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Comportamento sexual de risco e fatores associados em universitários de uma cidade do Sul do Brasil

RESUMO

OBJETIVO

Descrever o comportamento sexual de ingressantes universitários de acordo com características demográficas, econômicas, psicossociais e comportamentais, e avaliar a prevalência de comportamento sexual de risco e seus fatores associados.

MÉTODOS

Estudo de delineamento transversal, do tipo censo, com universitários maiores de 18 anos, de 80 cursos de graduação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no RS, que ingressaram no primeiro semestre de 2017 e que permaneceram matriculados no segundo semestre. Avaliou-se o comportamento sexual de risco entre os estudantes que relataram já ter tido relações sexuais alguma vez na vida, considerado quando relatado mais de um parceiro sexual nos últimos três meses e não ter utilizado preservativo na última relação.

RESULTADOS

A prevalência de comportamento sexual de risco foi de 9% (IC95% 7,6–10,5). Estudantes do sexo masculino apresentaram mais comportamento de risco do que estudantes do sexo feminino, com prevalência de 10,8% e 7,5%, respectivamente. Dos universitários, 45% não utilizaram preservativo na última relação e 24% tiveram dois parceiros ou mais nos últimos três meses. Os aplicativos de celular para fins sexuais nos últimos três meses foram utilizados por 23% dos estudantes. O comportamento sexual de risco esteve associado com sexo, idade da primeira relação sexual, frequência de consumo de bebidas alcoólicas, consumo de substâncias psicoativas antes da última relação e uso de aplicativos de celular para fins sexuais.

CONCLUSÃO

Embora se espere que os universitários sejam uma população informada, a prevalência de comportamento sexual de risco foi importante, indicando a necessidade de ampliação do investimento público em ações de educação sexual e conscientização.

Saúde do Estudante; Universidades; Comportamentos de Risco à Saúde; Sexo sem Proteção; Infecções Sexualmente Transmissíveis

ABSTRACT

OBJECTIVE

To describe the sexual behavior of freshmen undergraduate students according to demographic, economic, psychosocial and behavioral characteristics, and evaluate the prevalence of risky sexual behavior and its associated factors.

METHODS

A cross-sectional study of the census type with undergraduate students over 18 years old of 80 undergraduate courses of the Universidade Federal de Pelotas (UFPel), in Rio Grande do Sul (RS), who entered in the first semester of 2017 and remained enrolled in the second semester. Undergraduate students who reported having had sex were evaluated. We considered as risky sexual behavior having more than one sexual partner within the last three months and not having used condoms in the last sexual intercourse.

RESULTS

The prevalence of risky sexual behavior was 9% (95%CI 7.6–10.5). Men presented more risky behavior than women, with a prevalence of 10.8% and 7.5%, respectively. Of the undergraduate students, 45% did not use condoms in the last sexual intercourse, and 24% had two partners or more within three months before the survey. Smartphone applications for sexual purposes were used by 23% of students within three months before the survey. Risky sexual behavior was associated with gender, age at first sexual intercourse, frequency of alcohol consumption, consumption of psychoactive substances before the last sexual intercourse and use of smartphone applications for sexual purposes.

CONCLUSION

Although undergraduate students are expected to be an informed population, the prevalence of risky sexual behavior was important, indicating the need to expand public investment in sexual education and awareness actions.

Student Health; Universities; Health Risk Behaviors; Unsafe Sex; Sexually Transmitted Infections

INTRODUÇÃO

Os comportamentos sexuais de risco (CSR), como relação sexual desprotegida e multiplicidade de parceiros, são mais frequentes entre adolescentes e jovens adultos (entre 15 e 24 anos). Fatores ligados ao ingresso no ambiente universitário podem aumentar a ocorrência de CSR, visto que implicam em uma série de modificações sociais na vida do indivíduo11. Scull TM, Keefe EM, Kafka JM, Malik CV, Kupersmidt JB. The understudied half of undergraduates: risky sexual behaviors among community college students. J Am Coll Health. 2019 Jan 24:1-11. https://doi.org/10.1080/07448481.2018.1549554
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.

Os CSR podem ter como consequência as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)22. Costa LC, Rosa MI, Battisti IDE. Prevalence of condom use and associated factors in a sample of university students in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1245-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600007
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, 33. Carret MLV, Fassa AG, Silveira DS, Bertoldi AD, Hallal PC. Sintomas de doenças sexualmente transmissíveis em adultos: prevalência e fatores de risco. Rev Saude Publica. 2004;38(1):76-84. https://doi.org/10.1590/S0034-89102004000100011
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e a gravidez não planejada. As ISTs estão entre as condições agudas mais prevalentes no mundo, com cerca de um milhão de casos novos por dia44. Newman L, Rowley J, Vander Hoorn S, Wijesooriya NS, Unemo M, Low N, et al. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS One. 2015;10(12):e0143304. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0143304
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. O Brasil, nos últimos anos, vem apresentando um recrudescimento das ISTs, especialmente do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da sífilis, com aumento expressivo entre os jovens de 15 a 29 anos55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV-AIDS. 2018;72. , 66. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Bol Epidemiol Sífilis. 2018;49(45):1-43. . As principais consequências das ISTs são infertilidade, gravidez ectópica, natimortos, doença inflamatória pélvica e implicações neurológicas e cardiovasculares em adultos44. Newman L, Rowley J, Vander Hoorn S, Wijesooriya NS, Unemo M, Low N, et al. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS One. 2015;10(12):e0143304. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0143304
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. Já a gravidez não planejada é particularmente problemática em faixas etárias mais jovens, pois compromete a conclusão da vida escolar e acadêmica, além de aumentar o risco de complicações na gestação77. Martins MG, Santos GHN, Sousa MS, Costa, Brito JEF, Simões VMF. Associação de gravidez na adolescência e prematuridade. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011;33(11):354-60. https://doi.org/10.1590/S0100-72032011001100006
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.

No Brasil, a avaliação de uma amostra representativa de estudantes do ensino médio indicou que 32% não utilizaram preservativo nas relações sexuais ocorridas no mês anterior à pesquisa88. Woolley NO, Macinko J. Association between sociodemographic characteristics and sexual behaviors among a nationally representative sample of adolescent students in Brazil. Cad Saude Publica. 2019;35(2):e00208517. https://doi.org/10.1590/0102-311x00208517
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. Entre os universitários, o não uso de preservativo na última relação variou entre 85,7% e 38,6%22. Costa LC, Rosa MI, Battisti IDE. Prevalence of condom use and associated factors in a sample of university students in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1245-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600007
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, 99. Sales WB, Caveião C, Visentin A, Mocelin D, Costa PM., Simm EB. Comportamento sexual de risco e conhecimento sobre IST/SIDA em universitários da saúde. Rev Enf Ref. 2016;4(10):19-27. https://doi.org/10.12707/RIV16019
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. A frequência de estudantes que tiveram entre um e três parceiros sexuais no período de três meses foi de 95% no sexo feminino e 89% no sexo masculino1010. Falcão-Júnior JSP, Rabelo STO, Lopes EM, Freitas LV, Pinheiro AKB, Ximenes LB. Perfil e práticas sexuais de universitários da área da saúde. Esc Anna Nery. 2007;11(1):58-65. https://doi.org/10.1590/S1414-81452007000100008
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. Nos Estados Unidos, 48% dos universitários utilizaram preservativo na última relação, e a prevalência de comportamento sexual de risco foi de 14%, considerando-se aqueles que reportaram não ter utilizado camisinha na última relação e ter tido mais de um parceiro nos últimos 12 meses1111. Trepka MJ, Kim S, Pekovic V, Zamor P, Velez E, Gabaroni MV. High-risk sexual behavior among students of a minority-serving university in a community with a high HIV/AIDS prevalence. J Am Coll Health. 2008;57(1):77-84. https://doi.org/10.3200/JACH.57.1.77-84
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.

Ao examinar características dos comportamentos sexuais, um estudo conduzido em 31 instituições de ensino superior americanas indicou que 44% dos estudantes tiveram mais de um parceiro nos últimos três meses e 16% usaram substâncias psicoativas (álcool ou drogas ilícitas) antes da última relação sexual1212. Browne DC, Clubb PA, Wang Y, Wagner F. Drug use and high-risk sexual behaviors among African American men who have sex with men and men who have sex with women. Am J Public Health. 2009;99(6):1062-6. https://doi.org/10.2105/AJPH.2007.133462
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. Em universitários brasileiros o uso de substâncias psicoativas antes da última relação foi semelhante, ficando em torno de 15%22. Costa LC, Rosa MI, Battisti IDE. Prevalence of condom use and associated factors in a sample of university students in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1245-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600007
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. Na cidade de Pelotas, uma pesquisa com adolescentes entre 15 e 18 anos apontou que 10,7% ingeriram bebidas alcoólicas antes da última relação e apenas 56% dos adolescentes usaram preservativo nas últimas três relações sexuais1313. Cruzeiro ALS, Souza LDM, Silva RA, Pinheiro RT, Rocha CLA, Horta BL. Comportamento sexual de risco: fatores associados ao número de parceiros sexuais e ao uso de preservativo em adolescentes. Cienc Saude Coletiva. 2010;15 Supl1:1149-58. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700023
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.

O não uso de preservativos em estudantes, tanto escolares quanto universitários, esteve positivamente associado ao sexo masculino, à ingesta de bebidas alcoólicas e à multiplicidade de parceiros11. Scull TM, Keefe EM, Kafka JM, Malik CV, Kupersmidt JB. The understudied half of undergraduates: risky sexual behaviors among community college students. J Am Coll Health. 2019 Jan 24:1-11. https://doi.org/10.1080/07448481.2018.1549554
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, 1414. Snipes DJ, Benotsch EG. High-risk cocktails and high-risk sex: examining the relation between alcohol mixed with energy drink consumption, sexual behavior, and drug use in college students. Addict Behav. 2013;38(1):1418-23. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2012.07.011
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e inversamente associado com a idade do indivíduo e com o nível socioeconômico1515. Sanchez Z, Nappo SA, Cruz JI, Carlini EA, Carlini CM, Martins SS. Sexual behavior among high school students in Brazil: alcohol consumption and legal and illegal drug use associated with unprotected sex. Clinics. 2013;68(4):489-94. https://doi.org/10.6061/clinics/2013(04)09
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, 1616. Bertoli RS, Scheidmantel CE, De-Carvalho NS. College students and HIV infection: a study of sexual behavior and vulnerabilities. Brazilian J Sex Transm Dis. 2016;28(3):90-5. .

Os estudos que avaliam comportamento sexual de risco publicados até o momento no Brasil são predominantemente em adolescentes escolares. Os que avaliaram universitários tiveram abordagem descritiva e sua amostra foi, em sua maioria, composta por alunos de cursos da saúde ou então de conveniência, com foco na avaliação de outros desfechos relacionados ao comportamento sexual, como o nível de conhecimento a respeito de ISTs99. Sales WB, Caveião C, Visentin A, Mocelin D, Costa PM., Simm EB. Comportamento sexual de risco e conhecimento sobre IST/SIDA em universitários da saúde. Rev Enf Ref. 2016;4(10):19-27. https://doi.org/10.12707/RIV16019
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, 1616. Bertoli RS, Scheidmantel CE, De-Carvalho NS. College students and HIV infection: a study of sexual behavior and vulnerabilities. Brazilian J Sex Transm Dis. 2016;28(3):90-5. . Além disso, o impacto das características psicossociais dos universitários, como a orientação sexual e a identidade de gênero, a variabilidade entre as áreas do conhecimento e o papel da tecnologia sobre os comportamentos sexuais, é pouco abordado.

Este estudo tem por objetivo identificar as principais características do comportamento sexual dos ingressantes universitários de acordo com o sexo e verificar a prevalência de comportamento sexual de risco, bem como os principais fatores sociodemográficos e comportamentais associados, em um censo de ingressantes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), localizada no Sul do Brasil.

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo transversal, do tipo censo, com estudantes ingressantes no ensino superior em cursos presenciais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ofertados no primeiro semestre letivo de 2017. No total, foram ofertadas 3.424 vagas em 83 cursos de graduação. O censo foi realizado no contexto do consórcio de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel, um método de coleta de dados de uma população única para o desenvolvimento do estudo de uma turma de mestrandos.

Foram incluídos nesta pesquisa estudantes que ingressaram na UFPel no primeiro semestre de 2017, estavam regularmente matriculados em um curso de graduação presencial no segundo semestre letivo de 2017 e compreendiam a língua portuguesa. Foram excluídos os estudantes menores de 18 anos e os que tinham aulas ministradas fora da cidade de Pelotas ou Capão do Leão.

A coleta de dados foi realizada em horário de aula, de forma anônima, por meio de um questionário autopreenchido em tablets utilizando a ferramenta Research Electronic Data Capture (REDCap). O instrumento de pesquisa incluiu questões demográficas, econômicas, psicossociais, do contexto acadêmico e comportamentais, além da descrição do comportamento sexual dos estudantes.

Com base no Global School-Based Student Health Survey (GSHS) e no Youth Risk Behavior Survey (YRBS), foi elaborado um questionário com dez perguntas objetivas para caracterizar o comportamento sexual, aplicado apenas aos estudantes que já haviam iniciado a vida sexual. Esse questionário avaliou idade da primeira relação sexual, número de parceiros nos últimos três meses, uso de preservativo na última relação, prática de sexo anal na última relação, uso de álcool ou drogas ilícitas na última relação, uso de método contraceptivo, realização do teste de HIV alguma vez na vida, motivo da realização do teste, diagnóstico de IST alguma vez na vida e uso de aplicativos de celular com a finalidade de ter relações sexuais nos últimos três meses.

Considerou-se como comportamento sexual de risco ter mais de um parceiro sexual nos últimos três meses aliado a não utilizar preservativo (camisinha masculina ou feminina) na última relação sexual. Essa operacionalização do desfecho visou restringir a avaliação a aspectos objetivos relacionados ao risco à saúde do indivíduo.

As variáveis de exposição foram sexo biológico (feminino, masculino), idade (categorizada na análise em 18 a 19 anos, 20 a 22 anos, 23 a 25 anos, 26 anos ou mais), cor da pele (branca, preta, parda/outra), orientação sexual (heterossexual/assexual, homossexual, bissexual), identidade de gênero (cisgênero, transgênero, não binário), status de relacionamento (não se relacionando, ficando, namorando, morando com o cônjuge/namorado), classe econômica (classificação da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa – ABEP), tipo de ensino médio cursado (público, privado), onde morou no ano anterior ao ingresso na UFPel (Pelotas, outra cidade do Rio Grande do Sul, outro estado do Brasil/outro país), se segue alguma doutrina religiosa (não, sim), com quem mora (familiares, amigos/colegas, sozinho), consumo de tabaco (nunca fumou, fumante, ex-fumante), frequência de consumo de álcool (nunca, uma vez por mês ou menos, duas a quatro vezes por mês, duas a três vezes por semana, quatro ou mais vezes por semana) e área do conhecimento ao qual o curso do universitário pertence (ciências exatas e da terra/agrárias, ciências da saúde e biológicas, ciências sociais aplicadas e humanas, linguística, letras e artes).

Primeiramente, realizou-se análise descritiva das características demográficas, econômicas, psicossociais, acadêmicas e comportamentais dos estudantes por meio de frequência absoluta e relativa. O teste do qui-quadrado para heterogeneidade foi utilizado para avaliar as diferenças entre os sexos.

Para avaliar fatores associados à ocorrência de comportamento sexual de risco, procedeu-se à análise multivariável, utilizando regressão de Poisson com variância robusta, uma vez que essa é a melhor alternativa para a análise de estudos transversais com desfechos dicotômicos e fornece uma boa estimativa da razão de prevalências1919. Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3:21. https://doi.org/10.1186/1471-2288-3-21
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. A análise seguiu o modelo conceitual previamente definido, com seleção para trás. Incluiu-se, no primeiro nível, características demográficas, econômicas e psicossociais; no segundo nível, variáveis do contexto acadêmico e idade da primeira relação sexual e, no terceiro nível, aspectos comportamentais. As variáveis associadas ao desfecho com valor-p < 0,20 foram mantidas no modelo multivariável para controle de fatores de confusão. Foram consideradas significativas as associações com valor-p < 0,05. A análise dos dados foi realizada no programa estatístico Stata Statistical Software, versão 14.0.

O presente estudo está de acordo com a resolução vigente nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPel, parecer de número 2.352.451.

RESULTADOS

No primeiro semestre de 2017, 3.212 alunos ingressaram em cursos de graduação da UFPel. Desses, 2.706 permaneciam matriculados na ocasião do início do estudo, o qual se estendeu entre novembro de 2017 e julho de 2018. Ao final do censo de ingressantes universitários, obteve-se 1.865 alunos entrevistados, configurando uma taxa de resposta de 69%. Dos 31% restantes, apenas 1,8% foram recusas. Os demais foram alunos não encontrados durante o período do trabalho de campo após várias tentativas. Aproximadamente 47% das perdas eram do sexo feminino, 24% tinham entre 18 e 19 anos, 29% tinham entre 20 e 22 anos e 46,7% tinham 23 anos ou mais. A área de conhecimento com maior número de perdas foi a de ciências exatas e da terra/agrárias, com 38,3%, seguida das ciências sociais aplicadas e humanas, com 38,4%, linguística, letras e artes, com 16%, e ciências da saúde e biológicas, com 11%. Os altos índices de absenteísmo e de taxas de desistência da universidade do primeiro para o segundo semestre letivos, muitas vezes sem formalização, limitaram a taxa de resposta.

Dentre os respondentes da pesquisa, 1.547 alunos (83,5% dos entrevistados) afirmaram já ter mantido relações sexuais. Desses, 72,2% eram brancos, 37,5% tinham entre 18 e 19 anos, 44,3% eram da classe econômica B, 36,4% estavam namorando e 13,4% eram casados ou dividiam moradia com o cônjuge. A orientação sexual de minorias (homossexual ou bissexual) foi relatada por 22,2%, e 10,4% não se identificaram com o gênero foi atribuído ao nascer (transgênero ou não binário). Quanto à área de conhecimento, 28,3% estavam inseridos em cursos das ciências exatas, da terra e agrárias, 18% das ciências da saúde e biológicas, 35,2% das ciências sociais aplicadas e humanas e 18,5% da área de linguística, letras e artes ( Tabela 1 ). Dos estudantes, 37% tiveram sua primeira relação antes dos 15 anos. Quanto ao uso de substâncias durante a última relação, 15% utilizaram alguma bebida alcóolica, 2,7% alguma droga ilícita e 5,8% ambos. Cerca de 12% dos universitários praticaram sexo anal durante a última relação sexual, e 22% usaram aplicativos de celular com o objetivo principal de ter relações sexuais nos últimos três meses. Segundo os entrevistados, 23% tiveram dois ou mais parceiros sexuais nos últimos três meses, e 45% não utilizaram camisinha na última relação sexual ( Tabela 2 ).

Tabela 1
Caracterização dos ingressantes universitários de acordo com o sexo biológico (N = 1.547), Universidade Federal de Pelotas, 2017–2018.
Tabela 2
Descrição do comportamento sexual em ingressantes universitários de acordo com o sexo biológico (N = 1.547), Universidade Federal de Pelotas, 2017–2018.

Entre os estudantes do sexo masculino, 41,6% tiveram sua primeira relação sexual antes dos 15 anos, 31% tiveram dois ou mais parceiros sexuais nos últimos três meses e cerca de 40% reportaram não ter utilizado preservativo na última relação. Dos entrevistados, 20% praticaram sexo anal na última relação e 35,8% utilizaram aplicativos com a finalidade de ter relações sexuais nos últimos três meses ( Tabela 2 ).

Entre as estudantes do sexo feminino, 33% tiveram sua primeira relação sexual antes dos 15 anos, 18,4% tiveram dois ou mais parceiros sexuais nos últimos três meses e 50% não usaram preservativo na última relação. Das universitárias, 6% praticaram sexo anal na última relação e 11,6% usaram aplicativos com a finalidade de ter relações sexuais.

A prevalência de comportamento sexual de risco entre os ingressantes universitários foi de 9% (intervalo de confiança de 95% [IC95%] 7,6–10,5), sendo 10,8% entre os estudantes do sexo masculino e 7,5% entre as estudantes do sexo feminino ( Tabela 2 ).

Na análise multivariável, os homens tiveram 48% (Razão de Odds [RO] 1,48; IC95% 1,07–2,07) mais comportamento sexual de risco do que as mulheres. A idade com que os estudantes iniciaram a vida sexual esteve inversamente associada ao CSR. A frequência de consumo de bebidas alcoólicas esteve diretamente associada a comportamento sexual de risco, sendo que aqueles que consumiram álcool quatro ou mais vezes por semana tiveram uma chance cinco vezes maior de ter CSR (RO 5,10; IC95% 1,49–17,6). O uso de drogas ilícitas na última relação sexual e o uso de aplicativos de celular aumentou em mais de 100% a chance de apresentar CSR (RO 2,23; IC95% 1,14–4,39 e RO 2,57; IC95% 1,76–3,74, respectivamente). Idade, orientação sexual, onde o estudante morou antes de ingressar na UFPel, uso de tabaco e prática de sexo anal na última relação não estiveram associados à CSR na análise ajustada ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Fatores associados ao comportamento sexual de risco em ingressantes universitários (N = 1.381), Universidade Federal de Pelotas, 2017–2018.

Aproximadamente 9% dos universitários tiveram alguma infecção sexualmente transmissível alguma vez na vida. Entre os estudantes que tiveram ISTs, 34,8% referiram HPV, 15,6% herpes genital e 13,3% gonorreia, sendo a herpes mais prevalente no sexo feminino e a gonorreia no sexo masculino ( Tabela 4 ). Entre os universitários, 38% relataram já ter realizado teste de HIV alguma vez na vida. Os motivos mais comuns para a realização do teste foram manter relações sexuais desprotegidas (26%), doação de sangue e solicitação médica (ambos com 15,7%), além de campanhas governamentais (13%).

Tabela 4
Frequência de infeções sexualmente transmissíveis e realização de teste de HIV alguma vez na vida em ingressantes universitários, Universidade Federal de Pelotas, 2017–2018.

DISCUSSÃO

Comportamento sexual de risco tem diferentes definições na literatura, dificultando comparações. Além disso, alguns fatores tratados como características do comportamento sexual são abordados em outros estudos como parte do comportamento sexual de risco. O estudo que mais se aproximou da definição deste trabalho foi conduzido em universitários americanos e considerou os mesmos critérios para compor o desfecho, porém com prazo de recordatório para parceiros múltiplos ampliado para 12 meses. A prevalência de CSR encontrada nele foi de 14% e o não uso de preservativo na última relação foi de 52%1111. Trepka MJ, Kim S, Pekovic V, Zamor P, Velez E, Gabaroni MV. High-risk sexual behavior among students of a minority-serving university in a community with a high HIV/AIDS prevalence. J Am Coll Health. 2008;57(1):77-84. https://doi.org/10.3200/JACH.57.1.77-84
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, sendo similar aos achados nos ingressantes universitários da UFPel. Essas prevalências em universitários, uma população com nível de informação elevado, reforçam a ideia de que ter informação é um fator necessário, porém não suficiente para modificar comportamentos1818. Dessunti EM, Reis AOA. Vulnerabilidade às dst/aids entre estudantes da saúde: estudo comparativo entre primeira e última série. Cienc Cuid Saude. 2012;11 Supl:274-83. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v11i5.17738
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.

O estudo é consistente com a literatura que aponta que metade dos universitários fez uso de preservativo2020. Ruiz-Sternberg AM, Beltrán-Rodríguez J, Latorre-Santos C, Ruiz-Sternberg JE. ¿Existe asociación entre los comportamientos de riesgo en salud sexual y reproductiva y el ser estudiante de medicina? Estudio de corte transversal. Bogotá (Colombia). Rev Colomb Obstet Ginecol. 2010;61(2):121-8. , 2121. Connor J, Psutka R, Cousins K, Gray A, Kypri K. Risky drinking, risky sex: a national study of New Zealand university students. Alcohol Clin Exp Res. 2013;37(11):1971-8. https://doi.org/10.1111/acer.12175
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e 15% ingeriram bebidas alcoólicas na sua última relação sexual22. Costa LC, Rosa MI, Battisti IDE. Prevalence of condom use and associated factors in a sample of university students in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1245-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600007
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, 1212. Browne DC, Clubb PA, Wang Y, Wagner F. Drug use and high-risk sexual behaviors among African American men who have sex with men and men who have sex with women. Am J Public Health. 2009;99(6):1062-6. https://doi.org/10.2105/AJPH.2007.133462
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. Entretanto, um estudo mostrou que mais de 40% dos calouros universitários americanos tiveram parceiros sexuais múltiplos nos últimos três meses, o dobro do encontrado neste trabalho1212. Browne DC, Clubb PA, Wang Y, Wagner F. Drug use and high-risk sexual behaviors among African American men who have sex with men and men who have sex with women. Am J Public Health. 2009;99(6):1062-6. https://doi.org/10.2105/AJPH.2007.133462
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. Não foram encontrados outros estudos sobre o uso de aplicativos com a finalidade de ter relações sexuais; entretanto, esses recursos estão disponíveis há um período curto de tempo e, provavelmente, seu uso encontra-se em ascensão entre os universitários. Nesse contexto, considerou-se a prevalência elevada.

O comportamento sexual de risco esteve positivamente associado com o sexo masculino, uso de substâncias psicoativas antes da última relação sexual e uso de aplicativos de celular com a finalidade de ter relações sexuais nos últimos três meses. Ele esteve diretamente associado com a frequência de consumo de bebidas alcoólicas e inversamente associado com a idade de início das relações sexuais.

A maior frequência de comportamento sexual de risco no sexo masculino é consistente com a literatura que aponta essa associação independentemente da forma como CSR é avaliado, bem como quando se examinam os componentes do CSR separadamente (menor uso de preservativo e maior número de parceiros)11. Scull TM, Keefe EM, Kafka JM, Malik CV, Kupersmidt JB. The understudied half of undergraduates: risky sexual behaviors among community college students. J Am Coll Health. 2019 Jan 24:1-11. https://doi.org/10.1080/07448481.2018.1549554
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, 88. Woolley NO, Macinko J. Association between sociodemographic characteristics and sexual behaviors among a nationally representative sample of adolescent students in Brazil. Cad Saude Publica. 2019;35(2):e00208517. https://doi.org/10.1590/0102-311x00208517
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, 1111. Trepka MJ, Kim S, Pekovic V, Zamor P, Velez E, Gabaroni MV. High-risk sexual behavior among students of a minority-serving university in a community with a high HIV/AIDS prevalence. J Am Coll Health. 2008;57(1):77-84. https://doi.org/10.3200/JACH.57.1.77-84
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. Ser do sexo masculino implica estar sujeito a um repertório de cobranças e pressões sociais, tais como encorajamento da expressão da sexualidade em nome da “masculinidade” e provação da virilidade e da heterossexualidade, refletindo no aumento do número de parceiros11. Scull TM, Keefe EM, Kafka JM, Malik CV, Kupersmidt JB. The understudied half of undergraduates: risky sexual behaviors among community college students. J Am Coll Health. 2019 Jan 24:1-11. https://doi.org/10.1080/07448481.2018.1549554
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, 2222. Santos TMB, Albuquerque LBB, Bandeira CF, Colares VSA. Fatores que contribuem para o início da atividade sexual em adolescentes: revisão integrativa. Rev Atençao Saude. 2015;13(44):64-70. https://doi.org/10.13037/rbcs.vol13n44.2668.
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. Além disso, alguns homens relatam que o preservativo reduz a sensibilidade durante o ato sexual, contribuindo para o não uso.

Assim como este estudo, a literatura aponta associação inversa entre a idade da primeira relação sexual e o comportamento sexual de risco. Há indícios de que não residir com mãe ou pai aumenta o risco de ter uma sexarca mais cedo. A menor presença e supervisão dos pais pode ter impacto negativo na educação sexual dos filhos2222. Santos TMB, Albuquerque LBB, Bandeira CF, Colares VSA. Fatores que contribuem para o início da atividade sexual em adolescentes: revisão integrativa. Rev Atençao Saude. 2015;13(44):64-70. https://doi.org/10.13037/rbcs.vol13n44.2668.
https://doi.org/10.13037/rbcs.vol13n44.2...
, 2323. Cruzeiro ALS, Souza LDM, Silva RA, Horta BL, Muenzer RM, Faria AD, et al. Iniciação sexual entre adolescentes de Pelotas, Rio Grande do Sul. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2008;18(2):116-25. .

A associação positiva entre consumo de bebidas alcoólicas e uso de substâncias psicoativas com CSR está de acordo com a literatura, a qual aponta que essas substâncias potencializam comportamentos de risco22. Costa LC, Rosa MI, Battisti IDE. Prevalence of condom use and associated factors in a sample of university students in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1245-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600007
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, 1010. Falcão-Júnior JSP, Rabelo STO, Lopes EM, Freitas LV, Pinheiro AKB, Ximenes LB. Perfil e práticas sexuais de universitários da área da saúde. Esc Anna Nery. 2007;11(1):58-65. https://doi.org/10.1590/S1414-81452007000100008
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, 2424. Bertoni N, Bastos FI, Mello MB, Makuch MY, Sousa MH, Osis MJ, et al. Uso de álcool e drogas e sua influência sobre as práticas sexuais de adolescentes de Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1350-60. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000600017
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. Isso ocorre porque substâncias entorpecentes, especialmente o álcool, deprimem o sistema nervoso central, prejudicando as habilidades psicomotoras e o processamento de informações, afetando a percepção do perigo e a capacidade de tomar decisões adequadas2525. Eckardt MJ, File SE, Gessa GL, Grant KA, Guerri C, Hoffman PL, et al. Effects of moderate alcohol consumption on the central nervous system. Alcohol Clin Exp Res. 1998;22(5):998-1040. https://doi.org/10.1111/j.1530-0277.1998.tb03695.x
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.

A literatura sobre o uso de aplicativos de celular para fins sexuais é escassa, pois esse fenômeno surgiu há aproximadamente 10 anos, com a popularização das redes sociais, e migrou de plataformas abrangentes para comunidades específicas para esse fim. Estudos apontam que, ao facilitar interações sociais entre indivíduos desconhecidos, os aplicativos ampliam a possibilidade de relações entre parceiros eventuais e aumentam a chance de ter relação sexual desprotegida2626. Tang W, Tang S, Qin Y, Zhang Y, Zhang W, Liu C, et al. Will gay sex-seeking mobile phone applications facilitate group sex? A cross-sectional online survey among men who have sex with men in China. PLoS One. 2016;11(11): e0167238. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0167238
https://doi.org/10.1371/journal.pone.016...
, 2727. Queiroz AFLN, Sousa AL, Araújo TE, Oliveira FM, Moura MB, Reis R. A review of risk behaviors for HIV infection by men who have sex with men through geosocial networking phone apps. J Assoc Nurses AIDS Care. 2017;28(5):807-18. https://doi.org/10.1016/j.jana.2017.03.009
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. A associação entre uso de aplicativos e CSR chama atenção porque, apesar de esta população ter alta escolaridade e parceiros sexuais eventuais, não faz uso consistente de camisinha.

Todas as características associadas ao CSR – sexo masculino, idade da primeira relação sexual, frequência elevada de consumo de bebidas alcoólicas, uso de substâncias psicoativas antes da última relação e uso de aplicativos de celular com a finalidade de ter relações sexuais – são potenciais marcadores de indivíduos com perfis tomadores de risco1111. Trepka MJ, Kim S, Pekovic V, Zamor P, Velez E, Gabaroni MV. High-risk sexual behavior among students of a minority-serving university in a community with a high HIV/AIDS prevalence. J Am Coll Health. 2008;57(1):77-84. https://doi.org/10.3200/JACH.57.1.77-84
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.

A orientação sexual, identidade de gênero e prática de sexo anal não estiveram associadas com o comportamento sexual de risco. A literatura sobre essa temática é controversa. Apesar de o sexo anal aumentar o risco de transmissão de infecções como HIV2828. Centers for Disease Control and Prevention. Anal sex and HIV risk. Atlanta, GA: CDC; 2016 [citado 11 fev 2019]. Disponível em: https://www.cdc.gov/hiv/risk/analsex.html
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, um estudo aponta que homossexuais do sexo masculino têm maior número de parceiros, no entanto fazem mais uso de camisinha2929. Oswalt SB, Wyatt TJ. Sexual health behaviors and sexual orientation in a U.S. National sample of college students. Arch Sex Behav. 2013;42(8):1561-72. https://doi.org/10.1007/s10508-012-0066-9
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. Outro estudo verificou que o uso de preservativo durante o sexo anal é, em geral, menos consistente do que durante o sexo vaginal, sugerindo que a motivação do uso é a prevenção da gravidez, não a prevenção das ISTs1717. Caetano ME, Linhares IM, Pinotti JA, Fonseca AM, Wojitani MD, Giraldo PC. Sexual behavior and knowledge of sexually transmitted infections among university students in Sao Paulo, Brazil. Int J Gynecol Obstet. 2010;110(1):43-6. https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2010.02.012
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. Essas associações podem variar bastante de uma população para outra, bem como em função da definição de CSR utilizada.

Seguir uma doutrina religiosa também não esteve associado com o comportamento sexual de risco, contrariando a literatura3030. Moser AM, Reggiani C, Urbanetz A. Comportamento sexual de risco entre estudantes universitárias dos cursos de ciências da saúde. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(2):116-21. https://doi.org/10.1590/S0104-42302007000200014
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. As religiões, em geral, promovem abstinência sexual e monogamia, porém não incentivam o uso de preservativo. Além disso, essa associação também pode variar em função da população, da definição de CSR utilizada e ao longo do tempo.

A prevalência de infecções sexualmente transmissíveis alguma vez na vida foi de 9%, número que está alinhado com outro estudo que avaliou universitários brasileiros de cursos da saúde1010. Falcão-Júnior JSP, Rabelo STO, Lopes EM, Freitas LV, Pinheiro AKB, Ximenes LB. Perfil e práticas sexuais de universitários da área da saúde. Esc Anna Nery. 2007;11(1):58-65. https://doi.org/10.1590/S1414-81452007000100008
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. O programa brasileiro de prevenção de ISTs foi referência no mundo e envolveu a distribuição de preservativos, a disponibilização de profilaxias pré e pós-exposição gratuitas, além de uma série de ações educacionais voltadas aos adolescentes escolares. No entanto, as ISTs vêm apresentando indícios de recrudescimento, especialmente o HIV e a sífilis55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV-AIDS. 2018;72. , 66. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Bol Epidemiol Sífilis. 2018;49(45):1-43. . O aumento da sobrevida dos portadores de HIV nas últimas décadas pode ter colaborado para reduzir a impressão do risco e, juntamente com cortes recentes nas ações governamentais, provocado relaxamento na prevenção.

Dentre as limitações do estudo, é importante mencionar que a pesquisa abrangeu um amplo escopo de temas em saúde, sendo o comportamento sexual apenas um deles, o que impossibilitou a exploração de diferentes tempos de recordatório. O viés de memória foi minimizado ao manter-se esse tempo curto, e o anonimato das respostas contribuiu para a veracidade das informações de caráter sensível. Os estudos disponíveis, em geral, abordam amostras de conveniência ou cursos da área da saúde; assim, apesar das perdas, especialmente na área das ciências exatas e sociais aplicadas, este estudo avançou na caracterização do CSR em universitários.

A padronização da medida de CSR é fundamental para a análise de consistência dos achados. Algumas definições mais conservadoras, que consideram uma diversidade maior de comportamentos de risco (por exemplo, ter mais de 10 parceiros sexuais ao longo da vida e ter mantido relações sexuais após o consumo de álcool ou alguma substância ilegal, assim como com pessoa pouco ou recentemente conhecida) ou um tempo de recordatório mais longo, colaboram com a perpetuação de tabus e estigmas sociais a respeito da expressão da sexualidade.

A operacionalização de CSR utilizada neste estudo, limitada ao uso de preservativo na última relação sexual, proporciona uma medida pontual. Considera-se que a operacionalização do desfecho com foco no risco à saúde foi adequada. Entretanto, recomenda-se que futuros estudos acrescentem um detalhamento do uso de preservativo em um período mais longo (três meses).

Além disso, estudos com universitários requerem uma logística capaz de evitar as perdas, como um trabalho de campo rápido, que não extrapole o semestre e que exclua alunos matriculados que não estão efetivamente frequentando a universidade. É preciso também ampliar os conhecimentos sobre o uso de aplicativos com o objetivo de ter relações sexuais, verificando a relevância da frequência do uso e o perfil de quem utiliza esses recursos, bem como se a associação com CSR se mantém em outras populações de universitários.

A prevalência de CSR em universitários foi relevante e demonstra que políticas de institucionalização da educação sexual nas escolas são necessárias, assim como a atualização de conceitos e do repertório de fatores que podem impactar nos comportamentos sexuais, como o uso de aplicativos. Além disso, é importante retomar as campanhas governamentais de prevenção das ISTs com foco em adultos jovens, inclusive com disponibilização de preservativos no ambiente universitário, com o objetivo de frear o aumento das taxas de infeções preveníveis.

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  • Financiamento: Esse estudo foi financiado com recursos provenientes do Programa de Excelência Acadêmica (Proex) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2019
  • Aceito
    31 Jul 2019
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