INTRODUÇÃO
Embora a incidência e a mortalidade por tuberculose (TB) tenham diminuído aproximadamente 20% e 30%, respectivamente, no Brasil ao longo das últimas décadas, 2 , 6 cerca da 80.000 casos e 4.000 óbitos são notificados anualmente no País. 24 , a
Por serem evitáveis, os óbitos por TB podem ser considerados eventos sentinelas capazes de identificar falhas nos sistemas de saúde, assim como avaliar as estratégias de controle empregadas. 14 , 21 , b A mortalidade por TB está associada à quimioterapia irregular ou inadequada, à demora no diagnóstico, à multirresistência às drogas, à coinfecção com HIV e à presença de outras comorbidades, sobretudo em idosos. 1 , 9 , 14 , 21
O abandono do tratamento contribui para a manutenção da transmissão, pois doentes que não aderem a ele ou usam quimioterápicos por tempo insuficiente e/ou de forma incorreta permanecem como fonte de contaminação, aumentando as taxas de recidiva e a resistência medicamentosa. Esses fatores impedem lograr a cura, uma vez que ampliam tempo e custo de tratamento. 1 , 19 , 20 Esse insucesso está geralmente associado ao etilismo e à coinfecção com HIV, mais frequente em populações vulneráveis. 18
À semelhança de outros países, a TB está atrelada às precárias condições de vida no Brasil, com marcada desigualdade na distribuição da doença. As incidências mais elevadas são registradas entre presidiários, moradores de rua e minorias étnicas. a É preocupante a situação em populações indígenas, em que são reportadas incidências até dez vezes maiores que as médias nacionais, casos resistentes às drogas, altas prevalências de infecção tuberculosa latente (ILTB) e elevada proporção de adoecimento entre crianças e adolescentes. 3 - 5 , 7 , 10 , 17
Apesar do avanço no conhecimento, permanecem lacunas relativas ao acompanhamento dos casos em tratamento e à vigilância de contatos. Além disso, pouco se sabe sobre as características relacionadas aos casos que evoluem para óbito, abandono e tuberculose multidroga resistente entre indígenas, principalmente em comparação a outras populações.
O objetivo do presente estudo foi analisar as características sociodemográficas e clínico-epidemiológicas dos casos de TB notificados em indígenas e não indígenas, segundo raça/cor, e identificar fatores associados ao abandono e ao óbito na vigência do tratamento.
MÉTODOS
Estudo epidemiológico descritivo e analítico, retrospectivo, de base populacional, que teve como população-fonte os habitantes do estado de Mato Grosso do Sul (MS). Foram estudados os casos de TB notificados nos residentes do estado, obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
O estado de Mato Grosso do Sul está localizado na região centro-oeste do Brasil e tem como fronteiras: (N) Mato Grosso; (S-SO) Paraguai; (NE) Goiás e Minas Gerais; (L) São Paulo; (SE) Paraná; (O) Bolívia. Possui área de 357.145,836 km 2 , 78 municípios e população de 2.449.024 habitantes. Segundo o último censo, 73.295 pessoas se autodeclararam indígenas no MS (3,0% da população). c
A atenção à saúde indígena está organizada na forma de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), em número de 34 e espalhados por todo o território nacional, que são considerados unidades operacionais cuja definição territorial contempla não apenas critérios técnico-operacionais e geográficos, mas procura respeitar também a cultura, as relações políticas e a distribuição populacional ancestral dos povos indígenas. A responsabilidade pela assistência à população indígena é do DSEI/MS, que tem área de abrangência em 29 municípios e é responsável pelo atendimento a 69.830 indígenas aldeados, provenientes das etnias Guarani, Kaoiwá, Terena, Kadiwéu, Kinikinawa, Guató, Atikun e Ofaié-Xavanté. d
Considerou-se caso novo de TB toda notificação em que a variável “tipo de entrada” estivesse preenchida com as categorias “caso novo” ou “não sabe”. Foram incluídos todos os casos registrados de 1/1/2001 a 31/12/2009. Foram excluídos os registros duplicados, os casos com entrada por recidiva, reingresso pós-abandono ou transferência, e aqueles em que a situação de encerramento foi “mudança do diagnóstico” e “transferência”. b
Para identificação dos casos em indígenas, foi realizada consulta à variável raça/cor, que deve ser preenchida por autoclassificação, dentre as categorias branca, preta, amarela, parda e indígena. Foi analisada a distribuição dos casos novos, segundo raça/cor e as seguintes variáveis: sexo, faixa etária e zona de residência, tratamento supervisionado, acompanhamento dos casos, situação de encerramento, forma clínica, baciloscopia e cultura de escarro, radiografia de tórax, prova tuberculínica (PT) e sorologia anti-HIV.
Utilizou-se um indicador de acompanhamento de casos a partir de um sistema empírico de classificação que considerou as diretrizes nacionais para controle da TB, 11 a saber: realização de baciloscopias de controle no 2º, 4º e 6º mês do tratamento; registro de exame de contatos; e realização de tratamento supervisionado. O acompanhamento foi considerado insuficiente quando os casos atenderam ou não a apenas uma das recomendações. Os casos de atendimento a duas das recomendações foram classificados como regular, os que atenderam três foram classificados como bom e os que atenderam ao menos quatro foram considerados como excelente.
A análise das variáveis relacionadas ao tratamento supervisionado, acompanhamento de casos e situação de encerramento foi realizada com base nos triênios: 2001 a 2003, 2004 a 2006 e 2007 a 2009 com a intenção de analisar possíveis variações temporais na estruturação e no desempenho do serviço de saúde.
Realizou-se análise das características clínicas e epidemiológicas dos casos notificados, de maneira agregada para todo o período, para dimensionar a magnitude da TB no estado. Elaborou-se série histórica dos coeficientes médios anuais de incidência na população do estado segundo raça/cor entre 2001 e 2009.
Utilizaram-se os casos novos notificados no período, segundo raça/cor no numerador e os dados populacionais dos censos (2000 a 2010) no denominador, e obtiveram-se informações sobre o contingente populacional por raça/cor para calcular os coeficientes de incidência. c Empregou-se o método da progressão geométrica com taxa média de crescimento de 0,2%; 5,4%; 6,3%; 3,1% e 3,1% ao ano para brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas, respectivamente, para as estimativas populacionais intercensitárias.
A base de dados continha 9.323 notificações de TB para o período. Foram excluídas 13 (0,1%) duplicidades, 1.279 (13,7%) registros não classificados como casos novos, 489 (5,2%) em que houve mudança de diagnóstico e 580 (6,2%) que ingressaram por transferências, restando 6.962 casos novos para análise (média anual = 774 notificações).
Em decorrência do reduzido número de óbitos (n = 15) e do elevado percentual de não preenchimento das variáveis raça/cor (20,3%) e tratamento supervisionado (95,7%), entre 2001 e 2006, realizou-se a análise descritiva apenas com características clínicas e sociodemográficas para o período de 2001 a 2009. Isso, acreditando que o não preenchimento das variáveis citadas ocorreu de maneira aleatória entre as diferentes categorias.
Para identificar possíveis associações entre as variáveis independentes (sexo, faixa etária, zona de residência, raça/cor e acompanhamento) e os desfechos de interesse (abandono e óbito na vigência do tratamento), utilizaram-se os dados de 2007 a 2009. Foram notificados 146 óbitos e o percentual de não preenchimento das variáveis raça/cor e tratamento supervisionado foi de 2,8% e 3,7%, respectivamente, nesse período.
Foram realizadas análises univarida e múltipla por meio de regressão logística. As variáveis que mostraram associação ao nível de significância 20% foram incluídas em ordem decrescente de valores de p e da estimativa de razão de chances ( odds ratio – OR). Permaneceram no modelo final aquelas que se mostraram significativas ao nível 5%.
Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences , versão 9.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA).
Este estudo é parte da investigação ampliada, intitulada “Desigualdades sociais e tuberculose: distribuição espacial, fatores de risco e farmacogenética na perspectiva da etnicidade”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (CEP/ENSP) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (CONEP/CNS) (Pareceres 96/2010 e 400/2010).
RESULTADOS
Foram contabilizados 84,4% dos registros entre não indígenas, com média anual de 653 notificações. Registraram-se 1.085 casos novos na população indígena (15,6% do total), com média anual de 121 notificações.
Constatou-se predomínio de adoecimento em homens em todas as populações (razão de sexo 2/1) (p = 0,04) e a faixa etária mais atingida foi de 20 a 44 anos. Essa distribuição não foi homogênea nas categorias, pois, entre os indígenas, as crianças de zero a nove anos concentraram 13,5% do total de casos, enquanto nas outras categorias o adoecimento em crianças não extrapolou 5,0%. Houve maior concentração de doentes na zona urbana (aproximadamente 80,0%), ao passo que a maior parte era proveniente da zona rural entre os indígenas (79,8%) ( Tabela 1 ).
Tabela 1 . Distribuição dos casos de tuberculose segundo raça/cor e variáveis sociodemográficas. Mato Grosso do Sul, 2001 a 2009.
Variável | Branca | Preta | Amarela | Parda | Indígena | Ignorado | Total | |||||||
| ||||||||||||||
Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | |
| ||||||||||||||
Sexo | ||||||||||||||
Masculino | 1.606 | 67,3 | 300 | 67,6 | 102 | 68,5 | 1.255 | 67,6 | 675 | 62,2 | 680 | 65,3 | 4.618 | 66,3 |
Feminino | 781 | 32,7 | 144 | 32,4 | 47 | 31,5 | 601 | 32,4 | 410 | 37,8 | 361 | 34,7 | 2.344 | 33,7 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Faixa etária (anos) | ||||||||||||||
45 e + | 1.013 | 42,4 | 180 | 40,5 | 63 | 42,3 | 694 | 37,4 | 264 | 24,3 | 345 | 33,1 | 2.559 | 36,8 |
20 a 44 | 1.120 | 46,9 | 233 | 52,5 | 69 | 46,3 | 954 | 51,4 | 555 | 51,2 | 540 | 51,9 | 3.471 | 49,9 |
10 a 19 | 158 | 6,6 | 20 | 4,5 | 11 | 7,4 | 148 | 8,0 | 119 | 11,0 | 88 | 8,5 | 544 | 7,8 |
0 a 9 | 96 | 4,0 | 11 | 2,5 | 6 | 4,0 | 60 | 3,2 | 147 | 13,5 | 68 | 6,5 | 388 | 5,6 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Zona | ||||||||||||||
Urbana | 2.105 | 88,2 | 387 | 87,2 | 136 | 91,3 | 1.664 | 89,7 | 156 | 14,4 | 744 | 71,5 | 5.192 | 74,6 |
Rural | 190 | 8,0 | 49 | 11,0 | 7 | 4,7 | 126 | 6,8 | 866 | 79,8 | 148 | 14,2 | 1.386 | 19,9 |
Urbana/rural | 14 | 0,6 | 2 | 0,5 | 1 | 0,7 | 5 | 0,3 | 29 | 2,7 | 2 | 0,2 | 53 | 0,8 |
Ignorada | 78 | 3,3 | 6 | 1,4 | 5 | 3,4 | 61 | 3,3 | 34 | 3,1 | 147 | 14,1 | 331 | 4,8 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Observou-se maior realização de baciloscopia de escarro entre indígenas (80,3%) e menor entre amarelos (65,8%). Por outro lado, a cultura não foi realizada em aproximadamente 65,0% das notificações em todas as categorias de raça/cor. A cultura foi utilizada em mais de 50,0% dos diagnósticos entre os indígenas. Os laudos das radiografias de tórax mostraram altas proporções de exames sugestivos para TB (> 75,0%), não apresentando diferenças acentuadas entre as categorias. A PT não foi empregada em aproximadamente 80,0% das notificações; entre os indígenas esse percentual foi inferior (próximo a 60,0%). A forma clínica pulmonar predominou em mais de 80,0% das notificações e foi mais frequente entre os indígenas (92,3%). O maior percentual de formas extrapulmonares e mistas concentrou-se na raça/cor amarela (28,9% e 3,4%, respectivamente). A sorologia anti-HIV não foi utilizada em aproximadamente 40,0% dos casos e os maiores percentuais de não realização foram observados entre pardos e indígenas. Houve 11 positivos entre os indígenas ( Tabela 2 ).
Tabela 2 . Distribuição dos casos de tuberculose segundo raça/cor e variáveis clínicas. Mato Grosso do Sul, 2001 a 2009.
Variável | Branca | Preta | Amarela | Parda | Indígena | Ignorado | Total | |||||||
| ||||||||||||||
Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | |
| ||||||||||||||
Baciloscopia a | ||||||||||||||
Positiva | 1.141 | 47,8 | 225 | 50,7 | 56 | 37,6 | 993 | 53,5 | 552 | 50,9 | 514 | 49,4 | 3.481 | 50,0 |
Negativa | 664 | 27,8 | 113 | 25,5 | 42 | 28,2 | 418 | 22,5 | 308 | 28,4 | 248 | 23,8 | 1.793 | 25,8 |
Não realizada | 582 | 24,4 | 106 | 23,9 | 51 | 34,2 | 445 | 24,0 | 225 | 20,7 | 279 | 26,8 | 1.688 | 24,2 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Cultura a | ||||||||||||||
Positiva | 433 | 18,1 | 81 | 18,2 | 16 | 10,7 | 397 | 21,4 | 348 | 32,1 | 134 | 12,9 | 1.409 | 20,2 |
Negativa | 225 | 9,4 | 47 | 10,6 | 12 | 8,1 | 137 | 7,4 | 105 | 9,7 | 61 | 5,9 | 587 | 8,4 |
Em andamento | 147 | 6,2 | 36 | 8,1 | 5 | 3,4 | 100 | 5,4 | 103 | 9,5 | 87 | 8,4 | 478 | 6,9 |
Não realizada | 1.582 | 66,3 | 280 | 63,1 | 116 | 77,9 | 1.222 | 65,8 | 529 | 48,8 | 759 | 72,9 | 4.488 | 64,5 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
RX b | ||||||||||||||
Suspeito | 1.864 | 78,1 | 340 | 76,6 | 113 | 75,8 | 1.428 | 76,9 | 856 | 78,9 | 781 | 75,0 | 5.382 | 77,3 |
Normal | 144 | 6,0 | 25 | 5,6 | 15 | 10,1 | 75 | 4,0 | 32 | 2,9 | 45 | 4,3 | 336 | 4,8 |
Outra patologia | 41 | 1,7 | 6 | 1,4 | 2 | 1,3 | 18 | 1,0 | 7 | 0,6 | 27 | 2,6 | 101 | 1,5 |
Não realizado | 324 | 13,6 | 69 | 15,5 | 19 | 12,8 | 325 | 17,5 | 184 | 17,0 | 175 | 16,8 | 1.096 | 15,7 |
Ignorado | 14 | 0,6 | 4 | 0,9 | 0 | 0,0 | 10 | 0,5 | 6 | 0,6 | 13 | 1,2 | 47 | 0,7 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
PT c | ||||||||||||||
0 a 4 mm | 155 | 6,5 | 29 | 6,5 | 11 | 7,4 | 97 | 5,2 | 111 | 10,2 | 52 | 5,0 | 455 | 6,5 |
5 a 9 mm | 131 | 5,5 | 20 | 4,5 | 3 | 2,0 | 64 | 3,4 | 59 | 5,4 | 36 | 3,5 | 313 | 4,5 |
≥ 10 mm | 280 | 11,7 | 48 | 10,8 | 20 | 13,4 | 148 | 8,0 | 225 | 20,7 | 63 | 6,1 | 784 | 11,3 |
Não realizado | 1.779 | 74,5 | 340 | 76,6 | 115 | 77,2 | 1.527 | 82,3 | 667 | 61,5 | 856 | 82,2 | 5.284 | 75,9 |
Ignorado | 42 | 1,8 | 7 | 1,6 | 0 | 0,0 | 20 | 1,1 | 23 | 2,1 | 34 | 3,3 | 126 | 1,8 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Forma clínica | ||||||||||||||
Pulmonar | 1.962 | 82,2 | 379 | 85,4 | 101 | 67,8 | 1.598 | 86,1 | 1.001 | 92,3 | 897 | 86,2 | 5.938 | 85,3 |
Extrapulmonar | 372 | 15,6 | 56 | 12,6 | 43 | 28,9 | 222 | 12,0 | 62 | 5,7 | 130 | 12,5 | 885 | 12,7 |
Mista d | 53 | 2,2 | 9 | 2,0 | 5 | 3,4 | 36 | 1,9 | 22 | 2,0 | 14 | 1,3 | 139 | 2,0 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
Anti-HIV | ||||||||||||||
Positivo | 199 | 8,3 | 43 | 9,7 | 19 | 12,8 | 142 | 7,7 | 11 | 1,0 | 66 | 6,3 | 480 | 6,9 |
Negativo | 1.124 | 47,1 | 219 | 49,3 | 90 | 60,4 | 776 | 41,8 | 493 | 45,4 | 305 | 29,3 | 3.007 | 43,2 |
Andamento | 168 | 7,0 | 49 | 11,0 | 5 | 3,4 | 120 | 6,5 | 125 | 11,5 | 69 | 6,6 | 536 | 7,7 |
Não realizado | 896 | 37,5 | 133 | 30,0 | 35 | 23,5 | 818 | 44,1 | 456 | 42,0 | 601 | 57,7 | 2.939 | 42,2 |
Total | 2.387 | 100,0 | 444 | 100,0 | 149 | 100,0 | 1.856 | 100,0 | 1.085 | 100,0 | 1.041 | 100,0 | 6.962 | 100,0 |
A incidência média de TB no estado foi 34,5/100.000 habitantes de 2001 a 2009, sendo mais elevada entre indígenas (209,0/100.000). As incidências para brancos e pardos foram semelhantes (23,0 e 22,4 respectivamente). A raça/cor amarela apresentou a segunda maior incidência (73,1/100.000), seguida da preta (52,7/100.000). A incidência de TB foi mais elevada entre os indígenas em todos os anos de estudo ( Figura ).

Figura . Taxa de incidência da tuberculose (por 100.000 habitantes), segundo raça/cor. Mato Grosso do Sul, 2001 a 2009.
Não havia informação sobre o regime de tratamento (98,2% e 92,8% de campos sem preenchimento, respectivamente) em mais de 90,0% das notificações no primeiro e no segundo triênio (2001 a 2003 e 2004 a 2006). Houve sensível melhora no último triênio (2007 a 2009) e o tratamento supervisionado abrangeu aproximadamente 75,0% dos casos. As maiores proporções foram registradas entre indígenas (88,1%), e as menores na raça/cor branca (68,9%) ( Tabela 3 ).
Tabela 3 . Distribuição dos casos de tuberculose, segundo raça/cor, e as variáveis tratamento supervisionado, acompanhamento e situação de encerramento, segundo período 2001-2003; 2004-2006; 2007-2009. Mato Grosso do Sul, Brasil.
Tratamento supervisionado | Branca | Preta | Amarela | Parda | Indígena | Ignorado | Total | |||||||
| ||||||||||||||
Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | Casos | % | |
| ||||||||||||||
2001-2003 | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Não realizado | 20 | 3,4 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 10 | 2,6 | 3 | 0,9 | 1 | 0,1 | 34 | 1,5 |
Realizado | 2 | 0,3 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 2 | 0,6 | 2 | 0,3 | 6 | 0,3 |
Ignorado | 564 | 96,2 | 88 | 100,0 | 28 | 100,0 | 371 | 97,4 | 313 | 98,4 | 795 | 99,6 | 2.159 | 98,2 |
Total | 586 | 100,0 | 88 | 100,0 | 28 | 100,0 | 381 | 100,0 | 318 | 100,0 | 798 | 100,0 | 2.199 | 100,0 |
| ||||||||||||||
Acompanhamento | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Insuficiente | 340 | 58,0 | 58 | 65,9 | 23 | 82,1 | 239 | 62,7 | 129 | 40,6 | 325 | 40,7 | 1.114 | 50,7 |
Regular | 53 | 9,0 | 8 | 9,1 | 2 | 7,1 | 40 | 10,5 | 42 | 13,2 | 84 | 10,5 | 229 | 10,4 |
Bom | 147 | 25,1 | 17 | 19,3 | 1 | 3,6 | 79 | 20,7 | 143 | 45,0 | 381 | 47,7 | 768 | 34,9 |
Excelente | 46 | 7,8 | 5 | 5,7 | 2 | 7,1 | 23 | 6,0 | 4 | 1,3 | 8 | 1,0 | 88 | 4,0 |
Total | 586 | 100,0 | 88 | 100,0 | 28 | 100,0 | 381 | 100,0 | 318 | 100,0 | 798 | 100,0 | 2.199 | 100,0 |
| ||||||||||||||
Situação de encerramento | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Cura | 508 | 86,7 | 68 | 77,3 | 19 | 67,9 | 304 | 79,8 | 285 | 89,6 | 635 | 79,6 | 1.819 | 82,7 |
Abandono | 51 | 8,7 | 15 | 17,0 | 5 | 17,9 | 58 | 15,2 | 26 | 8,2 | 111 | 13,9 | 266 | 12,1 |
TBMR | 24 | 4,1 | 5 | 5,7 | 4 | 14,3 | 16 | 4,2 | 6 | 1,9 | 51 | 6,4 | 106 | 4,8 |
Ignorado | 3 | 0,5 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 3 | 0,8 | 1 | 0,3 | 1 | 0,1 | 8 | 0,4 |
Total | 586 | 100,0 | 88 | 100,0 | 28 | 100,0 | 381 | 100,0 | 318 | 100,0 | 798 | 100,0 | 2.199 | 100,0 |
| ||||||||||||||
2004 -2006 | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Não realizado | 32 | 3,7 | 3 | 1,8 | 0 | 0,0 | 17 | 2,6 | 0 | 0,0 | 4 | 3,1 | 56 | 2,5 |
Realizado | 46 | 5,3 | 13 | 7,9 | 3 | 6,0 | 32 | 5,0 | 12 | 3,3 | 2 | 1,5 | 108 | 4,8 |
Ignorado | 796 | 91,1 | 148 | 90,2 | 47 | 94,0 | 594 | 92,4 | 353 | 96,7 | 124 | 95,4 | 2.109 | 92,8 |
Total | 874 | 100,0 | 164 | 100,0 | 50 | 100,0 | 643 | 100,0 | 365 | 100,0 | 130 | 100,0 | 2.273 | 100,0 |
Acompanhamento | ||||||||||||||
Insuficiente | 371 | 42,4 | 70 | 42,7 | 28 | 56,0 | 287 | 44,6 | 119 | 32,6 | 95 | 53,7 | 970 | 42,7 |
Regular | 134 | 15,3 | 25 | 15,2 | 7 | 14,0 | 103 | 16,0 | 57 | 15,6 | 26 | 14,7 | 352 | 15,5 |
Bom | 189 | 21,6 | 35 | 21,3 | 6 | 12,0 | 159 | 24,7 | 120 | 32,9 | 38 | 21,5 | 547 | 24,1 |
Excelente | 180 | 20,6 | 34 | 20,7 | 9 | 18,0 | 94 | 14,6 | 69 | 18,9 | 18 | 10,2 | 404 | 17,8 |
Total | 874 | 100,0 | 164 | 100,0 | 50 | 100,0 | 643 | 100,0 | 365 | 100,0 | 177 | 100,0 | 2.273 | 100,0 |
Situação de encerramento | ||||||||||||||
Cura | 739 | 84,6 | 134 | 81,7 | 46 | 92,0 | 540 | 84,0 | 342 | 93,7 | 143 | 80,8 | 1.944 | 85,5 |
Abandono | 74 | 8,5 | 21 | 12,8 | 1 | 2,0 | 61 | 9,5 | 8 | 2,2 | 15 | 8,5 | 180 | 7,9 |
Óbito | 2 | 0,2 | 2 | 1,2 | 0 | 0,0 | 11 | 1,7 | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | 15 | 0,7 |
TBMR | 53 | 6,1 | 6 | 3,7 | 2 | 4,0 | 27 | 4,2 | 12 | 3,3 | 11 | 6,2 | 111 | 4,9 |
Ignorado | 6 | 0,7 | 1 | 0,6 | 1 | 2,0 | 4 | 0,6 | 3 | 0,8 | 8 | 4,5 | 23 | 1,0 |
Total | 874 | 100,0 | 164 | 100,0 | 50 | 100,0 | 643 | 100,0 | 365 | 100,0 | 177 | 100,0 | 2.273 | 100,0 |
| ||||||||||||||
2007-2009 | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Não realizado | 249 | 26,9 | 49 | 25,5 | 15 | 21,1 | 197 | 23,7 | 32 | 8,0 | 16 | 24,2 | 558 | 22,4 |
Realizado | 639 | 68,9 | 135 | 70,3 | 54 | 76,1 | 618 | 74,3 | 354 | 88,1 | 43 | 65,2 | 1.843 | 74,0 |
Ignorado | 39 | 4,2 | 8 | 4,2 | 2 | 2,8 | 17 | 2,0 | 16 | 4,0 | 7 | 10,6 | 89 | 3,6 |
Total | 927 | 100,0 | 192 | 100,0 | 71 | 100,0 | 832 | 100,0 | 402 | 100,0 | 66 | 100,0 | 2.490 | 100,0 |
Acompanhamento | ||||||||||||||
Insuficiente | 289 | 31,2 | 60 | 31,3 | 27 | 38,0 | 256 | 30,8 | 63 | 15,7 | 20 | 30,3 | 715 | 28,7 |
Regular | 219 | 23,6 | 39 | 20,3 | 29 | 40,8 | 194 | 23,3 | 85 | 21,1 | 10 | 15,2 | 576 | 23,1 |
Bom | 136 | 14,7 | 30 | 15,6 | 5 | 7,0 | 139 | 16,7 | 60 | 14,9 | 13 | 19,7 | 383 | 15,4 |
Excelente | 283 | 30,5 | 63 | 32,8 | 10 | 14,1 | 243 | 29,2 | 194 | 48,3 | 23 | 34,8 | 816 | 32,8 |
Total | 927 | 100,0 | 192 | 100,0 | 71 | 100,0 | 832 | 100,0 | 402 | 100,0 | 66 | 100,0 | 2.490 | 100,0 |
| ||||||||||||||
2007-2009 | ||||||||||||||
| ||||||||||||||
Cura | 660 | 71,2 | 139 | 72,4 | 44 | 62,0 | 594 | 71,4 | 336 | 83,6 | 52 | 78,8 | 1.825 | 73,3 |
Abandono | 67 | 7,2 | 17 | 8,9 | 8 | 11,3 | 80 | 9,6 | 11 | 2,7 | 7 | 10,6 | 190 | 7,6 |
Óbito | 51 | 5,5 | 13 | 6,8 | 8 | 11,3 | 58 | 7,0 | 13 | 3,2 | 3 | 4,5 | 146 | 5,9 |
TBMR | 82 | 8,8 | 15 | 7,8 | 8 | 11,3 | 43 | 5,2 | 16 | 4,0 | 2 | 3,0 | 166 | 6,7 |
Ignorado | 67 | 7,2 | 8 | 4,2 | 3 | 4,2 | 57 | 6,9 | 26 | 6,5 | 2 | 3,0 | 163 | 6,5 |
Total | 927 | 100,0 | 192 | 100,0 | 71 | 100,0 | 832 | 100,0 | 402 | 100,0 | 66 | 100,0 | 2.490 | 100,0 |
Quase metade dos casos foi classificada como acompanhamento insuficiente no primeiro e no segundo triênios, embora os casos classificados como excelente tenham se elevado de 4,0% para 17,8%. Houve redução no estrato insuficiente (28,7%) e aumento expressivo no estrato excelente (32,8%) no triênio mais recente. A classificação de acompanhamento apresentou distribuição heterogênea e o acompanhamento bom e excelente em indígenas atingiu 14,9% e 48,3%, respectivamente, entre 2007-2009 ( Tabela 3 ).
Observou-se melhoria no percentual de cura e abandono do primeiro para o segundo triênio em todas as populações; entretanto, houve aumento na proporção de óbitos, TBMR e registros sem informação no último período, em relação aos dois primeiros. Houve menor percentual de TBMR entre os indígenas.
Não foram notificados óbitos na vigência do tratamento no primeiro triênio e foram notificados 15 (0,7%) no segundo. Foram registrados 146 óbitos entre 2007 e 2009, com menor percentual entre indígenas (3,2%) ( Tabela 3 ).
Faixa etária, raça/cor, sexo e acompanhamento do tratamento mostraram-se associados ao abandono do tratamento. A chance de abandono foi 13,3 vezes maior naqueles doentes da faixa etária de 20 a 44 anos quando comparados às crianças de zero a nove anos. A chance de abandono foi 12,4 vezes maior entre os casos com acompanhamento insuficiente do que nos casos com acompanhamento excelente. A chance de abandono do tratamento foi aproximadamente duas vezes maior para raça/cor preta e parda quando comparada aos indígenas. Os doentes do sexo masculino apresentaram chance 1,6 vez maior de abandono ( Tabela 4 ).
Tabela 4 . Preditores de abandono e de óbito na vigência do tratamento por tuberculose. Mato Grosso do Sul, 2007 a 2009.
Variável | Abandono do tratamento por TB | |||||
| ||||||
Grupo de referência/ Comparação | N | OR bruta | IC80% | OR ajustada | IC95% | |
| ||||||
Acompanhamento | Excelente | 772 | ||||
Insuficiente | 665 | 11,9 | 7,9;18,0 | 12,4 | 6,1;24,9 | |
Regular | 546 | 7,7 | 5,0;11,9 | 8,9 | 4,4;18,4 | |
Bom | 356 | 4,9 | 3,0;7,9 | 5,3 | 2,4;11,8 | |
Faixa etária (anos) | 0 a 9 | 112 | ||||
45 e mais | 913 | 6,6 | 1,8;24,2 | 6,5 | 0,9;48,2 | |
20 a 44 | 1.157 | 12,9 | 3,6;47,1 | 13,3 | 1,8;96,8 | |
10 a 19 | 157 | 4,8 | 1,2;19,2 | 6,2 | 0,7;51,3 | |
Raça/cor | Indígena | 392 | ||||
Branca | 888 | 2,8 | 1,8;4,2 | 1,9 | 0,9;4,3 | |
Preta | 189 | 3,5 | 2,1;5,7 | 2,5 | 1,0;6,3 | |
Amarela | 69 | 4,5 | 2,4;8,4 | 2,6 | 0,9;7,6 | |
Parda | 801 | 3,8 | 2,5;5,8 | 2,3 | 1,0;5,2 | |
Sexo | Feminino | 732 | ||||
Masculino | 1.607 | 1,8 | 1,4;2,3 | 1,6 | 1,1;2,3 | |
Zona | Rural | 468 | ||||
Urbana | 1.871 | 1,9 | 1,4;2,6 | Sem Sig. | Sem Sig. | |
| ||||||
Óbito na vigência do tratamento por TB | ||||||
| ||||||
Acompanhamento | Excelente | 772 | ||||
Insuficiente | 665 | 34,9 | 18,1;67,4 | 35,7 | 13,0;98,0 | |
Regular | 546 | 11,5 | 5,8;22,9 | 11,5 | 4,0;32,9 | |
Bom | 356 | 3,2 | 1,4;7,4 | 3,1 | 0,9;11,1 | |
Raça/cor | Indígena | 392 | ||||
Branca | 888 | 1,7 | 1,2;2,6 | Sem Sig. | Sem Sig. | |
Preta | 189 | 2,2 | 1,3;3,5 | |||
Amarela | 69 | 3,8 | 2,1;6,9 | |||
Parda | 801 | 2,2 | 1,5;3,3 | |||
Forma | Pulmonar | 1.978 | ||||
Extrapulmonar | 299 | 2,1 | 1,6;2,7 | 1,2 | 0,7;1,8 | |
Pulmonar + Extrapulmonar | 62 | 2,9 | 1,8;4,7 | 2,3 | 1,1;5,0 | |
Sexo | Feminino | 732 | ||||
Masculino | 1.607 | 1,5 | 1,2;2,0 | 1,4 | 0,9;2,1 | |
Faixa etária (anos) | 0 a 9 | 112 | ||||
45 e mais | 913 | 2,2 | 1,2;4,1 | 3,0 | 1,2;7,8 | |
20 a 44 | 1.157 | 0,9 | 0,5;1,6 | 1,0 | 0,4;2,7 | |
10 a 19 | 157 | 0,4 | 0,2;1,0 | 0,5 | 0,1;2,1 | |
Zona | Rural | 468 | ||||
Urbana | 1.871 | 1,5 | 1,1;2,1 | Sem Sig. | Sem Sig. | |
TB: tuberculose |
As variáveis acompanhamento do tratamento insuficiente, faixa etária ≥ 45 anos e forma clínica mista mostraram-se preditoras do óbito na vigência do tratamento ( Tabela 4 ).
DISCUSSÃO
Este estudo apresentou a situação epidemiológica da TB no MS e revelou importantes desigualdades nas características relativas ao adoecimento segundo raça/cor. As incidências nos indígenas foram consistentemente maiores que as registradas em qualquer outro grupo, chegando a exceder em mais de seis vezes as médias nacionais do período. Apesar de os indígenas representarem menos de 3,0% da população do estado, eles foram responsáveis por 15,6% das notificações entre 2001 e 2009.
Houve predominância de adoecimento em homens e maior concentração de casos em adultos jovens em todas as categorias de raça/cor, não havendo diferença do reportado na literatura. 11 , 18 , 24
Entretanto, crianças indígenas de zero a nove anos responderam por parte expressiva dos tratamentos iniciados no MS. Os indígenas concentraram quase 40,0% dos casos notificados em menores de dez anos (147 casos, dentre 388 notificações). Isso indica que houve transmissão ativa nas aldeias (por provável infecção recente) e sugere que a atividade de controle de contatos não foi capaz de controlar a propagação da doença. 5 , 15 - 17 Outros fatores associados à elevada frequência de TB em crianças, como: a influência das parasitoses intestinais, da anemia e da desnutrição na resposta imune e a contribuição de determinantes sociais, carecem de investigações mais aprofundadas, utilizando preferencialmente dados primários. 16
Diferentemente do relatado entre outros grupos indígenas, 3 , 4 , 7 em que são descritos resultados desfavoráveis à oferta e aos resultados de exames diagnósticos em comparação com outros segmentos da população, o serviço de saúde (oferecido pelo DSEI/MS) parece estar mais bem estruturado para atender às necessidades dos indígenas no MS. Foram observadas as maiores proporções de realização de baciloscopia e cultura de escarro entre esse grupo, assim como de PT e radiografia de tórax.
A análise por triênios das variáveis tratamento supervisionado e acompanhamento mostrou que houve admirável evolução nas ações de controle ao longo do período, além da melhora na coleta da informação. As maiores proporções de tratamento supervisionado e de acompanhamento de casos com classificação excelente entre indígenas confirmam essa afirmação.
Embora as taxas de abandono de tratamento no estado tenham ficado aquém da meta preconizada pela Organização Mundial da Saúde (máximo: 5,0%), 24 houve redução na proporção de abandono em todas as categorias de raça/cor e melhora nos índices de cura ao longo do período. Na população indígena, houve redução expressiva do abandono do tratamento e incremento da cura. Não obstante, os casos de tuberculose multidroga resistente não seguiram a mesma tendência nesse grupo e passaram de 1,9%, no primeiro triênio, para 4,0% no último.
O sucesso na realização do tratamento supervisionado entre os indígenas provavelmente está associado à adequada infraestrutura dos serviços ofertados pelo DSEI/MS, à disponibilidade de recursos humanos (com qualificação, em número suficiente e baixa rotatividade) e ao envolvimento da comunidade nas ações de controle da doença. Apesar do menor número de casos de tuberculose multidroga resistente entre os indígenas, o aumento na detecção em tempos recentes pode estar relacionado à maior oferta de cultura de escarro e teste de sensibilidade às drogas, disponibilizados por parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública.
A análise dos coeficientes de incidência mostrou que os indígenas apresentaram situação desfavorável em relação às outras categorias de raça/cor em todo o período. Conforme outras investigações, 3 - 5 , 7 , 12 os presentes achados reforçam a hipótese de que os indígenas no Brasil são mais vulneráveis ao adoecimento por TB quando contrastados a outros segmentos da população. Ferreira et al, 15 ao analisarem aspectos demográficos e padrões de mortalidade no MS entre 2004 e 2006, apontaram risco de morte por TB nove vezes maior entre homens indígenas em comparação à população geral.
O abandono do tratamento mostrou-se associado ao sexo masculino e à faixa etária de 20 a 44 anos, assim como em outros contextos. 1 , 19 , 20 , 23 Esse fenômeno pode relacionar-se a fatores que dificultam a adesão ao tratamento, incluindo tabagismo, uso de drogas e bebidas alcoólicas, baixa escolaridade, efeitos adversos aos quimioterápicos, coinfecção TB/HIV e abandono prévio, além de outras desvantagens socioeconômicas. 13 O abandono compromete um dos pilares do programa de controle da tuberculose (PCT), o tratamento, podendo ser decisivo na trajetória da doença e propiciar o surgimento de complicações, dentre as quais tuberculose multidroga resistente e óbito. 1 , 19 , 20 , 23
A população indígena ostentou as maiores taxas de cura durante o período, como descrito por Croda et al 12 em Dourados, MS. Casos notificados em pretos e pardos apresentaram maior chance de abandono do tratamento quando comparados aos indígenas. A menor frequência de HIV positivo entre os indígenas pode ter contribuído para explicar os melhores resultados do tratamento nesse grupo.
Faixa etária ≥ 45 anos e a forma clínica mista mostraram-se associadas ao óbito na vigência do tratamento. Com o envelhecimento da população, pessoas que foram infectadas na infância/adolescência podem tornar-se novamente suscetíveis quando alcançarem a terceira idade. Muitas vezes o diagnóstico e o início do tratamento nos idosos é retardado devido a quadros clínicos atípicos. A presença de outras comorbidades também é frequente naqueles que ultrapassam 60 anos, sendo a coinfecção com HIV e o diabetes os mais importantes preditores do óbito por TB. 1 , 9 , 13
O mau desempenho do PCT contribui para os desfechos desfavoráveis, uma vez que os casos classificados como acompanhamento insuficiente mostraram-se fortemente associados ao abandono e ao óbito. Apesar de empírico e sem validação, o sistema de classificação de acompanhamento empregado opera dentro da lógica do PCT, indicando que o sucesso no tratamento também está relacionado à estruturação e à capacidade de vigilância dos serviços de saúde. Pacientes que realizam tratamento supervisionado e são devidamente acompanhados ao longo do curso terapêutico frequentemente curam-se mais, abandonam menos e evoluem com menor frequência para complicações e óbito. 11 , 21 , 24
Revisão dos dados sobre mortalidade, disponíveis no SIM do MS, realizada por um dos autores (MM), mostrou que foram notificados 183, 191 e 170 óbitos por TB nos triênios 2001 a 2003, 2004 a 2006 e 2007 a 2009, respectivamente. Isso expõe o problema da subnotificação dos óbitos no SINAN e compromete a avaliação da efetividade das estratégias de controle empregadas. Todavia, houve melhora expressiva nos registros no último triênio, sugerindo que a subnotificação desse evento vital no SINAN diminuiu para menos de 15,0% (146 óbitos informados no SINAN contra 170 no SIM).
A análise das notificações apontou que a maioria dos doentes indígenas era proveniente da zona rural e residia em municípios situados na faixa de fronteira internacional do País. A presença dos povos indígenas na América Latina remete a laços de parentesco ancestral que ultrapassam limites geopolíticos demarcados pelos governos nacionais. Uma característica marcante dos indígenas dessa região é a grande mobilidade e os deslocamentos em grupos para visitas familiares em ambos os lados da fronteira. Esse hábito pode contribuir para a disseminação de diversas doenças transmissíveis, dentre as quais a TB.
O controle da TB nas fronteiras constitui tarefa difícil em face dos problemas enfrentados pelos doentes para obter acesso aos serviços de saúde. 8 , 22 Esses obstáculos podem causar retardo no diagnóstico e no início do tratamento, com consequente manutenção da cadeia de transmissão. Além disso, a responsabilidade pelo atendimento aos casos de TB na faixa da fronteira não recai sobre um único país, o que impõe uma demanda por acordos internacionais para o efetivo controle da enfermidade. 8 , 22
A despeito de limitações inerentes aos estudos pautados em dados secundários (sub-registro de casos, erros de classificação e/ou diagnóstico, baixa representatividade dos indígenas nos sistemas de informação em saúde e forma com que as variáveis são coletadas nesses sistemas), nossos achados são elucidativos da situação epidemiológica da TB no Mato Grosso do Sul.
A estruturação dos serviços de saúde, o treinamento das equipes, a ampliação do tratamento supervisionado e o aumento da oferta de exames laboratoriais (especialmente a cultura) parecem ter tido impactos positivos e apreciáveis no controle da TB no MS, sobretudo para população indígena.
Os coeficientes de incidência mantiveram-se elevados e em patamares superiores aos registrados na população não indígena, ao longo do período, devido à pobreza extrema vivenciada pelos indígenas no estado (fome, desnutrição, desemprego, baixa e/ou ausência de renda, habitações precárias, discriminação, altas taxas de mortalidade infantil, entre outros), combinada à restrição territorial e ao confinamento da população em pequenas reservas demarcadas pelo governo federal. e
Portanto, não bastam esforços para estruturar os serviços de saúde para ampliar a detecção de casos, aumentar a cobertura do tratamento supervisionado e dos exames de contatos. Enquanto não houver interesse político, garantia de investimentos e ações concretas para reduzir a pobreza e as desigualdades, a incidência e a manutenção da transmissão da TB nas populações indígenas brasileiras permanecerão em níveis alarmantes.