Acessibilidade / Reportar erro

Predição de risco de óbito pelo Indice de Comorbidade de Charlson

Prediction of risk of death with the use of the Charlson Comorbidity Index

CARTA AO EDITOR

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2010

Prezados editores,

A Revista de Saúde Pública publicou um trabalho2 no qual medidas de co-morbidade foram utilizadas para a predição do risco de óbito em pacientes hospitalizados com problemas respiratórios ou cardíacos. Um dos índices aplicados para isso foi o conhecido Índice de Comorbidade de Charlson (ICC), adaptado para a Classificação Internacional de Doenças 10ª Revisão (CID-10) a partir do esquema introduzido por Quan et al.3

Sem qualquer intenção de reproduzir as polêmicas Deyo vs Manitoba-Darthmouth da década de 1990,1,5 queremos ressaltar a existência de um esquema alternativo para essa adaptação.4 Como seria de esperar, as diferenças entre esses esquemas são de pouca monta, sendo mais notável, apenas, a introdução da categoria "AIDS+any tumor, including leukemia and linphoma", com peso "8" (pensada como a justaposição das duas condições). Embora, naturalmente, mais estudos sejam necessários para uma comparação adequada, e embora diferenças (se houver) tendam a ser pequenas, utilizando-se a conhecida métrica c da regressão logística, o esquema4 saiu-se melhor na predição da mortalidade geral em pacientes hospitalizados (c = 0,76 vs 0,70). De qualquer forma, esse esquema é também "uma proposta que visa adotar uma codificação padronizada de uso internacional".2

Renan M V R Almeida

Wagner Coelho de Albuquerque Pereira

Universidade Federal do Rio de Janeiro

renan.m.v.r.almeida@gmail.com

RESPOSTA DA AUTORA

Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2010

Prezados editores,

Os autores da carta ao editor destacam dois pontos referidos com freqüência quando o tema diz respeito ao uso do ICC,1 quais sejam: adaptação aos códigos da CID-10 e revisão das condições clínicas e dos respectivos pesos. Desenvolvido empiricamente, Charlson et al1 examinaram 30 condições clínicas para construir o índice composto por 19 dessas condições, cuja ponderação foi atribuída com base no risco relativo. Originalmente proposto para estudos longitudinais de doenças crônicas,1 vem sendo utilizado em estudos observacionais.5 As primeiras adaptações desse índice para a nona revisão da CID, com modificações clínicas (CID-9-MC), foi usada principalmente nos Estados Unidos.9 Comparações dessas traduções mostram discrepância nos códigos selecionados e o emprego desses dois métodos mostrou efeito reduzido sobre o poder de predição do risco de morrer.2,9

Considerando o debate sobre a qualidade das traduções do ICC para a CID e a inexistência na época de tradução para a CID-10, optou-se em estudo anterior por adaptar as condições clínicas tanto para a CID-9 como para a CID-10.3,4 Esse procedimento foi realizado por um pesquisador com formação médica e em codificação de doenças. Contemporânea à adaptação realizada por Martins et al4 (2006), pesquisadores suíços, australianos e canadenses desenvolveram algoritmos para tradução do ICC para a CID-10.7 Considerando as três iniciativas anteriores, Quan et al7 propuseram-se a compatibilizar e revisar as adaptações para a CID-10 disponíveis na literatura com o intuito de obter uma listagem consensual de códigos e assim desenvolver um algoritmo para as condições clínicas do Índice de Charlson.1 O processo utilizado envolveu codificação independente e painel de médicos para revisão e a aplicação do algoritmo em modelos de predição de óbito apresentou uma estatística c igual a 0,86.7 A adaptação do ICC para a CID-10 realizada por Martins et al10 apresenta diferenças com relação aos códigos diagnósticos empregados por Quan et al,7 especialmente o número de dígitos utilizados na codificação. Contudo, os resultados encontrados mostraram que essas diferenças não tiveram efeito significativo sobre o escore de gravidade dos pacientes e a capacidade discriminativa dos modelos de predição de óbito foi igual (0,69). Apesar de a adaptação ter sido realizada por especialista na área de codificação,3,4 pode-se considerar que a abordagem metodológica realizada por Quan et al7,10 foi mais robusta, sobretudo quando se considera a complexidade inerente à CID e a expertise necessária ao seu manuseio. A estratégia adotada por Ramiarina et al8 leva a conclusão similar. Além disso, atualmente esforços nessa linha devem ser fomentados quando aspectos muito particulares descrevem o perfil de morbidade da população de estudo - o que nem sempre ocorre.

Outro ponto levantado tem relação com o desenvolvimento empírico do ICC, a partir do qual se pode aventar a existência de insuficiências no rol de condições clínicas incluídas e inadequações no peso atribuído a cada uma. Conseqüentemente, uma dimensão avaliada do ICC requer o recálculo dos pesos (recalibragem), um procedimento que objetiva julgar a validade do uso em população com perfil demográfico e de morbi-mortalidade diferenciado da população usada para gerar essas ponderações. Alguns trabalhos sublinham a importância de gerar empiricamente pesos, particularmente quando se avalia diagnóstico ou procedimento especifico, e incluir outras comorbidades no ICC para aumentar o poder de predição de modelos de predição de risco.2 Análise nessa linha foi realizada utilizando dados brasileiros provenientes do sistema de informação sobre produção hospitalar desenvolvido pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.3,4 Contudo, o ICC com novos pesos não alterou a capacidade de discriminação do modelo quando comparado ao ICC original. Essas estratégias de revisão dos pesos contribuem para a criação de índices mais adequados à população de estudo, ao diagnóstico principal e ao resultado do cuidado. Entretanto, o desenvolvimento de um índice e novos pesos a cada estudo dificulta a comparação dos achados, é custoso e fere o princípio científico de parcimônia.

Apesar de não aventado pelos autores, um aspecto importante, sobretudo na realidade brasileira, é a necessidade de melhoria nos sistemas de informação sobre morbidade hospitalar. Obviamente há a recomendação de ampliação do número de campos para o registro completo dos diagnósticos; em outros países, os formulários permitem a codificação de diagnósticos secundários, variando entre 15 e 25 campos. Também houve iniciativas para enfrentar o desafio de distinguir complicação de comorbidade, que a princípio requer conhecimento detalhado, tanto do estado de saúde do paciente no momento de admissão quanto sobre o curso do processo de cuidados. Como, em geral, a base de dados administrativos não especifica a data de diagnóstico, alguns sistemas possuem uma variável que informa se a condição estava ou não presente na admissão hospitalar.6 Essa informação é importante para distinguir entre doença crônica ou em curso e ajuda a identificar complicações devido à qualidade do cuidado.

Monica Martins

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

Fundação Oswaldo Cruz

martins@ensp.fiocruz.br

REFERÊNCIAS (resposta)

  • 1. Deyo RA. Adapting a clinical comorbidity index for use with ICD-9-CM administrative data: a response. J Clin Epidemiol. 1993;46(10):1081-2.
  • 2. Martins MS. Uso de medidas de comorbidades para predição de risco de óbito em pacientes brasileiros hospitalizados. Rev Saude Publica 2010;44(3):448-56. DOI:10.1590/S0034-89102010005000003
  • 3. Quan H, Sundararajan V, Halfon P, Fong A, Burnand B, Luthi JC, et al. Coding algorithms for defining comorbidities in ICD-9-CM and ICD-10 administrative data. Med Care 2005:43(11):1130-9.
  • 4. Ramiarina RA, Ramiarina BL, Almeida RMVR, Pereira WCA. Comorbidity adjustment index for the international classification of diseases, 10th revision. Rev Saude Publica 2008;42(4):590-7. DOI:10.1590/S0034-89102008000400003
  • 5. Romano PS, Roos LL, Jollis JG. Adapting a clinical comorbidity index for use with ICD-9-CM administrative data: differing perspectives. J Clin Epidemiol 1993;46(10):1075-9.
  • 1. Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chron Dis 1987;40(5):373-83.
  • 2. Cleves MA, Sanchez N, Draheim M. Evaluation of two competing methods for calculing Charlson´s comorbidity index when analyzing short-term mortality using admistrative data. J Clin Epidemiol 1997;50(8):903-8.
  • 3. Martins M, Blais R, Miranda NN. Avaliação do índice de comorbidade de Charlson em internações da região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica 2008;24(3):643-52. DOI:10.1590/S0102-311X2008000300018
  • 4. Martins M, Blais R. Evaluation of comorbidity indices for inpatient mortality prediction models. J Clin Epidemiol. 2006;59(7):665-9. DOI:10.1016/j.jclinepi.2005.11.017
  • 5. Needham DM, Scales DC, Laupacis A, Pronovost PJ. A systematic review of the Charlson comorbidity index using administrative databases: a perspective on risk adjustment in critical care research. J Crit Care 2005; 20(1):12-9. DOI:10.1016/j.jcrc.2004.09.007
  • 6. Quan H, Parsons GA, Ghali WA. Assessing accuracy of diagnosis-type indicators for flagging complications in administrative data. J Clin Epidemiol 2004;57(4):366-72. DOI:10.1016/j.jclinepi.2003.01.002
  • 7. Quan H, Sundararajan V, Halfon P, Fong A, Burnand B, Luthi JC, et al. Coding algorithms for defining comorbidities in ICD-9-CM and ICD-10 administrative data. Med Care 2005:43(11):1130-9.
  • 8. Ramiarina RA, Ramiarina BL, Almeida RMVR, Pereira WCA. Comorbidity adjustment index for the international classification of diseases, 10th revision. Rev Saude Publica 2008;42(4):590-7. DOI:10.1590/S0034-89102008000400003
  • 9. Romano PS, Roos LL, JG Jollis JG. Further evidence concerning the use of a clinical comorbidity index with ICD-9-CM administrative data. J Clin Epidemiol 1993;46(10):1085-90.
  • 10. Sundararajan V, Quan H, Halfon P, Fushimi K, Luthi J, Burnand B, Ghali WA. Cross-national comparative performance of three versions of the ICD-10 Charlson index. Med Care. 2007;45(12):1210-5. DOI:10.1097/MLR.0b013e3181484347
  • Predição de risco de óbito pelo Indice de Comorbidade de Charlson

    Prediction of risk of death with the use of the Charlson Comorbidity Index
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2011
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br