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Situação sanitária dos medicamentos na atenção básica no Sistema Único de Saúde

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar a situação sanitária dos medicamentos na Atenção Básica, nas regiões brasileiras, quanto a requisitos técnico-sanitários, responsável pela farmácia/unidade de dispensação, condições ambientais, de armazenamento, e de fracionamento, controle de estoque e gerenciamento de resíduos, itens de segurança contra incêndio e pane elétrica, problemas no transporte, regulamentação da propaganda e farmacovigilância.

MÉTODOS

Artigo integrante da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações numa amostra representativa de municípios, estratificada pelas regiões brasileiras, que constituem domínios do Estudo, e uma amostra de serviços de Atenção Básica. Realizou-se observação direta dos serviços farmacêuticos com registro fotográfico e entrevistas presenciais com os responsáveis pela entrega de medicamentos e por telefone com o responsável pela assistência farmacêutica. Os dados foram processados com o software SPSS® versão 21.

RESULTADOS

As dimensões investigadas mostraram deficiências relevantes e desigualdades entre as regiões, em geral mais favoráveis nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e mais deficitárias nas regiões Nordeste e Norte. Constatou-se descumprimento de requisitos técnicos e sanitários imprescindíveis à conservação dos medicamentos que podem interferir na manutenção da estabilidade e, assim, na sua qualidade, eficácia e segurança. A regulação da propaganda/promoção de medicamentos ainda é incipiente e existe algum avanço na estruturação de mecanismos em relação à farmacovigilância.

CONCLUSÕES

A situação sanitária dos medicamentos na Atenção Básica no Brasil desperta preocupações pelo descumprimento da legislação sanitária específica para os estabelecimentos de dispensação e de um amplo conjunto de requisitos imprescindíveis à conservação dos medicamentos. Constatou-se um descompasso entre os esforços no âmbito do Sistema Único de Saúde para promover o acesso aos medicamentos para toda a população e a organização e qualificação dos serviços farmacêuticos.

Medicamentos para Atenção Básica; Armazenamento de Medicamentos; Assistência Farmacêutica; Farmacovigilância; Sistema Único de Saúde; Vigilância Sanitária

ABSTRACT

OBJECTIVE

To characterize the technical issues and conditions of medicines conservation in Primary Health Care of Brazilian regions, responsible for pharmacy/dispensing unit profile; environmental, storage, and dose fractioning conditions; inventory control and waste management; fire and electrical failure safety items; transportation problems; advertising regulation; and pharmacovigilance.

METHODS

This article is part of the Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços (National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines – Services)–, a cross-sectional and exploratory study, of evaluative nature, consisting of an information survey within a representative sample of municipalities, stratified by Brazilian regions, which constitute the study domains, and a sample of Primary Health Care services. Pharmaceutical services (PS) were directly observed with photographic record and face-to-face interviews with those responsible for the dispensing of medicines and over the telephone with those responsible for pharmaceutical services. Data were processed with the SPSS® software version 21.

RESULTS

The investigated dimensions showed relevant deficiencies and inequalities between the regions, generally more favorable in the Southeast and Midwest regions and weaker in the Northeast and North regions. We verified non-compliance with technical requirements and conditions essential to the conservation of medicines, which may interfere with the maintenance of stability and, thus, on their quality, efficacy, and safety. The regulation of advertising/promotion of medicines is still incipient and there is some progress in the structuring of mechanisms regarding pharmacovigilance.

CONCLUSIONS

The sanitary situation of medicines in Brazilian Primary Health Care is alarming due to the violation of the specific sanitary legislation for dispensing establishments and due to a wide range of requirements essential to the conservation of medicines. We observed a disconnection between the efforts made in the Brazilian Unified Health System to promote access to medicines for all population and the organization and qualification of pharmaceutical services.

Drugs for Primary Health Care; Drug Storage; Pharmaceutical Services; Pharmacovigilance; Unified Health System; Health Surveillance

INTRODUÇÃO

O medicamento tem natureza híbrida, possui benefícios, mas também porta riscos à saúde; é insumo de saúde e, ao mesmo tempo, um bem de consumo no mercado que requer, portanto, regulação sanitária em todas as etapas do seu ciclo produtivo. Assim, cabe ao Estado regular a produção, a comercialização, o transporte, o armazenamento, a dispensação e o uso dos medicamentos para que possam alcançar sua finalidade no sistema de saúde66. Costa EA. Vigilância Sanitária: proteção e defesa da saúde. 2. ed. aum. São Paulo: Sobravime; 2004.. Ademais, compete ao Estado regular o gerenciamento e a disposição final dos resíduos para proteger a saúde do trabalhador, da população e o meio ambiente.

A história dos medicamentos na Saúde Pública é marcada por sucessos e tragédias que estimularam estados nacionais a implementarem sistemas regulatórios fortes, em legislação e estruturas institucionais, além da formulação e implementação de conceitos que signifiquem medidas para a garantia da segurança antes que o medicamento seja entregue ao consumo1515. Mckray G. Consumer protection: The Federal Food, Drug and Cosmetic Act. In: Roemer R, Mackray G, editors. Legal aspects of health policy: issues and trends. Connecticut: Greenwood Press; 1980. p.173-211.. Os sistemas regulatórios também devem atuar para proteger a saúde da população de medicamentos ineficazes e desnecessários e promover o uso racional, além de intervir nas estratégias mercadológicas que visam estimular o consumo de medicamentos55. Barros JAC, organizador. Os fármacos na atualidade: antigos e novos desafios. Brasília (DF): Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2008. Antigas e novas questões: enfrentando uma conjuntura desfavorável; p.23-78. como bens de consumo comuns.

O cerne da regulação sanitária de medicamentos centra-se na qualidade, segurança, eficácia e informação; abrange a formulação de normas e padrões, o processo de registro do produto desde a autorização de ensaios clínicos, o licenciamento de instalações e pessoal, o controle de qualidade das drogas e o monitoramento das reações adversas, a emissão de alertas e o recolhimento de produtos. A informação reporta-se à análise e aprovação de informes e bulas do produto, à regulação da publicidade e promoção do medicamento2727. World Health Organization. How to develop and implement a national drug policy: updates and replaces: guidelines for developing national drug policies. 2. ed. Geneva: WHO; 2001..

Graves erros na fabricação de medicamentos impulsionaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a instituir as boas práticas de fabricação, que se tornaram mandatórias para a indústria farmacêutica. O conceito de boas práticas foi incorporado às diversas atividades relacionadas ao medicamento, tais como distribuição, transporte e armazenagem, comercialização, dispensação, manipulação de preparações magistrais e oficinais, pois qualquer atividade inadequada pode afetar a qualidade.

O controle sanitário dos medicamentos representa um desafio na atuação dos sistemas regulatórios em todo o mundo. Medicamentos de má qualidade, falsificados e com outras irregularidades são muito frequentes no mercado de consumo e qualquer classe de medicamentos pode ser afetada. Considera-se difícil estimar a quantidade em circulação no mercado e o impacto deste problema para a sociedade, pelas mortes e doenças provocadas, pelo tempo e recursos financeiros com o seu uso1010. Institute of Medicine, Board on Global Health, Committee on Understanding the Global Public Health Implications of Substandard, Falsified, and Counterfeit Medical Products. Countering the problem of falsified and substandard drugs: report. Washington (DC): The National Academies Press; 2013. https://doi.org/10.17226/18272
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Regulamentação sanitária, promoção do uso racional e garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos são diretrizes da Política Nacional de Medicamentos (MS, 1998a a Portaria 3916 do Ministério da Saúde, de 30.10.1998, aprova a Política Nacional de Medicamentos. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1998/prt3916_30_10_1998.html ). O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) – subsistema do Sistema Único de Saúde (SUS) – aciona normativas e tecnologias de controle em todo o ciclo produtivo desses bens, com competências compartilhadas pelas três esferas de gestão. Apesar dos avanços na regulação sanitária, com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 1999, o SNVS ainda é deficiente em capacidade de fiscalização do cumprimento das normas, sobretudo nos serviços públicos77. Costa EA, Souto AC. Área Temática de Vigilância Sanitária. In: Paim JS, Almeida-Filho N, organizadores. Saúde coletiva: teoria e prática. Rio de Janeiro: Medbook; 2014. p.327-41., frente aos quais o poder político da vigilância sanitária é ainda mais limitado.

A questão dos resíduos dos produtos farmacêuticos e sua disposição final, como parte dos resíduos de serviços de saúde, é objeto de regulação pela Anvisa/MS e pelo Ministério do Meio Ambiente que estabeleceram normativas para o gerenciamento dos resíduos gerados nos estabelecimentos de saúde – RDC n° 306/2004 da Anvisab b Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 306, de 7 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diario Oficial Uniao. 10 dez 2004; Seção 1:49. e Resolução n° 358/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambientec c Ministério do Meio Ambiente (BR), Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução nº 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diario Oficial Uniao. 4 maio 2005; Seção 1:63-5. .

Além das normas de vigilância sanitária, o Ministério da Saúde disponibilizou diretrizes para as farmácias do SUS, visando orientar a concepção, estruturação e elaboração do Manual de Boas Práticas Farmacêuticas. Constam referências aos requisitos técnicos e sanitários para o funcionamento do estabelecimento farmacêutico1717. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciências, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica. Assistência farmacêutica na atenção básica: instruções técnicas para sua organização. 2. ed. Brasília (DF); 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).,1818. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Diretrizes para estruturação de farmácias no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília (DF); 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)..

A situação sanitária dos medicamentos no Brasil ainda não foi objeto de pesquisas abrangentes. Assim, o objetivo deste estudo é caracterizar a situação sanitária dos medicamentos na Atenção Básica, nas distintas regiões do país, no tocante à documentação técnico-sanitária e responsável pela farmácia/unidade de dispensação, condições de armazenamento e de fracionamento, condições ambientais nas áreas de armazenamento e dispensação, controle de estoque, gerenciamento de resíduos, regulamentação da propaganda e iniciativas quanto à farmacovigilância.

MÉTODOS

Este artigo integra a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM) – Serviços 2015, cujo objetivo foi caracterizar a organização dos serviços de assistência farmacêutica na Atenção Básica no SUS, com vistas ao acesso e à promoção do uso racional de medicamentos, bem como identificar e discutir os fatores que interferem na consolidação da assistência farmacêutica no âmbito municipal.

A PNAUM é um estudo transversal, exploratório, de natureza avaliativa, composto por um levantamento de informações numa amostra de serviços de Atenção Básica, em municípios representativos das regiões do Brasil, com observação direta dos serviços farmacêuticos e entrevistas. Várias populações de estudo foram consideradas no plano de amostragem, conforme detalhamento metodológico apresentado em outro artigo22. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Junior AA, et al. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51 Supl 2:4s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007027
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, com amostras estratificadas pelas regiões, que constituem domínios do estudo.

As entrevistas foram realizadas com questionário específico para cada categoria de entrevistado; de modo presencial com o responsável pela entrega de medicamentos, médicos e usuários e por telefone com o responsável pela assistência farmacêutica e o secretário municipal de saúde. Na observação das farmácias/unidades dispensadoras de medicamentos e locais de armazenamento e entrega de medicamentos utilizou-se roteiro com registro fotográfico, visando verificar a documentação técnico-sanitária, as condições de armazenamento e entrega de medicamentos, o registro das atividades, a disponibilidade de medicamentos selecionados, medicamentos vencidos e local para armazenagem daqueles impróprios ao uso.

As entrevistas e a observação foram realizadas por entrevistadores capacitados. O observador foi acompanhado por um profissional da equipe de saúde que conhecia os locais de observação na unidade ou em outro local de referência. Os itens do roteiro foram preenchidos com base na observação e informação do profissional que acompanhou o entrevistador.

As condições sanitárias dos medicamentos basearam-se nos dados da observação das farmácias/unidades dispensadoras integrantes da amostra de serviços. Os dados relativos a problemas de transporte foram obtidos das entrevistas com os coordenadores da assistência farmacêutica; os referentes ao controle da propaganda de medicamentos, farmacovigilância, controle de estoque e gerenciamento de resíduos, das entrevistas com os farmacêuticos responsáveis pela entrega de medicamentos. Os dados foram analisados utilizando-se o software SPSS®, versão 21, no módulo de análise para amostras complexas. Para análise de associação estatística aplicou-se o teste do qui-quadrado, com nível de significância de p < 0,05.

A PNAUM – Serviços foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer 398.131/2013), procedendo-se esclarecimento aos entrevistados dos objetivos da pesquisa e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Foram observadas 1.175 farmácias/unidades dispensadoras (86,3% da amostra estimada), entrevistados 495 coordenadores da assistência farmacêutica (84,5% da amostra estimada) e 1.139 responsáveis pela entrega de medicamentos (83,6% da amostra estimada). Destes, 32,7% eram farmacêuticos.

A Tabela 1 apresenta as condições sanitárias das farmácias/unidades dispensadoras de medicamentos nas regiões. Observaram-se diferenças entre as regiões em todas as dimensões. Em geral, a região Nordeste apresentou condições mais deficitárias, seguindo-se a região Norte, enquanto a região Sudeste apresentou resultados mais positivos, seguida da Centro-Oeste.

Tabela 1
Condições sanitárias nas farmácias/unidades de dispensação de medicamentos na Atenção Básica, segundo as regiões do Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015. (n = 1.175)

Na dimensão documentação técnico-sanitária, as farmácias/unidades dispensadoras apresentaram-se deficitárias em todos os itens, com diferenças estatísticas significantes entre as regiões. No Nordeste foi encontrado o menor percentual de unidades com licença sanitária (24,7%) e no Centro-Oeste o maior (58,8%). Nessas mesmas regiões, igualmente o menor (15,3%) e o maior percentual (63,4%), respectivamente, de certificado de responsabilidade técnica.

No tocante à responsabilidade pela farmácia/unidade dispensadora de medicamentos, chama atenção que, no Brasil, apenas 43% desses serviços contam com farmacêutico responsável. As diferenças entre as regiões variaram de 18,5% no Nordeste, a 72% no Sudeste e foram significantes. Em desacordo com uma necessidade técnica e a legislação sanitária esta função é também exercida por outros profissionais de saúde de nível superior e outros trabalhadores – técnico/auxiliar de enfermagem ou de farmácia, agente comunitário e até funcionários administrativos e de serviços gerais – cujo percentual ficou próximo ao de farmacêuticos.

As condições da área de armazenamento variaram em todos os itens entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes, mostrando-se em geral mais deficitárias no Nordeste e Norte. Em todas as unidades dispensadoras foi encontrado pelo menos um medicamento vencido entre os 37 traçadores; os maiores percentuais estavam nas regiões Nordeste (42,2%) e Centro-Oeste (44,2%). Os medicamentos sob controle especial, aqueles para HIV/aids e os fitoterápicos vencidos foram os mais frequentes.

Os itens de segurança contra incêndio e pane elétrica mostraram-se bastante deficitários e também variaram entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes. Somente 32,6% das unidades, no Brasil, dispunham de equipamento de prevenção de incêndio e 2,7% de gerador de energia elétrica.

As condições ambientais das farmácias/unidades dispensadoras apresentadas na Tabela 2 mostram desigualdades entre as regiões, em geral mais favoráveis no Sudeste e Centro-Oeste. Em todos os itens verificaram-se deficiências que podem gerar problemas e afetar a qualidade dos medicamentos. No Brasil, por exemplo, apenas 25,8% dessas unidades fazem controle de temperatura; no Nordeste o percentual é ínfimo (5,4%). No controle de umidade o percentual no Brasil alcança apenas 11,9%.

Tabela 2
Condições ambientais e de fracionamento nas farmácias/unidades de dispensação de medicamentos na Atenção Básica, segundo as regiões do Brasil. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015. (n = 1.175)

Chama a atenção o pouco cuidado com a aferição de temperatura e umidade, especialmente nas regiões mais quentes e úmidas como Norte e Nordeste. Na observação, 3,5% no Brasil e 5,8% no Nordeste apresentaram temperaturas superiores a 30°C. Observaram-se locais com incidência de luz solar direta sobre medicamentos, indícios da presença de roedores e insetos e mofo ou infiltrações nas paredes em todas as regiões, condições que podem afetar a estabilidade dos medicamentos.

Nas áreas de dispensação, as condições ambientais também eram deficitárias, variando entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes na maioria dos itens. Nestas áreas eram ligeiramente mais favoráveis que nas áreas de armazenamento quanto ao controle de temperatura e umidade e sistema interno de circulação de ar; entretanto, eram mais desfavoráveis em permitir incidência de luz solar direta sobre medicamentos, indícios da presença de insetos e roedores e mofo ou infiltrações nas paredes.

As condições do fracionamento de medicamentos também se mostraram desfavoráveis e variaram entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes: das 711 unidades observadas que fracionavam medicamentos, somente 12,8% dispunham de área específica, 18,7% de bancada revestida de material liso e resistente e 11,6% de material e equipamentos de embalagem e rotulagem. Assim, verificou-se o descumprimento de requisitos fundamentais no manuseio dos medicamentos, com violação da legislação sanitária.

Conforme a Figura, os problemas relacionados ao transporte de medicamentos se distribuem desigualmente entre as regiões: a situação mais frequente é de veículos insuficientes, principalmente nas regiões Nordeste e Norte. A insuficiência leva à utilização de veículos inadequados, situação que predominou na região Norte. Sul e Nordeste foram as que mais acumulavam a situação de veículos insuficientes e inadequados, ocupando a segunda posição no Brasil.

Figura
Problemas de transporte de medicamentos na Atenção Básica, nas regiões do Brasil, segundo o responsável pela assistência farmacêutica municipal. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015.

Como mostra a Tabela 3, a existência de norma para regular as atividades de propaganda/promoção de medicamentos – entrada nos serviços de representantes de laboratórios e distribuidoras de medicamentos, distribuição de materiais de propaganda na rede pública de saúde do município e distribuição de amostra grátis – variaram entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes no item norma. As regiões Sudeste e Sul detinham os maiores percentuais de municípios que regulamentam tais práticas e no Brasil como um todo, o percentual alcançou 24,2%. Contudo, 27,5% dos entrevistados não sabiam informar sobre esta questão.

Tabela 3
Regulação da propaganda de medicamentos, farmacovigilância e gerenciamento de resíduos na Atenção Básica, nas regiões do Brasil, segundo os farmacêuticos responsáveis pela dispensação. Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos – Serviços, 2015. (n = 285)

No tocante à distribuição de amostra grátis, no Brasil esta prática foi referida em cerca de 33% das unidades de saúde. O Centro-Oeste revelou o maior percentual de farmacêuticos que afirmaram não saber informar sobre o assunto e a distribuição de amostra grátis alcançou quase 27% das unidades. Não foi possível investigar se as normas existentes nos municípios abordavam a distribuição de amostras grátis.

As iniciativas em relação à farmacovigilância se distribuem desigualmente entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes. O percentual de unidades que contavam com algum mecanismo para notificação de queixa técnica e eventos adversos relacionados a medicamentos alcançou apenas 31,4% e a região mais favorável foi a Sudeste, com 49,8%. Observou-se descompasso entre mecanismos e notificação: interrogados se já haviam realizado uma notificação, os percentuais de resposta positiva dos farmacêuticos são muito inferiores aos relativos à existência de mecanismos para notificação; indica que, no geral, os serviços estão avançando em estabelecer mecanismos para as notificações, mas o profissional farmacêutico ainda não está acompanhando as iniciativas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste (3,9% e 4,7%, respectivamente).

As notificações têm encaminhamentos diversos e variam entre as regiões: no Centro-Oeste, Sudeste e Norte encaminha-se principalmente para a coordenação da assistência farmacêutica, enquanto nas regiões Sul e Nordeste encaminha-se mais para a vigilância sanitária, referindo-se também o uso do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária da Anvisa. Contudo, no Brasil, 17,7% dos entrevistados afirmaram não dar nenhum encaminhamento às notificações. Tal situação, juntamente com os variados procedimentos, indicam o estágio inicial de organização das atividades de farmacovigilância na Atenção Básica; também se enviam notificações para a CAF, secretaria municipal de saúde, diretoria regional de saúde, ouvidorias, entre outros.

A existência de sistemas de controle de estoque também mostrou desigualdades entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes e predomínio do controle manual (58%), enquanto cerca de 5% das farmácias/unidades dispensadoras não dispõem de nenhum sistema de controle.

A existência de Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde variou entre as regiões, com diferenças estatísticas significantes na maioria dos itens desta dimensão: Norte e Nordeste são as mais deficitárias. No Brasil, menos de 44% das unidades de saúde cumprem este requisito legal. Quanto a local específico para armazenar medicamentos impróprios para o uso até que sejam recolhidos, apenas 40% das unidades, no Brasil, dispunham de local adequado, sendo referido, pelos entrevistados, em elevados percentuais, somente um serviço de recolhimento de resíduos, mas não foi possível investigar o local de deposição. O descarte de medicamentos foi tema de um estudo no âmbito da Saúde da Família, que encontrou pouca compreensão dos trabalhadores quanto ao descarte adequado, execução de práticas divergentes dos dispositivos legais e desarticulação entre a vigilância sanitária e os demais serviços de saúde11. Alencar TOS, Machado CSR, Costa SCC, Alencar BR. Descarte de medicamentos: uma análise da prática no Programa Saúde da Família. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(7):2157-66. https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014197.09142013
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DISCUSSÃO

Os achados deste trabalho em muitos aspectos corroboram com estudos sobre assistência farmacêutica (AF) na Atenção Básica no Brasil. Naquele referente ao responsável pela farmácia/unidade de dispensação, em Brasília, de 15 unidades estudadas, apenas duas tinham farmacêutico como responsável2020. Naves JOS, Silver LD. Evaluation of pharmaceutical assistance in public primary care in Brasília, Brazil. Rev Saude Publica. 2005;39(2):223-30. https://doi.org/10.1590/S0034-89102005000200013
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, um requisito técnico e uma exigência legal. No Rio Grande do Sul, em 20 Municípios da 17ª Coordenadoria Regional de Saúde, apenas cinco contavam com farmacêutico88. De Bernardi CLB, Bieberbach EW, Thomé HI. Avaliação da assistência farmacêutica básica nos municípios de abrangência da 17ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul. Saude Soc. 2006;15(1):73-83. https://doi.org/10.1590/S0104-12902006000100008
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. Barreto e Guimarães33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistência farmacêutica em municípios baianos. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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também constataram, em municípios baianos, a ausência do farmacêutico na realização de atividades essenciais, tais como programação e dispensação de medicamentos.

As dimensões investigadas mostraram resultados que indicam condições sanitárias no geral inadequadas aos medicamentos e revelam que as normas de vigilância sanitária e as recomendações do Ministério da Saúde para orientar a estruturação das farmácias no âmbito do SUS ainda são pouco seguidas. Ressalte-se que o armazenamento dos medicamentos envolve uma série de procedimentos técnicos e administrativos; sendo adequado, o armazenamento reduz as perdas de medicamentos e é essencial para a preservação da qualidade dos fármacosd d Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília (DF): CONASS; 2011. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS, 7). .

Os achados sobre as condições ambientais e de armazenamento preocupam, sobretudo considerando-se as condições climáticas no país, com temperaturas elevadas na maior parte do território e do ano e com áreas de muita umidade. Ressalte-se que a qualidade e eficácia do medicamento é diretamente relacionada à manutenção de sua estabilidade em relação às condições de armazenamento e manuseio1313. Lima GB, Nunes LCC, Barros JAC. Uso de medicamentos armazenados em domicílio em uma população atendida pelo Programa Saúde da Família. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3517-22. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900026
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, inclusive no fracionamento. Medicamentos mal conservados portam riscos à saúde do usuário, riscos associados à diminuição e ou ausência do efeito terapêutico e eventos adversos resultantes de alterações na fórmula farmacêutica, decorrentes de calor, umidade e decomposição provocada pelos raios ultravioleta1414. Macedo SHM, Garcia TRL. Influência da temperatura sobre o transporte de medicamentos por modal rodoviário. Infarma. 2007 [cited 2017 Jan 31];19(3-4):7-10. Available from: http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/9/infarma_v19_1-2.pdf
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. No caso da malária, por exemplo, o uso de medicamentos de má qualidade ou falsos pode contribuir para o desenvolvimento de resistência no parasito2121. Nogueira FHA, Moreira-Campos LM, Santos RLC, Pianetti GA. Quality of essential drugs in tropical countries: evaluation of antimalarial drugs in the Brazilian Health System. Rev Soc Bras Med Trop. 2011;44(5):582-6. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011000500010
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As condições deficitárias encontradas corroboram os achados de outros trabalhos: a partir de dados coletados dos relatórios de fiscalização de municípios, elaborados pela Controladoria Geral da União, Vieira2626. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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encontrou problemas na gestão ou nos serviços em 90,3% dos 597 municípios fiscalizados, 10,7% dos municípios brasileiros. Além das condições de armazenamento inadequadas em 39% dos municípios, o estudo revelou que essas inadequações representaram a segunda maior causa de falta de medicamentos, encontrada em 24% dos municípios. Barreto e Guimarães33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistência farmacêutica em municípios baianos. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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também encontraram ausência das condições físicas e ambientais ideais para o armazenamento de medicamentos e temperatura inadequada nesses locais, tanto nas Centrais de Abastecimento Farmacêutico (CAF), quanto nas Unidades Básicas de Saúde.

Em estudo de avaliação da assistência farmacêutica no Brasil2222. Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil: estrutura, processo e resultados. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. (Série Técnica Medicamentos e Outros Insumos Essenciais para a Saúde, 3)., as condições de armazenamento nas unidades de saúde foram adotadas como uma proxy da qualidade dos medicamentos. Numa escala de zero a cem pontos, metade das unidades alcançaram entre 40 e 69 pontos quanto às boas práticas de armazenamento nas CAF, podendo-se inferir que os medicamentos poderiam estar sujeitos a condições inadequadas em alguns aspectos. As condições foram consideradas razoáveis, com grande variação entre os serviços visitados.

Essas condições podem ser agravadas pelo modo como os medicamentos são transportados. O transporte inadequado pode comprometer a qualidade e eficácia dos medicamentos, ao expor os produtos a temperaturas elevadas, más condições de limpeza dos veículos, manuseio e outros1414. Macedo SHM, Garcia TRL. Influência da temperatura sobre o transporte de medicamentos por modal rodoviário. Infarma. 2007 [cited 2017 Jan 31];19(3-4):7-10. Available from: http://www.cff.org.br/sistemas/geral/revista/pdf/9/infarma_v19_1-2.pdf
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. Barreto e Guimarães33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistência farmacêutica em municípios baianos. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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também encontraram situação de transporte inadequado nos municípios estudados.

No referente à existência de sistemas de controle de estoque, os resultados deste estudo embora indiquem necessidade de melhor qualidade no controle, mostraram-se mais favoráveis que em outros estudos que avaliaram a assistência farmacêutica no Brasil e encontraram registros de estoque em 32% das unidades de saúde, 32% nas CAF municipais e 61% nas centrais estaduais, revelando precariedade do controle de estoque nos serviços2222. Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde. Avaliação da Assistência Farmacêutica no Brasil: estrutura, processo e resultados. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. (Série Técnica Medicamentos e Outros Insumos Essenciais para a Saúde, 3).. Vieira2626. Vieira FS. Qualificação dos serviços farmacêuticos no Brasil: aspectos inconclusos da agenda do Sistema Único de Saúde. Rev Panam Salud Publica. 2008;24(2):91-100. https://doi.org/10.1590/S1020-49892008000800003
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constatou a falta ou deficiência neste controle em 71% da amostra de municípios de seu estudo. Barreto e Guimarães33. Barreto JL, Guimarães MCL. Avaliação da gestão descentralizada da assistência farmacêutica em municípios baianos. Cad Saude Publica. 2010;26(6):1207-20. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000600014
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também constataram a ausência de controle de estoque nos municípios estudados, o que pode afetar a disponibilidade dos medicamentos.

Ao investigar a existência de norma para regular as atividades de propaganda/promoção de medicamentos nos serviços, quase 28% dos farmacêuticos não souberam informar; contudo, a distribuição de amostras grátis foi referida em cerca de um terço das unidades de saúde no Brasil. Ressalte-se que as indústrias investem fortemente nas estratégias de promoção do medicamento, mediante visitas de representantes que costumam deixar amostras grátis como forma de marketing do laboratório farmacêutico1313. Lima GB, Nunes LCC, Barros JAC. Uso de medicamentos armazenados em domicílio em uma população atendida pelo Programa Saúde da Família. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3517-22. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900026
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. A regulação da propaganda/promoção de medicamentos no âmbito dos municípios e estados é uma necessidade do sistema de saúde. Como mostram os estudos, a propaganda consegue alterar o padrão de prescrição dos médicos44. Barros JAC, Joany S. Anúncios de medicamentos em revistas médicas: ajudando a promover a boa prescrição? Cienc Saude Coletiva. 2002;7(4):891-8. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400020
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,99. Fagundes MJD, Soares MGA, Diniz NM, Pires JR, Garrafa V. Análise bioética da propaganda e publicidade de medicamentos. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(1):221-9. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000100025
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
,1212. Lexchin J. Interactions between physicians and the pharmaceutical industry: what does the literature say? Can Med Assoc J. 1993 [cited 2017 Jan 31];149(10):1401-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1485922/pdf/cmaj00278-0043.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,1919. Molinari GJP, Moreira PCS, Conterno LO. A influência das estratégias promocionais das indústrias farmacêuticas sobre o receituário médico na Faculdade de Medicina de Marília: uma visão ética. Rev Bras Educ Med. 2005 [cited 2017 Jan 31];29(2):110-8. Available from: http://educacaomedica.org.br/UserFiles/File/2005/volume29_2/influencia_das_estrategias.pdf
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,2323. Pizzol FD, Silva T, Schenkel EP. Análise da adequação das propagandas de medicamentos dirigidas à categoria médica, distribuídas no Sul do Brasil. Cad Saude Publica. 1998;14(1):85-91.https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000100016
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,2525. Trevisol DJ, Ferreira MBC, Karnopp ZMP. A propaganda de medicamentos em escola de medicina do Sul do Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl 3:3487-96. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000900023
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.

No estudo de Fagundes et al.99. Fagundes MJD, Soares MGA, Diniz NM, Pires JR, Garrafa V. Análise bioética da propaganda e publicidade de medicamentos. Cienc Saude Coletiva. 2007;12(1):221-9. https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000100025
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com um grupo de 50 médicos, 98% informaram receber visitas regulares de propagandistas da indústria farmacêutica: 40% afirmaram recebê-las semanalmente e 12% diariamente. Quase metade (45%) alegou receber visitas de diferentes propagandistas que divulgavam um mesmo produto e 86% informaram receber brindes nas visitas. Dentre os médicos, 68% acreditavam existir influência direta da propaganda sobre as prescrições; entretanto, a maioria afirmou não ser influenciada pela propaganda e 14% disseram prescrever medicamentos em função do recebimento de prêmios. Quanto às peças publicitárias, 22% disseram confiar plenamente nas informações recebidas e 68% acreditam haver inverdades ou incorreções.

Em que pesem as regulamentações da Anvisa, muitas questões relacionadas à distribuição de amostra grátis carecem de discussão e regulamentação1111. Leitão LCA, Simões MOS, França ISX. A saúde pública e a indústria farmacêutica: implicações bioéticas na produção do cuidado. Rev Bras Cienc Saude. 2012;16(3) 295-302. https://doi.org/10.4034/RBCS.2012.16.03.03
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: a definição da quantidade entregue a cada prescritor, o prazo mínimo autorizado para sua distribuição, os mecanismos de transporte, armazenamento e controle de distribuição e cuidados com o prazo de validade. Autores2424. Souza CPFA, Oliveira JLM, Kligerman DC. Avanços e desafios em normatização de amostra grátis de medicamentos no Brasil. Physis. 2014;24(3):871-83. https://doi.org/10.1590/S0103-73312014000300011
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corroboram essas avaliações, reconhecem que houve avanços, mas consideram a normatização ainda incipiente e postulam a necessidade de discussões seguindo critérios técnico-científicos com a menor influência possível da indústria farmacêutica, para maior segurança e efetividade no uso de amostras grátis de medicamentos.

Quanto às iniciativas em relação à farmacovigilância, os achados indicam um estágio inicial de organização dessas atividades na atenção básica, com diferenças estatísticas significantes entre as regiões. O Brasil é retardatário no desenvolvimento dessa prática que tem a importante função de contribuir com a regulação sanitária na melhoria do perfil de segurança dos medicamentos. Após a criação da Anvisa iniciou-se um processo para a institucionalização da farmacovigilância, que ainda não se constitui como prática relevante nos serviços de saúde, exceto nos hospitais da Rede Sentinela1616. Mendes MCP, Pinheiro RO, Avelar KES, Teixeira JL, Silva GMS. História da Farmacovigilância no Brasil. Rev Bras Farm. 2008 [cited 2017 Jan 31];89(3):246-51. Available from: http://www.rbfarma.org.br/files/148_pag_246a251_historia_farmacovigilancia.pdf
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As condições sanitárias encontradas nas farmácias/unidades dispensadoras de medicamentos na atenção básica são desfavoráveis à conservação dos medicamentos e preocupantes. Os medicamentos são produtos delicados e sensíveis, fabricados em bases técnicas rigorosas, requerem condições específicas de transporte, armazenamento e manuseio e também da vigilância de eventos adversos, além do controle de sua propaganda/promoção, como parte do sistema de regulação sanitária. Ressalte-se que o ciclo logístico da assistência farmacêutica, assentado no fundamento do uso racional de medicamentos, não pode prescindir do farmacêutico que também é fundamental na atenção ao usuário dessas tecnologias. Esses itens, entre outros, mostraram-se com profundas deficiências.

Embora não tenha sido possível investigar os fatores condicionantes da realidade encontrada, constatou-se que, em geral, a situação sanitária nos serviços farmacêuticos na atenção básica/SUS defronta-se com o descumprimento de itens imprescindíveis para o exercício de atividades com esses insumos de saúde. Os resultados indicam que os serviços de saúde enfrentam problemas de gestão que revelam precariedade de infraestrutura, organização e qualidade dos serviços farmacêuticos, o que pode impactar negativamente na qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos, além dos custos. Uma limitação do presente trabalho é que não foram encontrados estudos abrangentes que permitissem comparações, no entanto, os indicadores identificados fornecem subsídios para o aprimoramento das políticas de saúde neste componente específico. Os achados permitem concluir que avanços foram observados, mas ainda são tímidos, notadamente nas regiões Nordeste e Norte; e que se faz urgente a responsabilidade gestora, a organização e qualificação dos serviços farmacêuticos na Atenção Básica para que as políticas de medicamentos e de assistência farmacêutica cumpram sua finalidade no SUS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2016
  • Aceito
    17 Jan 2017
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