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Judicilialização de medicamentos no Brasil: um processo que deve ser racionalizado

Legal proceedings to ensure supply of medicines in Brazil: a process that needs streamlining

CARTA AO EDITOR

Judicilialização de medicamentos no Brasil: um processo que deve ser racionalizado

Legal proceedings to ensure supply of medicines in Brazil: a process that needs streamlining

Tubarão, 31 de outubro de 2011.

Prezados editores

Os artigos2,4 publicados recentemente na Revista de Saúde Pública expõem a realidade da judicialização para acesso a medicamentos, mostrando as diversas fragilidades nos processos, como a solicitação de medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), falta de justificativas e evidências para a seleção dos medicamentos, prescrições incompletas, e apesar disso as ações são deferidas.

Parcela dessa responsabilidade é dos profissionais prescritores que, muitas vezes, por desconhecimento das relações de medicamentos fornecidas pelo SUS ou pela não adoção dos critérios que estabelecem o uso racional de medicamentos,1 prescrevem medicamentos não disponibilizados pela atenção básica.

A instrumentalização dos prescritores pode modificar em parte a realidade descrita nesses trabalhos.2,4 Essa instrumentalização pode dar-se pela capacitação desses profissionais no processo de uso racional de medicamentos3 e na divulgação dos medicamentos disponibilizados pelo SUS, presentes na Relação Nacional ou Municipal de Medicamentos Essenciais (Rename e Remumes). Essa divulgação poderia estar relacionada aos medicamentos disponibilizados na atenção básica, no Programa Farmácia Popular e no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (anteriormente denominado de medicamentos excepcionais), bem como no esclarecimento dos pacientes a respeito dessas vias. Esta última ação é bastante importante, pois destaca-se que deve haver situações em que o processo é movido na justiça à revelia dos prescritores.

A realidade atual de acesso aos medicamentos no Brasil, em especial dos medicamentos atuantes no sistema cardiovascular e diabetes (principais problemas de saúde referidos nas ações), tem sido positivamente modificada desde que os trabalhos foram realizados,2,4 principalmente devido à implantação do "Programa Aqui Tem Farmácia Popular".ª a Ministério da Saúde (BR). Portal da Saúde. Farmácia popular do Brasil. Brasília; 2011[citado 2011 out 25]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1095 A mudança dos medicamentos excepcionais para os medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, dividindo as responsabilidades desses medicamentos entre os municípios, estados e União, também deve facilitar o acesso a medicamentos no âmbito da atenção básica.b b Ministério da Saúde (BR). Componente especializado da assistência farmacêutica. Brasília; 2009[citado 2011 out 25]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=34025&janela=1 Essas duas mudanças no acesso a medicamentos deverão refletir nos próximos anos na demanda e no perfil dos processos judiciais de solicitação de medicamentos.

Por outro lado, para os casos de medicações não disponíveis nas opções gratuitas ou subsidiadas mencionadas, que conduzam a uma demanda judicial, seria conveniente sugerir ao poder judiciário as informações mínimas que devem constar nos processos, a fim de subsidiar a decisão dessa instância: o motivo pelo qual se prescreve a medicação baseada no quadro clínico do paciente e sua doença de base e comorbidades associadas; descrição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID); relato de eventuais falhas terapêuticas anteriores; detalhar a evolução clínica para que a medicação seja dispensada criteriosamente; na existência dos dados de parâmetro laboratoriais, estes devem estar anexados ao processo; e ainda, na impossibilidade de fornecer as duas últimas informações, ao menos justificar com base em adequada(s) evidência(s) científica(s) a solicitação a fim de respaldar a opção pleiteada.

Além disso, a criação de comissões de peritos para reavaliação dos pacientes durante e em períodos regulares após os trâmites judiciais pode contribuir no uso racional dos medicamentos, ou seja, na racionalidade desses processos.

Dayani Galato (dayani.galato@unisul.br)

Humberto Nesi

José Antônio Rosso

Rita de Cássia Schmitz Mendes Oliveira

Silvana Cristina Trauthman

Tânia Lunardi

Fabiana Schuelter-Trevisol

Universidade do Sul de Santa Catarina

  • 1. Le Grand A, Hogerzeil HV, Haaijer-Ruskamp FM. Intervention research in rational use of drugs: a review Health Policy Plan. 1999;14(2):89-102. DOI:10.1093/heapol/14.2.89
  • 2. Macedo EI, Lopes LC, Barberato-Filho S. Análise técnica para a tomada de decisão do fornecimento de medicamentos pela via judicial. Rev Saude Publica. 2011;45(4):706-13. DOI:10.1590/S0034-89102011005000044
  • 3
    Organização Mundial da Saúde. Programa de ação sobre medicamentos essenciais. Guia para a boa prática de prescrição médica. Porto Alegre: Artmed; 1998.
  • 4. Sant'Ana JMB, Pepe VLE, Figueiredo TA, Osorio-de-Castro CGS, Ventura M. Racionalidade terapêutica: elementos médico-sanitários nas demandas judiciais de medicamentos. Rev Saude Publica. 2011;45(4):714-21. DOI:10.1590/S0034-89102011005000042
  • a
    Ministério da Saúde (BR). Portal da Saúde. Farmácia popular do Brasil. Brasília; 2011[citado 2011 out 25]. Disponível em:
  • b
    Ministério da Saúde (BR). Componente especializado da assistência farmacêutica. Brasília; 2009[citado 2011 out 25]. Disponível em:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012
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