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Automedicação em adultos de baixa renda no município de São Paulo

Automedicación en adultos de baja renta en el municipio de Sao Paulo

Resumos

OBJETIVO: Estimar a proporção de automedicação em adultos de baixa renda e identificar fatores associados. MÉTODOS: Foram utilizados dados de inquérito populacional realizado no município de São Paulo em 2005, cujo plano amostral incluiu dois domínios, favela e não favela, com amostragem por conglomerados em dois estágios, totalizando 3.226 indivíduos elegíveis. Além de características sociodemográficas e econômicas, foram analisados: uso de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista, tipo de acesso (gratuito, comprado ou outra) aos medicamentos e os tipos de morbidades (crônicas ou agudas) tratadas, em análise de regressão logística múltipla. RESULTADOS: A proporção de automedicação foi de 27% a 32%. Automedicação esteve fortemente associada à morbidade aguda, ao acesso ao medicamento por compra, à idade menor que 47 anos e medicamentos do grupo terapêutico que atuam no sistema nervoso central. O grupo que atua no sistema nervoso central foi o mais utilizado na automedicação. CONCLUSÕES: O acesso gratuito aos medicamentos mostrou-se fator de proteção para a automedicação. A distribuição de medicamentos e o atendimento adequado devem ser considerados para orientação e redução dos riscos que o uso irracional de medicamentos pode gerar à saúde.

Automedicação; economia; Medicamentos de Uso Contínuo; Fatores Socioeconômicos; Estudos Transversais


OBJETIVO: Estimar la proporción da automedicación en adultos de baja renta e identificar factores asociados. MÉTODOS: Se utilizaron datos de pesquisa poblacional realizado en el municipio de Sao Paulo, Sureste de Brasil, en 2005, cuyo plan de muestreo incluyó dos dominios, barrio y no barrio, con muestreo por conglomerados en dos fases, totalizando 3.226 individuos elegibles. Además de las características sociodemográficas y económicas, se analizaron: uso de medicamentos en los 15 días anteriores a la entrevista, tipo de acceso (gratuito, comprado u otra) a los medicamentos y los tipos de morbilidades (crónicas o agudas) tratadas, en análisis de regresión logística múltiple. RESULTADOS: La proporción de automedicación fue de 27% a 32%. La automedicación estuvo fuertemente asociada a la morbilidad aguda, al acceso al medicamento por compra, a la edad menor de 47 años y medicamentos del grupo terapéutico que actúan en el sistema nervioso central. El grupo que actúa en el sistema nervioso central fue el más utilizado en la automedicación. CONCLUSIONES: El acceso gratuito a los medicamentos se mostró como factor de protección para la automedicación. La distribución de medicamentos y la atención adecuada deben ser considerados para orientación y reducción de los riesgos que el uso irracional de medicamentos puede generar para la salud.

Automedicación; economía; Medicamentos de Uso Continuo; Factores Socioeconómicos; Estudios Transversales


OBJECTIVE: To estimate the self-medication prevalence in low-income adults and identify associated factors. METHODS: Data from a population survey performed in São Paulo municipality, Southeastern Brazil in 2005, were used. The sample strategy included two domains, favelas and non-favelas, with clustered sampling performed in two stages with a total of 3,226 eligible individuals. In addition to sociodemographic and economic characteristics, the multiple logistic regression included: use of medicines in the 15 days preceding interview, access to medicines (free, purchased or other) and type of morbidities treated (chronic or acute). RESULTS: The proportion of self-medication was 27% to 32%. Self-medication was strongly associated with acute morbidity, ability to purchase medicines, age less than 47 years and the medicine group that acts on the central nervous system. The medicinal group that acts on the central nervous system was the most common utilized in self-medication. CONCLUSIONS: Free access to medicines was shown to be a protective factor for self-medication. The distribution of medicines and appropriate health care should be considered when providing patient counseling and for reducing health risks from irrational medicine use.

Self Medication; economics; Drugs of Continuous Use; Socioeconomic Factors; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Automedicação em adultos de baixa renda no município de São Paulo

Automedicación en adultos de baja renta en el municipio de Sao Paulo

Bianca Schmid; Regina Bernal; Nilza Nunes Silva

Departamento de Epidemiologia. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Bianca Schmid Av. Dr. Arnaldo, 715, 2º andar Instituto Cerqueira Cesar 01246-904 São Paulo, SP, Brasil E-mail: bschmid@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a proporção de automedicação em adultos de baixa renda e identificar fatores associados.

MÉTODOS: Foram utilizados dados de inquérito populacional realizado no município de São Paulo em 2005, cujo plano amostral incluiu dois domínios, favela e não favela, com amostragem por conglomerados em dois estágios, totalizando 3.226 indivíduos elegíveis. Além de características sociodemográficas e econômicas, foram analisados: uso de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista, tipo de acesso (gratuito, comprado ou outra) aos medicamentos e os tipos de morbidades (crônicas ou agudas) tratadas, em análise de regressão logística múltipla.

RESULTADOS: A proporção de automedicação foi de 27% a 32%. Automedicação esteve fortemente associada à morbidade aguda, ao acesso ao medicamento por compra, à idade menor que 47 anos e medicamentos do grupo terapêutico que atuam no sistema nervoso central. O grupo que atua no sistema nervoso central foi o mais utilizado na automedicação.

CONCLUSÕES: O acesso gratuito aos medicamentos mostrou-se fator de proteção para a automedicação. A distribuição de medicamentos e o atendimento adequado devem ser considerados para orientação e redução dos riscos que o uso irracional de medicamentos pode gerar à saúde.

Descritores: Automedicação, economia. Medicamentos de Uso Contínuo. Fatores Socioeconômicos. Estudos Transversais.

RESUMEN

OBJETIVO: Estimar la proporción da automedicación en adultos de baja renta e identificar factores asociados.

MÉTODOS: Se utilizaron datos de pesquisa poblacional realizado en el municipio de Sao Paulo, Sureste de Brasil, en 2005, cuyo plan de muestreo incluyó dos dominios, barrio y no barrio, con muestreo por conglomerados en dos fases, totalizando 3.226 individuos elegibles. Además de las características sociodemográficas y económicas, se analizaron: uso de medicamentos en los 15 días anteriores a la entrevista, tipo de acceso (gratuito, comprado u otra) a los medicamentos y los tipos de morbilidades (crónicas o agudas) tratadas, en análisis de regresión logística múltiple.

RESULTADOS: La proporción de automedicación fue de 27% a 32%. La automedicación estuvo fuertemente asociada a la morbilidad aguda, al acceso al medicamento por compra, a la edad menor de 47 años y medicamentos del grupo terapéutico que actúan en el sistema nervioso central. El grupo que actúa en el sistema nervioso central fue el más utilizado en la automedicación.

CONCLUSIONES: El acceso gratuito a los medicamentos se mostró como factor de protección para la automedicación. La distribución de medicamentos y la atención adecuada deben ser considerados para orientación y reducción de los riesgos que el uso irracional de medicamentos puede generar para la salud.

Descriptores: Automedicación, economía. Medicamentos de Uso Continuo. Factores Socioeconómicos. Estudios Transversales.

INTRODUÇÃO

A automedicação consiste na "seleção e uso de medicamentos por pessoas para tratar doenças autodiagnosticadas ou sintomas e deve ser entendida como um dos elementos do autocuidado".ª a World Health Organization. The role of the pharmacist in self medication care. Report of the 4o WHO Consultive Group on the role of the Pharmacist. The Hague, The Netherlands 26-28 August 1998. Geneva; 1998. Para Pelicioni,b b Pelicioni AF. Padrão de consumo de medicamentos em duas áreas da Região Metropolitana de São Paulo, 2001-2002[master's dissertation]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2005. a automedicação responsável pode representar economia para o indivíduo e para o sistema de saúde, evitando congestionamentos nos serviços ofertados. A automedicação irracional, por outro lado, aumenta o risco de eventos adversos e de mascaramento de doenças, o que pode retardar o diagnóstico correto. Diante disso, tratamentos mais complexos, invasivos, caros e com recuperação mais lenta podem tornar-se necessários.

Inúmeros fatores favorecem o uso irracional de medicamentos, como a prática de venda indiscriminada de medicamentos por farmácias brasileiras, a propaganda de medicamentos de venda livre na mídia, sistema de saúde inadequado e custo elevado dos planos privados de saúde e das consultas particulares.ª a World Health Organization. The role of the pharmacist in self medication care. Report of the 4o WHO Consultive Group on the role of the Pharmacist. The Hague, The Netherlands 26-28 August 1998. Geneva; 1998. Schenkel et al7 afirmam que a automedicação também ocorre nas classes sociais mais altas e em países desenvolvidos com sistemas de saúde mais organizados. Em estudo de base populacional em Santa Maria, RS, Vilarino et al9 encontraram associação positiva entre nível de escolaridade e automedicação. Em revisão sobre o uso de medicamentos na população idosa, Rozenfeld5 constatou que, apesar da evidente relação entre o aumento da idade e o maior número de medicamentos utilizados, a automedicação entre os idosos é menor (18%) do que entre pessoas mais jovens (40%).

O presente trabalho teve por objetivo estimar a prevalência de automedicação e identificar fatores associados em adultos de baixa renda.

MÉTODOS

O estudo utilizou a base de dados da pesquisa "Experiência de acesso da população de baixa renda a medicamentos e os genéricos - Município de São Paulo, 2005", realizada com pessoas acima de 40 anos.c c Silva NN. Experiência de acesso da população de baixa renda a medicamentos e os genéricos, Município de São Paulo, 2005. São Paulo: Fapesp; 2005. [Scientific report].

Inquérito de base populacional realizado no município de São Paulo, SP, em 2005, por sorteio de amostras probabilísticas em dois domínios (favela e não favela), com amostragem por conglomerados em dois estágios, sob o critério de partilha proporcional ao tamanho. No primeiro estágio, foram sorteados os setores censitários e, no segundo, os domicílios. Os questionários foram aplicados por entrevistadores treinados, sob a supervisão de uma coordenadora de campo. Dos 3.226 indivíduos elegíveis, 305 não foram encontrados ou recusaram-se a responder, caracterizando perda de 12,6% da amostra. No total, 2.921 responderam à pesquisa, e 1.973 deles (68%) relataram utilização de medicamentos nos 15 dias anteriores à entrevista (982 moradores de favelas e 991 do domínio de não favela).

Uso de medicamentos foi caracterizado como ter necessitado de medicamentos e ter tido acesso a pelo menos um deles.

Automedicação foi definida pelo uso de pelo menos um medicamento que não tenha sido indicado por médico ou dentista, isto é, indicado por farmacêutico, balconista de farmácia ou outros.

Foi estimada associação entre a automedicação e variáveis sociodemográficas (sexo, idade, trabalho, escolaridade, renda), acesso aos medicamentos (somente gratuito: medicamentos obtidos exclusivamente por distribuição gratuita em postos de saúde ou programas governamentais; somente comprado: medicamentos exclusivamente comprados pelo entrevistado; acesso misto) e tipo de morbidade (somente crônicas: medicamentos utilizados somente tratavam de problemas de saúde de maneira contínua, sem data para parar; somente agudas: medicamentos utilizados para tratar somente problemas momentâneos; crônicas e agudas: medicamentos para tratar as duas situações). Trabalho foi definido como exercício de algum tipo de atividade remunerada, na época da entrevista. Aposentados, donas de casa e pensionistas foram classificados como pessoas que não trabalham.

Regressão logística múltiplad d Paula GA. Modelos de Regressão com apoio computacional [doctoral thesis]. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatística da USP; 2004. foi utilizada considerando , em que expressa a probabilidade (entre 0 e 1) de um indivíduo automedicar-se dadas as características xi (sexo, idade, trabalho, tipo de acesso, tipo de morbidade e grupo terapêutico). As variáveis de planejamento da amostra foram utilizadas nas análises estatísticas. As variáveis renda e escolaridade não foram incluídas no modelo por estarem estreitamente associadas ao tipo de acesso. A avaliação do ajuste do modelo usou como critério de corte a probabilidade de até 0,5 para classificar os indivíduos como 0 (não automedicação); os demais foram classificados como 1 (automedicação).

Os medicamentos utilizados pelos entrevistados foram classificados segundo o órgão ou sistema de atuação,10 conforme as 14 categorias propostas pela Organização Mundial da Saúde.

Criaram-se 14 variáveis dicotômicas, cada uma representando o uso ou não de medicamentos do grupo correspondente.

Cada entrevistado assinou um termo de consentimento livre e esclarecido ao final de cada questionário. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sob o protocolo de Pesquisa n.º 993, em 12/08/2003.

RESULTADOS

A maioria dos usuários de medicamentos era do sexo feminino (65%), 44% tinham idade entre 48 e 62 anos, 60% não trabalhavam, 71% tinham entre um e oito anos de estudo e H" 30% tinham renda de até R$ 300,00. A proporção de automedicação foi de quase 30%. Cerca de 46% declararam obter os medicamentos exclusivamente por meio de compra, e em torno de 39% utilizavam-nos apenas para doenças crônicas. A maioria dos entrevistados utilizava medicamentos para o sistema cardiovascular (Grupo C) e sistema nervoso (Grupo N). Menos de 10% dos usuários declararam utilizar medicamentos dos demais grupos (Tabela 1).

Não foi observada diferença significativa entre os sexos. A idade mostrou-se associada à automedicação e aqueles com menos de 47 anos foram os que mais se automedicaram, com proporção entre 38% e 48%. Os indivíduos que trabalhavam tenderam a se automedicar mais do que os demais (desempregados, aposentados, pensionistas e donas de casa). De 16% a 28% dos analfabetos declararam automedicação, e quanto maior a escolaridade, maior foi a automedicação. A proporção de automedicação também aumentou conforme a renda. O acesso aos medicamentos, por compra ou misto, mostrou-se fortemente associado ao desfecho, que apresentou menor expressão entre aqueles que obtiveram medicamentos gratuitamente (3% a 7%). O tipo de morbidade para o qual o indivíduo usou medicamento também esteve associado significativamente à automedicação. De 53% a 63% dos que usaram medicamentos exclusivamente para doenças agudas relataram automedicação (Tabela 2).

As estimativas da razão de chance obtidas pelo modelo de regressão ajustado apontaram como fatores de risco morbidade aguda, consumo de até três medicamentos, uso de medicamentos do sistema nervoso (Grupo N) e idade inferior a 47 anos. O acesso gratuito e doenças crônicas apontaram para a não-automedicação. A probabilidade de automedicação e a avaliação do ajuste do modelo estão apresentadas nas Tabelas 3 e 4, respectivamente. O modelo classificou corretamente 84% dos entrevistados que não se automedicaram e 72% dos que se automedicaram. O acerto médio do modelo foi igual a 81%. Uma pessoa com morbidade aguda e sem acesso gratuito teve, em média, probabilidade de 68% de se automedicar, enquanto o individuo com acesso gratuito teve, em média, probabilidade igual a 15% (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A proporção de automedicação na população maior de 40 anos (27% a 32%) mostrou-se menor do que a observada em outros estudos. Em pesquisas sobre utilização de medicamentos por períodos recordatórios e populações-alvo distintos levam a diferentes resultados. Em levantamento com idosos de todas as faixas de renda, a proporção de automedicação variou de 17% em Bambuí, MG,3 até 60% em Salgueiro, PE.6 Haak2 investigou a automedicação em todas as faixas etárias e de renda em inquérito domiciliar em dois povoados da Bahia, em 1986, com período recordatório de uma semana, e encontrou 74% de automedicação. No Projeto Bambuí, Loyola-Filho et al3 observaram 46% de automedicação, em período recordatório de três meses. No mesmo estudo, para a faixa de 40 anos ou mais, cerca de 35% dos indivíduos se automedicavam. Em Santa Maria, RS, ente 1994 e 1995, Vilarino et al9 encontraram 76% de automedicação no mês anterior à pesquisa. Proporção alta de automedicação também foi encontrada no Nepal, em 2001, onde Shankar et al8 relataram que 59% dos entrevistados se automedicaram nos seis meses anteriores ao levantamento. O presente trabalho investigou a automedicação em população com 40 anos ou mais de baixa renda e com período recordatório distinto dos demais estudos, o que pode explicar a diferença na proporção da automedicação.

O modelo logístico ajustado mostra que os principais fatores para a automedicação são idade, forma de acesso ao medicamento, tipo de morbidade e grupo N (sistema nervoso central) (Tabela 3). O estudo do Projeto Bambuí3 sobre automedicação em maiores de 60 anos apontou que a prática é mais elevada na faixa etária de 60-69 anos, o que sugere coerência com os nossos achados, segundo os quais os mais jovens tendem a se automedicar mais. Segundo Rozenfeld,5 a percepção de que os idosos são mais suscetíveis aos efeitos adversos dos medicamentos e que seus quadros clínicos são mais delicados e requerem acompanhamento especializado pode diminuir a automedicação nas faixas etárias mais avançadas. O modelo logístico final ajustado proposto por Loyola-Filho et al4 também incluiu a variável idade e obteve odds ratio semelhante ao da presente análise, ou seja, quanto menor a idade, maior a chance para a automedicação.

O acesso gratuito ao medicamento mostrou-se fator de proteção para a automedicação. Esse comportamento era esperado, pois o acesso aos programas de distribuição gratuita de medicamentos requer prescrição médica, e morbidades crônicas necessitam de acompanhamento médico continuado (Tabela 3). A distribuição de medicamentos e o atendimento adequado à saúde podem reduzir os riscos de efeitos adversos e potenciais agravos que o uso irracional de medicamentos pode gerar à saúde. Entretanto, a distribuição gratuita de medicamentos não garante seu uso adequado. Inquérito da Organização Pan-Americana de Saúde em unidades de saúde no Brasil, em 2003,e e Organização Pan-Americana de Saúde. Avaliação da assistência farmacêutica no Brasil: estrutura, processo e resultados. Brasília; 2005. (Série medicamentos e outros insumos essenciais para a saúde). apontou que 41% das unidades apresentaram desempenho fraco quanto ao conhecimento do paciente sobre o uso dos medicamentos dispensados. Nota-se a ênfase na disponibilização, mas não na promoção do emprego adequado desses produtos. O mesmo relatório avaliou que a instauração da Política Nacional de Medicamentos e da Política Nacional de Assistência Farmacêutica permitiu fortalecer a regulação da área de medicamentos e a reorientação da assistência farmacêutica, incrementando sua qualidade, principalmente na atenção básica à saúde. Entretanto, constatou-se que a organização dos serviços de assistência farmacêutica ainda é deficiente e o processo de ajuste de descentralização do SUS é gradativo.f f World Health Organization. Antimicrobial resistance. Geneva; 2002[cited 2006 Sep 20]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs194/en/ [Fact sheet, 164]. Perceberam-se "deficiências na gestão, nos mecanismos de financiamento e na integração das ações de assistência farmacêutica às ações de saúde, muitas vezes restrita à disponibilização de medicamentos, sem uma estruturação e organização clara dos serviços de assistência farmacêutica".

Os medicamentos mais utilizados, de maneira geral, são os indicados para tratamento de doenças crônico-degenerativas, comuns na faixa etária pesquisada.

Os medicamentos que atuam no sistema nervoso central, como os analgésicos, são os mais utilizados entre os que se automedicam (Tabela 3). Esses resultados vão ao encontro de outros trabalhos sobre o tema.1-4,6,8,9 Loyola-Filho et al3 verificaram maior uso dos medicamentos para o sistema cardiovascular entre os idosos que não realizavam automedicação, o que também foi observado no presente estudo. Tal fato pode ser explicado pela alta proporção de doenças coronarianas existentes nessa faixa etária.

A automedicação com antibióticos constitui preocupação mundial diante do problema da geração de cepas resistentes.f f World Health Organization. Antimicrobial resistance. Geneva; 2002[cited 2006 Sep 20]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs194/en/ [Fact sheet, 164]. Os antibióticos agrupados na classe J da classificação ATC foram pouco relatados pelos entrevistados: 8,3% dos que não se automedicaram e 5,6% dos que adotaram a prática da automedicação utilizaram antibióticos (Tabela 1). Na investigação de Vilarino et al,9 no RS, o uso de antibióticos de uso sistêmico também foi pouco expressivo, em torno de 4,7%, em todas as faixas etárias.

O presente estudo usou a base de dados de um inquérito que não investigava diretamente a automedicação, o que pode levar a resultados distintos dos que seriam obtidos em um inquérito específico sobre o tema. Entretanto, a coerência com resultados anteriores, tanto no que tange às variáveis socioeconômicas e demográficas quanto aos grupos terapêuticos dos medicamentos utilizados, sugere que nossos achados refletem a realidade vivenciada pela população estudada. A definição da população-alvo de acordo com os objetivos do inquérito deve ser considerada para que se obtenham respostas mais objetivas e acuradas para as questões investigadas. Novas análises do banco de dados utilizado, assim como estudos elaborados com o objetivo de se conhecer o perfil da automedicação e os fatores a ele associados permitirão maiores esclarecimentos sobre essa prática no município de São Paulo.

Recebido: 3/8/2009

Aprovado: 25/8/2010

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp - processo n.º 2004/11920-4).

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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  • Correspondência | Correspondence:
    Bianca Schmid
    Av. Dr. Arnaldo, 715, 2º andar
    Instituto Cerqueira Cesar
    01246-904 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      25 Ago 2010
    • Recebido
      03 Ago 2009
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