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Auto-relato e relato de informante secundário na avaliação da saúde em idosos

Auto-relato y relato de informante secundario en la evaluación de la salud en ancianos

Resumos

OBJETIVO: Analisar se o modelo explicativo para a avaliação da saúde do idoso com base no auto-relato é comparável com o modelo de relato do informante secundário e se a auto-avaliação de saúde do informante secundário influencia a avaliação da saúde do idoso. MÉTODOS: Estudo transversal com 230 pares idoso-informante secundário realizado em Belo Horizonte, MG, em 2007. Foram investigadas variáveis sociodemográficas e de saúde dos idosos por meio de entrevista estruturada. Utilizou-se regressão logística múltipla para analisar associação com auto-avaliação da saúde do idoso como ruim e com as informações prestadas pelo informante secundário. RESULTADOS: No modelo com base no auto-relato, a variável mais fortemente associada à avaliação da saúde do idoso como ruim foi a presença de restrições ou incapacidade para realizar atividades relacionadas à vida diária e/ou à mobilidade. No modelo baseado no informante secundário, a variável explicativa mais relevante foi o número de doenças crônicas apresentadas pelo idoso. Além disso, a chance de o informante secundário avaliar a saúde do idoso como ruim foi três vezes maior quando ele auto-avaliou sua saúde da mesma forma. CONCLUSÕES: Os resultados mostram diferenças importantes entre o modelo da avaliação da saúde do idoso com base nas respostas do próprio indivíduo e nas do informante secundário. O idoso tende a valorizar suas restrições ou incapacidade de realizar atividades da vida diária/mobilidade, enquanto o informante secundário tende a valorizar o diagnóstico de doenças crônicas. O informante secundário com pior auto-avaliação da saúde apresenta chance quase três vezes maior de relatar a saúde do idoso da mesma forma. Assim, informações auto-relatadas refletem melhor a condição de saúde do indivíduo do que se relatadas por informantes secundários.

Saúde do Idoso; Avaliação em Saúde; Auto-avaliação; Variações Dependentes do Observador; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Viés; Estudos Transversais


OBJETIVO: Analizar si el modelo explicativo para la evaluación de la salud del anciano con basa en el auto-relato es comparable con el modelo de relato del informante secundario y si la autoevaluación de salud del informante secundario influencia la evaluación de la salud del anciano. MÉTODOS: Estudio transversal con 230 pares anciano-informante secundario realizado en Belo Horizonte, Sureste de Brasil, en 2007. Fueron investigadas variables sociodemográficas y de salud de los ancianos por medio de entrevista estructurada. Se utilizó regresión logística múltiple para analizar asociación con autoevaluación mala de la salud del anciano y con las informaciones prestadas por el informante secundario. RESULTADOS: En el modelo basado en el auto-relato, la variable más fuertemente asociada a la evaluación mala de la salud del anciano fue la presencia de restricciones o incapacidad para realizar actividades relacionadas con la vida diaria y/o a la movilidad. En el modelo basado en el informante secundario, la variable explicativa más relevante fue el número de enfermedades crónicas presentadas por el anciano. Asimismo, la probabilidad del informante secundario evaluar la salud del anciano como mala fue tres veces mayor cuando el mismo autoevaluó su salud como mala. CONCLUSIONES: Los resultados muestran diferencias importantes entre el modelo de la evaluación de la salud del anciano basado en las respuestas del propio individuo e en las del informante secundario. El anciano tiende a valorizar sus restricciones o incapacidad de realizar actividades de la vida diaria/movilidad, mientras que el informante secundario tiende a valorizar el diagnóstico de enfermedades crónicas. El informante secundario con peor autoevaluación de la salud presenta una probabilidad casi tres veces mayor de relatar la salud del anciano de la misma forma. Así, informaciones auto-relatadas reflejan mejor la condición de salud del individuo que aquellas relatadas por informantes secundarios.

Salud del Anciano; Evaluación en Salud; Autoevaluación; Variaciones Dependientes del Observador; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Sesgo; Estudios Transversales


OBJECTIVE: To analyze whether the explanatory model for health assessments among elderly people based on self-reporting is comparable with the model based on secondary informant reporting, and whether the secondary informant's self-assessed health influences the health assessment among these elderly people. METHODS: This was a cross-sectional study on 230 pairs consisting of one elderly individual and one secondary informant, conducted in Belo Horizonte, Southeastern Brazil, in 2007. The sociodemographic and health variables of the elderly people were investigated by means of a structured interview. Multiple logistic regression was used to analyze associations with self-assessed poor health among the elderly individuals and with the information provided by the secondary informants. RESULTS: In the model based on self-reporting, the variable most strongly associated with poor health assessment among these elderly individuals was the presence of limitations or disabilities relating to performing activities of daily living and/or mobility. In the model based on the secondary informant, the most important explanatory variable was the number of chronic diseases presented by the elderly individual. Furthermore, the chance that the secondary informant would assess the elderly individual's health as poor was three times greater when this informant assessed his own health as poor. CONCLUSIONS: The results showed significant differences between the health assessment model for elderly people based on the individual's own responses and the model based on a secondary informant's responses. The elderly individuals tended to place value on their limitations or disabilities relating to performing activities of daily living and mobility, while secondary informants tended to place value on the diagnoses of chronic diseases. Secondary informants with poor self-assessed health presented almost three times greater chance of reporting elderly individuals' health as the same as their own. Thus, self-reported information better reflects individuals' health conditions than do reports from secondary informants.

Health of the Elderly; Health Evaluation; Self Assessment; Observer Variation; Health Knowledge, Attitudes and Practice; Bias; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Auto-relato e relato de informante secundário na avaliação da saúde em idosos

Auto-relato y relato de informante secundario en la evaluación de la salud en ancianos

Renata JardimI; Sandhi Maria BarretoII; Luana GiattiII

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Pública. Faculdade de Medicina (FM). Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDepartamento de Medicina Preventiva e Social. FM-UFMG. Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Renata Jardim Av. Alfredo Balena, 190, 8° andar Santa Efigênia 30190-100 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: renatajardim.m@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar se o modelo explicativo para a avaliação da saúde do idoso com base no auto-relato é comparável com o modelo de relato do informante secundário e se a auto-avaliação de saúde do informante secundário influencia a avaliação da saúde do idoso.

MÉTODOS: Estudo transversal com 230 pares idoso-informante secundário realizado em Belo Horizonte, MG, em 2007. Foram investigadas variáveis sociodemográficas e de saúde dos idosos por meio de entrevista estruturada. Utilizou-se regressão logística múltipla para analisar associação com auto-avaliação da saúde do idoso como ruim e com as informações prestadas pelo informante secundário.

RESULTADOS: No modelo com base no auto-relato, a variável mais fortemente associada à avaliação da saúde do idoso como ruim foi a presença de restrições ou incapacidade para realizar atividades relacionadas à vida diária e/ou à mobilidade. No modelo baseado no informante secundário, a variável explicativa mais relevante foi o número de doenças crônicas apresentadas pelo idoso. Além disso, a chance de o informante secundário avaliar a saúde do idoso como ruim foi três vezes maior quando ele auto-avaliou sua saúde da mesma forma.

CONCLUSÕES: Os resultados mostram diferenças importantes entre o modelo da avaliação da saúde do idoso com base nas respostas do próprio indivíduo e nas do informante secundário. O idoso tende a valorizar suas restrições ou incapacidade de realizar atividades da vida diária/mobilidade, enquanto o informante secundário tende a valorizar o diagnóstico de doenças crônicas. O informante secundário com pior auto-avaliação da saúde apresenta chance quase três vezes maior de relatar a saúde do idoso da mesma forma. Assim, informações auto-relatadas refletem melhor a condição de saúde do indivíduo do que se relatadas por informantes secundários.

Descritores: Saúde do Idoso. Avaliação em Saúde. Auto-avaliação (Psicologia). Variações Dependentes do Observador. Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. Viés (Epidemiologia). Estudos Transversais.

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar si el modelo explicativo para la evaluación de la salud del anciano con basa en el auto-relato es comparable con el modelo de relato del informante secundario y si la autoevaluación de salud del informante secundario influencia la evaluación de la salud del anciano.

MÉTODOS: Estudio transversal con 230 pares anciano-informante secundario realizado en Belo Horizonte, Sureste de Brasil, en 2007. Fueron investigadas variables sociodemográficas y de salud de los ancianos por medio de entrevista estructurada. Se utilizó regresión logística múltiple para analizar asociación con autoevaluación mala de la salud del anciano y con las informaciones prestadas por el informante secundario.

RESULTADOS: En el modelo basado en el auto-relato, la variable más fuertemente asociada a la evaluación mala de la salud del anciano fue la presencia de restricciones o incapacidad para realizar actividades relacionadas con la vida diaria y/o a la movilidad. En el modelo basado en el informante secundario, la variable explicativa más relevante fue el número de enfermedades crónicas presentadas por el anciano. Asimismo, la probabilidad del informante secundario evaluar la salud del anciano como mala fue tres veces mayor cuando el mismo autoevaluó su salud como mala.

CONCLUSIONES: Los resultados muestran diferencias importantes entre el modelo de la evaluación de la salud del anciano basado en las respuestas del propio individuo e en las del informante secundario. El anciano tiende a valorizar sus restricciones o incapacidad de realizar actividades de la vida diaria/movilidad, mientras que el informante secundario tiende a valorizar el diagnóstico de enfermedades crónicas. El informante secundario con peor autoevaluación de la salud presenta una probabilidad casi tres veces mayor de relatar la salud del anciano de la misma forma. Así, informaciones auto-relatadas reflejan mejor la condición de salud del individuo que aquellas relatadas por informantes secundarios.

Descriptores: Salud del Anciano. Evaluación en Salud. Autoevaluación (Psicología). Variaciones Dependientes del Observador. Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud. Sesgo (Epidemiología). Estudios Transversales.

INTRODUÇÃO

A auto-avaliação da saúde como ruim prediz eventos como internações, mortalidade e declínio funcional em idosos.6,18 Ela expressa uma compreensão multidimensional do estado de saúde e inclui aspectos objetivos, como a condição de saúde,7 e aspectos subjetivos, como a capacidade de lidar com problemas.16

Por ser útil e fácil de ser obtida, a auto-avaliação tem sido cada vez mais utilizada como indicador de saúde em estudos epidemiológicos.7,8,11 Contudo, apesar de refletir apreciação de natureza pessoal e subjetiva, em alguns inquéritos de saúde a avaliação é obtida de outro informante que não o próprio sujeito investigado.8 O uso do informante secundário em inquéritos domiciliares tem como principal justificativa a dificuldade de encontrar todos os moradores no momento da entrevista.10,12 Esse é o caso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no Brasil. Os dados da PNAD de 1998, nas regiões metropolitanas, mostram que 54% dos indivíduos com idade entre 15 e 44 anos tiveram seu estado geral de saúde avaliado por informantes secundários;3 o mesmo ocorreu em 64% das entrevistas dos indivíduos com idade superior a 17 anos na PNAD de 2003.

O poder preditivo da avaliação geral de saúde feita por informante secundário não é conhecido. Da mesma forma, não podem ser descartados vieses em estudos transversais com coleta de dados baseada no informante secundário.3,17 As tentativas de controlar potenciais vieses decorrentes desse uso incluem introduzir a variável "respondido por informante secundário" nas análises múltiplas1,3 ou estratificar a análise e comparar a magnitude e a direção das associações quando a informação vem do próprio sujeito de pesquisa e quando é obtida por um informante secundário.8,14 Essas estratégias, entretanto, não garantem a avaliação adequada dos erros introduzidos com o uso de informante secundário, pois os indivíduos menos disponíveis para participar do estudo tendem a diferir daqueles que são encontrados com mais freqüência nos domicílios. Dessa maneira, não é possível garantir o pressuposto de que modelos explicativos baseados na análise de respostas obtidas de informantes secundários são similares aos que se baseiam nas respostas do próprio indivíduo.

Em estudo anterior, observou-se baixa concordância entre a auto-avaliação de saúde do idoso e avaliação relatada pelo informante secundário.19 Por isso, é necessário investigar o impacto da utilização de informante secundário na avaliação da saúde do idoso, uma vez que o percentual de respostas obtidas de informante secundário é elevado em estudos baseados nos dados do suplemento saúde da PNAD.20

O objetivo do presente estudo foi analisar se o modelo explicativo para a avaliação da saúde do idoso baseado no auto-relato é comparável com o modelo de relato do informante secundário e se a auto-avaliação de saúde do informante secundário influencia a avaliação da saúde do idoso.

MÉTODOS

Realizou-se estudo epidemiológico transversal com idosos residentes em área urbana de baixa renda em Belo Horizonte, MG. Esse estudo faz parte do projeto Envelhecimento e Saúde, inquérito de base populacional que visa conhecer o perfil de saúde dos idosos residentes na área de abrangência do Centro de Saúde Vila Pinho, em Belo Horizonte.

A amostra baseou-se no cadastro realizado pelo centro de saúde em 2006 e atualizado pelos agentes comunitários de saúde. Os idosos foram selecionados por meio de amostra aleatória estratificada por sexo e idade. O cálculo amostral para o estudo de concordância entre idosos e informantes secundários (n = 230), que corresponde aos indivíduos incluídos no presente estudo, teve como base coeficiente Kappa mínimo de 0,6, precisão igual a 0,10 e nível de 95% de confiança para prevalência estimada de 50% da saúde auto-avaliada como ruim.

Foram sorteados 405 idosos, 92% de participantes do projeto Envelhecimento e Saúde. Desses, 230 (62%) tinham dois ou mais co-residentes com 18 anos ou mais e constituíram a população de estudo.

A coleta de dados ocorreu entre abril e outubro de 2007, por meio de entrevistas, realizadas no centro de saúde, no domicílio ou no trabalho do entrevistado, previamente agendadas pelos agentes comunitários de saúde.

Profissionais treinadas conduziram entrevistas estruturadas, com confiabilidade determinada em 7% dos participantes, reaplicando-se perguntas do questionário geral do projeto Envelhecimento e Saúde, e valor médio de Kappa de 0,79.

O idoso respondeu sobre sua saúde, tendo sido utilizado o termo "informante secundário" para indicar o co-residente que forneceu informações sobre sua própria saúde e a do idoso. Para evitar perda de informações, o informante secundário era orientado a escolher a opção de resposta que ele considerava mais adequada e segundo sua perspectiva.

Todas as entrevistas com idosos e informantes secundários foram realizadas separadamente, para não haver contaminação da informação.5 Quanto ao intervalo de tempo entre essas entrevistas, 67% delas foram realizadas no mesmo dia e 91% delas em até sete dias.

O questionário estruturado continha 50 perguntas similares ou iguais às da PNAD de 2003, além de perguntas sobre modos de vida, condições de saúde e utilização de serviços de saúde.

Dois modelos explicativos foram testados. No primeiro deles, a variável dependente foi a auto-avaliação da saúde do idoso como ruim/muito ruim, aferida pela pergunta "De um modo geral, o(a) Sr(a). considera sua saúde como muito boa, boa, regular, ruim ou muito ruim?". No segundo modelo, a variável dependente correspondeu à avaliação da saúde do idoso como ruim/muito ruim, segundo o informante secundário, aferida por meio da pergunta "De um modo geral, o(a) Sr(a). considera a saúde do(a) sr(a). NOME DO IDOSO muito boa, boa, regular, ruim ou muito ruim?". As respostas foram reunidas em dois grupos: "muito boa, boa, regular" e "ruim, muito ruim", categorizados como "boa" e "ruim", respectivamente.

A influência da perspectiva do informante secundário9 no modelo explicativo com base em suas respostas foi investigada testando-se a variável dependente baseada na perspectiva do idoso. Essa perspectiva foi obtida pela pergunta: "De um modo geral, o(a) Sr(a). NOME DO IDOSO considera o estado de saúde dele como muito bom, bom, regular, ruim ou muito ruim?".

No modelo baseado na avaliação de saúde obtida do informante secundário, todas as variáveis independentes utilizadas também foram relatadas pelo informante secundário, repetindo o procedimento adotado na PNAD e em outros estudos que utilizam informantes secundários.

As variáveis explicativas testadas foram reunidas nos blocos: características socioeconômicas e demográficas; modos de vida; condições de saúde; e utilização de serviços de saúde.

Para analisar a associação entre avaliação de saúde como ruim e a capacidade funcional, construiu-se a variável "presença de grande dificuldade ou incapacidade para realizar pelo menos uma das seis atividades de vida diária (AVD)/mobilidade investigadas". As atividades analisadas foram: alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro; correr, levantar objetos pesados, praticar esportes ou realizar trabalhos pesados; empurrar mesa ou realizar consertos domésticos; abaixar-se, ajoelhar-se ou curvar-se; andar mais de um quilômetro e andar cerca de 100 metros. Cada atividade tinha quatro opções de resposta: não consegue, tem grande dificuldade, tem pequena dificuldade ou não tem dificuldade. Todos os respondentes que informaram "grande dificuldade" ou "não consegue" em pelo menos uma atividade foram reunidos na categoria positivos para grande dificuldade/incapacidade nas AVD/mobilidade.

Após análise descritiva das variáveis investigadas, procedeu-se à análise dos fatores associados à auto-avaliação da saúde como ruim pelo idoso. Essa análise foi realizada em três etapas, utilizando regressão logística. A magnitude da associação foi aferida pelo odds ratio (OR) e a significância estatística, pelo intervalo com 95% de confiança (IC95%).

Na primeira etapa, realizou-se a análise bivariada, considerando-se todas as variáveis explicativas de cada bloco. Posteriormente, todas as variáveis associadas à variável dependente com p < 0,20 foram testadas em modelos intermediários, considerando apenas as variáveis pertencentes ao mesmo bloco. Na terceira etapa, foram retidas no modelo final as variáveis que permaneceram estatisticamente associadas às variáveis dependentes com p < 0,05.

Em seguida, repetiu-se a análise dos fatores associados à avaliação da saúde como ruim pelo idoso referida pelo informante secundário. Finalmente, foi inserida no modelo do informante secundário a sua auto-avaliação da saúde, com o objetivo de testar o efeito modificador de como o informante secundário avaliava a saúde do idoso.

A adequação dos modelos finais da avaliação da saúde do idoso como ruim foi verificada pelo teste de Hosmer-Lemeshow.

Utilizou-se o programa EpiData 3.11 para entrada dos dados e o programa Stata versão 9.0 para a análise estatística.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em outubro de 2006 (Parecer n° 379/2006) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte em janeiro de 2007 (Parecer n° 065/2007). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Dos 230 idosos, 58% eram mulheres, 40% casados e 34% viúvos. A média e mediana da idade dos idosos foi de 70 e 67 anos, respectivamente. Quanto à cor/raça, 68% dos idosos classificaram-se como pardos e 27% como brancos. A maioria dos idosos informou renda familiar mensal de até dois salários mínimos (62%). A média e mediana da escolaridade foi de três anos de estudo e 44% dos idosos referiram não saber ler nem escrever; 30% dos idosos trabalharam na semana anterior à entrevista.

Com relação ao modo de vida, 22% dos idosos relataram fumar atualmente e 25% fazer atividade física no lazer no mínimo três vezes por semana. Dentre as morbidades referidas, 73% relataram diagnóstico médico de hipertensão arterial. A maioria dos idosos (85%) tinha algum grau de limitação das atividades e 60% tinha grande dificuldade ou incapacidade em pelo menos uma das atividades investigadas.

Os informantes secundários eram em sua maioria mulheres (73%), com idade de 19 a 78 anos, e 88% com idade inferior a 60 anos. A média e mediana de idade foi de 43 anos; 71% consideraram-se pretos ou pardos e 28% brancos. A média e mediana da escolaridade dos informantes secundários foi de sete anos de estudo. Com relação a sua própria saúde, 31% dos idosos a avaliaram como muito boa ou boa, 54% como regular e 15% como ruim ou muito ruim. De acordo com os informantes secundários, segundo sua própria perspectiva, a saúde dos idosos era muito boa ou boa para 33%, regular para 47% e ruim ou muito ruim para 20%. Quando os informantes secundários foram chamados a responder segundo a perspectiva do idoso, os valores corresponderam a 40%, 36% e 24%, respectivamente.

As análises bivariadas da associação com avaliação da saúde do idoso como ruim segundo perspectiva do idoso e do informante secundário estão nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. Idade e situação de trabalho na semana anterior à entrevista estiveram associadas quando a avaliação da saúde era respondida pelo próprio idoso. Atividade física no mínimo três vezes por semana foi significativa somente para a avaliação da saúde do idoso como ruim referida pelo informante secundário, assim como a variável internação nos últimos 12 meses. As variáveis do bloco condições de saúde foram positivamente associadas à avaliação da saúde do idoso como ruim, independentemente do respondente. Na análise múltipla por bloco de variáveis, permaneceram diferenças nas variáveis associadas com a saúde ruim do idoso aferida pela auto-avaliação e pelo informante secundário (Tabela 3).

No modelo final baseado na auto-avaliação de saúde do idoso, as dimensões socioeconômicas e demográficas e condições de saúde permaneceram estatisticamente significantes. As variáveis que influenciaram a avaliação da saúde do idoso informada pelo próprio indivíduo e pelo informante secundário foram diferentes, sendo o número de doenças crônicas do idoso relevante apenas no modelo baseado no informante secundário (Tabela 4).

O informante secundário que avaliou sua própria saúde como ruim também teve mais chance de avaliar a saúde do idoso da mesma forma (OR = 2,68; IC95%: 1,04;6,88). Portanto, a "auto-avaliação da saúde do informante secundário" permaneceu associada à variável resposta, independentemente das demais variáveis já incluídas no modelo final.

A avaliação da saúde do idoso feita pelo informante secundário adotando a perspectiva do idoso resultou em pequena alteração na magnitude das associações encontradas em comparação à avaliação da saúde feita pelo informante secundário a partir da sua própria perspectiva. Relato de duas a três doenças crônicas apresentou OR = 4,33 (IC95%: 1,65;11,37); relato de quatro ou mais doenças um OR = 8,02 (IC95%: 2,71;23,72) e a presença de grande dificuldade/incapacidade nas AVD/mobilidade, OR = 2,60 (IC95%: 1,16;5,82). Além dessas, a variável renda familiar permaneceu inversamente associada à avaliação da saúde: OR = 0,47 (IC95%: 0,22;1,00) para 1 a 3 salários e OR = 0,26 (IC95%: 0,10;0,67) para > 3,1 salários). Quando o informante secundário respondia considerando a perspectiva do idoso, a avaliação da sua própria saúde como ruim não foi associada de forma independente com a avaliação da saúde do idoso (OR = 1,23; IC95%: 0,46;3,30).

O teste de Hosmer-Lemeshow para adequação do modelo final da avaliação da saúde do idoso pelo informante secundário, na perspectiva do idoso, foi X2 = 11,37 e valor-p = 0,50. Os resultados do ajuste dos outros dois modelos são apresentados na Tabela 4.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram diferenças importantes entre o modelo da avaliação da saúde do idoso baseado nas respostas do próprio indivíduo e o modelo baseado nas respostas do informante secundário. Os achados sugerem que o idoso tende a valorizar suas restrições ou incapacidade de realizar AVD/mobilidade, enquanto o informante secundário tende a replicar um modelo biomédico que valoriza a informação sobre o diagnóstico de doenças crônicas, mais do que suas conseqüências na qualidade de vida do idoso. Ademais, nossos resultados indicam que o informante secundário com pior auto-avaliação da saúde apresenta chance quase três vezes maior de relatar a saúde do idoso da mesma forma.

As associações encontradas entre as variáveis explicativas e a avaliação da saúde informada pelo próprio indivíduo e pelo proxy possuem a mesma direção. Estudo sobre a influência do respondente substituto na percepção da saúde de idosos participantes da PNAD 1998 e 2003 e membros da coorte de Bambuí, Minas Gerais, Brasil (2007),8 também encontrou resultado semelhante. Entretanto, esse achado não deve ser analisado como uma evidência de ausência de viés, pois, ao comparar os modelos explicativos testados, não se observa associação entre o número de doenças crônicas e a auto-avaliação de saúde como ruim pelo idoso, fator que apresentou gradiente crescente quando a avaliação da saúde foi realizada pelo informante secundário.

Segundo o idoso, possuir idade entre 65 e 69 anos e ter grande dificuldade ou incapacidade em pelo menos uma das AVD estão associados à avaliação de saúde como sendo ruim. Estudo canadense que comparou 9.371 indivíduos com idades entre 55-64 e 65-74 anos13 também não observou avaliação da saúde como pior na faixa etária mais velha, provavelmente em decorrência do efeito de sobrevivência e de menor expectativa de saúde em idades mais avançadas. Segundo o efeito de sobrevivência, indivíduos mais doentes já morreram ou estão institucionalizados e, portanto, a coorte sobrevivente residente em domicílio é menos doente e mais saudável.13 Também é possível que os indivíduos modifiquem sua maneira de avaliar a saúde com o avançar da idade, ou utilizem referências etárias distintas ao fazê-lo.

No presente estudo, renda familiar mensal, sexo e escolaridade não estiveram associados à avaliação de saúde do idoso. Com relação ao sexo, a ausência de associação já foi notada em outro estudo.7 A ausência de associação com a renda e a escolaridade, relatada também em outros estudos,3,4 talvez se explique pela grande homogeneidade dos participantes nesses aspectos. Todos os participantes residem em um bairro de baixa renda e têm pouco ou nenhum estudo.

No modelo baseado na avaliação do informante secundário, destaca-se a associação com número de doenças crônicas, além do fato de sua magnitude ser maior do que a da limitação da capacidade funcional.

Além de os informantes secundários valorizarem mais o diagnóstico que o impacto da doença, alguns estudos indicam que eles tendem a valorizar a presença de deficiências e incapacidades funcionais de forma diferente do próprio indivíduo afetado. Estudo realizado no Reino Unido em 1994 e 1995, baseado no National Health Interview Survey on Disability, com 145.007 participantes com 18 anos ou mais, concluiu que as avaliações feitas pelo informante secundário subestimam a freqüência de incapacidade na faixa dos 18 aos 64 anos, ocorrendo o inverso a partir dos 65 anos de idade.15 Estudo que avaliou a funcionalidade em 287.540 indivíduos com 14 anos de idade ou mais, utilizando os dados da PNAD 2003, encontrou prevalências de limitações das atividades entre os idosos sistematicamente mais elevadas quando as respostas foram fornecidas pelo informante secundário.2 São necessários mais estudos para melhor conhecimento da influência do informante secundário na percepção da capacidade funcional do idoso, pois podem existir diferenças na percepção das atividades consideradas relevantes para a avaliação da saúde referida pelo próprio indivíduo e pelo informante secundário.

É importante destacar que a variável utilizada para avaliar a capacidade funcional (prevalência de grande dificuldade/incapacidade nas AVD/mobilidade) não discrimina os diferentes níveis de limitação enfrentados pelos idosos nem o tipo de atividade afetada. Em contrapartida, essa variável permite identificar o idoso com menor autonomia.

O modelo da avaliação da saúde do idoso baseado nas respostas do informante secundário sofreu pequena influência de sua perspectiva de resposta a respeito da saúde do idoso. Estudo que analisou as duas perspectivas do informante secundário em 272 idosos encontrou maior concordância entre o idoso e o informante secundário quando este utilizava a perspectiva do idoso ao fornecer suas respostas num instrumento de qualidade de vida relacionada à saúde em idosos.9 Nesse prisma, seria esperada maior semelhança entre o modelo baseado na resposta do idoso e o baseado na resposta do informante secundário quando este falava na perspectiva do idoso, fato não encontrado no presente estudo.

Uma possível explicação das diferenças observadas entre o auto-relato e o relato do informante secundário é a diferença de idade, uma vez que 88% dos informantes secundários possuíam menos de 60 anos. É provável que faixas etárias mais jovens considerem condições distintas na avaliação da saúde. É reconhecido que a auto-avaliação da saúde declina com a idade, e adultos mais velhos têm maior probabilidade do que os mais jovens de referir sua saúde como ruim.3,4 Estudo realizado no Canadá comparou preditores da auto-avaliação da saúde entre adultos mais jovens (25-54 anos) e mais velhos (55 ou mais) e concluiu que os mais jovens utilizam maior variedade de fatores e critérios para avaliar sua própria saúde.13

O presente estudo apresenta validade interna por não apresentar erros sistemáticos na mensuração das variáveis investigadas, porém a generalização dos dados deve ser feita com cautela para outras populações.

Uma limitação deste estudo refere-se ao pequeno número de participantes, sobretudo em algumas categorias analisadas. Outra limitação é a homogeneidade da população, que não permite discriminar algumas características associadas à auto-avaliação da saúde, como renda e escolaridade. Considerando os 230 participantes, o estudo tem poder de 97% para detectar razão de prevalência maior ou igual a 3,00, com p < 0,05, considerando a prevalência da exposição como 50% e prevalências do evento de interesse de 20% e 30% entre não-expostos e expostos, respectivamente.

O foco do presente estudo não é agregar novas questões à compreensão dos fatores que influenciam a auto-avaliação da saúde em idosos. Antes, tem por objetivo comparar os modelos explicativos baseados no auto-relato e no relato do informante secundário, utilizando-se de variáveis explicativas objetivas, com menor potencial de viés do observador e reconhecidamente relevantes para avaliação da saúde. Dessa forma, a ênfase desta investigação está na diferenciação das associações encontradas nos modelos baseados no auto-relato e no relato do informante secundário.

Concluindo, as diferenças observadas entre o auto-relato e o relato do informante secundário ratificam sua natureza subjetiva e individual e trazem preocupação quanto ao uso do informante secundário na mensuração da avaliação da saúde do idoso. Recomenda-se que esta seja informada somente pelo próprio indivíduo e, nos casos em que necessite ser respondida por outra pessoa, é importante considerar a condição de saúde do informante secundário e a perspectiva utilizada.

Recebido: 8/11/2009

Aprovado: 2/5/2010

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig - Processo nº 13218) e pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA - Processo nº 661/20).

SM Barreto é apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - Nº Processos: 13218 e 3661/20; bolsa de produtividade).

Artigo baseado na tese de doutorado de R Jardim, apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais em 2009.

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Nov 2009
    • Aceito
      02 Maio 2010
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