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Proadi-SUS: análise dos recursos financeiros nos triênios 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017

RESUMO

OBJETIVO

Caracterizar os recursos de isenção fiscal usufruídos no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) nos triênios 2009–2011, 2012–2014, 2015–2017, considerando o volume total dos recursos atrelado ao debate dos gastos tributários em saúde e a constituição de uma “nova modalidade de filantropia” no setor.

MÉTODOS

Para compreender o setor filantrópico, analisaram-se os gastos tributários no período de 2001 e 2017. Para avaliar os recursos utilizados no programa, foram examinados os valores dos projetos e das áreas de atuação.

RESULTADOS

Foi constatado um crescimento real dos valores dos gastos tributários gerais e dos gastos tributários referentes ao setor filantrópico. Constatou-se, também, um aumento real dos recursos do programa. Foram realizados 407 projetos, totalizando um valor de R$ 3,4 bilhões para o período. Ao se analisar o valor médio dos projetos, explicita-se ampliação dos valores para todos os hospitais inseridos no programa, com exceção de uma das instituições. Nos triênios 2009–2011 e 2012–2014, a área de atuação com maior número de projetos e mais recursos foi a “Área de técnicas e operação de gestão em serviços de saúde”. Já no triênio 2015–2017, o setor que contou com mais investimentos e maior número de projetos desenvolvidos foi o de “Capacitação de recursos humanos”.

CONCLUSÃO

O programa caracteriza outro patamar na relação do setor público com o setor privado/empresariado da saúde, atrelado aos princípios da nova gestão pública. Faz-se necessária, como desdobramento para futuras investigações, uma caracterização qualitativa dos projetos desenvolvidos e do impacto das ações diante das demandas do setor público.

Política de Saúde; Parcerias Público-Privadas; Isenção Fiscal

ABSTRACT

OBJECTIVE

To characterize the tax exemption resources used in the Support Program for Institutional Development of the Unified Health System (Proadi-SUS) in the 3-year periods 2009–2011, 2012–2014, 2015–2017, considering the total volume of resources linked to the debate on tax expenditures on health and the constitution of a “new form of philanthropy” in the sector.

METHODS

To understand the philanthropic sector, tax expenditures between 2001 and 2017 were analyzed. To evaluate the resources used in the program, the values of projects and areas of activity were examined.

RESULTS

A real increase in the values of general tax expenses and tax expenses referring to the philanthropic sector was found. There was also a real increase in the program’s resources. A total of 407 projects were carried out, amounting to R$ 3.4 billion for the period. An analysis of the average value of the projects shows an increase in values for all hospitals included in the program, with the exception of one of the institutions. In the 2009–2011 and 2012–2014 periods, the area with the highest number of projects and the most resources was “Management techniques and operation in health services”. In the 3-year period 2015-2017, however, the sector that received the most investments and the largest number of projects developed was “Human Resources Training”.

CONCLUSION

The program characterizes a different expression of the public-private partnership in the health sector linked to the principles of the new public management. As a development for future investigations, a qualitative characterization of the projects developed and the actions’ impact on the public sector demands is necessary.

Health Policy; Public-Private Partnerships; Tax Exemption

INTRODUÇÃO

Segundo o Ministério da Saúde (MS), o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) é uma política dirigida ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) a ser conduzida em parceria com hospitais filantrópicos de qualidade reconhecida11. Ministério da Saúde (BR). PROADI-SUS. 2019 [cited 2019 May 19]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus/entidades-de-saude-de-reconhecida-excelencia-esre
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,22. Brasil. Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):808-11. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400025
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. O financiamento desse programa se dá a partir dos gastos tributários, que são considerados gastos indiretos de isenção fiscal do Governo Federal. A política de gastos tributários visa atender a determinados objetivos econômicos e sociais e constitui uma exceção ao Sistema Tributário de Referência. O governo cede a desoneração de receitas tributárias para estimular determinadas áreas, consideradas essenciais, reduzindo a arrecadação potencial, mas, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte33. Ministério da Economia (BR). Receita Federal. Conceito de gastos tributários. 2021 [cited 2021 Feb 11]. Available from: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/renuncia/gastos-tributarios-bases-efetivas/sistema-tributario-de-referencia-str-v1-02.pdf/view
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.

O princípio do arranjo institucional para implementação do Proadi-SUS foi estabelecido nos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Por meio do Decreto nº 2.536, de 1998, estabeleceu-se pela primeira vez no setor da saúde a possibilidade de entidades filantrópicas acessarem isenções fiscais por meio da realização de projetos voltados ao SUS. Tais iniciativas vão além da oferta de serviços assistenciais como estabelecido pela filantropia tradicional regulamentada pela Lei nº 8.742, de 1993, que prevê oferta de 60% dos recursos em ações assistenciais para o SUS. Foi instituída, a partir desse momento, a possibilidade de desenvolvimento de projetos em outras áreas de atuação, limitada a 30% do valor usufruído com ações assistenciais22. Brasil. Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):808-11. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400025
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. Documento publicado pelas instituições que compõem o programa fazem referência ao surgimento de um novo patamar na relação entre os hospitais e a esfera estatal, com a instituição de uma nova modalidade de filantropia44. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – PROADI-SUS. [cited 2018 Apr 29]. Available from: http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus
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.

Essa forma de filantropia, além de redimensionar a porcentagem de ações assistenciais como já referido, prediz também uma diferença nos parâmetros de custo. Na filantropia tradicional, tem-se como base de preço a tabela SUS, enquanto o Proadi-SUS permite que os hospitais executem as ações a partir da tabela de mercado.

Além das contribuições com recursos para atividades assistenciais e da ampliação de ações com a realização de projetos, pode-se afirmar que essa experiência se caracteriza como uma “nova modalidade de filantropia” por estar em consonância ao recomendado pela Reforma do Estado de 1995, que propunha mudanças na administração estatal e novas propostas gerenciais55. Pereira LCB. Exposição no Senado sobre a Reforma da administração pública. Brasília, DF: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado; 1997. (Cadernos MARE da Reforma do Estado, v. 3). p. 39., além da introdução de novos critérios para a concessão do certificado de filantropia para hospitais que foram considerados estratégicos. Institui-se um arranjo institucional com nova modalidade de relação público-privada com a regulamentação do empresariado para desenvolver trabalho social no setor da saúde66. Montaño CE. O projeto neoliberal de resposta à “questão social” e a funcionalidade do terceiro setor. Lutas Sociais. 2002;(8):53-64. https://doi.org/10.23925/ls.v0i8.18912
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,77. Fontes V. Sociedade civil, classes sociais e conversão mercantil-filantrópica. OSAL - Observatório Social de América Latina. 2006;6(19):341-50..

A literatura indica também que nos anos 2000/2010, inclusive por meio de orientações de organismos internacionais como o Banco Mundial, houve a ampliação da lógica gerencial e o relacionamento entre os diversos atores para financiar, monitorar, prestar e usar serviços de saúde. Atrelou-se o conceito de “empreendedorismo social” nas estratégias de políticas públicas e parte da responsabilidade pela implementação das políticas do Estado foi atribuída a outros setores que não o estatal, como o empresariado88. Rizzotto MLF, Campos GWS. O Banco Mundial e o Sistema Único de Saúde brasileiro no início do século XXI. Saúde Soc. 2016;25(2):263-76. https://doi.org/10.1590/S0104-12902016150960
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,99. Baggenstoss S, Donadone JC. Empreendedorismo social: reflexões acerca do papel das organizações e do Estado. Gestão Soc. 2013;7(16):112-31. https://doi.org/10.21171/ges.v7i16.1605
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. Portanto, observa-se consonância das diretrizes do programa com a racionalidade da nova gestão pública1010. Mendes A, Carnut L. Capitalismo contemporâneo em crise e sua forma política: o subfinanciamento e o gerencialismo na saúde pública brasileira. Saúde Soc. 2018;27(4):1105-19. https://doi.org/10.1590/S0104-12902018180365
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,1111. Almeida CM. Reforma do Estado e reforma de sistemas de saúde: experiências internacionais e tendências de mudança. Cien Saúde Coletiva. 1999;4(2):263-86. https://doi.org/10.1590/S1413-81231999000200004
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. Um dos enfoques centrais estava voltado à adaptação e à transferência dos conhecimentos gerenciais desenvolvidos no setor privado para o estatal.

Embora a garantia de isenções fiscais por meio da realização de projetos tenha sido instituída no fim dos anos 1990, a regulamentação para o início das atividades de projetos de apoio ao SUS pelas entidades filantrópicas só foi consolidada em 2006, em diálogo com o avanço da lógica gerencial no setor após os anos 2000. O avanço dessa política para o setor da saúde foi marcado, também, pela nova regulamentação do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas), em 2006, por meio do Decreto nº 5.895. Esse decreto regulamentou uma prática que vinha sendo realizada há oito anos, em que alguns hospitais considerados estratégicos já gozavam da isenção fiscal por meio desse outro por modelo de filantropia22. Brasil. Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):808-11. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400025
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. Assim, cabe destacar que uma das justificativas para a criação do Proadi-SUS se deu diante da necessidade de maior regulação pelo setor estatal em relação a essa nova forma de filantropia.

O programa foi instituído pela Lei nº 12.101/2009, que dispõe sobre o Cebas e regula os procedimentos de isenção de contribuições sociais. Foi a partir desse processo que se regulamentou a elaboração de projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS nas seguintes áreas de atuação: I — área de estudos de avaliação de incorporação de tecnologia; II — área de capacitação de recursos humanos; III — área de pesquisas de interesse público em saúde; e IV — área de técnicas e operação de gestão em serviços de saúde11. Ministério da Saúde (BR). PROADI-SUS. 2019 [cited 2019 May 19]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus/entidades-de-saude-de-reconhecida-excelencia-esre
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,22. Brasil. Programa de Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2011;45(4):808-11. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000400025
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,1212. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social; altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga dispositivos das Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 9.429, de 26 de dezembro de 1996, 9.732, de 11 de dezembro de 1998, 10.684, de 30 de maio de 2003, e da Medida Provisória no 2.187-13, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial União. 2009 Nov 30..

Assim, o Proadi-SUS se configurou como uma experiência pioneira nesse formato, não sendo encontrados programas como esse na gestão estatal do setor da saúde anteriormente. No entanto, a partir de 2012, verificou-se a instituição de programas em formato semelhante, como o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) e o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas/PCD)1313. Ministério da Saúde (BR). PRONON e PRONAS. 2020 [cited 2018 Apr 29]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/pronon-pronas
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, que também concede certificação de filantropia e isenção fiscal por meio da execução de projetos em outras áreas, além da assistência. Esse fato pode ser considerado uma justificativa em destaque para o desenvolvimento de investigações acadêmicas, além da constatação de que há uma escassez de análises do programa1414. Morais IA, Rosa WVS, Lopes JS, Sousa MSL, Aragão ES. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde: análise quali-quantitativa. In: Silva E, organizador. Conhecimentos e desenvolvimento de pesquisa nas ciências da saúde 2. Ponta Grossa: Atena; 2020 [cited 2021 Fev 11]. p. 65–78. Available from: https://www.atenaeditora.com.br/catalogo/post/programa-de-apoio-ao-desenvolvimento-institucional-do-sistema-unico-de-saude-analise-quali-quantitativa
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,1515. Morais IA, Rosa WVS, Aragão ES. Caracterização dos projetos do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde nos triênios de 2009-2011 e 2012- 2014. 8º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa – CIAIQ2019; 16-19 jul 2019; Lisboa, Portugal. Atas Investigação Qualitativa na Saúde 2. p. 464-73..

Somada às justificativas diretamente relacionadas ao programa, há também a indicação na literatura da importância de análises sobre renúncia fiscal e gastos tributários em saúde, sendo novamente verificada certa escassez de publicações sobre essa temática1616. Mendes Á, Weiller JAB. Renúncia fiscal (gasto tributário) em saúde: repercussões sobre o financiamento do SUS. Saúde Debate. 2015;39(105):491-505. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002016
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. Esse tópico é ainda mais urgente por estar atrelado à problemática do financiamento do SUS e ao combate do desfinanciamento no setor público, intensificado a partir de 2016, com a Emenda Constitucional nº 951919. Mendes Á. Tempos turbulentos na saúde pública brasileira: impasses do financiamento no capitalismo financeirizado. São Paulo: Hucitec 2012.,2020. Spina P, Cunha FM. O governo Temer e seu congelamento de gastos: o fim do direito à saúde? 2016 [cited 2018 Apr 20]. Available from: http://www.contraprivatizacao.com.br/2016/11/o-governo-temer-e-seu-congelamento-de.html
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.

Salvador1717. Salvador E. Renúncias tributárias: os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil. Brasília DF: Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC; 2015. refere que na contemporaneidade o fundo público viabiliza a reprodução do capital e o estudo do orçamento deve ser considerado um elemento importante para compreender a política social. Para o autor, além de um aspecto técnico, o financiamento público reflete a correlação de forças sociais e os interesses envolvidos na apropriação dos recursos estatais. Dessa maneira, analisar o financiamento do Proadi-SUS deve perpassar também por uma investigação mais ampla das políticas sociais.

Este artigo tem como objetivo caracterizar os recursos de isenção fiscal usufruídos no Proadi-SUS nos triênios de 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017. A análise desses dados representa um recorte da pesquisa de doutorado que teve como objetivo examinar o programa em questão. Na tese de doutorado, apresenta-se um estudo que abarca articulação do programa junto às políticas sociais de maneira mais ampla2121. Santos JA. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS): reconfiguração das relações público-privada e avanço da filantropia mercantil no setor da saúde [doctor]. São Paulo] Universidade de São Paulo; 2021., no entanto, essa análise não está apresentada no escopo deste artigo.

MÉTODOS

Foram solicitadas informações sobre o Proadi-SUS para o MS referentes aos projetos dos seus três primeiros triênios (2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017). Tal solicitação foi dirigida tanto ao Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento (Desid) — responsável pela gestão do programa — como por meio do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). Disponibilizaram-se dados sobre os projetos em planilhas enviadas à pesquisadora e por meio de atualização do site do MS11. Ministério da Saúde (BR). PROADI-SUS. 2019 [cited 2019 May 19]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus/entidades-de-saude-de-reconhecida-excelencia-esre
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. Como foram compartilhados materiais estruturados de diferentes maneiras, foi necessário um extenso trabalho de organização das informações para a realização da análise.

Para sistematização dos projetos, consideraram-se os nomes, sua descrição, as áreas de atuação e os valores aprovados ou executados, a depender de qual informação foi disponibilizada. Estabeleceu-se o seguinte levantamento para a análise, conforme os dados disponibilizados por meio das planilhas que apresentaram os recursos financeiros: valores aprovados para cada projeto apresentado nos triênios 2009–2011 e 2012–2014; valores executados relacionados aos projetos assistenciais do triênio 2012–2014; e valores executados relacionados aos projetos do triênio 2015–2017.

Após tratamento das informações, perceberam-se incongruências e divergências nos dados disponibilizados. Na planilha do triênio 2015–2017, não havia a especificação dos hospitais que realizaram cada projeto, sendo apresentados apenas o valor e o nome do projeto. Assim, foi necessário ainda cruzar as informações com a descrição dos projetos divulgados no site do Ministério da Saúde. Como alguns projetos também não estavam identificados nesse site, foi preciso buscar a referência do hospital por meio das atas do Comitê Gestor disponibilizadas no site institucional do MS11. Ministério da Saúde (BR). PROADI-SUS. 2019 [cited 2019 May 19]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus/entidades-de-saude-de-reconhecida-excelencia-esre
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ou na publicação Proadi-SUS44. Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – PROADI-SUS. [cited 2018 Apr 29]. Available from: http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus
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, realizada pelos hospitais que participam do programa. Os projetos divulgados no site do MS, mas que estavam indicados na planilha dos gastos financeiros como não executados, foram desconsiderados. Como havia uma imprecisão de nomenclatura nesses materiais, consideraram-se como mesmo projeto aqueles com títulos e objetivos semelhantes.

Os pesquisadores encontraram divergências também nas referências das áreas de atuação, quando comparadas às informações do site do MS e da planilha de valores dos projetos. Como indicado, utilizou-se como base para a análise a planilha dos recursos financeiros, mas para identificar as divergências referentes à área de atuação foi realizada a leitura da descrição do projeto, fazendo ajustes a partir dessa análise.

Foram sistematizados também os gastos e as despesas tributárias vinculados ao setor filantrópico no período de 2001 a 2017. Essas informações foram acessadas a partir do Demonstrativo dos Gastos Tributários disponibilizado pelo Ministério da Fazenda no site da Receita Federal2222. Ministério da Economia (BR). Receita Federal. Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Gastos tributários: conceito e critérios de classificação. Brasília, DF; 2020 [cited 2021 Feb 11] Available from: https://www.gov.br/receitafederal./pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/renuncia/gastos-tributarios-bases-efetivas/sistema-tributario-de-referencia-str-v1-02.pdf
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. Todos os dados referentes aos valores correntes foram atualizados em valores reais, utilizando o deflator do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro de 2017. Considerou-se esse período de referência por ser o último ano incluso no período de análise deste trabalho.

RESULTADOS

Para uma análise mais detalhada sobre o crescimento do setor filantrópico nos últimos anos, apresentam-se os dados dos gastos tributários para o período de 2001 e 2017 (Tabela 1).

Tabela 1
Gastos tributários gerais do Governo Federal e gastos vinculados ao setor filantrópico no período entre 2001 e 2017, considerando a variação percentual anual.

Observa-se constante crescimento dos valores de ano a ano, com aumento mais elevado dos gastos tributários gerais do Governo Federal de 2003 a 2007. Ao analisar os gastos tributários referentes ao setor filantrópico, também houve crescimento significativo e constante, com exceção da passagem de 2010 para 2011, que contou com uma queda de 7,8% do valor, mas, em compensação, teve aumento de 15% no ano seguinte. Ainda referente à Tabela 1, examinando os gastos tributários relacionados ao setor da filantropia, constata-se um aumento significativo no início dos anos 2000. Os valores referentes aos gastos tributários relacionados à filantropia também tiveram um aumento expressivo entre 2012 e 2015, com destaque para o ano de 2014, que contou com uma variação percentual de 53,4%. Ao se considerar as funções orçamentárias em relação aos gastos tributários, também houve a constatação de um aumento real dos recursos para a função da assistência social, da ciência e tecnologia, da cultura, do esporte e lazer, da educação e da saúde.

Os seis hospitais que compuseram o Proadi-SUS no período analisado são: Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC – SP); Hospital do Coração (HCor – SP); Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE – SP); Hospital Moinhos de Vento (HMV – RS); Hospital Samaritano (SP); Hospital Sírio Libanês (HSL – SP). A partir da análise dos dados dos projetos desenvolvidos e dos valores de isenção fiscal vinculados ao Proadi-SUS, constatou-se que, nos três triênios, foram realizados 407 projetos, totalizando um valor de R$ 3,4 bilhões (Tabela 2).

Tabela 2
Indicação do número de projetos e dos valores de isenção fiscal de cada uma das instituições que compõem o Proadi-SUS, considerando os triênios 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017, e referência total para o período estudado.

Como pode ser observado na Tabela 2, no primeiro triênio, no período de 2009 a 2011, foram desenvolvidos 124 projetos, considerando recursos de isenção fiscal no valor de R$ 600,3 milhões. Para o segundo triênio, no período de 2012 a 2014, foram criados 149 projetos, considerando recursos de isenção fiscal no valor de R$ 1 bilhão. Para o terceiro triênio, no período de 2015 a 2017, foram elaborados 134 projetos, considerando recursos de isenção fiscal no valor de R$ 1,8 bilhão. Constata-se um aumento real dos recursos do programa, havendo uma variação percentual anual de 40,9% do primeiro triênio para o segundo e uma variação percentual anual de 42,4% do segundo triênio para o terceiro.

Ao analisar o número de projetos e recursos usufruídos por cada um dos hospitais em cada triênio, identifica-se uma diferença significativa de recursos utilizados e quantidade de projetos desenvolvidos por cada uma das instituições.

Considerando o montante total usufruído por cada um dos hospitais, observa-se que 42,8% dos recursos corresponderam aos projetos do Hospital Israelita Albert Einstein e 21,9% dos recursos eram referentes aos projetos do Hospital Sírio Libanês. Reforça-se que o valor de isenção fiscal é calculado a partir da receita de cada hospital ao ano. Essa proporção não é correspondente quando comparada à análise do número de projetos realizados. Adotando como base os dois hospitais referidos, nota-se que 23,6% corresponderam aos projetos do Hospital Israelita Albert Einstein e 20,4% aos projetos do Hospital Sírio Libanês. Explicita-se, assim, uma diferenciação entre os custos médios dos projetos.

Ao discriminar os valores de isenção fiscal por triênio do programa, observa-se que todos os hospitais tiveram uma ampliação real nos recursos, com destaque para a expansão dos hospitais Israelita Albert Einstein e Sírio Libanês. Analisando o valor médio dos projetos de cada hospital, observa-se um aumento dos valores dos projetos para todos os hospitais ao comparar o primeiro, o segundo e o terceiro triênio, com exceção do Hospital Moinhos de Vento, que teve uma queda no valor médio do segundo para o terceiro triênio (Tabela 3).

Tabela 3
Valor médio de projeto de cada uma das instituições que compõem o Proadi-SUS, considerando os triênios 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017, e referência total para o período estudado.

Fica explícito que o valor médio dos projetos do Hospital Israelita Albert Einstein é maior do que o dos demais hospitais. Com relação aos recursos do primeiro triênio, a isenção fiscal desse hospital correspondeu a 45,5% do recurso disponível no período, realizando 25,8% dos projetos executados. Quanto aos recursos do segundo triênio, a isenção fiscal desse hospital correspondeu a 43,6% do recurso disponível no período, realizando 27,5% dos projetos executados. Referente aos recursos do terceiro triênio, a isenção fiscal desse hospital correspondeu a 41,3% do recurso disponível no período, realizando 17,2% dos projetos executados. Portanto, os valores médios dos projetos no terceiro triênio foram significativamente maiores em comparação com os outros períodos, com uma variação percentual de 72,8% do valor médio dos projetos do primeiro para o terceiro triênio.

Cabe destacar também uma diferença significativa da porcentagem dos recursos e do número de projetos realizados pelo Hospital Moinhos de Vento, com uma ampliação significativa do número de projetos desse hospital ao comparar o terceiro triênio com o primeiro.

É observada proximidade entre a porcentagem de projetos e a porcentagem de recursos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e do Hospital Sírio Libanês. Os hospitais que tiveram o menor valor médio de projeto foram o Hospital do Coração e o Hospital Samaritano.

Foi aberta a possibilidade, ainda, a partir do segundo triênio, de que os hospitais integrantes do programa, e porventura candidatos ao financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pudessem aplicar 5% dos seus financiamentos por meio do desenvolvimento de projetos vinculados ao Proadi-SUS. Portanto, além dos projetos do Proadi-SUS apresentados, foi estabelecida uma vinculação de novos projetos com o BNDES. Na planilha de recursos do triênio 2012–2014 referente aos projetos atrelados ao BNDES, foi identificada a execução de 11 projetos, num montante correspondente a R$ 19,4 milhões (valores executados). Dos hospitais que compõem o programa, apenas o Hospital Israelita Albert Einstein aderiu a essa modalidade nesse triênio. Foi possível identificar, por meio das atas do Comitê Gestor, a existência de seis projetos desenvolvidos pelo Hospital Israelita Albert Einstein e pelo Hospital Sírio Libanês nessa modalidade, com valores aprovados num montante de R$ 28 milhões para o triênio de 2015–2017.

Na Tabela 4 apresentam-se o número de projetos e os valores aplicados do Proadi-SUS conforme áreas de atuação estabelecidas na Lei nº 12.101/2009. Para a caracterização das áreas de atuação, a partir dos dados apresentados na Tabela 4, foram considerados a referência do número e o valor dos projetos que tinham a indicação exclusiva na área de atuação, somados aos projetos categorizados em mais de uma área de atuação, apresentando a porcentagem correspondente.

Tabela 4
Projetos Proadi-SUS conforme área de atuação, segundo a quantidade de projetos realizados e valores aplicados nos triênios 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017.

No triênio 2009–2011, verifica-se um montante significativo de projetos envolvendo a área de atuação IV, sendo que 61,3% foram ações voltadas para Desenvolvimento de Técnicas e Operação de Gestão em Serviços de Saúde, o que correspondeu a 75,3% dos recursos daquele triênio. Quando se analisa o triênio 2012–2014, os projetos envolvendo a área de atuação IV correspondem a 38,3% referentes a 53,9% dos recursos usufruídos; e no triênio 2015–2017 os projetos nessa mesma área correspondem a 29,1% com referência de 20,1% dos recursos. Explicita-se, assim, uma redução das ações nessa área de atuação e no seu respectivo financiamento.

Uma área que contou com crescimento de investimento e ações foi a área de atuação II, com projetos voltados à Capacitação de Recursos Humanos. No triênio 2009–2011, os projetos dessa área corresponderam a 22,6%, com montante de 21,6% do valor de isenção fiscal; no triênio 2012–2014, corresponderam a 34,2% dos projetos realizados referentes a 49,9% do valor de isenção fiscal; e no triênio 2015–2017 corresponderam a 43,3% dos projetos, referentes a 51,1% do valor da isenção fiscal.

Tanto a área de atuação I, Estudos de Avaliação e Incorporação de Tecnologias, como a área de atuação III, Pesquisas de Interesse Público em Saúde, estão relacionadas com o desenvolvimento de pesquisa. No triênio 2009–2011, os projetos vinculados à área de atuação I corresponderam a 21%, referentes a 11,8% do valor de isenção fiscal; no triênio 2012–2014, corresponderam a 16,8% dos projetos, relativos a 32,5% do valor de isenção fiscal; e no triênio 2015–2017 corresponderam a 8,2% dos projetos, referentes a 24,1% do valor de isenção fiscal. Verifica-se que os projetos nessa área de atuação tiveram recursos significativamente aumentados. Já os projetos vinculados à área de atuação III, no triênio 2009–2011, corresponderam a 11,3% das ações num montante de 10,2% do valor de isenção fiscal; no triênio 2012–2014, representaram 30,2% dos projetos num montante de 44,8% do valor de isenção fiscal; e no triênio 2015–2017, corresponderam a 22,4%, referentes a 39,9% do valor de isenção fiscal.

Quando se analisa os recursos destinados aos projetos desenvolvidos na área de atuação V, com ofertas assistenciais, constata-se um valor de R$ 86,4 milhões (14,4% dos recursos) para o triênio 2009–2011; R$ 205,1 milhões (20,2% dos recursos) para o triênio 2012–2014; e R$ 340,8 milhões (19,3% dos recursos) para o triênio 2015–2017, totalizando um valor de R$ 632,2 milhões (18,7% dos recursos totais). Quando comparados os períodos, houve um aumento real de 57,9% dos recursos nessa área de atuação do primeiro para o segundo triênio e um aumento de 39,8% dos recursos do segundo triênio para o terceiro. Pondera-se, entretanto, que, por haver uma divergência de classificação das áreas de atuação, principalmente no primeiro triênio em que essa área assistencial não era apresentada de maneira discriminada e muitos projetos assistenciais estavam inclusos na área de atuação IV, pode ser que algum projeto assistencial já estivesse sendo desenvolvido anteriormente, mas foi considerado dentro de alguma outra área de atuação.

DISCUSSÃO

Os dados de crescimento real dos gastos tributários são corroborados por outros estudos da área. Apesar de haver um direcionamento de recursos para as políticas de saúde por meio dos gastos tributários, é importante destacar que a literatura indica que a compreensão dos impasses do financiamento do SUS deve ser articulada com análise da instituição de uma política macroeconômica restritiva das últimas décadas. Há a ponderação de que as medidas de desoneração tributária adotadas para combater a crise afetaram, contraditoriamente, o financiamento do orçamento da seguridade social e da saúde, enfraquecendo, com isso, as fontes tributárias das políticas de previdência social, saúde e assistência social1616. Mendes Á, Weiller JAB. Renúncia fiscal (gasto tributário) em saúde: repercussões sobre o financiamento do SUS. Saúde Debate. 2015;39(105):491-505. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002016
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Ocké-Reis1818. Ocké-Reis CO. Sustentabilidade do SUS e renúncia de arrecadação fiscal em saúde. Ciência e Saúde Coletiva. 2018;23(6):2035-42. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05992018
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afirma que a renúncia reforçou a iniquidade do sistema de saúde, o que piorou a distribuição do gasto público per capita — direto e indireto — para os extratos inferiores e intermediários de renda. Além disso, segundo o autor, os grupos de pressão tenderam a conservar e a agravar tal iniquidade e os subsídios não desafogaram efetivamente os serviços médico-hospitalares do SUS, visto que os usuários de planos de saúde utilizaram os serviços públicos em certas esferas, como vacinação, urgência e emergência, banco de sangue, transplantes, hemodiálise, procedimentos de alto custo e de complexidade tecnológica. Cabe ressaltar, no entanto, que o financiamento para o SUS sofreu considerável restrição orçamentária após 2016 com a Emenda Constitucional nº 95/2016, que congelou os gastos públicos por vinte anos, sendo considerada, contraditoriamente, como uma possibilidade de mediação para a escassez de recursos no setor público da saúde.

Pode-se considerar que o aumento contínuo dos gastos tributários é resultado do processo de ampliação da relação entre a esfera estatal e os setores empresarial e filantrópico nos anos 1990 e 2000. Fica evidente que, além da assistência, as instituições filantrópicas consideradas estratégicas passaram a intervir em estudos de avaliação e de incorporação de tecnologias, na capacitação de recursos humanos e em pesquisas de interesse público em saúde, além do desenvolvimento de técnicas e de operação de gestão em serviços de saúde, esferas tradicionalmente ofertadas pelo setor estatal.

Bahia2525. Bahia L. O sistema de saúde brasileiro entre normas e fatos: universalização mitigada e estratificação subsidiada. Cien Saúde Coletiva. 2009;14(3):753-62. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000300011
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afirma que essa regulamentação representou o exemplo mais claro à época da produção de políticas públicas de suporte ao setor privado, retirando as condicionalidades à concessão do certificado de filantropia de um subconjunto de hospitais de “ponta” considerados estratégicos. Foi uma medida voltada a auxiliar os hospitais que não cumpriam o preceito do atendimento de pelo menos 20% de pacientes do SUS a manter seus benefícios fiscais. Essa afirmação corrobora a análise feita neste artigo de que essa inflexão é um marco para o setor da saúde e que acaba privilegiando o setor empresarial.

Diante dos resumos dos projetos, pode-se observar que no triênio 2009–2011 as ações se voltaram principalmente para procedimentos de alta complexidade, mas no triênio 2012–2015, além dessas questões, destacaram-se alguns projetos referentes ao apoio a sistemas regionais de atenção integrada à saúde e ações referentes a protocolos da vigilância sanitária – projetos que acabaram ampliando, de certa maneira, a intervenção, considerando o âmbito de técnicas de gestão no SUS. No entanto, isso explicita que esse grande montante de recursos empenhados não dialoga, necessariamente, com as demandas sociais e com as diretrizes das políticas públicas de saúde.

Nos poucos documentos em que há uma análise qualitativa do programa, uma ponderação realizada na Oficina de Avaliação do 1º Ciclo Proadi-SUS2626. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento. Oficina de Avaliação do 1o Ciclo do PROADI-SUS: relatório final. Brasília DF; 2013. indica que existe uma dimensão continental e heterogeneidades regionais no país e que os recursos do Proadi-SUS acabam priorizando determinadas regiões. Indicou-se, também, um contraste nos projetos do Proadi-SUS com as demandas do Relatório Anual de Gestão (RAG), seja referente aos indicadores ou às demandas de saúde, como o linguajar e os termos conceituais utilizados em ambos os materiais. Fica evidente a incorporação de ferramentas gerenciais do setor privado ao serem implementadas e incorporadas às políticas sociais, com fortalecimento do empreendedorismo e capilarização das ações do empresariado no campo do trabalho social, havendo um conflito de interesses entre o setor privado e o setor público.

Os resumos dos projetos indicam que a formação se deu, principalmente, considerando áreas que demandam alta tecnologia, sobretudo nos primeiros triênios. O relatório da Oficina de Avaliação do 1º Ciclo Proadi-SUS2626. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento. Oficina de Avaliação do 1o Ciclo do PROADI-SUS: relatório final. Brasília DF; 2013. indica também que a definição de prioridades de formação deveria ser feita no âmbito regional, mediante articulação da Comissão de Integração Ensino-Serviço (Cies) com as Comissões Intergestoras Regionais (CIR) do SUS, com maior articulação entre a definição das ofertas dos hospitais e as necessidades existentes. Destaca-se essa ponderação considerando que os projetos nessa área foram os que contaram com maior crescimento de ações e recursos entre os triênios analisados.

Além disso, uma observação feita na auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2017a a Tribunal de Contas da União . Relatório de Auditoria TC 016.264/2017-7. Brasília DF; 2017. sobre os projetos da área de assistência é que o MS deveria avaliar os custos dos procedimentos dos projetos para ter um referencial de custo, comparando os valores propostos nos projetos com a tabela SUS, de modo a evitar a aprovação de ações cujos procedimentos poderiam ser contratualizados fora do programa por valores menores.

O relatório da auditoria do TCU cita um caso para o triênio 2015–2017 de uma diferença percentual entre o preço Proadi-SUS e a tabela SUS de 536% em procedimentos de colonoscopia, 392% em cirurgia bariátrica, 203% em exame de ultrassonografia, 152% em exame de densitometria óssea e 101% em exames de tomografia. Cita também outra situação, do triênio 2015–2017, em que se verificou uma diferença percentual entre o preço Proadi-SUS e a tabela SUS de 594% para exame de espirometriaa a Tribunal de Contas da União . Relatório de Auditoria TC 016.264/2017-7. Brasília DF; 2017. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Proadi-SUS completa 12 anos desde sua implementação e há a constatação de que faltam estudos acadêmicos sobre ele. Constata-se, também, que esse programa representa a consolidação de uma nova modalidade de filantropia, uma vez que não foram encontradas experiências prévias como essa na gestão estatal do setor da saúde. Essas considerações reforçam a necessidade de mais estudos acadêmicos na área da saúde pública. Além disso, a literatura indica que é urgente analisar os gastos tributários e como eles impactam o financiamento do SUS.

O Proadi-SUS é também um programa que institui outro patamar na relação entre os setores da saúde público, privado e empresariado, possibilitando uma nova configuração de parceria, como hospitais considerados estratégicos em consonância com os princípios da nova gestão pública. O Proadi-SUS beneficia poucas instituições e há uma inequidade na distribuição de recursos, com concentração na região Sudeste.

Foi constatado, a partir desta análise, um crescimento real dos gastos tributários gerais e dos gastos tributários referentes ao setor filantrópico nas duas últimas décadas. Constatou-se também um aumento real referente aos recursos do programa, quando analisados os triênios 2009–2011, 2012–2014 e 2015–2017. Verificam-se uma variação percentual de 40% do primeiro triênio para o segundo e uma variação percentual de 42% do segundo triênio para o terceiro.

Não é possível fazer uma análise qualitativa da utilização desses recursos e dos impactos dos projetos no SUS por insuficiência de dados disponibilizados. Há referências nos materiais publicados sobre o programa2626. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Economia da Saúde, Investimentos e Desenvolvimento. Oficina de Avaliação do 1o Ciclo do PROADI-SUS: relatório final. Brasília DF; 2013. e nas atas do Comitê Gestor e do Comitê de Avaliação disponibilizadas no site do MS11. Ministério da Saúde (BR). PROADI-SUS. 2019 [cited 2019 May 19]. Available from: https://antigo.saude.gov.br/acoes-e-programas/proadi-sus/entidades-de-saude-de-reconhecida-excelencia-esre
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sobre dificuldade no monitoramento e acompanhamento dos projetos, com pouca especificidade sobre critérios de avaliação, indicadores predefinidos e não abertura da prestação de contas dos projetos pelos hospitais que compõem o programaa a Tribunal de Contas da União . Relatório de Auditoria TC 016.264/2017-7. Brasília DF; 2017. . Além dessa questão, não foram compartilhados para fins desta pesquisa, embora tenham sido solicitados, dados gerais de resultados dos projetos que aparecem publicados em alguns documentos.

É questionável aderir a um programa em que os recursos estão concentrados em poucas instituições. Além disso, existem documentos que referem discrepância nos projetos realizados e em indicadores e demandas de saúde apresentados em documentos institucionais. Há incorporação de ferramentas gerenciais do setor privado e uma modalidade de cuidado atrelada à lógica do mercado que não condizem necessariamente com as demandas sociais e de saúde.

Faz-se necessária, como desdobramento para futuras investigações, uma caracterização qualitativa dos projetos desenvolvidos e o impacto das ações diante das demandas do setor público.

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  • Financiamento: o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Aceito
    17 Out 2022
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