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Desenvolvimento e validação do Questionário WebAd-Q para monitorar adesão à terapia do HIV

RESUMO

OBJETIVO

Apresentar o desenvolvimento e a validação do Questionário WebAd-Q, um instrumento de autorrelato para monitorar a adesão à terapia antirretroviral em serviços de HIV/Aids no Brasil.

MÉTODOS

O WebAd-Q é um questionário eletrônico que contém três perguntas sobre a tomada dos antirretrovirais na última semana. Foi construído a partir de entrevistas e grupos focais com 38 pacientes. Sua validade foi testada em estudo com uma amostra de 90 pacientes maiores de 18 anos, sob terapia antirretroviral há pelo menos três meses. Foram utilizadas as seguintes medidas de adesão comparativas: monitoramento eletrônico, contagem de pílulas e entrevista de autorrelato. O WebAd-Q foi respondido no sexagésimo dia por duas vezes, com intervalo mínimo de uma hora. A carga viral dos pacientes foi obtida nos registros do serviço. Analisamos a concordância entre as respostas ao WebAd-Q, associações e correlações com a carga viral e o desempenho em comparação às demais medidas de adesão.

RESULTADOS

Entre os pacientes convidados, 74 (82,2%) responderam ao WebAd-Q. Não foram relatadas dificuldades em responder ao questionário. O tempo médio de resposta foi de 5 min 47 seg. O conjunto das três questões do WebAd-Q obteve concordância de 89,8%, com Kappa de 0,77 (IC95% 0,61–0,94). As respostas de não adesão do WebAd-Q associaram-se à carga viral detectável. Foram obtidas correlações moderadas da carga viral com escala de não adesão segundo o WebAd-Q. Para as três perguntas do WebAd-Q, pacientes com respostas de não adesão foram também apontados como menos aderentes segundo as demais medidas de adesão.

CONCLUSÕES

O WebAd-Q atendeu a todos os quesitos considerados relevantes na validação de questionários, foi bem entendido por pacientes, apresentou associação com a carga viral e obteve boa concordância e bom desempenho em comparação a medidas concorrentes. A análise da viabilidade de sua implementação ainda depende de um estudo nacional de aplicabilidade.

Fármacos Anti-HIV, provisão & distribuição; Infecções por HIV, tratamento farmacológico; Adesão à Medicação; Inquéritos e Questionários, utilização; Estudos de Validação

ABSTRACT

OBJECTIVE

To present the development and validation of the WebAd-Q Questionnaire, a self-report instrument to monitor adherence to antiretroviral therapy in HIV/AIDS centers in Brazil.

METHODS

The WebAd-Q is an electronic questionnaire that has three questions about the use of antiretrovirals in the last week. It was constructed from interviews and focus groups with 38 patients. Its validity was tested in a study with a sample of 90 adult patients on antiretroviral therapy for at least three months. We used electronic monitoring bottles, pill counting, and self-report interview to compare adherence. The WebAd-Q was answered on the sixtieth day, twice, with at least one hour of interval. The viral load of the patients was obtained from the service records. We have analyzed the agreement between the answers to the WebAd-Q, the associations, and the correlations with viral load and performance compared to other measures of adherence.

RESULTS

Among the invited patients, 74 (82.2%) answered the WebAd-Q. No difficulties were reported to answer the questionnaire. The average answer time was 5 min 47 sec. The set of three questions of the WebAd-Q obtained agreement of 89.8%, with Kappa of 0.77 (95%CI 0.61–0.94). The non-adherence answers of the WebAd-Q were associated with detectable viral load. We obtained moderate viral load correlations with the non-adherence scale according to the WebAd-Q. For the three questions of the WebAd-Q, patients with non-adherence answers were also reported as less adherent according to the other measures of adherence.

CONCLUSIONS

The WebAd-Q answered all the issues considered relevant in the validation of questionnaires, was well understood by patients, was associated with viral load, and obtained good agreement and good performance compared to the other measures. The feasibility analysis of its implementation still depends on a national study on its applicability.

Anti-HIV Agents, supply & distribution; HIV Infections, drug therapy; Medication Adherence; Surveys and Questionnaires, utilization; Validation Studies

INTRODUÇÃO

O sucesso da terapia antirretroviral (TARV) para o HIV/Aids depende fortemente do diagnóstico oportuno11. Grangeiro A, Escuder MM, Menezes PR, Alencar R, Castilho EA. Late entry into HIV care: estimated impact on AIDS mortality rates in Brazil, 2003-2006. PLoS One. 2011;6(1):e14585. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0014585
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, do tratamento adequado e da alta adesão dos pacientes aos esquemas terapêuticos22. Simpson SH, Eurich DT, Majumdar SR, Padwal RS, Tsuyuki RT, Varney J, et al. A meta-analysis of the association between adherence to drug therapy and mortality. BMJ. 2006;333(7557):15. https://doi.org/10.1136/bmj.38875.675486.55
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.

No Brasil, em 2014, dentre as 781.000 pessoas vivendo com HIV (PVHIV) estimadas, 649.000 (83,1%) foram diagnosticadas. Dentre as PVHIV diagnosticadas, 405.000 (62,4%) receberam medicamentos antirretrovirais pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em torno de 88% das pessoas em TARV apresentaram carga viral indetectávela a Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol Aids DST. 2015[citado 11 ago 2016];4(1). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/boletim-epidemiologico-hivaids-2015 .

O atual protocolo clínico de tratamento brasileirob b Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para o manejo da infecção pelo HIV em adultos. Brasília (DF); 2013 [citado 11 ago 2016]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2013/64484/pcdt_adulto_270917.pdf?file=1&type=node&id=64484&force=1 recomenda o início da TARV a todos os adultos com sorologia positiva para o HIV, mesmo sem comprometimento imunológico33. Nachega JB, Uthman OA, Del Rio C, Mugarevo MJ, Rees H, Mills EJ. Addressing the Achilles’ Heel in the HIV care continuum for the success of a test-and-treat strategy to achieve an AIDS-free generation. Clin Infect Dis. 2014;59 Suppl 1:S21-7. https://doi.org/10.1093/cid/ciu299
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. O Brasil adota a meta 90-90-90 da UNAIDS, que propõe aos países atingirem, até 2020: 90% das PVHIV estimadas diagnosticadas; 90% das pessoas diagnosticadas em TARV; 90% das pessoas em TARV com carga viral indetectávelc c Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic. Geneva: UNAIDS; 2014 [citado 11 ago.2016]. Disponível em: http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/90-90-90_en_0.pdf . Os esforços para atingir essas metas deverão aumentar progressivamente o número de pessoas em TARV no país, o que exigirá resposta ampliada do SUS. Hoje, o tratamento é realizado em cerca de 971 serviços do SUS, de diferentes portes e configurações institucionais44. Nemes MIB, Alencar TMD, Basso CR, Castanheira ERL, Melchior R, Alves MTSSB, et al. Avaliação de serviços de assistência ambulatorial em aids, Brasil: estudo comparativo 2001/2007. Rev Saude Publica. 2013;47(1):137-46. https://doi.org/10.1590/S0034-89102013000100018
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,55. Nemes MIB, Castanheira ERL, Santa Helena ET, Melchior R, Caraciolo JM, Basso CR, et al. Adesão ao tratamento, acesso e qualidade da assistência em Aids no Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(2):207-12. https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000200028
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.

Nesse contexto, além do essencial monitoramento da adesão no seguimento clínico individual66. Rocha GM, Machado CJ, Acurcio FA, Guimarães MDC. Monitoring adherence to antiretroviral treatment in Brazil: an urgent challenge. Cad Saude Publica. 2011;27 Supl 1:S67-78. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001300008
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, torna-se urgente tratar a adesão do ponto de vista programático55. Nemes MIB, Castanheira ERL, Santa Helena ET, Melchior R, Caraciolo JM, Basso CR, et al. Adesão ao tratamento, acesso e qualidade da assistência em Aids no Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(2):207-12. https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000200028
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,77. Nemes MIB, Santa Helena ET, Caraciolo JMM, Basso CR. Assessing patient adherence to chronic diseases treatment: differentiating between epidemiological and clinical approaches. Cad Saude Publica. 2009;25 Supl 3:S392-400. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009001500005
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, isto é, como um indicador de desempenho da assistência prestada nos serviços de saúde. Para as equipes de saúde, o monitoramento das taxas de adesão dos pacientes soma-se a outras medidas proxy da qualidade do cuidado88. Chalker JC, Andualem T, Gitau LN, Ntaganira J, Obua C, Tadeg H, et al. Measuring adherence to antiretroviral treatment in resource-poor settings: the feasibility of collecting routine data for key indicators. BMC Health Serv Res. 2010;10:43. https://doi.org/10.1186/1472-6963-10-43
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,99. Ross-Degnan D, Pierre-Jacques M, Zhang F, Tadeg H, Gitau L, Ntaganira J, et al. Measuring adherence to antiretroviral treatment in resource-poor settings: the clinical validity of key indicators. BMC Health Serv Res. 2010;10:42. https://doi.org/10.1186/1472-6963-10-4
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, servindo como indicador de resultado de intervenções focadas na promoção da adesão55. Nemes MIB, Castanheira ERL, Santa Helena ET, Melchior R, Caraciolo JM, Basso CR, et al. Adesão ao tratamento, acesso e qualidade da assistência em Aids no Brasil. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(2):207-12. https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000200028
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,77. Nemes MIB, Santa Helena ET, Caraciolo JMM, Basso CR. Assessing patient adherence to chronic diseases treatment: differentiating between epidemiological and clinical approaches. Cad Saude Publica. 2009;25 Supl 3:S392-400. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009001500005
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.

Entretanto, não há consenso na literatura sobre um padrão-ouro para aferição da adesão à TARV. Há diferentes métodos de mensuração, como autorrelato, contagem de pílulas, registros de farmácia e dispositivos de monitoramento eletrônico. Cada método apresenta vantagens e desvantagens, que variam conforme o contexto e os objetivos almejados77. Nemes MIB, Santa Helena ET, Caraciolo JMM, Basso CR. Assessing patient adherence to chronic diseases treatment: differentiating between epidemiological and clinical approaches. Cad Saude Publica. 2009;25 Supl 3:S392-400. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009001500005
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,1010. Chesney MA. The elusive gold standard. Future perspectives for HIV adherence assessment and intervention. J Acquir Immune Defic Syndr. 2006;43 Suppl 1:S149-55. https://doi.org/10.1097/01.qai.0000243112.91293.26
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,1111. Wright EC. Non-compliance – or how many aunts has Matilda? Lancet. 1993;342(8876):909-13. https://doi.org/10.1016/0140-6736(93)91951-H
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.

Os autorrelatos em forma de questionários estruturados para entrevistas ou autopreenchimento são comumente utilizados na mensuração da adesão, tanto em estudos observacionais como nos levantamentos de informações dos serviços de saúde, devido a sua facilidade operacional, seu baixo custo e a possibilidade de abordar várias dimensões da adesão1212. Simoni JM, Frick PA, Pantalone DW, Turner BJ. Antiretroviral adherence interventions: a review of current literature and ongoing studies. Top HIV Med. 2003 [cited 2016 Aug 11];11(6):185-98. Available from: http://www.iasusa.org/sites/default/files/tam/11-6-185.pdf
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.

Para o monitoramento da adesão, os questionários de autorrelato precisam apresentar adequado balanço entre propriedades psicométricas, teóricas e pragmáticas1313. Garfield S, Clifford S, Eliasson L, Barber N, Wilson A. Suitability of measures of self-reported medication adherence for routine clinical use: a systematic review. BMC Med Res Methodol. 2011;11:149. https://doi.org/10.1186/1471-2288-11-149
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. As propriedades psicométricas dizem respeito à fidedignidade e à precisão da medida, incluindo a atenuação de vieses de informação (como vieses de memória ou de respostas desejáveis)1414. Nieuwkerk PT, Oort FJ. Self-reported adherence to antiretroviral therapy for HIV-1 infection and virologic treatment response: a meta-analysis. J Acquir Immune Defic Syndr. 2005;38(4):445-8. https://doi.org/10.1097/01.qai.0000147522.34369.12
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,1515. Bangsberg DR, Bronstone A, Hofmann R. A computer-based assessment detects regimen misunderstandings and nonadherence for patients on HIV antiretroviral therapy. AIDS Care. 2002;14(1):3-15. https://doi.org/10.1080/09540120220097892
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. Essas propriedades são testadas usualmente por meio de medidas de validade, confiabilidade e aceitabilidade. Embora não exista padronização quanto aos métodos de validação, em geral considera-se que os questionários devem contemplar a validade em relação a uma medida de desfecho clínico (validade de construto) e em relação a outras medidas de adesão (validade de critério)1616. Berg KM, Arnsten JH. Practical and conceptual challenges in measuring antiretroviral adherence. J Acquir Immune Defic Syndr. 2006;43 Suppl 1:S79-87. https://doi.org/10.1097/01.qai.0000248337.97814.66
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.

As propriedades teóricas envolvem a interpretação dada à medida e a adaptação do instrumento ao seu propósito. Já as propriedades pragmáticas são as que viabilizam a implementação do instrumento: baixo custo, não intrusivo, capaz de repetir a medida ao longo do tempo, autoaplicável, ágil na coleta e organização das respostas1313. Garfield S, Clifford S, Eliasson L, Barber N, Wilson A. Suitability of measures of self-reported medication adherence for routine clinical use: a systematic review. BMC Med Res Methodol. 2011;11:149. https://doi.org/10.1186/1471-2288-11-149
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.

No Brasil, os métodos utilizados para aferição da adesão à TARV são usualmente inespecíficos e dependentes da iniciativa individual de profissionais. A falta de um recurso padronizado impede o monitoramento rotineiro e homogêneo das taxas de adesão nos serviços e dificulta a avaliação de resultados das atividades voltadas à melhoria da adesão1717. Caraciolo JMM, Santa Helena ET, Basso CR, Souza RA, Silva MH, Adão VM, et al. Atividades para melhoria da adesão à TARV em serviços de saúde do SUS no estado de São Paulo, 2007. Saude Soc. 2009;18 Supl 2:79-83. https://doi.org/10.1590/S0104-12902009000600013
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. Frequentemente, apenas o desfecho clínico é monitorado através da medida da carga viral, que, entretanto, não permite detalhar quais dificuldades podem estar ocorrendo na tomada dos medicamentos. Embora a dispensação dos medicamentos seja acompanhada pelo Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM), o uso desse sistema ainda é predominantemente operacional e nem sempre voltado para o monitoramento da adesão. Não há, até o presente, questionários de autorrelato validados para uso rotineiro nos serviços do SUS que assistem PVHIV.

Este trabalho apresenta o desenvolvimento e a validação da versão web de um instrumento de autorrelato para monitorar taxas médias de adesão à TARV em serviços de saúde: o Questionário de Monitoramento da Adesão ao Tratamento Antirretroviral ou Web Adherence Questionnaire (WebAd-Q).

MÉTODOS

O Questionário WebAd-Q foi desenvolvido e testado em estudo conduzido entre 2008 e 2010. O instrumento foi proposto a partir de revisão da literatura e da experiência anterior da equipe de pesquisa em aferição da adesão de PVHIV e com outras doenças crônicas. Inspirado em um questionário de autorrelato anteriormente desenvolvido pela equipe para medir a adesão ao tratamento medicamentoso para hipertensão arterial1818. Santa Helena ET, Nemes MIB, Eluf-Neto J. Desenvolvimento e validação de questionário multidimensional para medir não-adesão ao tratamento com medicamentos. Rev Saude Publica. 2008;42(4):764-7. https://doi.org/10.1590/S0034-89102008000400025
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, o WebAd-Q foi adaptado especificamente para a aferição da adesão à TARV.

O WebAd-Q foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a adesão no plano coletivo, isto é, de fornecer taxas médias de adesão para uso gerencial nos serviços de HIV/Aids e em pesquisas operacionais.

A construção do questionário buscou respeitar os seguintes atributos: aferir os principais componentes do ato e do processo de tomar medicamentos; ter alta sensibilidade para não adesão; atenuar os vieses de resposta socialmente desejável e de memória; e ser facilmente compreensível e factível para a rotina dos serviços do SUS. A resposta ao questionário é anônima, uma vez que o propósito do questionário não é aferir a adesão individual, mas sim permitir que os serviços obtenham periodicamente as taxas de adesão do conjunto ou de grupos de seus pacientes.

O WebAd-Q foi desenvolvido para fornecer autorresposta em computador, acessível via internetd d O questionário encontra-se disponível no endereço: www2.fm.usp.br/webad-q. Para o acesso, deve-se utilizar o código “1999”. ou em plataforma offline, contendo recursos multimídia e gerando automaticamente um banco de respostas de acesso restrito. Possui formato de um desenho animado interativo, que faz três perguntas sobre a tomada dos medicamentos nos últimos sete dias. Os textos foram gravados em áudio para que o questionário pudesse ser tanto lido quanto ouvido pelos respondentes. Com base nas instruções da equipe de pesquisa, um web-designer produziu três desenhos alternativos para as imagens e telas de perguntas, dos quais a equipe de pesquisa elegeu dois: um com imagem feminina e outro com imagem masculina. Os dois desenhos, bem como a redação das perguntas, foram analisados em duas fases por pacientes voluntários de dois serviços de saúde mediante a realização de entrevistas na sala de espera e de grupos focais.

Para essa etapa de desenvolvimento do instrumento, foi definida uma amostra intencional de 38 pacientes, de ambos os sexos, de diferentes estratos sociais, escolaridades, etnias e com diferentes esquemas terapêuticos, acompanhados no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo (CRT-DST/AIDS-SP) e na Clínica de Especialidades Médicas de São Bernardo do Campo (SAE-SBC). O funcionamento do sistema de respostas e do banco de dados foi testado no CRT-DST/AIDS-SP.

Com base nas consultas realizadas, a equipe de pesquisa instruiu o desenho final e apoiou o web-designer para a elaboração do aplicativo. Os pacientes mostraram preferência pela versão feminina do personagem principal. As falas dos personagens foram gravadas por atores, orientados pela equipe de pesquisa.

O WebAd-Q inicia-se com uma introdução ao questionário feita pelo personagem “Coquetel”, que explica os procedimentos do questionário e garante a confidencialidade para o participante. Em seguida, entra a personagem “Silvia”, paciente que está em um serviço de saúde onde foi buscar seus medicamentos. Silvia apresenta-se, comenta que às vezes tem dificuldade em tomar seus remédios e faz três perguntas ao respondente: 1) “E você? Nos últimos sete dias, você tomou algum dos remédios do coquetel fora do horário indicado pelo seu médico?”; 2) “Nos últimos sete dias, você deixou de tomar algum dos remédios do seu coquetel?”; 3) “Nos últimos sete dias, alguma vez você tomou menos ou mais comprimidos de algum dos remédios do seu coquetel?” (Figura).

Figura
Telas das perguntas do questionário WebAd-Q com a personagem Silvia.

As possíveis respostas para cada questão são: “Não” (resposta de adesão), “Sim” ou “Não sei/Não lembro” (respostas de não adesão). Além das medidas para cada questão individualmente, foi construída uma escala de não adesão de quatro categorias, considerando o conjunto das três questões: 1) nenhuma resposta de não adesão; 2) uma resposta de não adesão; 3) duas respostas de não adesão; 4) três respostas de não adesão.

Para o estudo de validade foram convidados 90 pacientes maiores de 18 anos e em TARV há pelo menos três meses no SAE-SBC, um serviço que acompanhava, na época da coleta de dados, cerca de 800 pessoas em TARV. O cálculo do tamanho amostral teve como parâmetros: sensibilidade de 80%, precisão de 10% e prevalência de adesão de 70%. Os pacientes foram convidados segundo uma amostra de conveniência, conforme ordem de chegada no serviço, no período de agosto a outubro de 2009.

Os pacientes que aceitaram participar assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e foram instruídos a utilizar, por 60 dias, um frasco especial para o monitoramento eletrônico de doses (Medication Event Monitoring System – MEMS), cuja tampa possui um microprocessador que é ativado com a abertura do frasco, registrando a data, horário e duração da abertura. Solicitou-se aos participantes utilizar um frasco MEMS para o medicamento com maior número de doses ou comprimidos de sua prescrição de antirretroviral, bem como abrir o frasco apenas no momento de tomar os comprimidos. Também foram orientados a retornar ao serviço após 30 e 60 dias trazendo o frasco com MEMS.

O dispositivo MEMS permite a construção de duas medidas de adesão: MEMS dose sete dias (doses tomadas, calculada pelo número de aberturas do frasco em relação ao número de doses prescritas; foram considerados aderentes os pacientes com 100% de doses tomadas) e MEMS horário sete dias (doses tomadas no horário correto, calculada pelo número de aberturas do frasco em um intervalo de tempo de 15 minutos para mais ou para menos do prescrito em relação ao número de doses e horário da prescrição; foram considerados aderentes os pacientes com 100% de doses tomadas no intervalo de horário correto).

Foi ainda realizada a contagem de pílulas (CP) fornecidas aos pacientes no início do estudo, após 30 dias e 60 dias. Os pacientes foram orientados a retornar no trigésimo e sexagésimo dia com os comprimidos não consumidos, registrados como “devolvidos”. Constituiu-se uma medida percentual de não adesão dada pelo número de comprimidos devolvidos, em relação ao número de comprimidos fornecidos. Foi considerado não aderente o indivíduo que tivesse devolvido 5% ou mais dos comprimidos fornecidos.

No trigésimo dia os participantes reportaram sua adesão a um entrevistador capacitado utilizando um questionário de autorrelato previamente testado1919. Nemes MIB, Carvalho HB, Souza MF. Antiretroviral therapy adherence in Brazil. AIDS. 2004;18 Suppl 3:S15-20. https://doi.org/10.1097/00002030-200406003-00004
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. Após orientação, foi solicitado que o paciente recordasse os três últimos dias e identificasse o medicamento, horário e quantidade ingerida em cada dia. A medida de adesão calculada foi dada pelo percentual de comprimidos tomados em relação ao total de comprimidos prescritos. Considerou-se aderente o indivíduo cujo relato de comprimidos consumidos fosse maior ou igual a 95% dos prescritos.

Os resultados de carga viral de cada paciente foram coletados na rotina do SAE-SBC. Nesse serviço, os exames de carga viral eram solicitados a todos os pacientes em acompanhamento a cada quatro meses. Para cada paciente foi analisado o resultado do exame de carga viral mais próximo da resposta ao WebAd-Q, coletado antes ou após a resposta ao questionário. Como artifício matemático para cálculo do log da carga viral, utilizou-se a unidade para expressar indivíduos com carga viral indetectável.

Para a análise dos dados sociais, demográficos e clínicos dos participantes, foram calculadas as frequências absolutas, relativas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) para as variáveis qualitativas, e as medianas, médias e respectivos desvios-padrão das variáveis contínuas.

O WebAd-Q foi respondido pelos pacientes ao final do sexagésimo dia de pesquisa, em sala específica para este fim, após receberem instruções fornecidas por profissionais do serviço previamente capacitados. Solicitou-se aos pacientes que respondessem ao WebAd-Q duas vezes, com intervalo mínimo de uma hora, para que fosse estimada a concordância teste-reteste por meio do índice de Kappa. Foram calculados os resultados do WebAd-Q e das demais medidas de adesão, com IC95%.

Em resumo, no trigésimo dia, os pacientes realizaram monitoramento eletrônico de doses e horário, contaram as pílulas e responderam ao questionário de autorrelato com o entrevistador. No sexagésimo dia, realizaram novamente o monitoramento eletrônico e a contagem de pílulas e responderam ao WebAd-Q. Ao final do estudo, obteve-se a medida de carga viral mais próxima da resposta ao WebAd-Q, coletada na rotina do serviço.

Foram testadas associações entre a carga viral detectável e as respostas ao WebAd-Q, com IC95% (p < 0,05). Foi utilizado o coeficiente de Spearman para analisar a correlação entre a escala de não adesão do WebAd-Q e o log da carga viral, segundo a medida da carga viral mais próxima da resposta ao questionário. Além da correlação total, foram testadas correlações para diferentes conjuntos de respondentes, segundo a distância entre a data de resposta ao WebAd-Q e data de coleta da carga viral: até sete dias; de sete a 30 dias; maior do que 30 dias. As respostas para cada questão do WebAd-Q foram comparadas com as demais medidas de adesão utilizando o teste de Mann-Whitney.

RESULTADOS

Dos 90 pacientes convidados, 74 (82,2%) responderam ao questionário WebAd-Q. O tempo médio de seguimento no estudo foi de 60,7 dias [desvio-padrão (DP) de seis dias]. Dentre os que não responderam ao questionário, houve duas (2,2%) recusas e 14 (15,6%) abandonos.

A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes que completaram o estudo. Observa-se uma maior proporção de participantes do sexo masculino, média de idade acima de 45 anos, alta proporção de nove anos ou mais de escolaridade, longo tempo de tratamento, relatos de não adesão prévia e de reações adversas e baixa proporção de pessoas que fazem uso regular de álcool e drogas.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas dos participantes que completaram o estudo de validação do WebAd-Q. (n = 74)

Dentre os 74 participantes do estudo, quatro (5,4%) relataram dificuldade no uso dos MEMS, o que provocou a perda de informação nas medidas MEMS dose e MEMS horário nos últimos sete dias. Dois participantes (2,7%) não completaram a entrevista de autorrelato. Ao todo, 17 pacientes (23,0%; IC95% 13,4–32,6) apresentaram carga viral detectável (> 40 cópias/mL) no exame com data mais próxima.

A Tabela 2 apresenta as medidas de não adesão obtidas pelo questionário WebAd-Q e pelos demais métodos. A análise do conjunto das três questões do WebAd-Q mostrou um total de 49 (66,2%; IC95% 55,4–77,0) pacientes com uma ou mais respostas de não adesão. Em relação às medidas para cada questão separadamente, a proporção de não adesão foi maior para a questão 1 (horário). Em relação à escala de não adesão, observam-se proporções decrescentes a cada categoria da escala, isto é, conforme o aumento do número de respostas de não adesão. Em relação às demais medidas, a proporção de não adesão foi maior para o MEMS horário, seguida do MEMS dose, da contagem de pílulas e do autorrelato.

Tabela 2
Resultados de não adesão, segundo o WebAd-Q e demais métodos.

O tempo médio de resposta ao questionário WebAd-Q foi de 5 min 47 seg (DP = 1 min 53 seg). Não houve diferença estatisticamente significativa no tempo de resposta ao questionário entre pacientes com respostas de adesão ou não adesão, considerando o conjunto das três questões (p = 0,272). Não houve relatos de dificuldades dos pacientes em responder no computador.

Do total de participantes, 59 (79,7%) responderam duas vezes ao questionário. No teste-reteste, as respostas para o conjunto das três questões do WebAd-Q obtiveram concordância de 89,8%, com Kappa de 0,77 (IC95% 0,61–0,94).

A Tabela 3 mostra associações estatisticamente significativas entre a carga viral detectável e as respostas de não adesão. A distância mediana entre a resposta ao WebAd-Q e a coleta da carga viral foi de 88 dias, com amplitude interquartil de 91 dias. A correlação do log da carga viral com o grau de não adesão foi moderada (r = 0,476; p < 0,001), mostrando tendência de aumento conforme maior proximidade da data de coleta da carga viral: r = 0,622 (p = 0,074) para distância de até sete dias; r = 0,472 (p = 0,122) para distância de sete a 30 dias; r = 0,428 (p = 0,001) para distância maior do que 30 dias.

Tabela 3
Associações entre carga viral detectável e respostas ao WebAd-Q. (n = 74)

A Tabela 4 apresenta a comparação das respostas para cada questão do WebAd-Q com as demais medidas de adesão. Todas as medidas foram consistentes com as respostas obtidas pelo WebAd-Q. Isto é, em todas as medidas concorrentes, quando houve diferença estatisticamente significativa, a mediana de adesão foi maior para pacientes com respostas de adesão, segundo as três questões do WebAd-Q. A questão 2 teve o melhor desempenho, mostrando diferenças estatisticamente significativas entre pacientes com respostas de adesão ou não adesão para todas as medidas concorrentes, exceto para CP 60 dias.

Tabela 4
Comparação das três questões do WebAd-Q com as demais medidas de adesão.

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a validade de um questionário autoaplicável para medir a adesão ao tratamento antirretroviral em serviços de atenção a PVHIV, observando altos níveis de concordância teste-reteste e boa concordância entre as respostas e outros indicadores de adesão.

As associações entre as respostas ao WebAd-Q e a carga viral sugerem consistência das medidas do questionário para cada questão individualmente. A escala de não adesão obtida pelo WebAd-Q obteve correlação moderada quando comparada com o desfecho clínico avaliado pela carga viral, resultado semelhante ao obtido para outros questionários de autorrelato em HIV2020. Arnsten JH, Demas PA, Farzadegan H, Grant RW, Gourevitch MN, Chang CJ, et al. Antiretroviral therapy adherence and viral suppression in HIV-infected drug users: comparison of self-report and electronic monitoring. Clin Infect Dis. 2001;33(8):1417-23. https://doi.org/10.1086/323201
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,2121. Simoni JM, Kurth AE, Pearson CR, Pantalone DW, Merrill JO, Frick PA. Self-report measures of antiretroviral therapy adherence: a review with recommendations for HIV research and clinical management. AIDS Behav. 2006;10(3):227-45. https://doi.org/10.1007/s10461-006-9078-6
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. Considerando-se, ainda, a tendência de aumento dessa correlação conforme maior proximidade da resposta com a data de coleta da carga viral, os resultados sugerem que a escala de não adesão proposta também é teoricamente consistente.

A escala parece adequada ao propósito do monitoramento, uma vez que fornece aos profissionais dos serviços uma medida numérica e sintética da não adesão do conjunto dos seus pacientes, que os ajuda a identificar os tipos mais frequentes de não adesão e fornece subsídios para comparação, replanejamento e avaliação de estratégias.

Este estudo utilizou várias medidas de não adesão, obtendo diferentes resultados para essa medida, desde 25% na entrevista de autorrelato de três dias até 69% por meio da medida do monitoramento eletrônico de sete dias que incluiu horário. Essa variabilidade é esperada, uma vez que diferentes instrumentos avaliam diferentes aspectos da tomada dos medicamentos. O monitoramento eletrônico registra as aberturas dos frascos e a contagem de pílulas registra o número de comprimidos não consumidos. Já o autorrelato registra a tomada segundo a informação do paciente. Todos esses métodos estão sujeitos a problemas de fidedignidade: as aberturas do frasco podem não corresponder às tomadas, os comprimidos podem ser descartados, a memória sobre as tomadas pode falhar e a resposta do paciente pode ser influenciada pelo entrevistador ou pelo ambiente2222. Wilson IB, Carter AE, Berg KM. Improving the self-report of HIV antiretroviral medication adherence: is the glass half full or half empty? Curr HIV/AIDS Rep. 2009;6(4):177-86. https://doi.org/10.1007/s11904-009-0024-x
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.

Em revisão sistemática, Simoni et al.2121. Simoni JM, Kurth AE, Pearson CR, Pantalone DW, Merrill JO, Frick PA. Self-report measures of antiretroviral therapy adherence: a review with recommendations for HIV research and clinical management. AIDS Behav. 2006;10(3):227-45. https://doi.org/10.1007/s10461-006-9078-6
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mostrou que os questionários de autorrelato para medir adesão à TARV têm seu desempenho avaliado majoritariamente por meio da comparação com o desfecho clínico, medido pela carga viral: 78% dos estudos incluídos nessa revisão apresentaram a comparação com a carga viral, mostrando associações significativas na maioria dos casos, ainda que sem uniformidade nos parâmetros de detecção da carga viral utilizados (limite de detecção). Aproximadamente 35% dos estudos apresentaram comparação com outras medidas de adesão, como o monitoramento eletrônico e a contagem de pílulas. Apenas 22% utilizaram a comparação com a carga viral e mais alguma outra medida concorrente. Uma das conclusões do estudo é que as avaliações de questionários de autorrelato carecem de padronização metodológica.

Diante dessa diversidade, a validação do WebAd-Q buscou um escopo ampliado, baseando-se na comparação tanto com a carga viral quanto com diferentes tipos de medida concorrente. Uma vez que não há padrão-ouro estabelecido e que a comparação com o desfecho clínico foi satisfatória, entende-se que a validade de critério (ou concorrente) por comparação com outros métodos não pode ser avaliada do mesmo modo que o é em estudos de acurácia de testes diagnósticos. Assim, se os vários métodos avaliam diferentes dimensões da adesão, deve-se entender a comparação como um indicador global de coerência entre as medidas obtidas. Este estudo mostrou que os conjuntos de pacientes que forneceram respostas de não adesão ao WebAd-Q também foram considerados menos aderentes pelos demais métodos.

O questionário garante o anonimato dos respondentes, minimizando o viés de resposta desejável. Apesar de o ambiente de pesquisa exigir o termo de consentimento livre e esclarecido, os resultados elevados de não adesão obtidos sugerem que os pacientes se sentiram à vontade para admitir que não tomaram ou que alteraram a posologia de seus medicamentos.

O estudo mostrou boas propriedades pragmáticas do WebAd-Q: não houve relatos de dificuldades na resposta dos pacientes; o tempo de resposta médio de 5 min 47 seg foi pequeno considerando que o questionário conta com introdução e agradecimentos no final; e há grande facilidade de alimentação do banco de dados de respostas, que prescinde de digitadores e pode ser consultado e compartilhado on-line.

O propósito de criação do WebAd-Q foi desenvolver uma ferramenta gerencial para os serviços de saúde, fornecendo médias de não adesão de um conjunto de pacientes de forma autônoma, padronizada, anônima e rotineira. Isso não seria possível com um instrumento que demandasse muito tempo dos pacientes e dos profissionais, ou ainda se fosse muito complexo para ser respondido e analisado. Por isso a opção por um questionário autorrespondido em computador, semelhante a instrumentos utilizados em outros estudos de adesão à TARV1515. Bangsberg DR, Bronstone A, Hofmann R. A computer-based assessment detects regimen misunderstandings and nonadherence for patients on HIV antiretroviral therapy. AIDS Care. 2002;14(1):3-15. https://doi.org/10.1080/09540120220097892
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,2323. Bangsberg DR, Bronstone A, Chesney MA, Hecht FM. Computer-assisted self-interviewing (CASI) to improve provider assessment of adherence in routine clinical practice. J Acquir Immune Defic Syndr. 2002;31 Suppl 3:S107-11. https://doi.org/10.1097/00126334-200212153-00004
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.

O desenvolvimento do instrumento em conjunto com pacientes foi fundamental nesse aspecto, pois garantiu que os elementos gráficos e as perguntas fossem amigáveis e interessantes para os respondentes. Esses atributos foram mostrados por vários pacientes já nos primeiros testes do WebAd-Q em um grande serviço de HIV/Aids, o CRT-DST/AIDS-SP, onde uma população bastante diversa respondeu ao questionário em um ambiente de “vida real” dos serviços.

Este estudo apresentou limites em relação à perda amostral durante os dois meses do estudo, principalmente quanto ao uso dos frascos de monitoramento eletrônico. Parte dos abandonos podem também estar relacionadas a dificuldades no uso dos MEMS, já relatadas previamente na literatura2424. Ailinger RL, Black PL, Lima-Garcia N. Use of electronic monitoring in clinical nursing research. Clin Nurs Res. 2008;17(2):89-97. https://doi.org/10.1177/1054773808316941
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. Em futuros estudos, o treinamento prévio dos participantes para facilitar a manipulação dos frascos poderia minimizar o número de perdas.

Embora a taxa de resposta ao questionário tenha se mantido acima de 82%, a diminuição do número amostral reduz o poder estatístico do estudo. Isso pode ter prejudicado a observação de resultados estaticamente significativos, particularmente em relação à comparação com medidas concorrentes, em que foram obtidos alguns resultados limítrofes, porém ainda assim suficientes para a validade de critério.

Outro limite a ser considerado é que, no contexto do estudo, o uso concomitante de diferentes métodos de medida de adesão, somado à coleta da carga viral na rotina do serviço, pode ter gerado maior atenção e cuidado por parte dos pacientes na tomada dos medicamentos, reduzindo possíveis vieses de memória na resposta ao WebAd-Q.

Quanto às características sociodemográficas dos participantes, observa-se o perfil de usuários de um serviço público de uma cidade de médio porte do estado de São Paulo, que não corresponde necessariamente ao perfil das PVHIV no Brasil. Por exemplo, é possível observar que os participantes do estudo apresentam maior nível de escolaridade em relação ao perfil médio dos brasileiros vivendo com HIV, segundo dados do último boletim epidemiológico de HIV/Aidse e Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. HIV Aids 2017. Bol Epidemiol Aids IST. 2017 jan-jun [citado 31 jan 2018];5(1). Disponível em: http://www.aids.gov.br/system/tdf/pub/2017/65093/boletim_aids_internet_1.pdf?file=1&type=node&id=65093&force=1 .

Tendo em vista essa limitação, o uso do WebAd-Q na rotina dos serviços do SUS foi testado posteriormente em um estudo de aplicabilidade conduzido em amostra nacional de serviços de HIV de diferentes regiões do país, o qual será abordado em futuras publicaçõesf f O estudo de aplicabilidade resultou nas duas teses de doutorado elencadas abaixo. Os respectivos artigos citados foram submetidos para publicação: .

O WebAd-Q é um questionário multidimensional que contempla a tomada de todos os medicamentos nos horários e doses prescritas durante a última semana, com boa fidedignidade, amigável aos pacientes e que parece factível para aplicação rotineira nos serviços. Portanto, neste estudo de validação, o WebAd-Q mostrou propriedades adequadas para o monitoramento das taxas de não adesão à TARV. A viabilidade de sua implementação na rotina dos serviços de HIV deverá ser analisada no escopo de um estudo nacional, que foi conduzido posteriormente ao presente estudo, buscando refletir a heterogeneidade tanto das pessoas em tratamento no país, como das características dos serviços que as assistem.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2017
  • Aceito
    22 Set 2017
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