INTRODUÇÃO
Estudos epidemiológicos com grandes amostras requerem efetivas e eficientes estratégias de recrutamento de participantes. Em estudos longitudinais, a seleção e o recrutamento de população adequada são cruciais,1 já que perdas diferenciais no seguimento podem comprometer a validade dos resultados.15 , 17Por isso as estratégias de captação/recrutamento devem se concentrar na ampla adesão de um contingente adequado de participantes, sem perder de vista sua permanência ao longo dos anos.2 As estratégias de comunicação, portanto, devem se empenhar em ampliar a adesão e atenuar o declínio das taxas de participação - questão sumamente relevante em estudos desse tipo.12
Na literatura internacional, barreiras e dificuldades para alcançar grupos minoritários ou mais resistentes são discutidas em diferentes contextos,2 , 7 , 10 , 11 , 13 , 14 , 18enfatizando-se a importância de adotar uma "sensibilidade cultural"14para maior adesão. A maioria dos artigos descreve os procedimentos, principalmente em estudos experimentais, sem avaliação de sua efetividade,10 , 14 , 18mas há evidências de que maiores taxas de participação resultam da combinação de diferentes estratégias de recrutamento.10 , 13 - 15
No Brasil, embora existam estudos de coorte em desenvolvimento, não há artigos que descrevam os desafios para o recrutamento e a retenção dos participantes e os poucos identificados envolvem populações de difícil acesso.5 , 16
Este artigo descreve as estratégias de comunicação e recrutamento no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) e discute os resultados alcançados na constituição da coorte, bem como aspectos que contribuíram para sua efetivação.
MÉTODOS
Trata-se de estudo de coorte de mulheres e homens de 35 a 74 anos, servidores públicos de seis instituições de ensino e pesquisa das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Na linha de base, a produção de dados incluiu entrevistas, medidas, exames e armazenamento de material biológico. Anualmente os participantes são contatados por telefone e a cada três anos convidados a realizar novas entrevistas, medidas e exames em contatos presenciais para o acompanhamento do estado de saúde e o monitoramento de desfechos.3
A constituição da coorte, durante o estudo de linha de base, ocorreu em dois momentos: Fase 1 - pré-arrolamento - incluía o recrutamento (confirmação do interesse em participar, confirmação de elegibilidade e dos dados de identificação), a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a primeira parte da entrevista, nos locais de trabalho, ou na sede do Centro de Investigação (CI); Fase 2 - arrolamento - envolvia a segunda parte da entrevista, as medidas e os exames sempre no CI. Em alguns centros (Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo), exames de imagem eram complementados em terceira e até quarta visita.
Considerou-se como critérios de exclusão a intenção de sair da instituição, estar grávida ou ter estado há menos de quatro meses, apresentar grave dificuldade cognitiva ou de comunicação e, se aposentado, residir fora da região metropolitana correspondente. Foi criada uma categoria de inelegibilidade temporária devido a possíveis mudanças na elegibilidade durante o recrutamento - quanto à idade mínima ou a condição de gravidez - ou ainda o afastamento para licenças sabáticas ou viagens acadêmicas de média duração. A amostra constitui-se de voluntários e pessoas recrutadas ativamente, a partir de listas de servidores fornecidas pelas instituições. Seu tamanho foi calculado em aproximadamente 6.400 participantes, com base em estimativas de incidência de diabetes tipo 2 e infarto do miocárdio para a população brasileira.3 Para contemplar diferenças de gênero e possíveis perdas no seguimento, o tamanho da amostra foi ampliado para 15 mil participantes, distribuídos entre os seis centros, proporcional à respectiva população de elegíveis. Para melhor distribuição, foram definidas metas de recrutamento por sexo (50% de cada), idade (15% de 35-44, 30% de 45-54, 40% de 55-64 e 15% de 65-74 anos) e categoria ocupacional (35% do nível de apoio, com ensino fundamental incompleto; 35% do nível médio e 30% do nível superior/docente).
A seguir é detalhado o recrutamento de participantes, que incluiu estratégias de caráter geral - para a padronização entre os centros - e local - para atender às especificidades dos contextos institucionais e da população de cada centro. Foi agrupado em sete itens, em tipologia adaptada de outros autores.15
Sensibilização e envolvimento da comunidade acadêmica
O trabalho de campo foi precedido por contatos institucionais, com visitas a unidades de ensino e outros órgãos, que objetivaram sensibilizar os gestores para o estudo, com distribuição inicial de material de divulgação. Eram coletadas informações sobre o funcionamento e a estrutura da unidade, aspectos facilitadores e restritivos ao trabalho de campo, além da indicação de pessoas para apoiar a equipe operacional.
Para o reconhecimento do universo cultural do estudo, foram realizados grupos focais com potenciais elegíveis para mapear significados e práticas em relação à saúde e à motivação para participar do estudo em dois centros.
Foram efetuadas inúmeras reuniões com dirigentes e servidores em espaços institucionais. Outras estratégias de sensibilização incluíram outdoors, faixas e cartazes nos campi; inserção de matérias em informativos locais, boletins de departamentos, jornais da instituição, de hospitais universitários, de associações docentes e de servidores; notícias e reportagens em emissoras de rádio e TV; inserção de banner virtual na intranet de unidades e de notícias em portais institucionais e de associações.
Criação de identidade visual do estudo
Foi construída a identidade visual do estudo, com a elaboração de logomarca figurativa, facilmente memorizável, que expressasse conceitos fundamentais associados ao ELSA-Brasil. Foram priorizados os seguintes elementos: saúde (e não doença), representada por corpos em movimento; diversidade étnica, etária e de gênero; caráter longitudinal da pesquisa: processo, temporalidade.
A logomarca, que representa pessoas visualmente diferenciadas caminhando na mesma direção, foi aplicada em todo o material de divulgação, incluindo papel de carta, adesivos, envelopes e impressos, bem como no material utilizado pela equipe (vestimentas, bolsas e mochilas) e pelos participantes durante os exames. Buscou-se assim conferir unidade às iniciativas, contribuindo para o sentimento de pertencimento da equipe e fixando imagem positiva do estudo entre elegíveis, participantes e o público em geral.
Divulgação de informações sobre o estudo
Desde o início, esforços foram investidos em ações e estratégias de comunicação, especialmente pelo Comitê de Ética, Recrutamento e Comunicação Social, sob a coordenação do CI BA, onde foi organizado o Centro de Comunicação para apoio especializado e formação em jornalismo científico.
Foi criado o web site oficial do ELSA-Brasila com objetivos de dialogar com diferentes públicos, funcionar como difusor científico e contribuir para a formação e consolidação da imagem do estudo na sociedade. A partir da divisão em seções - Interesse Geral, Participantes e Pesquisadores - o web site tem possibilitado a divulgação de informações sobre o estudo e conhecimentos científicos para a população.
Investiu-se no mapeamento dos meios e espaços institucionais para veiculação de informações sobre o estudo e na elaboração de produtos para divulgação.
O cartaz com a logomarca convocava para o estudo e reforçava potenciais benefícios, como o acesso gratuito a exames de controle da saúde e a contribuição para a prevenção e controle de doenças no País pela geração de conhecimentos científicos.
O fôlder de sensibilização foi o principal impresso utilizado e incluía informações sobre o ELSA-Brasil e sua importância, critérios de participação e orientações para inscrição. Em ficha destacável, os voluntários registravam dados que permitissem sua localização para o recrutamento. Dois encartes para inclusão nesse fôlder foram voltados a profissionais de saúde, que possuem conhecimentos especializados sobre o objeto do estudo, e aos aposentados, em razão da idade e da situação funcional.
A leitura do TCLE previamente à entrevista Fase 1 permitia ao voluntário compreender seus direitos e compromissos ao entrar no estudo. Foram realizados vários pré-testes em funcionários terceirizados com perfil semelhante aos elegíveis, até superar os problemas de compreensão.
Após completar a primeira parte da entrevista, a pessoa recebia o Guia de Participação do ELSA-Brasil, com orientações para fazerrealizar exames e para a visita ao CI, momento em que podia tirar dúvidas e complementar informações.
Todos os centros, em distintos momentos, efetivaram divulgação personalizada, ou para grupos específicos, como docentes e aposentados, com envio de fôlder ou carta-convite anexado a contracheques, colocado em escaninhos pessoais, enviado por correio ou por mensagem eletrônica.
Um fôlder para divulgação internacional contém informações sobre o estudo em português, espanhol e inglês.
Equipe do estudo
A seleção da equipe para efetuar o recrutamento privilegiou habilidades relevantes para obter a adesão de participantes, tais como capacidade de comunicação, atitude assertiva e confiável, responsabilidade, persistência e flexibilidade. O treinamento para o recrutamento teve duração de 12 horas em programa mais amplo de capacitação de entrevistadores. No módulo específico, foram apresentados formulários, materiais e meios de divulgação, estratégias gerais e locais de recrutamento, como abordar elegíveis em local de trabalho e lidar com situações de limitada disponibilidade de horário, atitudes evasivas e recusas explícitas, interesse de inelegíveis, agendamento da entrevista e situações especiais (portadores de necessidades especiais, gestantes, aposentados).
Foram definidos mecanismos de supervisão de modo a apoiar os entrevistadores para o aproveitamento máximo das oportunidades de recrutamento, além do estrito controle de qualidade. Esses incluíram reuniões presenciais semanais da supervisão com a equipe local e o trabalho em rede das supervisoras por meio de reuniões presenciais ou por audioconferência.
Métodos de contato e agendamento
Desde o contato inicial, procurou-se assegurar que os voluntários tivessem amplo conhecimento de todas as etapas do estudo, recebessem informações corretas e fidedignas, e fosse transmitido o compromisso com a condução ética do estudo.
Elemento facilitador da adesão foi a possibilidade de escolha de horário da entrevista Fase 1, inclusive à noite, e a sua realização nos locais de trabalho, onde eram reservados espaços com privacidade. As entrevistas Fase 1 ocorreram também nas sedes dos CIs, no caso de entrevistados aposentados, ou quando a localização da sede facilitava o acesso ao participante ou a maior privacidade. Excepcionalmente nessa fase, aposentados foram entrevistados no próprio domicílio.
Foi oferecida a opção de agendamento da visita ao CI durante o recrutamento, ou após a entrevista Fase 1, em data e horário escolhidos pelo participante segundo diferentes fluxos de atendimento, permitindo-se, no máximo, três reagendamentos. Com antecedência de 24 a 48 horas, os participantes recebiam telefonema do "ELSA chama" para confirmar a data e o horário da visita ao CI e revisar orientações para medidas e exames.
Características da interação para produção de dados
O recrutamento incluiu visitas às unidades pelos entrevistadores, que abordavam servidores, distribuíam material de divulgação e se possível realizavam o recrutamento imediato. Estandes foram instalados nos campi como base de apoio para a equipe e recolhimento das fichas de contato preenchidas. Urnas foram também distribuídas em pontos estratégicos, como agências bancárias (que concentram o pagamento de servidores), serviço médico, restaurantes, sindicato de servidores e central de atendimento dos órgãos de recursos humanos.
O contato com voluntários ativos e aposentados foi realizado predominantemente por telefone e, após confirmados os critérios de elegibilidade, foi agendada a entrevista Fase 1 e, em alguns centros, a visita ao CI. Voluntários que não confirmaram o interesse inicial não eram mais contatados, mas sempre informados sobre a possibilidade de participação caso mudassem de opinião.
O recrutamento de aposentados exigiu cuidados especiais, já que não se encontram mais nos locais de trabalho e têm menos acesso às informações sobre a pesquisa, especialmente porque gerações mais velhas utilizam menos recursos de comunicação eletrônica. Foram empregadas diversas estratégias para alcançá-los e sensibilizá-los para participar, tais como contatos telefônicos, envio de cartas e distribuição de cartazes e fôlderes em agências bancárias dos campi, entidades de classe e locais de atendimento ao servidor do órgão de recursos humanos.
Uma estratégia que se mostrou efetiva foi o envolvimento de participantes como multiplicadores, que distribuíram fôlderes nos seus locais de trabalho e indicaram nomes de colegas para serem convidados a participar do estudo.
Durante a permanência no CI, procurou-se oferecer ambiente acolhedor, incluindo o atendimento a necessidades especiais, tais como dificuldade de locomoção ou de tolerar o jejum, deficiência visual ou auditiva, diabetes, obesidade, restrições alimentares e uso de medicações. As sedes dos CIs foram construídas ou adaptadas para cadeirantes e a equipe treinada para receber e lidar com pessoas com diferentes tipos de limitação.
Benefícios do estudo e incentivos não financeiros
Os participantes da coorte têm como benefício imediato o acesso a resultados de medidas e exames úteis a eventual avaliação clínica. São informados sobre diagnósticos incidentais com orientações e encaminhamento à assistência mais adequada dentro do que é oferecido pelas instituições e pelo Sistema Único de Saúde, ou outra de sua preferência.
Os participantes têm recebido brindes, tais como calendários, canecas, canetas, ímãs de geladeira, buttons, agendas, com a logomarca, de modo a consolidar a imagem do estudo, mantê-lo presente na memória dos participantes e fortalecer nestes o sentimento de pertencimento à coorte. Com os mesmos propósitos, recebem mensagens em datas especiais, como o "Dia do Funcionário Público", cartões de aniversário e de final de ano.
Para além de benefícios imediatos, forte motivação para a adesão dos participantes foi a oportunidade de contribuir para a geração de novos conhecimentos sobre a saúde no Brasil, o que foi identificado em grupos focais prévios e confirmado pela declaração explícita após a realização de entrevistas e exames.
RESULTADOS
A constituição da coorte e o estudo de linha de base ocorreram no período de agosto de 2008 a dezembro de 2010.
Os resultados alcançados com pessoas recrutadas e entrevistadas nas Fase 1 e Fase 2, e as perdas entre as fases encontram-se na Figura 1. As metas de recrutamento foram alcançadas nos seis centros, permitindo totalizar 15.105 participantes arrolados na coorte. As perdas foram de 3,7% entre recrutamento e Fase 1 e 4,5% entre Fase 1 e Fase 2.

Figura 1 Meta global de recrutamento e desempenho segundo fase de constituição da coorte. ELSA-Brasil, 2008-2010.
O número de mulheres foi um pouco superior no recrutamento e nas Fases 1 e 2 (Tabela). Na coorte elas corresponderam a 54,4% do total.
Tabela Resultados alcançados por fase da constituição da coorte, segundo características selecionadas e sexo. ELSA-Brasil, 2008-2010.
Características | Recrutamento | Fase 1 | Fase 2 | |
Mulheres | % (n = 8.913) | % (n = 8.616) | % (n = 8.211) | |
Faixa etária (anos) | ||||
35 a 44 | 21,1 | 21,4 | 18,0 | |
45 a 54 | 39,2 | 39,6 | 39,7 | |
55 a 64 | 29,0 | 28,8 | 30,7 | |
65 a 74 | 10,7 | 10,2 | 11,6 | |
Nível da categoria funcional a | ||||
Apoio | 25,9 | 25,7 | 26,1 | |
Médio | 38,5 | 38,4 | 38,4 | |
Superior/docente | 35,6 | 35,9 | 35,5 | |
Situação funcional | ||||
Ativo | 78,6 | 79,1 | 78,6 | |
Aposentado | 21,4 | 20,9 | 21,4 | |
Homens | % (n = 7.522) | % (n = 7.205) | % (n = 6.894) | |
Faixa etária (anos) | ||||
33 a 44 | 22,2 | 22,3 | 18,7 | |
45 a 54 | 38,2 | 39,0 | 39,2 | |
55 a 64 | 27,0 | 26,8 | 28,9 | |
65 a 74 | 12,6 | 11,9 | 13,2 | |
Nível da categoria funcional a | ||||
Apoio | 29,5 | 30,2 | 30,8 | |
Médio | 32,2 | 32,2 | 32,5 | |
Superior/docente | 38,3 | 37,6 | 36,8 | |
Situação funcional | ||||
Ativo | 83,4 | 84,7 | 84,4 | |
Aposentado | 16,6 | 15,3 | 15,6 |
a As categorias funcionais foram agrupadas segundo o nível de escolaridade exigido. "Apoio" representa o conjunto de ocupações para as quais se exige o ensino fundamental incompleto. Na falta de denominação mais apropriada foi chamado de nível de apoio.
Analisando-se a distribuição por faixa etária, grupo ocupacional e situação funcional nas distintas fases, percebe-se que os percentuais se mantiveram sem grandes variações, entre mulheres e homens, exceto nas faixas etárias extremas (Tabela).
A distribuição temporal da constituição da coorte mostra a entrada mais precoce das mulheres, exceto entre 65 e 74 anos (Figura 2) e no grupo de nível de apoio (Figura 3), em que as diferenças praticamente desaparecem.

Figura 2 Distribuição temporal dos participantes por sexo e grupos de idade. ELSA-Brasil, 2008-2010.

Figura 3 Distribuição temporal dos participantes por sexo e nível da categoria funcional. ELSA-Brasil, 2008-2010.
A heterogeneidade étnico-racial da coorte fica evidenciada na Figura 4: enquanto o CI BA - único da região nordeste - tem maioria de pretos e pardos (78,4%), essa proporção reduz-se nos centros do Sudeste e no Sul do País; no CI RS, inverte-se a composição, com 75% de sua população autodeclarada branca.
DISCUSSÃO
O ELSA-Brasil teve boa receptividade, alcançando as metas de recrutamento, com poucas perdas entre as distintas fases após o recrutamento inicial. Diversos elementos podem ter contribuído para facilitar e manter a adesão.
O tipo de estudo observacional, com apenas um procedimento minimamente invasivo (a coleta de sangue), e a larga experiência em pesquisa das instituições que o desenvolvem contribuíram para os bons resultados alcançados.
A escolha de servidores públicos com vínculo estável facilitou o acesso aos elegíveis e contribuirá para seu seguimento. Apesar de excluir a participação de estratos sociais menos privilegiados e trabalhadores informais, a coorte recrutada apresenta razoável heterogeneidade socioeconômica e étnico-racial, além de ser proveniente de diferentes contextos culturais do País.
Foram poucos critérios de exclusão, de modo a ampliar a participação e o alcance das metas. A possibilidade de inelegibilidade temporária foi uma decisão adequada, uma vez que viabilizou ainda mais o alcance das metas, além de consolidar a imagem inclusiva do estudo.
A operacionalização da linha de base em duas fases representou grande desafio, com entrevistas longas e múltiplos exames e medidas até que o arrolamento se efetivasse.
A ampla faixa etária e a relativa heterogeneidade da coorte exigiram "sensibilidade cultural"14na abordagem dos potenciais voluntários, com cuidadoso reconhecimento prévio dos contextos da pesquisa. O empenho na adequação cultural esteve presente no treinamento da equipe, na produção de mensagens específicas para subgrupos - como profissionais de saúde, aposentados e idosos - , no cuidado com a linguagem dos produtos de comunicação e na incorporação de participantes como multiplicadores, tal como descrito em outros estudos.14
A preparação da comunidade para o estudo, por meio de múltiplas estratégias de sensibilização, resultou em boa aceitação do projeto em todos os centros. As informações foram passadas com mensagens claras e vários recursos foram utilizados sistematicamente para manter o estudo na memória dos potenciais participantes em todas as fases até o recrutamento se efetivar.
Duas estratégias que contribuíram para manter a adesão entre as fases foram a flexibilidade de horários no agendamento de contatos15 e o serviço "ELSA chama", lembrando data e horário marcado, e cuidados prévios aos exames.
É enfatizado na literatura que múltiplas estratégias e ações obtêm maiores taxas de participação, especialmente se contemplarem especificidades de subgrupos. 10 , 13 - 15
Aposentados, especialmente mais idosos, apresentaram maiores dificuldades de deslocamento e acesso às informações sobre o estudo, tal como descrito na literatura. 14 Ao contrário do que se poderia supor, têm pouca disponibilidade de tempo, pois muitos permanecem trabalhando e, principalmente as mulheres, se ocupam com atividades domésticas, cuidados de crianças e doentes. 4 Nesses casos, a flexibilidade no agendamento favoreceu a maior participação.
Por se encontrarem fora dos espaços institucionais, exceto em momentos e locais específicos, os aposentados exigiram meios de comunicação diferenciados. Muitos não têm hábito de usar a internet, o que torna pouco efetivo o envio de mensagens eletrônicas e a divulgação pelo web site. Mas responderam positivamente aos contatos telefônicos personalizados, interpretados como forma de valorização dos servidores aposentados, o que se refletiu no aumento da adesão ao estudo. Em razão da idade, esse segmento apresenta mais limitações físicas e cognitivas, menor capacidade de concentração, aumentando a duração das entrevistas. 14 Para superar essas dificuldades foram importantes os cuidados com acessibilidade nas sedes e o treinamento da equipe, a exemplo do que se observou em outros contextos. 13 , 14
O grupo que reúne categorias funcionais de apoio, com menor escolaridade e renda, tem menos autonomia para se afastar do trabalho, demandando negociações para obter autorização das chefias. Menores taxas de participação e maior resistência a aderir a estudos longitudinais são descritas por outros autores, que enfatizam a importância de múltiplas abordagens para alcançar maior representação de estratos menos favorecidos.10 , 13 , 18
As mulheres responderam mais prontamente às ações de recrutamento, confirmando outros estudos10 e o maior engajamento em cuidados à saúde. Foi notável a resistência masculina, especialmente na Bahia, requerendo estratégias específicas de comunicação até o final da linha de base. Em relações tradicionais de gênero, é atribuído aos homens o papel de provedor, focado no trabalho, "forte" e resistente a cuidados de saúde, especialmente a medidas preventivas,6 , 18 , 9o que provavelmente explica a maior dificuldade para incorporá-los.
A experiência aqui descrita representa uma contribuição ainda escassa no Brasil e, mesmo que se refira à população específica de servidores públicos, pode ser útil para a reprodução em estudos semelhantes.
Tal como é enfatizado na literatura internacional,10 , 14 , 18mais do que descrever estratégias de recrutamento, em novos estudos é necessário avaliar a relação entre custo e efetividade das ações, principalmente ao se tratar de pesquisas financiadas com recursos públicos.
Mas o principal desafio daqui para frente é a retenção da coorte, produzindo-se resultados que embasem políticas públicas para a melhoria das condições de saúde e bem-estar da população brasileira.