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Consulta ginecológica sob a ótica de estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro, RJ

Consulta ginecológica bajo la óptica de estudiantes de educación secundaria en Rio de Janeiro, RJ

Resumos

OBJETIVO: Analisar diferenças socioculturais e percepções sobre a consulta ginecológica por adolescentes. MÉTODOS: Estudo transversal com 418 alunas do ensino médio de três escolas de diferentes perfis, localizadas na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 2010. Aplicou-se questionário estruturado, abordando características sociodemográficas, comportamento sexual e avaliação da consulta ginecológica. Utilizou-se o teste de Qui-quadrado (Yates) e o t de Student, adotando-se p < 0,05. RESULTADOS: Alunas dos colégios privado e público apresentaram perfis semelhantes e diferiram daquelas da rede pública estadual que tiveram nível socioeconômico mais baixo, menor escolaridade dos responsáveis, predominância da raça negra, maior número de parceiros, gestações e histórico de violência sexual. As médias de idades da menarca e sexarca foram semelhantes entre as estudantes e a primeira consulta ginecológica foi significativamente mais tardia nas alunas da rede estadual. A maioria referiu conhecimento sobre anticoncepção e doenças sexualmente transmissíveis, porém pequena parte obteve essas orientações na consulta. As estudantes manifestaram desejo de que o profissional investisse mais tempo, paciência e disponibilidade no atendimento. CONCLUSÕES: O atendimento ginecológico na adolescência é insatisfatório segundo a avaliação das adolescentes estudadas. As usuárias dos serviços privados submetem-se à consulta ginecológica em idade mais precoce do que aquelas que têm acesso apenas à rede pública. É necessário criar mecanismos que facilitem o acesso e a adesão desse grupo etário à rotina preventiva ginecológica.

Adolescente; Exame Ginecológico; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Comportamento Sexual; Educação Sexual; Estudos Transversais


OBJETIVO: Analizar diferencias socioculturales y percepciones sobre la consulta ginecológica en adolescentes. MÉTODOS: Estudio transversal con 418 alumnas de educación secundaria de tres escuelas con diferentes perfiles, localizadas en la ciudad de Rio de Janeiro, RJ, en 2010. Se aplicó cuestionario estructurado, abordando características sociodemográficas, comportamiento sexual y evaluación de la consulta ginecológica. Se utilizó la prueba de Chi-cuadrado (Yates) y el t de Student, adoptándose un p<0,05. RESULTADOS: Alumnas de los colegios privado y público presentaron perfiles semejantes y se diferenciaron de las que estudian en la red pública estatal quienes presentaron nivel socioeconómico más bajo, menor escolaridad de los representantes, predominancia de raza negra, mayor número de parejas, gestaciones e historia de violencia sexual. El promedio de edades de las menarca y sexarca fueron semejantes entre las estudiantes y la primera consulta ginecológica fue significativamente más tardía en las alumnas de la red estatal. La mayoría mencionó tener conocimiento sobre la anticoncepción y enfermedades transmitidas sexualmente, sin embargo, un pequeño número tuvo esas orientaciones en la consulta. Las estudiantes manifestaron interés por disponer de más tiempo, paciencia y atención por parte del profesional. CONCLUSIONES: La atención ginecológica en la adolescencia es insatisfactoria de acuerdo con la evaluación en las adolescentes estudiadas. Las usuarias de los servicios privados acuden a la consulta ginecológica en edad más precoz que las que tienen acceso a la red pública. Es necesario crear mecanismos que faciliten el acceso y la adhesión de ese grupo etario a la rutina preventiva ginecológica.

adolescente; exámen ginecologíco, psicología; conocimientos, actitudes y práctica en salud; conducta sexual; educación sexual; estudios transversales


OBJECTIVE: To analyze sociocultural differences and perceptions of gynecological consultations for high school girls. METHODS: A transversal study with 418 high school girls from three schools of different profiles in the city of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil in 2010. A structured questionnaire encompassing socio-demographic characteristics, sexual behavior and evaluation of gynecological consultations was completed. Yates' Chi-square test and the Student's t-test were utilized adopting a value of p < 0.05. RESULTS: The students of private and federal public schools presented similar profiles but both were different from the state school girls. The latter had lower socioeconomic status, and their parents had lower levels of education, the predominance of afro-descendants was observed, as were a larger number of sexual partners, pregnancy and cases of sexual violence. The average age of menarche and sexarche among the students were similar, but the first gynecological consultation was significantly later among the state school students. The majority showed some knowledge of contraception and STDs, although only a minority received guidance from the consultations. Students expressed the desire that the professionals dedicate more time, patience and availability to them during consultations. CONCLUSIONS: The provision of gynecological services for teenagers is not satisfactory, according to the teenagers' evaluations. Users of the private health system have gynecological consultations earlier than those who only have access to the public system. It is necessary to create mechanisms that facilitate access and adhesion to a routine of gynecological prevention for this age group.

Adolescent; Gynecological Examination; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Sexual Behavior; Sex Education; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Consulta ginecológica sob a ótica de estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro, RJ

High school students' opinions of gynecological consultations in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil

Consulta ginecológica bajo la óptica de estudiantes de educación secundaria en Rio de Janeiro, RJ

Sandra de Morais PereiraI; Stella Regina TaquetteII; Maurício de Andrade PérezIII

IServiço de Ginecologia. Hospital Federal de Bonsucesso. Ministério de Saúde. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIDepartamento de Medicina Interna. Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIInstituto de Estudos em Saúde Coletiva. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sandra de Morais Pereira Rua Marquês de Valença, 46/501 Tijuca 20550-030 Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: sandramoraispereira@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar diferenças socioculturais e percepções sobre a consulta ginecológica por adolescentes.

MÉTODOS: Estudo transversal com 418 alunas do ensino médio de três escolas de diferentes perfis, localizadas na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 2010. Aplicou-se questionário estruturado, abordando características sociodemográficas, comportamento sexual e avaliação da consulta ginecológica. Utilizou-se o teste de Qui-quadrado (Yates) e o t de Student, adotando-se p < 0,05.

RESULTADOS: Alunas dos colégios privado e público apresentaram perfis semelhantes e diferiram daquelas da rede pública estadual que tiveram nível socioeconômico mais baixo, menor escolaridade dos responsáveis, predominância da raça negra, maior número de parceiros, gestações e histórico de violência sexual. As médias de idades da menarca e sexarca foram semelhantes entre as estudantes e a primeira consulta ginecológica foi significativamente mais tardia nas alunas da rede estadual. A maioria referiu conhecimento sobre anticoncepção e doenças sexualmente transmissíveis, porém pequena parte obteve essas orientações na consulta. As estudantes manifestaram desejo de que o profissional investisse mais tempo, paciência e disponibilidade no atendimento.

CONCLUSÕES: O atendimento ginecológico na adolescência é insatisfatório segundo a avaliação das adolescentes estudadas. As usuárias dos serviços privados submetem-se à consulta ginecológica em idade mais precoce do que aquelas que têm acesso apenas à rede pública. É necessário criar mecanismos que facilitem o acesso e a adesão desse grupo etário à rotina preventiva ginecológica.

Descritores: Adolescente. Exame Ginecológico. Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. Comportamento Sexual. Educação Sexual. Estudos Transversais.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze sociocultural differences and perceptions of gynecological consultations for high school girls.

METHODS: A transversal study with 418 high school girls from three schools of different profiles in the city of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil in 2010. A structured questionnaire encompassing socio-demographic characteristics, sexual behavior and evaluation of gynecological consultations was completed. Yates' Chi-square test and the Student's t-test were utilized adopting a value of p < 0.05.

RESULTS: The students of private and federal public schools presented similar profiles but both were different from the state school girls. The latter had lower socioeconomic status, and their parents had lower levels of education, the predominance of afro-descendants was observed, as were a larger number of sexual partners, pregnancy and cases of sexual violence. The average age of menarche and sexarche among the students were similar, but the first gynecological consultation was significantly later among the state school students. The majority showed some knowledge of contraception and STDs, although only a minority received guidance from the consultations. Students expressed the desire that the professionals dedicate more time, patience and availability to them during consultations.

CONCLUSIONS: The provision of gynecological services for teenagers is not satisfactory, according to the teenagers' evaluations. Users of the private health system have gynecological consultations earlier than those who only have access to the public system. It is necessary to create mechanisms that facilitate access and adhesion to a routine of gynecological prevention for this age group.

Descriptors: Adolescent. Gynecological Examination. Health Knowledge, Attitudes, Practice. Sexual Behavior. Sex Education. Cross-Sectional Studies.

RESUMEN

OBJETIVO: Analizar diferencias socioculturales y percepciones sobre la consulta ginecológica en adolescentes.

MÉTODOS: Estudio transversal con 418 alumnas de educación secundaria de tres escuelas con diferentes perfiles, localizadas en la ciudad de Rio de Janeiro, RJ, en 2010. Se aplicó cuestionario estructurado, abordando características sociodemográficas, comportamiento sexual y evaluación de la consulta ginecológica. Se utilizó la prueba de Chi-cuadrado (Yates) y el t de Student, adoptándose un p<0,05.

RESULTADOS: Alumnas de los colegios privado y público presentaron perfiles semejantes y se diferenciaron de las que estudian en la red pública estatal quienes presentaron nivel socioeconómico más bajo, menor escolaridad de los representantes, predominancia de raza negra, mayor número de parejas, gestaciones e historia de violencia sexual. El promedio de edades de las menarca y sexarca fueron semejantes entre las estudiantes y la primera consulta ginecológica fue significativamente más tardía en las alumnas de la red estatal. La mayoría mencionó tener conocimiento sobre la anticoncepción y enfermedades transmitidas sexualmente, sin embargo, un pequeño número tuvo esas orientaciones en la consulta. Las estudiantes manifestaron interés por disponer de más tiempo, paciencia y atención por parte del profesional.

CONCLUSIONES: La atención ginecológica en la adolescencia es insatisfactoria de acuerdo con la evaluación en las adolescentes estudiadas. Las usuarias de los servicios privados acuden a la consulta ginecológica en edad más precoz que las que tienen acceso a la red pública. Es necesario crear mecanismos que faciliten el acceso y la adhesión de ese grupo etario a la rutina preventiva ginecológica.

Descriptores: adolescente. exámen ginecologíco, psicología. conocimientos, actitudes y práctica en salud. conducta sexual. educación sexual. estudios transversales.

INTRODUÇÃO

Pesquisas sobre assistência ginecológica, em geral, não particularizam a faixa etária adolescente, deixando lacunas a serem preenchidas. Limitar a adolescência a um período de transição favorece a negligência quanto às suas necessidades e a não garantia de seus direitos.

A preocupação com a qualidade de vida e assistência à saúde das adolescentes é parte integrante dos programas do Ministério da Saúde, por meio de políticas de atendimento e do estabelecimento de normas que direcionam diversas ações. Cada profissional deve atuar em sua respectiva área, a fim de garantir os direitos sexuais e reprodutivos desse estrato populacional.ª a Ministério d Súde. Secretri de Atenção à Súde. Deprtmento de Ações Progrmátics Estrtégics. Mrco teórico e referencil: súde sexul e súde reprodutiv de dolescentes e jovens. Brsíli (DF); 2006.

O acesso inadequado ao atendimento básico pode desestimular as pacientes a procurar os serviços de saúde. O ginecologista, especialista mais procurado pelas adolescentes, deve estar preparado para avaliar e atender suas necessidades primárias, além das questões da esfera reprodutiva.9 Os serviços precisam organizar-se numa perspectiva de acolhimento das demandas específicas dessa clientela, de forma que o acesso às ações, ao atendimento e aos insumos de saúde seja garantido sem as limitações atualmente impostas. Isso requer reflexão sobre o papel dos diversos atores envolvidos na assistência desse público no setor Saúde.ª a Ministério d Súde. Secretri de Atenção à Súde. Deprtmento de Ações Progrmátics Estrtégics. Mrco teórico e referencil: súde sexul e súde reprodutiv de dolescentes e jovens. Brsíli (DF); 2006.

Há grande vulnerabilidade desse grupo quanto aos agravos à saúde, como a gravidez não esperada e suas complicações e o aumento da prevalência de lesões cervicais intraepiteliais de alto grau, o que sugere a necessidade de inclusão das adolescentes sexualmente ativas no programa de rastreio de lesões precursoras de câncer cervical.12 Além disso, há elevado risco para as doenças sexualmente transmissíveis, acarretando patologias ginecológicas que, quando não são bem conduzidas, podem pôr fim ao futuro desejo reprodutivo das jovens pacientes.7 Faz-se necessário que o serviço de saúde atue cumprindo o seu papel de atenção integral a essa população para minimizar a ocorrência dessas complicações.

O exame ginecológico deve ser feito com orientação apropriada e realizado em um ambiente propício, com a finalidade de iniciar uma rotina de prevenção e atenção à saúde sexual e reprodutiva das adolescentes. Porém, há obstáculos, como: dificuldade para a marcação de consultas, impossibilidade de escolha do profissional e atendimento inadequado para as especificidades dessa faixa etária, o que causa certa rejeição à consulta ginecológica. E isso não ocorre somente no serviço público, mas também no setor privado. O domínio atual, exercido pelos planos de saúde, limita o exercício da livre escolha das pacientes, além de impedir o sigilo, já que as visitas ao médico ficam registradas para posterior conferência do titular das seguradoras.

Outro problema apontado pelas adolescentes6 é a exigência da presença do responsável para o atendimento ou para agendar a própria consulta em alguns serviços. Essa população demanda atenção individual, com privacidade, em espaço apropriado e privado, inclusive durante o exame físico. Esses obstáculos levam à busca de outras formas de orientação e à procura de assistência médica especializada quando apresentam agravos à saúde. Adolescentes não costumam dividir suas decisões reprodutivas com seus responsáveis e buscam o auxílio do ginecologista. Os profissionais, além do desempenho técnico, devem investir no relacionamento pessoal com a paciente, de modo a satisfazer os preceitos éticos, as normas sociais e as legítimas expectativas e necessidades das usuárias. O médico deve estar adequadamente preparado, reconhecendo os problemas que ocorrem nessa faixa etária para atender às demandas desse público.9

A presente pesquisa teve como objetivo analisar diferenças socioculturais e percepções sobre a consulta ginecológica por adolescentes. Buscou-se entender as dificuldades encontradas que contribuam para que esse atendimento deixe de ser um tabu e passe a integrar a rotina preventiva de saúde sexual e reprodutiva na adolescência.

MÉTODOS

Estudo de corte transversal do tipo Conhecimento, Atitude e Prática (CAP), com 418 estudantes do ensino médio em três escolas urbanas: 165 de pública estadual, 122 de privada e 131 de instituição pública federal, do Rio de Janeiro, RJ, de março a julho de 2010.

Foram selecionados três estabelecimentos de ensino: um colégio estadual (A) situado em um bairro do subúrbio da cidade, de status socioeconômico baixo; uma instituição privada (B) estabelecida em uma zona residencial privilegiada, com estudantes pertencentes a classe social de alto poder aquisitivo; e uma escola técnica pública federal (C), localizada em um bairro de classe média, na qual a admissão dos alunos ocorre por meio de concurso público. Os critérios de inclusão foram adotados para obtenção de uma amostra que fosse heterogênea e representativa.

Foram feitas entrevistas semiestruturadas qualitativas preliminares com uma amostra de adolescentes femininas, contendo questionamentos sobre a consulta ginecológica nessa faixa etária.5 Isso proporcionou subsídios para a construção de um questionário e avaliação da amostra, possibilitando maior compreensão do objeto estudado. Realizou-se estudo piloto com um grupo de alunas em uma escola estadual, o que permitiu o refinamento do questionário, visando à qualidade das informações obtidas. Foi realizado um pré-teste e um re-teste de entrevistas, em dois momentos distintos (n = 52), para avaliar a confiabilidade do instrumento. As variáveis apresentaram valores de percentual de concordância acima de 90% da estatística Kappa, confirmando a confiabilidade e a validade do instrumento.

Aplicou-se questionário estruturado, autopreenchível e anônimo. O instrumento continha seções com perguntas sobre as características sociodemográficas, comportamentais (relativas à prática sexual: doenças sexualmente transmissíveis, sexualidade e anticoncepção), atitudes e opiniões das pesquisadas a respeito da consulta ginecológica. As adolescentes foram convidadas a participar da pesquisa com antecedência. Os questionários foram aplicados em auditório cedido pela direção das instituições de ensino sem a presença de professores ou funcionários da escola, no período de março a julho de 2010. A pesquisadora estava presente para dirimir dúvidas sobre o preenchimento.

O cálculo amostral foi realizado com base nos dados da fase preliminar, que mostrou visita ao ginecologista por 70% das adolescentes de escolas cujo nível de renda e/ou educacional das mães era mais elevado e em 50% das adolescentes de instituições estaduais. Foi calculada amostra capaz de comparar duas proporções, com erro α de 5% e poder do teste de 80%, o que resultou em mínimo de 103 alunas por colégio.

Os dados foram analisados pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS - 14.0). A comparação entre proporções foi realizada pelo teste de Qui-quadrado (Yates). Sempre que necessário, utilizou-se a correção de Fisher (valor esperado < 5). A comparação entre médias foi realizada pelo teste t de Student. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para medir a associação linear entre duas variáveis contínuas. Foi considerado estatisticamente significante quando a probabilidade de erro foi < 5%.

Esta pesquisa seguiu os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução nº 196/96, da Conep, e teve aprovação da Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ - Processo nº 1989-CEP/HUPE, em 2008). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis das adolescentes que concordaram em participar. A confidencialidade dos dados e o anonimato das estudantes foram garantidos.

RESULTADOS

As médias das idades da população estudada foram: 17,2 no colégio A; 15,9 no B e 16,1 no C. A proporção entre negras e pardas na escola estadual foi significativamente maior (p < 0,0001) do que nas outras duas. As estudantes da instituição estadual apresentaram menor valor de renda mensal (p < 0,0001) e maior relação de moradores por quarto (p < 0,0001). Observou-se que a proporção de responsáveis com escolaridade de nível superior (completo ou não) foi maior de forma significativa (p < 0,0001) nas instituições B e C quando comparada ao colégio estadual. As adolescentes com atividade remunerada foram 12,9%, 25,2% na escola A, 4,2% na B, 5,4% na C; portanto, houve diferença estatisticamente significativa quando comparada a instituição A (p < 0,0001) com as demais (Tabela 1).

As estudantes que apresentaram união estável pertenciam à escola estadual (p < 0,0001). As médias de idades da menarca e da sexarca foram semelhantes entre todas as estudantes. A maioria das gestações (p < 0,0002) ocorreu no colégio A. Houve maior proporção de abortos na instituição estadual (p < 0,03) quando comparada à soma das alunas (B) e (C). A média de idade da primeira consulta ginecológica nas colegiais estaduais foi maior (p < 0,0001) quando comparada às estudantes das outras instituições de ensino (Tabela 2).

A proporção de pesquisadas que referiram algum tipo de abuso sexual foi de 8,9%, 20 da escola A, sete da escola B e dez da C. Uma adolescente pertencente à instituição B teve o caso comunicado ao Conselho Tutelar. Dezoito estudantes do colégio estadual que relataram terem sido vítimas de abuso sexual mantiveram sigilo sobre o ocorrido e não tomaram qualquer atitude.

As estudantes, de maneira geral, tinham informações sobre anticoncepção e doenças sexualmente transmissíveis (DST). Grande parte desse conhecimento foi proveniente de parentes ou de fontes como a escola, televisão, internet e amigos. O ginecologista atuou timidamente na orientação das entrevistadas (Tabela 3).

Foram à consulta ginecológica 62,7% das alunas da escola A, 77% da B e 78,6% da C; 78,2% das entrevistadas nunca se submeteram ao exame colpocitológico. As dificuldades encontradas para a marcação do atendimento ginecológico foram significativamente maiores entre as estudantes do colégio estadual do que entre as outras entrevistadas (χ2 = 14,5 e p < 0,0001). As estudantes da instituição A foram atendidas com prioridade em serviços públicos, o que foi nitidamente significativo em relação às demais (χ2 = 114,8 e p < 0,000001), assim como a duração da consulta (< 15 minutos), que foi menor quando comparada à assistência médica prestada no setor privado (χ2 = 9,0 e p < 0,003).

A presença de enfermeira durante o exame mostrou-se indiferente para as alunas das escolas B e C, porém causou incômodo para as estudantes da escola A de forma significativa (χ2 = 25,3 e p < 0,00001). A maioria das pesquisadas preferiu realizar a consulta com ginecologista do sexo feminino, não havendo diferença estatística entre as três instituições.

A avaliação de rotina foi o principal motivo para a procura por assistência ginecológica pelas entrevistadas (52,3%). Durante o atendimento médico, 64,9% das adolescentes referiram ter as suas dúvidas esclarecidas. A satisfação das adolescentes esteve relacionada à atenção dispensada pelo ginecologista. Os principais critérios ressaltados foram: paciência demonstrada durante o exame ginecológico (40,9%) e a utilização de material explicativo pelo profissional (29,9%). A falta de atenção (30,1%) e o tempo de espera (29,9%) foram apontados como fator de desagrado. Na avaliação das alunas (58,9%), o médico ideal deveria ser paciente e estar disponível para ouvi-las (Tabelas 4 e 5).

DISCUSSÃO

O maior determinante das diferenças significativas nas associações de diversas variáveis foi o status socioeconômico. Os grupos do ensino privado e da escola técnica federal pública apresentaram características semelhantes, porém diferentes daquelas da instituição estadual.

As colegiais da escola estadual eram predominantemente da raça negra, mais sexualmente ativas, seus responsáveis apresentaram menor escolaridade e viviam em piores condições de moradia. Apesar do maior número de gestações, de parceiros, de casos de abortamentos e de histórico de violência sexual, a média de idade da primeira consulta ginecológica foi mais tardia. A dificuldade de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva pode ser um dos motivos prováveis.

Torna-se cada vez mais importante um olhar diferenciado e atento às especificidades da adolescência, devido à importância em ordem de grandeza e de perspectivas para o futuro desse grupo etário no desenvolvimento da população. Estudos brasileiros com adolescentes escolares inseridos em diferentes contextos socioeconômicos são escassos. A maioria aborda jovens de instituições públicas, provavelmente porque as instituições particulares têm maior resistência em consentir atividades de pesquisa entre seus alunos.4 A coleta de dados em amostras estudantis de redes de ensino com características diversas permite o conhecimento da prevalência desses comportamentos em estudantes de diferentes estratos socioeconômicos.

Uma das limitações deste estudo refere-se ao fato de ter sido realizado somente com estudantes adolescentes. Percentual elevado de estudantes abandona os estudos antes de concluir o ensino médio, principalmente os de menor poder aquisitivo, muitas vezes por necessidade de trabalhar.

Conforme revelam os resultados deste artigo, independentemente de estudarem em instituições públicas ou privadas, a maioria das estudantes busca a consulta ginecológica durante a adolescência. É importante estimular aquelas sexualmente ativas a se submeterem ao exame colpocitológico periódico. Assim, os resultados encontrados refletem a necessidade não só da compreensão da importância de uma rotina precoce de prevenção pelas jovens, mas também de serem criados mecanismos que facilitem o acesso à assistência, impedindo que adolescentes socialmente desfavorecidas encontrem assistência apenas quando enfermas.

A proporção de alunas que referiu algum tipo de abuso sexual foi considerável (8,9%), e um caso foi revelado pela adolescente ao serviço de saúde e notificado ao Conselho Tutelar. A não revelação do abuso sofrido pode estar relacionada à descrença ou desconhecimento dos sistemas de proteção ou medo de sofrer ameaças ou de ficar estigmatizada.1

A consulta ginecológica, quando realizada de forma a contemplar as especificidades desse grupo etário, representa um espaço de escuta para que questões e dificuldades possam ser reveladas e para se obter ajuda. A violência sexual pode desencadear traumas psicológicos, além de induzir à prática sexual desprotegida e proporcionar maior vulnerabilidade à exploração sexual comercial.16 Essa violência, associada à pobreza, baixa escolaridade e baixa autoestima, reduz as possibilidades de as adolescentes construírem mecanismos de autoproteção e as expõe à revitimização fora do ambiente familiar.18

As estudantes pertencentes às instituições B e C, com melhor poder aquisitivo, maior escolaridade do responsável e usuárias dos serviços privados, procuraram o atendimento ginecológico mais cedo. Tiveram menos dificuldade na marcação de consultas, encontraram-se mais protegidas pela rede familiar e menos vulneráveis à violência sexual e à gestação inoportuna. Ratificando estudos prévios das autoras,14 as alunas dessas duas instituições tinham um padrão de conhecimento e comportamento muito semelhantes, o que sugere que a educação dos responsáveis e da própria adolescente é fator importante para práticas de proteção e prevenção de agravos.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009,b b Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.PesquisaNacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009. Brasília; 2010 [citado 2010 out 23]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009 a síntese de indicadores sociais mostra diminuição das taxas de fecundidade no Brasil nas últimas décadas e relaciona o índice com o nível de instrução. Entre as adolescentes de 15 a 19 anos que têm menos de sete anos de estudo, 20,3% são mães. Os dados mostraram que as taxas de gravidez precoce são maiores na população jovem de menor renda, o que é compatível com os resultados do presente estudo.

As estudantes apresentaram pouco conhecimento sobre o preservativo feminino e a dupla proteção. A maioria afirmou que o preservativo masculino era o método de anticoncepção mais popular nessa faixa etária, como em outros estudos.2,10 Grande parte declarou ter conhecimento sobre a anticoncepção de emergência, proveniente de fontes diversas e, portanto, sem respaldo técnico. Informações obtidas de forma equivocada tendem a comprometer a percepção de segurança e eficácia do método pela paciente.15 O presente estudo mostrou que, embora a maioria das pesquisadas tenha revelado conhecimento sobre anticoncepção e DST, pequena parcela das alunas buscou orientações com o ginecologista durante a consulta. O papel dos profissionais de saúde foi tímido, assim como em outro estudo.11 Algumas recorreram a familiares, porém grande parcela procurou outras formas menos seguras de acesso a essas informações, como os meios de comunicação, internet ou os amigos, como observado na literatura.8 A inadequação do conhecimento sobre os métodos contraceptivos perpetua os mitos e gera um fator de resistência a sua utilização.11 A relação entre a aquisição de conhecimento e a adoção de medidas anticoncepcionais na adolescência é pequena.2 O contexto social é fator de influência ao uso da contracepção. Conforme dados deste artigo, adolescentes de famílias de padrão socioeconômico elevado têm maior tendência a utilizar contraceptivos, além de apresentarem melhor adesão ao tratamento, do que aquelas oriundas de famílias de nível socioeconômico baixo.

A avaliação de rotina foi o principal motivo para a assistência ginecológica, ao contrário de outros estudos, em que a anticoncepção costuma ser a causa de maior frequência de atendimentos nessa faixa etária.3

A consulta ginecológica gera variadas expectativas entre as estudantes. Tanto as usuárias do serviço público do grupo A como as demais que utilizavam a rede privada responderam que desejavam maior disponibilidade do profissional. Manifestaram ainda desejo de serem atendidas preferencialmente pelo sexo feminino, com mais atenção e tempo, mostrando a importância que esse público atribui à figura do médico. Da habilidade desse profissional poderá depender o futuro reprodutivo de suas jovens pacientes, fazendo-as entender a necessidade do autocuidado como forma de prevenção de agravos futuros em sua saúde. Existe relação clara entre o tempo dispensado para o atendimento da adolescente e o nível de envolvimento pessoal do profissional na consulta.13

É fundamental promover boa relação médico-paciente, um dos grandes instrumentos facilitadores para estimular a jovem a assumir a responsabilidade pela sua saúde, com mudanças efetivas em sua atitude que priorizem a prevenção. O acompanhamento periódico dos adolescentes em serviços de saúde, preparados para acolher essa faixa etária, contribuiu significativamente para a diminuição do envolvimento dos jovens em comportamentos de risco.17 Cabe ao profissional aproveitar essa oportunidade para usufruir de orientações sobre a necessidade de que as práticas sexuais sejam responsáveis e seguras de acordo com a idade da paciente assistida. Deve-se avaliar se a expectativa da jovem em relação à consulta foi atendida. A relação médico-paciente nessa faixa etária deixa de ser uma relação profissional-responsável, como na infância, e passa a ser uma relação profissional-adolescente, com o direito à privacidade garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.c c Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo; 1993.

O estudo mostrou que o acesso a serviços públicos de saúde sexual e reprodutiva não é facilitado para as adolescentes que dele precisam e, de acordo com a avaliação das usuárias, a qualidade precisa ser melhorada. É necessária a ampliação da oferta de assistência à saúde sexual e reprodutiva a essa população, principalmente para aquelas de menor poder aquisitivo e usuárias da rede pública, além de maior investimento na capacitação de médicos para o atendimento a esse público.

A atenção ofertada a esse público necessita tornar-se mais ágil e atraente, de forma a melhorar sua captação e adesão à rotina preventiva ginecológica. É possível criar uma ligação entre as pacientes e o profissional, extrapolando os vínculos exigidos pela terapêutica e conferindo um atendimento diferenciado, em que possa ser adquirido conhecimento suficiente para subsidiar um comportamento sexual seguro e saudável, além de estímulo ao autocuidado.

Recebido: 9/7/2012

Aprovado: 26/7/2012

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

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  • Endereço para correspondência:

    Sandra de Morais Pereira
    Rua Marquês de Valença, 46/501 Tijuca
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    E-mail:
  • a
    Ministério d Súde. Secretri de Atenção à Súde. Deprtmento de Ações Progrmátics Estrtégics. Mrco teórico e referencil: súde sexul e súde reprodutiv de dolescentes e jovens. Brsíli (DF); 2006.
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    Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo; 1993.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      09 Jul 2012
    • Aceito
      26 Jul 2012
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