Acessibilidade / Reportar erro

Teatro na educação de crianças e adolescentes participantes de ensaio clínico

Teatro en la educación de niños y adolescentes participantes de ensayo clínico

Resumos

OBJETIVO: Analisar os efeitos de uma intervenção pedagógica na aprendizagem de crianças e adolescentes participantes de pesquisa clínica. MÉTODOS: Estudo quantitativo, quasi-experimental e longitudinal, parte de um conjunto de estudos envolvidos no teste de uma vacina contra ancilostomíase. Amostra por conveniência com 133 estudantes de dez a 17 anos, de ambos os sexos, da Escola Municipal de Maranhão, MG, Brasil, 2009. Utilizou-se um questionário estruturado aplicado pré e pós-intervenção. O dispositivo pedagógico foi o Teatro do Oprimido. As variáveis dependentes foram o conhecimento específico e global sobre pesquisa clínica e sobre verminoses; a variável independente foi a participação na intervenção educativa. RESULTADOS: Houve aumento do conhecimento sobre sinais e sintomas, susceptibilidade à reinfecção e modo de contágio da verminose após a intervenção educativa. Aumentaram acertos relativos à duração da pesquisa clínica, aos procedimentos previstos, à possibilidade de desistência da participação e de ocorrência de eventos adversos. Permaneceu a noção de que o propósito primário da pesquisa é terapêutico, embora tenha reduzido o percentual de participantes que associaram a pesquisa ao tratamento médico. O Teatro do Oprimido possibilitou que as discussões acerca da helmintose e da pesquisa clínica fossem contextualizadas e materializadas. Os sujeitos puderam se despojar ou reduzir suas representações prévias. CONCLUSÕES: A participação de crianças e adolescentes em ensaios clínicos deve ser precedida de intervenção educativa, já que indivíduos dessa faixa etária nem sequer reconhecem que têm direito a decidir por si próprios.

Ancilostomíase; prevenção & controle; Criança; Adolescente; Autonomia Pessoal; Conhecimentos; Atitudes e Prática em Saúde; Educação em Saúde


OBJETIVO: Analizar los efectos de una intervención pedagógica en el aprendizaje de niños y adolescentes participantes de investigación clínica. MÉTODOS: Estudio cuantitativo, cuasi-experimental y longitudinal, parte de un conjunto de estudios envueltos en la prueba de una vacuna contra anquilostomiasis. La muestra por conveniencia estaba constituida por 13 estudiantes de diez a 17 años, de ambos sexos, de la Escuela Municipal de Maranhao, MG, Brasil, 2009. Se utilizó un cuestionario estructurado aplicado pre y post intervención. El dispositivo pedagógico fue el Teatro del Oprimido. Las variables dependientes fueron el conocimiento específico y global sobre la investigación clínica y sobre helmintiasis; la variable independiente fue la participación en la intervención educativa. RESULTADOS: Hubo aumento del conocimiento sobre señales y síntomas, susceptibilidad a la reinfección y modo de contagio de la helmintiasis posterior a la intervención educativa. Aumentaron los aciertos relativos a la duración de la investigación clínica, a los procedimientos previstos, a la posibilidad de desistencia de la participación y de ocurrencia de eventos adversos. Permaneció la noción de que el propósito primario de la investigación es terapéutico, a pesar de que hubo reducción en el porcentaje de participantes que asociaron la investigación al tratamiento médico. El Teatro del Oprimido posibilitó que las discusiones sobre helmintiasis y de la investigación clínica fueran contextualizadas y materializadas. Los individuos pudieron despojarse o reducir sus representaciones previas. CONCLUSIONES: La participación de niños y adolescentes en ensayos clínicos debe ser precedida por intervención educativa, ya que individuos de ese grupo etario no pudieron siquiera reconocer que tienen derecho a decidir por sí mismos.

Anquilostomiasis; prevención & control; Niño; Adolescente; Autonomía Personal; Conocimientos; Actitudes y Práctica en Salud; Educación en Salud


OBJECTIVE: To analyze the effects of a pedagogical intervention on the learning of children and teenagers participating in a clinical research. METHODS: Quantitative, quasi-experimental and longitudinal study, part of a group of studies conducted to test a vaccine against ancylostomiasis. Convenience sample with 133 students aged 10-17 years, of both sexes, from the school Escola Municipal de Maranhão (Southeastern Brazil), 2009. A structured questionnaire was used, which was administered before and after the intervention. The pedagogical device was the "Theater of the Oppressed". The dependent variables were specific and global knowledge about clinical research and about parasitic worms; the independent variable was participation in the educational intervention. RESULTS: There was an increase in knowledge about signals and symptoms, susceptibility to reinfection and way of contagion after the educational intervention. We observed an increase in the number of right answers concerning duration of clinical research, procedures, the possibility of quitting participation, and occurrence of adverse events. The notion that the research's primary purpose is therapeutic remained, but the percentage of participants who associated the research with medical treatment decreased. The "Theater of the Oppressed" enabled that the discussions about helminthiasis and clinical research were contextualized and materialized. The subjects could dispose of or reduce their previous representations. CONCLUSIONS: Participation of children and adolescents in clinical trials must be preceded by an educational intervention, since individuals of that age group do not even recognize they have the right to decide for themselves.

Ancylostomiasis; prevention & control; Child; Adolescent; Personal Autonomy; Health Knowledge; Attitudes; Practice; Health Education


ARTIGOS ORIGINAIS

Teatro na educação de crianças e adolescentes participantes de ensaio clínico

Theater in the education of children and teenagers participating in a clinical trial

Teatro en la educación de niños y adolescentes participantes de ensayo clínico

Maria Flávia GazzinelliI; Vânia de SouzaII; Lucas Henrique Lobato de AraújoIII; Relbson de Matos CostaIII; Amanda Nathale SoaresIV; Cláudia Peres Costa MaiaIV

IDepartamento de Enfermagem Aplicada. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

IIDepartamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIEscola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

IVPrograma de Pós-Graduação em Enfermagem. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Maria Flávia Gazzinelli Escola de Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Campus Saúde - sala: 508 Av. Alfredo Balena, 190 30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: flaviagazzinelli@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os efeitos de uma intervenção pedagógica na aprendizagem de crianças e adolescentes participantes de pesquisa clínica.

MÉTODOS: Estudo quantitativo, quasi-experimental e longitudinal, parte de um conjunto de estudos envolvidos no teste de uma vacina contra ancilostomíase. Amostra por conveniência com 133 estudantes de dez a 17 anos, de ambos os sexos, da Escola Municipal de Maranhão, MG, Brasil, 2009. Utilizou-se um questionário estruturado aplicado pré e pós-intervenção. O dispositivo pedagógico foi o Teatro do Oprimido. As variáveis dependentes foram o conhecimento específico e global sobre pesquisa clínica e sobre verminoses; a variável independente foi a participação na intervenção educativa.

RESULTADOS: Houve aumento do conhecimento sobre sinais e sintomas, susceptibilidade à reinfecção e modo de contágio da verminose após a intervenção educativa. Aumentaram acertos relativos à duração da pesquisa clínica, aos procedimentos previstos, à possibilidade de desistência da participação e de ocorrência de eventos adversos. Permaneceu a noção de que o propósito primário da pesquisa é terapêutico, embora tenha reduzido o percentual de participantes que associaram a pesquisa ao tratamento médico. O Teatro do Oprimido possibilitou que as discussões acerca da helmintose e da pesquisa clínica fossem contextualizadas e materializadas. Os sujeitos puderam se despojar ou reduzir suas representações prévias.

CONCLUSÕES: A participação de crianças e adolescentes em ensaios clínicos deve ser precedida de intervenção educativa, já que indivíduos dessa faixa etária nem sequer reconhecem que têm direito a decidir por si próprios.

Descritores: Ancilostomíase, prevenção & controle. Criança. Adolescente. Autonomia Pessoal. Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. Educação em Saúde.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the effects of a pedagogical intervention on the learning of children and teenagers participating in a clinical research.

METHODS: Quantitative, quasi-experimental and longitudinal study, part of a group of studies conducted to test a vaccine against ancylostomiasis. Convenience sample with 133 students aged 10-17 years, of both sexes, from the school Escola Municipal de Maranhão (Southeastern Brazil), 2009. A structured questionnaire was used, which was administered before and after the intervention. The pedagogical device was the "Theater of the Oppressed". The dependent variables were specific and global knowledge about clinical research and about parasitic worms; the independent variable was participation in the educational intervention.

RESULTS: There was an increase in knowledge about signals and symptoms, susceptibility to reinfection and way of contagion after the educational intervention. We observed an increase in the number of right answers concerning duration of clinical research, procedures, the possibility of quitting participation, and occurrence of adverse events. The notion that the research's primary purpose is therapeutic remained, but the percentage of participants who associated the research with medical treatment decreased. The "Theater of the Oppressed" enabled that the discussions about helminthiasis and clinical research were contextualized and materialized. The subjects could dispose of or reduce their previous representations.

CONCLUSIONS: Participation of children and adolescents in clinical trials must be preceded by an educational intervention, since individuals of that age group do not even recognize they have the right to decide for themselves.

Descriptors: Ancylostomiasis, prevention & control. Child. Adolescent. Personal Autonomy. Health Knowledge, Attitudes, Practice. Health Education.

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar los efectos de una intervención pedagógica en el aprendizaje de niños y adolescentes participantes de investigación clínica.

MÉTODOS: Estudio cuantitativo, cuasi-experimental y longitudinal, parte de un conjunto de estudios envueltos en la prueba de una vacuna contra anquilostomiasis. La muestra por conveniencia estaba constituida por 13 estudiantes de diez a 17 años, de ambos sexos, de la Escuela Municipal de Maranhao, MG, Brasil, 2009. Se utilizó un cuestionario estructurado aplicado pre y post intervención. El dispositivo pedagógico fue el Teatro del Oprimido. Las variables dependientes fueron el conocimiento específico y global sobre la investigación clínica y sobre helmintiasis; la variable independiente fue la participación en la intervención educativa.

RESULTADOS: Hubo aumento del conocimiento sobre señales y síntomas, susceptibilidad a la reinfección y modo de contagio de la helmintiasis posterior a la intervención educativa. Aumentaron los aciertos relativos a la duración de la investigación clínica, a los procedimientos previstos, a la posibilidad de desistencia de la participación y de ocurrencia de eventos adversos. Permaneció la noción de que el propósito primario de la investigación es terapéutico, a pesar de que hubo reducción en el porcentaje de participantes que asociaron la investigación al tratamiento médico. El Teatro del Oprimido posibilitó que las discusiones sobre helmintiasis y de la investigación clínica fueran contextualizadas y materializadas. Los individuos pudieron despojarse o reducir sus representaciones previas.

CONCLUSIONES: La participación de niños y adolescentes en ensayos clínicos debe ser precedida por intervención educativa, ya que individuos de ese grupo etario no pudieron siquiera reconocer que tienen derecho a decidir por sí mismos.

Descriptores: Anquilostomiasis, prevención & control. Niño. Adolescente. Autonomía Personal. Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud. Educación en Salud.

INTRODUÇÃO

Pesquisas clínicas pediátricas devem incluir a questão da decisão autônoma do sujeito participante. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é o que normalmente se usa para a expressão de autodeterminação do sujeito de pesquisa, com base no referencial principalista bioético da autonomia.12

A Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde (CNS/MS), de 10/10/1996, exige a assinatura do TCLE em pesquisas envolvendo criança e/ou adolescente (considera-se criança indivíduo com até 12 anos incompletos e adolescente indivíduo com idade entre 12 e 18 anosª a Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Esttuto d Crinç e do Adolescente e dá outrs providêncis. Diário Oficil d Repúblic Federtiv do Brsil, 1990 Jul 16; Seção 1:13563-577. ). Tal anuência se dá por meio dos representantes legais do sujeito menor, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade.b b Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Normas para pesquisa envolvendo seres humanos. Resoluções CNS. nº 196/96 e outras. 2.ed. ampl. Brasília (DF); 2003.

Pouco se avançou na solução das dificuldades de obtenção do consentimento da criança e do adolescente. Considerados como indivíduos em situação de vulnerabilidade, não estão aptos a consentir sua participação em estudos, o que justifica a autorização dos pais ou guardiões.4

A Resolução 196/96 do CNS define que, mesmo sem capacidade legal para decidir participar de uma pesquisa, as crianças e os adolescentes têm direito à liberdade, ao respeito, à dignidade e à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral resguardado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o que abrange a preservação da autonomia.ª a Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Esttuto d Crinç e do Adolescente e dá outrs providêncis. Diário Oficil d Repúblic Federtiv do Brsil, 1990 Jul 16; Seção 1:13563-577.

Apesar desse direito, estudos sobre ensaios clínicos com menores de 18 anos apontam que estes não são envolvidos no processo de decisão,18 centrado nos pais ou nos guardiões.20,24

Crianças estão em processo de desenvolvimento da autonomia e da maturidade. A competência em consentir a participação em pesquisas depende não somente da idade, mas também do desenvolvimento cognitivo, que permite compreender melhor as consequências da participação em um estudo.5

Estudos clínicos em pediatria são tão importantes quanto a autonomia de crianças e adolescentes no processo de tomada de decisão sobre a participação nesse tipo de estudo. Em face da necessidade de conduzir eticamente pesquisas clínicas e de obter consentimento informado de qualidade, é indispensável buscar estratégias educativas que favoreçam essa tomada de decisão autônoma entre sujeitos menores de idade.

Este estudo teve por objetivo analisar os efeitos de uma intervenção pedagógica na aprendizagem de crianças e adolescentes sobre os conceitos envolvidos numa pesquisa clínica.

MÉTODOS

Estudo com abordagem quantitativa, quasi-experimental e de configuração longitudinal. Consistiu no desenvolvimento de uma intervenção educativa e na avaliação dos seus efeitos, com base numa comparação de momentos pré e pós-intervenção (tempo 0 e tempo 1, respectivamente).

O estudo foi realizado no município de Maranhão, distrito de Caraí/MG. É uma região limítrofe entre o Vale do Mucuri e o Vale de Jequitinhonha, área endêmica para ancilostomíase, localizada a 40 km de Caraí e a 590 km da capital Belo Horizonte, MG, em junho de 2009.

A amostra por conveniência foi composta por 133 estudantes da Escola Municipal de Maranhão, moradores desse distrito e de áreas rurais próximas, de dez a 17 anos. A escolha da comunidade escolar deveu-se à facilidade de realização de um estudo de natureza longitudinal que incluía a aplicação do instrumento nos momentos pré e pós-intervenção.

Nessa região são desenvolvidos ensaios clínicos cujo objetivo é testar uma vacina contra ancilostomíase. Essa proposta é conduzida pela Human Hookworm Vaccine Interative (HHVI), um consórcio de pesquisadores da George Washington University (EUA), Fundação Oswaldo Cruz (Brasil) e Sabin Vaccine-Institute (EUA).

Dentre as pesquisas para a testagem da vacina, foi realizado estudo pediátrico para avaliar os efeitos do tratamento quimioterápico anti-helmíntico e a dinâmica de reinfecção dessa helmintose para os menores de dez anos. Os voluntários que aceitaram participar desse ensaio clínico necessitariam seguir orientações e prescrições que afetariam ou modificariam suas rotinas. Isso exige preparo da comunidade, i.e., intervenções com o intuito de informar sobre o estudo, pois o TCLE é insuficiente em assegurar essa compreensão.13,15,16 O preparo acontece em diferentes contextos de ensaios clínicos, sobretudo naqueles com populações em situação de vulnerabilidade social.20 Assim, foi necessário realizar atividades de preparo de comunidade no município de Maranhão.

A opção de estender as intervenções pedagógicas para toda a comunidade levou em conta que, em países em desenvolvimento, a criação de fóruns de discussão sobre o projeto em toda a comunidade é prática empregada para informar os participantes sobre a pesquisa.10

Estudos apontam diversas estratégias para favorecer a compreensão do TCLE: diminuição da complexidade da redação;19 esclarecimento pelo médico responsável;21 realização de intervenções educativas;9 e reuniões com grupos de voluntários.23 Nas nossas atividades de preparo de comunidade do estudo pediátrico, optou-se pela realização de brincadeiras e simulações como estratégias pedagógicas para as crianças de até dez anos. O teatro foi utilizado como dispositivo pedagógico para aqueles acima dessa idade, com exibição de peça teatral em praça pública. O presente estudo refere-se à intervenção pautada no teatro.

O teatro extrapolou o caráter informativo e técnico da educação em saúde convencional ao considerar o indivíduo como sujeito ativo na construção das suas relações, interpretações e composição de significados, na interação com o mundo e com as outras pessoas.

Para a criação do espetáculo, um grupo de adolescentes foi preparado por um teatrólogo, que utilizou um conjunto de técnicas teatrais inspiradas no Teatro do Oprimido, linha de trabalho desenvolvida pelo brasileiro Augusto Boal.3

O Teatro do Oprimido (referência à Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire)6 é um sistema de exercícios físicos, jogos estéticos, técnicas de imagens e improvisações especiais destinados a resgatar, desenvolver e redimensionar a vocação teatral humana. É instrumento eficaz na compreensão e na busca de soluções para problemas sociais e interpessoais. Segue dois princípios básicos em sua metodologia: tornar os espectadores "espect-atores" e transformar todas as situações vividas no espaço cênico em um ensaio para a transformação da realidade. Essa modalidade teatral pressupõe a construção e o trabalho de temas populares e a participação ativa dos espectadores na apresentação.3 Parte-se do pressuposto de que o ser humano é naturalmente teatral, pois se vale o tempo inteiro de representações corporais nas relações, como tom de voz, expressão facial e postura corporal, e interpreta esses signos nas outras pessoas. Ou seja, o teatro é uma vocação de todo ser humano. Por ter uma linguagem universal, pode ser compreendido por todos.

A peça "Amarelão: não quero não", criada por adolescentes, foi encenada com linguagem e cenas típicas do cotidiano local. O texto e as músicas abordaram questões que funcionam como obstáculos epistemológicos à compreensão de conceitos científicos. Foram incluídas informações sobre o estudo clínico a ser realizado, noções do senso comum sobre a ancilostomíase, a pesquisa e o pesquisador.

No modelo de educação dialógica-dialética proposto por Freire7 e aqui adotado, educador e educando estão implicados em um processo mútuo de reconstrução coletiva dos saberes. Tal processo envolve a leitura do mundo e da realidade acrescida da leitura da palavra, dos conceitos e das teorias científicas. São esses componentes teóricos que dialeticamente dão novo sentido à prática, reinterpretada por uma leitura consciente do mundo.6-8

As variáveis dependentes foram: conhecimento global sobre verminose, conhecimento global sobre a pesquisa clínica, conhecimentos específicos sobre a verminose e sobre a pesquisa clínica. A variável independente adotada foi a intervenção educativa.

Levou-se em consideração estudo semelhante,9 qualitativo e com populações de mesmo contexto socioeconômico, para a elaboração do questionário. O questionário estruturado foi composto de 23 questões abertas, relacionadas a dados sociodemográficos, aos conhecimentos sobre verminose e à pesquisa clínica.

Esse instrumento foi testado previamente em uma amostra de 20 pessoas, residentes na mesma região, com o intuito de avaliar o tempo de aplicação e o entendimento das questões, com ajustes posteriores para a versão final.

Os dados foram coletados no próprio ambiente escolar (sala de aula), durante 20 minutos em média, por estudantes de graduação e pós-graduação treinados para essa finalidade. Os questionários foram aplicados no Tempo 0 e no Tempo 1, este uma semana posterior à realização da intervenção educativa. O entrevistador leu as questões e inseriu as respostas nos formulários, conforme as opções previamente definidas.

Procedeu-se à dupla revisão independente de todos os questionários antes da análise de dados. A digitação foi duplicada e independente, com uso do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 15.17

As questões corretas receberam o valor 1 e as incorretas, 0. O tratamento estatístico descritivo individual das questões foi realizado pelo cálculo do percentual de acertos antes e depois da intervenção educativa. Empregou-se o teste de McNemar para a análise da significância de diferenças estatísticas entre as respostas.

As questões específicas sobre a verminose foram abordadas dicotomicamente: opções corretas = 1; incorretas = 0. As questões referentes à pesquisa clínica foram abordadas dicotomicamente por múltipla escolha.

Um índice foi criado para a análise do conhecimento global sobre verminoses e a pesquisa clínica. Consistiu na soma dos acertos nas questões dicotômicas seguida de divisão pelo total de questões da respectiva temática. O valor resultante foi expresso em percentual.

Os dados obtidos foram expressos em média e erro-padrão. O teste-t pareado foi utilizado para a comparação estatística dos dados coletados antes e depois da intervenção educativa. Fixou-se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade em todos os testes estatísticos.

Os voluntários elegíveis para o estudo assentiram em participar, bem como seus pais e/ou guardiões, os quais, após receberem informações sobre a pesquisa e sanarem suas dúvidas, assinaram o TCLE. A pesquisa foi conduzida segundo as exigências da Resolução 196/96, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Pesquisa René Rachou/Fiocruz (04/2008) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (678/2008).

RESULTADOS

Participaram 133 escolares de ambos os sexos (54,9% do sexo feminino); média de 13,16 anos (desvio-padrão: 1,94); 75,2% do ensino fundamental e 24,8% do ensino médio. Não houve diferença estatisticamente significativa entre a escolaridade e o sexo dos participantes nem na proporção dos sexos.

O conhecimento global médio sobre verminose e sobre a pesquisa clínica antes da intervenção educativa foi de 60,9% e de 44,7%, respectivamente (Tabela 1). Após a intervenção, esses valores subiram para 64,8% e 52,0%, respectivamente (p < 0,05).

Houve aumento no percentual de acertos nas questões sobre sinais e sintomas da ancilostomíase e sobre susceptibilidade à reinfecção (p < 0,05) (Tabela 2).

O percentual de acertos na questão sobre o contágio da helmintose via contato com a terra aumentou. O número de acertos diminuiu nas questões sobre o contágio de ancilostomíase via consumo de frutas e verduras não higienizadas e contato com água parada, nas quais se observou significância estatística. O número de acertos foi < 16% nessas duas últimas questões (Tabela 2).

Houve aumento de acertos nas questões sobre: duração da pesquisa na região, possibilidade de desistir a qualquer momento e alguns procedimentos previstos no ensaio clínico, além de possíveis efeitos adversos do produto em teste (p < 0,05) (Tabela 3).

Antes da intervenção, 48% dos participantes acreditavam que o pesquisador era quem tratava a saúde das pessoas, cuidava e realizava exames. Esse percentual caiu para 27,1% após a intervenção. O percentual de participantes que acreditavam que o objetivo do pesquisador era realizar pesquisa, estudar uma vacina e investigar como o organismo reage ao verme passou de 14,4% para 45,9% com a intervenção. Os participantes que não sabiam qual o objetivo do pesquisador na comunidade eram originalmente 33,1% e passaram a 15,8% após a intervenção (Tabela 4).

Não houve mudanças expressivas nas repostas pré e pós-intervenção sobre os benefícios da pesquisa clínica na comunidade. A saúde foi assinalada como sendo o benefício da pesquisa por 27% dos participantes antes da intervenção e por 31,1% após intervenção (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A educação por meio do teatro foi bem aceita pelas crianças e adolescentes e favoreceu o conhecimento global e a aprendizagem de conceitos específicos sobre helmintoses e a pesquisa clínica. Este estudo identificou aumento no percentual de acertos dos estudantes em questões sobre o ensaio clínico, de modo similar a pesquisa anterior, que utilizou vídeo-documentário na mesma região.9

Estudo realizado com escolares em área endêmica para esquistossomose na China mostrou que programas de educação com estratégias pedagógicas distintas das tradicionais foram úteis na transmissão de informação sobre helmintoses.25

Neste trabalho, o resultado em ampliação do conhecimento global dos participantes acerca do estudo foi inferior ao encontrado em estudo realizado na África, no qual os participantes foram informados sobre a pesquisa por meio do consentimento informado.15 Entretanto, devido a diferenças metodológicas, nenhuma comparação específica pôde ser realizada.

Um dos problemas na condução de ensaios clínicos com comunidades em situação de desfavorecimento socioeconômico apontados na literatura é o "equívoco terapêutico",20 fenômeno em que os participantes da pesquisa clínica interpretam o propósito primário do estudo como terapêutico e não para fins científicos.2 Esse mesmo equívoco foi observado no presente estudo, com redução do percentual de participantes que associaram a pesquisa ao tratamento médico após a intervenção.

Joubert14 atesta que, quando a intervenção educativa é bem planejada, considerável parcela de respondentes consegue compreender sua finalidade científica, mesmo em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Observou-se o poder do Teatro do Oprimido em favorecer a compreensão da finalidade da pesquisa e em amenizar o equívoco terapêutico, identificado neste estudo e em investigação anterior na região.1

As discussões acerca das helmintoses e da pesquisa clínica foram contextualizadas por meio do Teatro do Oprimido, ganhando sentido para os sujeitos e permitindo que se despojassem de seus preconceitos e representações prévias.

Ao assistirem à peça teatral e intervirem no enredo, marcado pela linguagem local, pelo senso comum e pelas situações típicas do cotidiano dos moradores, os sujeitos identificam-se e conectam-se intimamente com os personagens, cenas e imagens da sua realidade. Isso ocorre porque o teatro tem a potencialidade de articular a realidade em sua materialidade objetiva com o modo com que essa realidade é configurada no imaginário dos sujeitos. A dimensão sensível é reavivada e torna-se possível a criação de novos arranjos subjetivos, relacionados aos modos de perceber e de experienciar a realidade.

O que distingue a educação tradicional da dialógica - utilizada no Teatro do Oprimido - é que esta se caracteriza por preocupar-se com as dimensões afetiva e inventiva da aprendizagem, desconsideradas pela educação tradicional, cuja ênfase recai sobre a racionalidade técnico-científica. Na relação dialógica, as informações são ressignificadas a partir de vivências concretas e refletidas, e não somente copiadas e replicadas.

Ainda que a educação dialógica tenha potencializado as condições de aprendizagem, número expressivo de participantes permanece com a ideia equivocada de que a finalidade do estudo é terapêutica. A decisão em participar de ensaios clínicos é frequentemente influenciada por condição socioeconômica desfavorável e difícil acesso a serviços de saúde, situação preocupante no mundo todo.11,22

Em países marcados por desigualdades sociais e extrema pobreza, muitos participantes inserem-se em ensaios clínicos como uma oportunidade de intervenção em suas mazelas sociais e/ou biológicas. É necessário pensar sobre o preparo educacional dessas pessoas. A meta deve ser auxiliá-las com o entendimento de que têm direito de acesso aos benefícios terapêuticos, mesmo não participando do estudo.

Esse entendimento pode contribuir para que o participante não pense que o ensaio clínico é o único meio de acesso à saúde e alcance real compreensão do objetivo científico da pesquisa. O objetivo é reduzir o equívoco terapêutico, que leva a superestimar os benefícios e ignorar os riscos. A redução do equívoco terapêutico seria uma forma de favorecer a autonomia na decisão em participar de ensaios clínicos.11

Esses achados podem não ser representativos dos adolescentes em situação de vulnerabilidade na região, pois nem todos estão matriculados e/ou cursam o ensino formal. A qualidade do ensino prestada nessa comunidade provavelmente é diferente da prestada nas regiões metropolitanas do Brasil, o que não permite generalizar os resultados para adolescentes de países em desenvolvimento. Entretanto, o tamanho amostral e o desenho longitudinal podem ser úteis para avaliar a efetividade da intervenção educativa com crianças e adolescentes em situação socioeconômica desfavorável.

Este trabalho complementa a escassa literatura sobre avaliação quantitativa do consentimento informado em países em desenvolvimento. Novos estudos que abordem as motivações de voluntários para participação em pesquisas clínicas e os fatores individuais e contextuais envolvidos em sua compreensão do processo serão bem-vindos.

Recebido: 25/7/2011

Aprovado: 24/5/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

  • 1. Almeida CH, Marques RC, Reis DC, Melo JMC, Diemert D, Gazzinelli MF. A pesquisa científica na saúde: uma análise sobre a participação de populações vulneráveis. Texto Contexto Enferm 2010;19(1):104-111. DOI:10.1590/S0104-07072010000100012
  • 2. Appelbaum PS, Lidz CW, Grisso T. Therapeutic misconception in clinical research: frequency and risk factors. IRB 2004;26(2):1-8.
  • 3. Boal A. Jogos para atores e não-atores. 10.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2007.
  • 4. Diekema DS. Conducting ethical research in pediatrics: a brief historical overview and review of pediatric regulations. J Pediatr 2006;149(1 Suppl):S3-11. DOI:10.1016/j.jpeds.2006.04.043
  • 5. Ecoffey C, Dalens B. Informed consent for children. Curr Opin Anesthesiol. 2003;16(2):205-8
  • 6. Freire P. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987.
  • 7. Freire P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992.
  • 8. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1996.
  • 9. Gazzinelli MF, Lobato L, Matoso L, Avila R, Marques RC, Brown AS, et al. Health education through analogies: preparation of a community for clinical trials of a vaccine against hookworm in an endemic area of Brazil. PLoS Negl Trop. Dis. 2010;4(7):e749-62. DOI:10.1371/journal.pntd.0000749
  • 10. Gikonyo C, Bejon P, Marsh V, Molyneux S. Taking social relationships seriously: lessons learned from the informed consent practices of a vaccine trial on the Kenyan Coast. Soc Sci Med 2008;67(5):708-20. DOI:10.1016/j.socscimed.2008.02.003
  • 11. Henderson GE, Churchill LR, Davis AM, Easter MM, Grady C, Joffe S, et al. Clinical trials and medical care: defining the therapeutic misconception. PLoS Med 2007;4(11):e324. DOI:10.1371/journal.pmed.0040324
  • 12. Hossne WS. Consentimento: livre e esclarecido [editorial]. Cad Etica Pesq 2002;5(10):3.
  • 13. Joffe S, Cook EF, Cleary PD, Clark JW, Weeks JC. Quality of informed consent in cancer clinical trials: a cross-sectional survey. Lancet 2001;358(9295):1772-7. DOI:10.1016/S0140-6736(01)06805-2
  • 14. Joubert G, Steinberg H, van der Ryst E, Chikobvu P. Consent for participation in the Bloemfontein vitamin A trial: how informed and voluntary? Am J Public Health 2003;93(4):582-4.
  • 15. Minnies D, Hawkridge T, Hanekom W, Ehrlich R, London L, Hussey G. Evaluation of the quality of informed consent in a vaccine field trial in a developing country setting. BMC Med Ethics. 2008;9:15. DOI:10.1186/1472-6939-9-15
  • 16. Moodley K, Parker M, Myer L. Informed consent and participants‟ perceptions of influenza vaccine trials in South Africa. J Med Ethics 2005; 31:727-732
  • 17. Norušis MJ. SPSS Professional Statistics 15. Chicago: SPSS; 2003.
  • 18. Olechnowicz JQ, Eder M, Simon C, Zyzanski S, Kodish E. Assent observed: children's involvement in leukemia treatment and research discussions. Pediatrics 2002;109(5):806-14. DOI:10.1542/peds.109.5.806
  • 19. Priestley KA, Campbell C, Valentine CB, Denison DM, Buller NP. Are patient consent forms for research protocols easy to read? BMJ 1992;305(6864):1263-4.
  • 20. Rajaramam D, Jesuraj N, Geiter L, Bennett S, Grewal HMS, Vaz M, et al. How participatory is parental consent in low literacy rural settings in low income countries? Lessons learned from a community based study of infants in South India. BMC Med Ethics. 2011;12:3. DOI:10.1186/1472-6939-12-3
  • 21. Silva SMRD. Consentir incertezas: o consentimento informado e a (des)regulação das tecnologias de reprodução assistida. Cad Saude Publica. 2008;24(3):525-34. DOI:10.1590/S0102-311X2008000300006
  • 22. Stead M, Eadie D, Gordon D, Angus K. "Hello, hello- it's English I speak!": a qualitative exploration of patients' understanding of the science of clinical trials. J Med Ethics 2005;31(11):664-9. DOI:10.1136/jme.2004.011064
  • 23. Tait AR, Voepel-Lewis T, Malviya S, Philipson SJ. Improving the readability and processability of a pediatric informed consent document: effects on parents' understanding. Arch Pediatr Adolesc Med. 2005;159(4):347-52. DOI:10.1001/archpedi.159.4.347
  • 24. Teixeira VMF, Braz M. Estudo sobre o respeito ao princípio da autonomia em crianças e/ou adolescentes sob tratamento oncológico experimental, através do processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido. Rev Bras Cancerol. 2010;56(1):51-9.
  • 25. Yuan LP, Manderson L, Ren MY, Li GP, Yu DB, Fang JC. School-based interventions to enhance knowledge and improve case management of schistosomiasis: a case study from Hunan, China. Acta Trop 2005;96(2-3):248-54. DOI:10.1016/j.actatropica.2005.07.019
  • Correspondência | Correspondence:

    Maria Flávia Gazzinelli
    Escola de Enfermagem
    Universidade Federal de Minas Gerais
    Campus Saúde - sala: 508
    Av. Alfredo Balena, 190
    30130-100 Belo Horizonte, MG, Brasil
    E-mail:
  • a
    Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Esttuto d Crinç e do Adolescente e dá outrs providêncis. Diário Oficil d Repúblic Federtiv do Brsil, 1990 Jul 16; Seção 1:13563-577.
  • b
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Normas para pesquisa envolvendo seres humanos. Resoluções CNS. nº 196/96 e outras. 2.ed. ampl. Brasília (DF); 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Jul 2011
    • Aceito
      24 Maio 2012
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br