos municípios de Cuiabá e Araputanga.


DISCUSSÃO

Os resultados obtidos mostraram maior percentual de registros de recidiva diagnosticada em UBS, a maioria confirmada mesmo com resultado de baciloscopia negativa. Tais resultados sugerem deficiência relacionada aos fatores operacionais, que incluem a capacidade da rede de serviços de saúde em diagnosticar casos de recidiva.

Segundo o MS (2006),h h Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria SVS/MS nº 11, de 2 de março de 2006. Define critérios para habilitação de unidades de saúde como centro de referência de hanseníase. Diario Oficial Uniao. 3 mar 2006;Seção1:48. os critérios para se habilitarem unidades de saúde como centro de referência de hanseníase incluem: equipe multidisciplinar capacitada e atualizada para a assistência à saúde em hanseníase; prestação de assistência à saúde, em nível especializado, para esclarecimento do diagnóstico, recidivas e intercorrências relacionadas aos episódios reacionais e lesões neurais de hanseníase; dentre outros.

Os doentes diagnosticados em Mato Grosso apresentaram características epidemiológicas semelhantes às dos pacientes em tratamento em outras cidades brasileiras2 com predominância de casos do sexo masculino, em idade economica-mente produtiva, nas formas MB.

A ocorrência de casos em crianças representa um indicador epidemiológico de relevância e sua análise amplia a discussão sobre problemas operacionais na rede de serviços de saúde.1,10 Os registros de casos de recidiva nessa população nas UBS encontrados no presente estudo corroboram tal reflexão, pela dificuldade na abordagem diferencial com outras doenças dermatológicas ou neurológicas e no manejo diagnóstico para a confirmação do caso de recidiva.

A relevância desses resultados justifica a recomendação do seguimento de protocolo para as ações de diagnóstico e acompanhamento dos casos de recidiva em UE com implementação de apoio laboratorial e controle de qualidade dos exames específicos.3,c c Ministério da Saúde. Guia para o ontrole da hanseníase. Brasília; 2002. (Cadernos de Atenção Básia, 10).

Com a introdução da Norma Operacional Básica (1996),i i Ministério da Saúde. NOB - SUS 1996. Norma Operacional Básica do Sistema de Saúde: Gestão plena com responsabilidade pelo cidadão. Brasília; 1997. vislumbrou-se a melhoria do acesso dos pacientes aos serviços básicos e especializados de saúde. Em Mato Grosso, o atendimento especializado de hanseníase se concentra em municípios considerados de médio e grande porte populacional (Cuiabá, Cáceres, Rondonópolis e Várzea Grande); nos demais municípios do estado, o acesso ao diagnóstico mais acurado para os casos de recidiva é dificultado.

Dentre outros fatores, as fragilidades das UBS em termos de resolubilidade vêm sendo apontadas como um dos problemas para a manutenção da estratégia de mudança de modelo assistencial,5 sobretudo no que se refere ao fluxo hierárquico para o atendimento. A falta de mecanismos de regulação de responsabilidades dos municípios poderia explicar a deficiência na qualidade de assistência.14 Estudos16,19 indicam percentuais maiores para casos de recidiva em pacientes PB quando comparados com casos MB, diferentemente dos percentuais encontrados neste estudo (percentuais maiores para recidiva nos casos MB). Tais resultados poderiam sugerir maior facilidade dos profissionais na confirmação diagnóstica em casos MB. Nas formas clínicas os casos MB contam na maioria das vezes para a confirmação de recidiva com o índice baciloscópico (IB) > 2 logs em relação ao tratamento inicial, exames histopatológicos compatíveis com formas ativas da doença e pela inoculação em pata de camundongo.17-19,21 Embora no presente estudo não tenha sido analisado o resultado de IB, uma vez que este indicador não estava disponível no Sinan no período em estudo, o maior percentual do resultado de baciloscopia negativa realizado em UBS sugere também maior probabilidade de erros diagnósticos na distinção entre estados reacionais versus recidiva.

Os estados reacionais ou reações hansênicas são reações do sistema imunológico do doente ao M. leprae. Os sinais clínicos, chamados de episódios inflamatórios, podem acometer tanto nos casos PB como nos MB e, quando se manifestam após o tratamento quimioterápico, podem se confundir com casos de recidiva.3,9, 11,20

Para Ximenes et al (2007)21 e Shetty et al (2005),18 pacientes que apresentam episódios reacionais possuem maior probabilidade de serem tratados como recidiva, inferindo a necessidade de maior atenção ao diagnóstico diferencial entre ambas. Nos pacientes PB a recidiva pode ser confundida com reação reversa tardia, já que o M. leprae não pode ser isolado nesses casos.9

Segundo Gallo & Oliveira,9 além da dificuldade de se caracterizarem pacientes com recidivas, não há consenso de parâmetros estabelecidos que possam nortear os serviços de saúde para uma confirmação diagnóstica. Há, então, necessidade de realização de pesquisas que possam direcionar com maior precisão os profissionais para a confirmação diagnóstica.

Destacam-se as entradas de casos como recidiva PB em municípios com população inferior a 20.000 habitantes (Araputanga, Castanheira, Guiratinga, Nova Bandeirantes, Salto do Céu e Terra Nova do Norte) com menor capacidade de diagnosticar casos de recidiva e por não dispor de centros de referência para a acurácia dos diagnósticos.

O Sistema Único de Saúde (SUS)j j Brasil. Portaria nº 95, de 26 de janeiro de 2001. Norma operacional da assistência à saúde. NOAS-SUS 01/2001. Diario Oficial Uniao. 29 jan 2006;Seção1:48. preconiza aos municípios a organização dos serviços da atenção básica e, ao Estado, a normatização, avaliação, assessoria técnica e reorganização do sistema de referência e contra-referência.

Nesse contexto, a efetividade do atendimento da hanseníase depende da melhoria dos indicadores pactuados para hanseníase nas instâncias gestoras do SUS.k k Ministério da Saúde. Aplicativo do pacto pela saúde (SISPACTO). Disponível em: http://portalweb04.saude.gov.br/sispacto/

O presente estudo apresenta como limitações aquelas próprias dos estudos transversais realizados com dados secundários. Sabe-se que profissionais bem capacitados no diagnóstico e tratamento da hanseníase, com experiência profissional em razão da elevada prevalência da doença, podem estar lotados em UBS no interior do Estado de Mato Grosso.6 No entanto, as dificuldades tecnológicas para atender aos critérios diagnósticos de recidiva em hanseníase em tais unidades, de certa forma, reduzem a importância das considerações relativas às limitações do estudo.

Conclui-se que as novas entradas de casos de recidiva em Mato Grosso são influenciadas pelos diagnósticos feitos em UBS, sugerindo que há deficiência na rede de serviços de saúde em reconhecer casos de recidiva.

Recebido: 26/10/2009

Aprovado: 18/12/2009

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat - Processo nº: PPSUS/275-10036).

Apresentado no 11º Congresso Brasileiro de Hansenologia em Porto Alegre, RS, 2008.

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

  • 1. Alencar CHM, Barbosa JC, Ramos Jr NA, Alencar MJF, Pontes RJS, Castro GJC, et al. Hanseníase no município de Fortaleza, CE, Brasil: aspectos epidemiológicos e operacionais em menores de 15 anos (1995-2006). Rev Bras Enferm. 2008;61(Esp):694-700.
  • 2. Aquino DMC, Caldas AJM, Silva AAM, Costa JML. Perfil dos pacientes com hanseníase em área hiperendêmica da Amazônia do Maranhão, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36(1):57-64. DOI:10.1590/S0037-86822003000100009
  • 3. Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Dermatologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008.
  • 4. Baohong J. Drug resistance in leprosy: a review. Leprosy 1985;56(4):265-78.
  • 5. Canesqui AM, Spinelli MAS. Saúde da Família no Estado de Mato Grosso, Brasil: perfis e julgamentos de médicos e enfermeiros. Cad Saude Publica. 2006;22(9):1881-92. DOI:10.1590/S0102-311X2006000900019
  • 6. Cortela DCB, Ignotti E. Lesões na hanseníase: o papel do cirurgião-dentista na suspeita de casos novos. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(4):619-32. DOI:10.1590/S1415-790X2008000400010
  • 7
    Drug resistance in leprosy: reports from selected endemic countries. Weekly Epidemiological Record 2009,26(84):261-268.
  • 8. Floch H. La sulfono-résistance du bacille de Hansen. Arch Inst Pasteur Guyane Franc Terit Inini. 1957;429:1-9.
  • 9. Gallo MEN, Oliveira MLW. Recidivas e reinfecção em hanseníase. Medicina (Ribeirão Preto). 1997;30(3):351-7.
  • 10. Imbiriba EB, Hurtado-Guerrero JC, Garnelo J, Levino A, Cunha MG , PedrosaV. Perfil epidemiológico da hanseníase em menores de quinze anos de idade, Manaus (AM), 1998-2005. Rev Saude Publica. 2008;42(6):1021-6. DOI:10.1590/S0034-89102008005000056
  • 11. Linder K, Zia M, Kern WV, Pfau RKM, Wagner D. Relapses vs. reactions in multibacillary leprosy: proposal of new relapse criteria. Trop Med Int Health. 2008;13(3):295-309.
  • 12. Maeda S, Matsuoka M, Nakata N, Kai M, Maeda Y, Hashimoto K, et al. Multidrug resistant Mycobacterium leprae from patients with leprosy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45(12):3635-9. DOI:10.1128/AAC.45.12.3635-3639.2001
  • 13. Matsuoka M, Budiawan T, Aye KS, Kyaw K, Tan EV, Cruz ED, et al. The frequency of drug resistance mutations in Mycobacterium leprae isolates in untreated and relapsed leprosy patients from Myanmar, Indonesia and the Philippines. Lepr Rev. 2007;78(4):343-52.
  • 14. Melo AM. A política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação. Rev Bras Ci Soc. 2001;16(46):1-16. DOI:10.1590/S0102-69092001000200003
  • 15. Pettit JH, Rees RJ. Sulphone resistance in leprosy. An experimental and clinical study. Lancet 1964;2(7361):673-4. DOI:10.1016/S0140-6736(64)92482-1
  • 16. Samad AK. An analysis of relapsed leprosy cases. Indian J Dermatol Venereol Lepr. 2000;66(3):126-8.
  • 17. Shepard CC. The experimental disease that follows the injection of human leprosy into food pads of mice. J Exp Med. 1960;112(3):445-54. DOI:10.1084/jem.112.3.445
  • 18. Shetty VP, Wakade AV, Ghate SD, Pai VV, Ganapati RR, Antia NH. Clinical, histopathological and bacteriological study of 52 referral MB cases relapsing after MDT. Lepr Rev. 2005;76(3):241-52.
  • 19. Suite M. Relapse rates following leprosy multidrug therapy. West Indian Med J. 2000;49(3): 210-1.
  • 20. Walters MFR. Distinquishing between relapse and late reversal reaction in multidrug (MDT) - trated BT leprosy. Lepr Rev. 2001;72(3):337-44.
  • 21. Ximenes RAA, Gallo MEN, Brito MFM. Retreatment in Leprosy: a case-control study. Rev Saude Publica. 2007;41(4):632-7. DOI:10.1590/S0034-89102006005000037
  • Correspondência | Correspondence:
    Silvana Margarida Benevides Ferreira
    Universidade de Cuiabá - Unic
    R. Av. Beira Rio, 3100 - Dom Aquino
    78065-900 Cuiabá, MT, Brasil
    E-mail:
  • a
    Orgnizção Mundil d Súde. A estrtégi do esforço finl pr eliminção d hnseníse: plno estrtégico, 2000-2005. Genebr; 2000.
  • b
    Weekly epidemiological record Relevé épidémiologique hebdomadaire. Geneva: World Health Organization; 2007;25(82).
  • c
    Ministério da Saúde. Guia para o ontrole da hanseníase. Brasília; 2002. (Cadernos de Atenção Básia, 10).
  • d
    Ministério da Saúde. Portaria Conjunta nº 125, de 26 de março de 2009. Define ações de controle da hanseníase.
    Diario Oficial Uniao. 27 mar 2009;Seção1:73.
  • e
    Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Área Técnica de Dermatologia Sanitária. Hanseníase: atividades de controle e manual de procedimentos. Brasília; 2001.
  • f
    Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Acompanhamento de hanseníase. Brasília; 2006[citado 2008 abr 04]. Disponível em:
  • g
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população 2007. População recenseada e estimada, segundo os municípios de Mato Grosso. Rio de Janeiro; 2007.
  • h
    Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria SVS/MS nº 11, de 2 de março de 2006. Define critérios para habilitação de unidades de saúde como centro de referência de hanseníase.
    Diario Oficial Uniao. 3 mar 2006;Seção1:48.
  • i
    Ministério da Saúde. NOB - SUS 1996. Norma Operacional Básica do Sistema de Saúde: Gestão plena com responsabilidade pelo cidadão. Brasília; 1997.
  • j
    Brasil. Portaria nº 95, de 26 de janeiro de 2001. Norma operacional da assistência à saúde. NOAS-SUS 01/2001.
    Diario Oficial Uniao. 29 jan 2006;Seção1:48.
  • k
    Ministério da Saúde. Aplicativo do pacto pela saúde (SISPACTO). Disponível em:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      2009
    • Aceito
      18 Dez 2009
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br