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Qualidade dos dados antropométricos infantis do Sisvan, Brasil, 2008-2017

RESUMO

OBJETIVOS

Avaliar a qualidade dos dados antropométricos de crianças registradas no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) no período 2008-2017.

MÉTODOS

Estudo descritivo sobre a qualidade dos dados antropométricos de crianças menores de 5 anos atendidas nos serviços de atenção primária do Sistema Único de Saúde, a partir das bases de dados individuais do Sisvan. A qualidade dos dados foi avaliada anualmente por meio dos indicadores: cobertura, completude, razão entre sexos, distribuição da idade, preferência por dígitos de peso e estatura, valores de escore-z implausíveis, desvio-padrão e normalidade dos escores-z.

RESULTADOS

No total, 73.745.023 registros e 29.852.480 crianças foram identificados. A cobertura aumentou de 17,7% em 2008 para 45,4% em 2017. A completude da data de nascimento, peso e estatura correspondeu a quase 100% para todos os anos. A razão entre sexos foi equilibrada e aproximadamente similar a razão esperada, variando entre 0,8 e 1. A distribuição da idade revelou maiores percentuais de registros entre as idades de 2 a 4 anos até meados de 2015. Uma preferência pelos dígitos terminais “zero” e “cinco” foi identificada entre os registros de peso e estatura. As porcentagens de escores-z implausíveis excederam 1% para todos os índices antropométricos, com redução dos valores a partir de 2014. Uma alta dispersão dos escores-z, incluindo desvios-padrão entre 1,2 e 1,6, foi identificada principalmente nos índices incluindo estatura e nos registros de crianças menores de 2 anos e residentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A distribuição dos escores-z foi simétrica para todos os índices e platicúrtica para estatura/idade e peso/idade.

CONCLUSÕES

A qualidade dos dados antropométricos do Sisvan para crianças menores de 5 anos melhorou substancialmente entre 2008 e 2017. Alguns indicadores requerem atenção, sobretudo para medidas de estatura, cuja qualidade foi principalmente inferior entre os grupos mais vulneráveis a agravos nutricionais.

Confiabilidade dos Dados; Vigilância Alimentar e Nutricional; Sistemas de Informação em Saúde; Antropometria, Criança

ABSTRACT

OBJECTIVE

To evaluate the quality of anthropometric data of children recorded in the Food and Nutrition Surveillance System (SISVAN) from 2008 to 2017.

METHOD

Descriptive study on the quality of anthropometric data of children under five years of age admitted in primary care services of the Unified Health System, from the individual databases of SISVAN. Data quality was annually assessed using the indicators: coverage, completeness, sex ratio, age distribution, weight and height digit preference, implausible z-score values, standard deviation, and normality of z-scores.

RESULTS

In total, 73,745,023 records and 29,852,480 children were identified. Coverage increased from 17.7% in 2008 to 45.4% in 2017. Completeness of birth date, weight, and height corresponded to almost 100% in all years. The sex ratio was balanced and approximately similar to the expected ratio, ranging from 0.8 to 1. The age distribution revealed higher percentages of registrations from the ages of two to four years until mid-2015. A preference for terminal digits “zero” and “five” was identified among weight and height records. The percentages of implausible z-scores exceeded 1% for all anthropometric indices, with values decreasing from 2014 onwards. A high dispersion of z-scores, including standard deviations between 1.2 and 1.6, was identified mainly in the indices including height and in the records of children under two years of age and residents in the North, Northeast, and Midwest regions. The distribution of z-scores was symmetric for all indices and platykurtic for height/age and weight/age.

CONCLUSIONS

The quality of SISVAN anthropometric data for children under five years of age has improved substantially between 2008 and 2017. Some indicators require attention, particularly for height measurements, whose quality was lower especially among groups more vulnerable to nutritional problems.

Data Reliability; Food and Nutrition Surveillance; Health Information Systems; Anthropometry; Child

INTRODUÇÃO

A antropometria é universalmente utilizada para a vigilância nutricional de grupos populacionais11. Gorstein J, Akré J. The use of anthropometry to assess nutritional status. World Health Stat Q. 1988;41(2):48–58.,22. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: World Health Organization; 1995.. Dados antropométricos são periodicamente coletados para fornecer um entendimento claro da magnitude e distribuição dos problemas nutricionais em um país e para projetar e monitorar intervenções com o propósito de melhorar o estado nutricional da população33. Abarca-Gómez L, Abdeen ZA, Hamid ZA, Abu-Rmeileh NM, Acosta-Cazares B, Acuin C, et al. Worldwide trends in body-mass index, underweight, overweight, and obesity from 1975 to 2016: a pooled analysis of 2416 population-based measurement studies in 128·9 million children, adolescents, and adults. Lancet. 2017 Dec;390(10113):2627-42. https://doi.org/10.1016/S0140-6736 (17)32129-3
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. A disponibilidade de estimativas precisas da prevalência de déficit de crescimento, baixo peso, sobrepeso e obesidade na população infantil é fundamental para monitorar o progresso local, nacional e global em direção às metas de erradicação da fome e de todas as formas de má nutrição66. World Health Organization. Global nutrition monitoring framework: operational guidance for tracking progress in meeting targets for 2025. Geneva: World Health Organization; 2017..

No Brasil, o monitoramento do estado nutricional é parte da Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN), prevista na lei que cria o Sistema Único de Saúde (SUS), e consiste na descrição contínua das condições de alimentação e nutrição da população brasileira77. Ministério da Saúde (BR). Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília, df: Ministério da Saúde; 2015.. A coleta, registro e análise de dados antropométricos são realizados por meio de inquéritos populacionais e rotineiramente pelos profissionais de saúde nos serviços de atenção primária, visando o planejamento e organização do cuidado e da atenção nutricional no SUS77. Ministério da Saúde (BR). Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília, df: Ministério da Saúde; 2015.. Para que os dados antropométricos gerem informações fidedignas sobre o estado nutricional e sobre a situação de saúde da população local, é necessário seguir padrões de qualidade para coleta, registro e análise de tais dados.

A qualidade dos dados antropométricos pode ser afetada por múltiplos fatores que incluem a estratégia de amostragem, treinamento da equipe, técnicas e ferramentas de medição, taxa de não resposta, métodos de entrada e processamento dos dados88. Bagni UV, Barros DC. Erro em antropometria aplicada à avaliação nutricional nos serviços de saúde: causas, consequências e métodos de mensuração. Nutrire. 2015;40(2):226-36. https://doi.org/10.4322/2316-7874.18613
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. Nesse sentido, vários indicadores têm sido propostos e utilizados para avaliação da qualidade desses dados, incluindo cobertura populacional1111. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. [Coverage of assessment of nutritional status in the Brazilian Food and Nutritional Surveillance System, 2008-2013]. Cad Saude Publica. 2017 Dec;33(12):e00161516. Português. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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,1212. Mourão E, Gallo CO, Nascimento FA, Jaime PC. Temporal trend of Food and Nutrition Surveillance System coverage among children under 5 in the Northern Region of Brazil, 2008-2017. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019377. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200026
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, completude da data de nascimento e das medidas antropométricas1313. Finaret AB, Hutchinson M. Missingness of height data from the demographic and health surveys in Africa between 1991 and 2016 was not random but is unlikely to have major implications for biases in estimating stunting prevalence or the determinants of child height. J Nutr. 2018 May;148(5):781-9. https://doi.org/10.1093/jn/nxy037
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,1414. Nannan N, Dorrington R, Bradshaw D. Estimating completeness of birth registration in South Africa, 1996-2011. Bull World Health Organ. 2019 Jul;97(7):468-76. https://doi.org/10.2471/BLT.18.222620
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, preferência por dígitos de idade, altura e peso1515. Lyons-Amos M, Stones T. Trends in demographic and health survey data quality: an analysis of age heaping over time in 34 countries in Sub Saharan Africa between 1987 and 2015. BMC Res Notes. 2017 Dec;10(1):760. https://doi.org/10.1186/s13104-017-3091-x
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,1616. Bopp M, Faeh D. End-digits preference for self-reported height depends on language. BMC Public Health. 2008 Sep;8(8):342. https://doi.org/10.1186/1471-2458-8-342
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, percentual de valores biologicamente implausíveis1717. Lawman HG, Ogden CL, Hassink S, Mallya G, Vander Veur S, Foster GD. Comparing methods for identifying biologically implausible values in height, weight, and body mass index among youth. Am J Epidemiol. 2015 Aug;182(4):359-65. https://doi.org/10.1093/aje/kwv057
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, bem como dispersão e distribuição das medidas padronizadas de peso e altura1010. Perumal N, Namaste S, Qamar H, Aimone A, Bassani DG, Roth DE. Anthropometric data quality assessment in multisurvey studies of child growth. Am J Clin Nutr. 2020 Sep;112 Suppl 2:806S-15S. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqaa162
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,1818. Mei Z, Grummer-Strawn LM. Standard deviation of anthropometric Z-scores as a data quality assessment tool using the 2006 WHO growth standards: a cross country analysis. Bull World Health Organ. 2007 Jun;85(6):441-8. https://doi.org/10.2471/BLT.06.034421
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.

Esses indicadores têm sido amplamente utilizados para verificação e controle de qualidade dos dados antropométricos de inquéritos e pesquisas populacionais, a exemplo das pesquisas de demografia e saúde, nas quais são usados para contabilizar a variabilidade na qualidade dos dados entre diferentes locais e ao longo do tempo1010. Perumal N, Namaste S, Qamar H, Aimone A, Bassani DG, Roth DE. Anthropometric data quality assessment in multisurvey studies of child growth. Am J Clin Nutr. 2020 Sep;112 Suppl 2:806S-15S. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqaa162
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. Entretanto, a aplicação desses indicadores ainda tem sido muito incipiente para avaliar a qualidade de dados coletados rotineiramente em serviços de saúde. No Brasil, indicadores de cobertura têm sido unicamente utilizados para avaliar a qualidades dos dados antropométricos da população atendida em serviços de saúde do SUS1111. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. [Coverage of assessment of nutritional status in the Brazilian Food and Nutritional Surveillance System, 2008-2013]. Cad Saude Publica. 2017 Dec;33(12):e00161516. Português. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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,1212. Mourão E, Gallo CO, Nascimento FA, Jaime PC. Temporal trend of Food and Nutrition Surveillance System coverage among children under 5 in the Northern Region of Brazil, 2008-2017. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(2):e2019377. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000200026
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.

Com vistas à ampliação dessa abordagem, o objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade dos dados antropométricos de crianças menores de 5 anos registradas no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), ferramenta do Ministério da Saúde para monitorar o estado nutricional dos brasileiros atendidos na Atenção Primária à Saúde (APS). Este estudo abrange a avaliação de múltiplos indicadores de qualidade, recomendados por Grupo Técnico Consultivo de Especialistas em Vigilância Nutricional (TEAM) da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef)1919. World Health Organization. United Nations Children’s Fund. Recommendations for data collection, analysis and reporting on anthropometric indicators in children under 5 years old. Geneva: World Health Organization, UNICEF; 2019.. Espera-se com este trabalho orientar os envolvidos em ações de VAN sobre como melhorar a qualidade dos dados antropométricos, visando oferecer maior confiabilidade às métricas para o monitoramento local, estadual e nacional do estado nutricional da população infantil brasileira.

MÉTODOS

Desenho de Estudo

Trata-se de um estudo descritivo sobre a avaliação da qualidade dos dados antropométricos de crianças de 0 a 59 meses de idade, atendidas nos serviços de APS do Brasil, no período entre 2008 e 2017. As informações foram obtidas a partir das bases de dados individuais e anonimizados do Sisvan.

Os dados brutos do Sisvan, disponibilizados para uso neste projeto pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foram utilizados em conformidade com os protocolos institucionais de segurança e privacidade de dados e conforme estabelece a Resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido e aprovado pelo comitê de ética do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (CAAE: 41695415.0.0000.5030).

Fonte de Dados

As bases de dados do Sisvan são compostas pelos registros do acompanhamento nutricional e alimentar provenientes dos Sistemas de Informação em Saúde da APS. Em relação ao estado nutricional, as bases de dados do Sisvan incluem dados antropométricos registrados no Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família, no e-SUS APS e no Sisvan2020. Ministério da Saúde (BR). Manual operacional para uso do sistema de vigilância alimentar e nutricional: SISVAN VERSÃO 3.0. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.. Os dados referentes ao acompanhamento do estado nutricional dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), que ocorre no mínimo duas vezes por ano, são incorporadas ao Sisvan no final de cada vigência do PBF (primeira vigência de janeiro a junho e segunda vigência de julho a dezembro). Os registros provenientes do e-SUS APS são incorporados gradativamente ao Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica, respeitando o cronograma de envio de dados pelas equipes de saúde, e posteriormente exportados para o Sisvan após processamento e validação dos dados2020. Ministério da Saúde (BR). Manual operacional para uso do sistema de vigilância alimentar e nutricional: SISVAN VERSÃO 3.0. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017..

Indicadores de Qualidade dos Dados Antropométricos

A qualidade dos dados antropométricos foi avaliada por meio de múltiplos indicadores, recomendados pela OMS-Unicef1919. World Health Organization. United Nations Children’s Fund. Recommendations for data collection, analysis and reporting on anthropometric indicators in children under 5 years old. Geneva: World Health Organization, UNICEF; 2019.: 1) completude (cobertura da população-alvo, completude da data de nascimento e completude das medidas antropométricas); 2) razão entre sexos; 3) distribuição da idade (histogramas da idade em anos/meses e do mês de nascimento; e índice de dissimilaridade da idade em meses); 4) preferência por dígitos de estatura e peso (histogramas dos dígitos terminais e dos números inteiros; e índice de dissimilaridade dos dígitos terminais); 5) valores de escore-z implausíveis (percentual de escores-z implausíveis); 6) desvio-padrão dos escores-z; e 7) normalidade dos escores-z (histogramas, assimetria e curtose). Para análise dos indicadores foram utilizados os dados de sexo, data de nascimento, idade (meses e anos), as medidas de estatura (cm) e peso (kg), bem como os escores-z dos índices antropométricos comumente utilizados na avaliação do estado nutricional de crianças: estatura/idade (E/I), peso/idade (P/I), peso/estatura (P/E) e índice de massa corporal/idade (IMC/I). Os escores-z foram calculados utilizando a ferramenta “STATA igrowup package” e as curvas de referência de crescimento infantil da OMS2121. World Health Organization. WHO Anthro Survey Analyzer and other tools. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2022 Feb 18]. Available from: https://www.who.int/tools/child-growth-standards/software
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. Os indicadores de qualidade estimados encontram-se descritos em detalhes no Quadro 1.

Quadro 1
Descrição dos indicadores de qualidade dos dados antropométricos. Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Processamento e Análise dos Dados

Os dados foram analisados utilizando o software Stata versão 15.1 (Stata Corporation, College Station, USA). Uma vez que o mesmo registro pode ser digitado nos diferentes sistemas de informação que compõem o Sisvan, os registros duplicados foram identificados e removidos considerando as seguintes variáveis: código de identificação do indivíduo, data de nascimento, data do acompanhamento, peso e estatura. A duplicidade do registro foi aceita quando todos os valores das variáveis consideradas eram iguais. Os indicadores de qualidade foram descritos anualmente e segundo as seguintes variáveis, quando aplicável: sexo, idade, região e unidade federativa.

RESULTADOS

Cobertura da População-Alvo

No total, 73.745.023 registros e 29.852.480 crianças menores de 5 anos foram identificados nas bases de dados sobre estado nutricional do Sisvan entre 2008 e 2017, após a exclusão de 27.167.791 registros duplicados. A cobertura da população-alvo usuária do SUS aumentou de 17,7% em 2008 para 45,4% em 2017 (Tabela 1). Em relação a população total (residente), a cobertura aumentou de 14,3% para 34,6% nesse mesmo período. O aumento da cobertura foi observado em todas as regiões, com destaque para o Nordeste, cuja cobertura foi a maior em todos os anos e a única a alcançar mais que 50% da população-alvo. Entre as unidades federativas, as maiores coberturas foram observadas em Minas Gerais (71,6% em 2017), Paraíba (69,7%), Piauí (69,4%), Ceará (58,9%) e Maranhão (58,9%). Em 2017, somente 11 unidades federativas possuíam cobertura maior que 50% (Tabela 2).

Tabela 1
Indicadores de qualidade dos dados antropométricos. Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.
Tabela 2
Coberturas da população-alvo e da população total segundo região e unidade federativa. Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Completude da Data de Nascimento e de Medidas Antropométricas

O percentual de registros com data de nascimento completa no Sisvan foi alta para todo o período estudado, variando de 99,9% em 2008 a 100% em 2017 (Tabela 1). O percentual de registros com as medidas de peso e altura preenchidas também foi alto, apresentando 100% para quase todos os anos (Tabela 1).

Razão entre Sexos

A razão entre sexos variou entre 0,8 e 1 ao longo dos anos. A variabilidade nesse indicador foi identificada entre 2012 e 2014, quando as razões mostravam maior número de meninas em relação a meninos (Tabela 1).

Distribuição da Idade

Os histogramas da idade em anos completos revelam um padrão de maiores percentuais de registros entre as idades de 2 a 4 anos até meados de 2015, quando a distribuição da idade se tornou mais uniforme (Figura 1a). Esse padrão foi observado principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Os meses de nascimento apresentaram distribuição aproximadamente uniforme, independente do ano, sexo e região (Figura 1b). Segundo o índice de dissimilaridade, o percentual de registros que precisariam ser redistribuídos para obter uma distribuição uniforme da idade em meses reduziu de 20,4% em 2008 para 3,8% em 2017 (Tabela 1).

Figura 1
Distribuição da idade em anos (a) e do mês de nascimento (b) na população total (1) e segundo sexo (2) e região (3). Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Preferência por Dígitos para Estatura e Peso

Os histogramas da Figura 2a mostram preferência de quase 100% pelo dígito terminal zero para estatura e uma preferência dos dígitos terminais zero e cinco para peso. Quase 90% dos registros de estatura (maior número possível) precisariam ser redistribuídos para obter uma distribuição uniforme dos dígitos terminais em todos os anos; enquanto para os dígitos terminais de peso, o percentual de registros que precisariam ser redistribuídos reduziu de 50,2% em 2008 para 40,4% em 2017 (Tabela 1). A distribuição dos números inteiros apresentou vários picos perceptíveis para medida de estatura (por exemplo 100 cm) (Figura 2a), enquanto a distribuição dos números inteiros para peso foi muito adequada, não apresentando qualquer pico (Figura 2b).

Figura 2
Preferência por dígitos terminais (a) e por números inteiros* (b) de estatura em cm (1) e peso em kg (2). Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Valores de Escore-z Implausíveis

Os percentuais de escores-z implausíveis, segundo os pontos de corte da OMS, variaram até meados de 2014, quando uma redução foi observada nos anos seguintes para todos os índices antropométricos (Tabela 1): E/I (3,5% em 2014 vs. 1,9% em 2017), P/E (3,2% vs. 2,2%), P/I (2,4% vs. 0,8%) e IMC/I (4,8% vs. 2,9%). Os maiores percentuais de implausibilidade foram identificados entre os registros de crianças menores de 2 anos e das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Figura 3).

Figura 3
Percentual de escores-z implausíveis para estatura/idade (a), peso/estatura (b), peso/idade (c) e IMC/idade (d) segundo sexo (1), idade em anos completos (2) e região de residência (3). Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Dispersão dos Valores de Escore-z

Valores de desvio-padrão superiores a 1 para as medidas plausíveis de escore-z foram encontrados para todos os índices antropométricos em todo período (Tabela 1). Os menores valores de desvio-padrão foram observados em 2008. Nota-se uma estabilidade na dispersão dos escores-z para todos os índices após 2008: E/I (1,6), P/E (1,5), P/I (1,3) e IMC/I (1,5). Em geral, houve maior dispersão dos valores de escores-z entre as crianças com 2 anos de idade ou menos e residentes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (Figura 4).

Figura 4
Desvio-padrão dos escores-z de estatura/idade (a), peso/estatura (b), peso/idade (c) e IMC/idade (d) segundo sexo (1), idade em anos completos (2) e região de residência (3). Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

Normalidade dos Valores de Escore-z

As curvas de distribuição dos escores-z em 2008 e 2017 apresentaram achatamento e desvio à esquerda para E/I, enquanto achatamento mais modesto e desvios à direita foram observados nas distribuições dos escores-z de P/E, P/I e IMC/I, comparando ao padrão de distribuição normal das curvas de crescimento infantil da OMS (Figura 5). Segundo os valores do coeficiente de Fisher-Pearson, a distribuição dos escores-z foi simétrica para todos os índices, enquanto que as distribuições dos escores-z de E/I e P/I apresentaram curtose do tipo platicúrtica em todos os anos, explicado pelos coeficientes acima de 4 e achatamento da curva (Tabela 1).

Figura 5
Gráficos de densidade de Kernel dos escores-z de estatura/idade (a), peso/estatura (b), peso/idade (c) e IMC/idade (d) em 2008 (1) e 2017 (2). Crianças 0-59 meses de idade. Sisvan, Brasil, 2008-2017.

DISCUSSÃO

Este estudo examina a qualidade dos dados antropométricos de crianças atendidas na APS entre 2008 e 2017. Trata-se do primeiro estudo a avaliar a qualidade dos dados individuais do Sisvan no Brasil, abrangendo múltiplos indicadores e diferentes dimensões. De forma geral, os resultados mostram que a qualidade dos dados antropométricos coletados e registrados nos sistemas de informação da APS tem melhorado substancialmente ao longo dos anos. Esses achados representam um marco para consolidação do Sisvan, permitindo melhor clareza e confiabilidade no uso e análise dos dados para identificação dos agravos nutricionais na população e tomada de decisões no âmbito das políticas de alimentação e nutrição.

A completude é uma das dimensões da qualidade de dados, que está diretamente relacionada a vieses de seleção e consequentemente à representatividade dos resultados. Observou-se em todo período alta completude da data de nascimento e das medidas antropométricas, que são informações obrigatórias para realização do registro. Os resultados também mostram uma crescente expansão das coberturas do Sisvan ao longo dos anos, sobretudo entre a população usuária do SUS. Essa expansão pode ser atribuída a importantes avanços: a articulação bem-sucedida das ações de VAN com outras políticas de educação e assistência social (por exemplo, o Programa Saúde na Escola e o PBF77. Ministério da Saúde (BR). Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília, df: Ministério da Saúde; 2015.); a ampliação da cobertura de agentes comunitários de saúde e equipes de saúde da família1111. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. [Coverage of assessment of nutritional status in the Brazilian Food and Nutritional Surveillance System, 2008-2013]. Cad Saude Publica. 2017 Dec;33(12):e00161516. Português. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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; a ampliação e qualificação da APS, por meio dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família e do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)77. Ministério da Saúde (BR). Marco de referência da vigilância alimentar e nutricional na atenção básica. Brasília, df: Ministério da Saúde; 2015.; e os investimento nas ações de VAN, por meio do Financiamento das Ações de Alimentação e Nutrição (FAN) e do apoio financeiro destinado aos municípios para aquisição de equipamentos antropométricos adequados na atenção primária2222. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2975, de 14 de dezembro de 2011. Apoiar financeiramente a estruturação da Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011..

Apesar do nítido avanço ao longo dos anos, a cobertura do Sisvan ainda permanece incipiente para maioria das regiões e unidades federativas do país. Em 2017, somente 11 das 27 unidades federativas possuíam cobertura acima de 50%. Das 11 unidades federativas, nove são da região Nordeste, que concentra o maior número de beneficiários do PBF2323. Ministério da Cidadania (BR). Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. VIS DATA 3 beta. Quantidade total de pessoas em famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Brasília, DF: Ministério da Cidadania; 2020 [cited 2022 Feb 18]. Available from: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/d...
. Estudos prévios mostram que cerca de 80% dos registros antropométricos incorporados pelo Sisvan, entre 2008 e 2013, eram provenientes das condicionalidades do PBF1111. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. [Coverage of assessment of nutritional status in the Brazilian Food and Nutritional Surveillance System, 2008-2013]. Cad Saude Publica. 2017 Dec;33(12):e00161516. Português. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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, que inclui o monitoramento nutricional de crianças menores de 7 anos, refletindo em maiores coberturas do Sisvan para a população mais socioeconomicamente vulnerável do país. Vale destacar que, devido à pandemia de covid-19 e seus efeitos sobre os serviços de saúde, uma queda substancial no acompanhamento das condicionalidades do PBF foi detectada em 2020. Das 7,3 milhões de crianças beneficiárias, aproximadamente 2 milhões tiveram registro de acompanhamento, o que corresponde a uma cobertura de somente 25,5%2424. Ministério da Cidadania (BR). Resultado do acompanhamento das condicionalidades de saúde no 1º semestre de 2020. Brasília, DF: Ministério da Cidadania; 2020 [cited 2022 June 13]. Available from: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/outros/bolsa-familia/informe-gestores/informe-gestores/resultado-do-acompanhamento-das-condicionalidades-de-saude-no-1o-semestre-de-2020
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.

Outro aspecto importante relacionado à validade externa e representatividade dos dados é a distribuição da população segundo sexo e idade. A razão entre sexos encontrada no Sisvan foi equilibrada e aproximadamente similar à esperada para população brasileira menor de 5 anos de idade (1,05)2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de Recuperação Automática - Sidra. Projeção da população: tabela 7358 - População, por sexo e idade [cited 2022 Feb 18]. Available from: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7358
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. A distribuição da idade em anos e meses completos não apresentou picos substanciais. No entanto, um padrão de maiores percentuais de registros entre as idades de 2 a 4 anos foi observado até meados de 2015, quando a distribuição da idade se tornou mais uniforme. Esse padrão foi observado principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Como essas regiões concentram o maior número de registros no Sisvan, sendo eles provenientes do PBF1111. Nascimento FA, Silva SA, Jaime PC. [Coverage of assessment of nutritional status in the Brazilian Food and Nutritional Surveillance System, 2008-2013]. Cad Saude Publica. 2017 Dec;33(12):e00161516. Português. https://doi.org/10.1590/0102-311X00161516
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, parte dessa distribuição da idade pode ser explicada pela captação e acompanhamento tardios das crianças pelo programa.

A preferência por dígitos de estatura e peso pode sinalizar desde o arredondamento de medidas até o uso de equipamentos e cuidados inadequados durante a coleta e registro dos dados. Observou-se preferência dos dígitos terminais zero e cinco nas medidas de estatura e peso, indicando erro sistemático pelo arredondamento das medidas. Entre os números inteiros, vários picos perceptíveis para medida de estatura foram observados (por exemplo, 100 cm), revelando possíveis problemas com equipamento ou arredondamento das medidas. Por outro lado, a distribuição dos números inteiros para peso foi muito adequada.

Embora críticos para obtenção de prevalências precisas do estado nutricional, esses resultados são relativamente comuns e esperados, especialmente para as medidas de estatura88. Bagni UV, Barros DC. Erro em antropometria aplicada à avaliação nutricional nos serviços de saúde: causas, consequências e métodos de mensuração. Nutrire. 2015;40(2):226-36. https://doi.org/10.4322/2316-7874.18613
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. Na maioria das réguas antropométricas, as marcas de centímetros são maiores e mais fáceis de ler do que as de milímetros, induzindo as equipes menos diligentes ou menos instruídas a registrar os valores arredondados. Como observado nos dados do Sisvan, o arredondamento das medidas de peso foi menos comum, devido possivelmente ao uso de balanças digitais cujo displays fornecem valores numéricos com decimais de fácil leitura.

Vale ainda ressaltar a adequação das estruturas e equipamentos para coleta desses dados nas unidades básicas de saúde. De acordo com um estudo recente, realizado a partir dos dados da avaliação externa do PMAQ-AB em 2014, somente 35% das unidades básicas de saúde no Brasil possuíam estrutura adequada para desenvolvimento das ações de alimentação e nutrição, incluindo balança para adultos, balança infantil, régua antropométrica, fita métrica e caderneta de saúde da criança2626. Machado PM, Lacerda JT, Colussi CF, Calvo MC. Estrutura e processo de trabalho para as ações de alimentação e nutrição na Atenção Primária à Saúde no Brasil, 2014. Epidemiol Serv Saude. 2021 Apr;30(2):e2020635. https://doi.org/10.1590/s1679-49742021000200015
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.

Os indicadores de implausibilidade, dispersão e normalidade dos escores-z estão normalmente associados a erros de mensuração, data de nascimento imprecisa ou erros no registro dos dados. Apesar da redução de valores implausíveis entre os registros do Sisvan a partir de 2014, os percentuais ainda excediam 1% para todos os índices, sugerindo baixa qualidade dos dados de acordo com o sistema de implausibilidade da OMS22. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: World Health Organization; 1995.,1919. World Health Organization. United Nations Children’s Fund. Recommendations for data collection, analysis and reporting on anthropometric indicators in children under 5 years old. Geneva: World Health Organization, UNICEF; 2019.. Resultado similar foi encontrado para o indicador de dispersão dos escores-z. Embora os valores de desvio-padrão tenham se mantido estáveis ao longo dos anos, notou-se uma grande dispersão dos escores-z para a maioria dos índices. Estudos prévios relatam ampla variação no desvio-padrão de escores-z antropométricos em crianças menores de 5 anos em pesquisas de demografia e saúde em vários países de baixa e média renda1010. Perumal N, Namaste S, Qamar H, Aimone A, Bassani DG, Roth DE. Anthropometric data quality assessment in multisurvey studies of child growth. Am J Clin Nutr. 2020 Sep;112 Suppl 2:806S-15S. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqaa162
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,1818. Mei Z, Grummer-Strawn LM. Standard deviation of anthropometric Z-scores as a data quality assessment tool using the 2006 WHO growth standards: a cross country analysis. Bull World Health Organ. 2007 Jun;85(6):441-8. https://doi.org/10.2471/BLT.06.034421
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.

Padrões consistentes de maiores percentuais de implausibilidade e dispersão dos escores-z foram observados entre os índices antropométricos incluindo a medida de estatura e entre os registros de crianças menores de 2 anos de idade e residentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Esses resultados apontam para erros e limitações bem conhecidos acerca da coleta e registro de medidas antropométricas. Geralmente, espera-se que o desvio-padrão dos escores-z de E/I e IMC/I seja maior que o dos demais índices, devido a maior dificuldade e chance de erros na coleta das medidas de estatura e idade.

Esse padrão é especialmente esperado no grupo de crianças menores de 2 anos, cujo comprimento/estatura é medido com a criança deitada e a precisão da idade em meses é mais crítica devido à velocidade de crescimento mais acelerada nessa faixa etária(1919. World Health Organization. United Nations Children’s Fund. Recommendations for data collection, analysis and reporting on anthropometric indicators in children under 5 years old. Geneva: World Health Organization, UNICEF; 2019.,2727. Larsen AF, Headey D, Masters WA. Misreporting month of birth: diagnosis and implications for research on nutrition and early childhood in developing countries. demography. 2019 Apr;56(2):707-28. https://doi.org/10.1007/s13524-018-0753-9
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). Além disso, vale destacar que as regiões onde o desvio-padrão e percentual de valores implausíveis foram maiores são as mais vulneráveis do ponto de vista de estrutura adequada para vigilância nutricional nas unidades básicas de saúde, segundo estudo com dados do PMAQ-AB2626. Machado PM, Lacerda JT, Colussi CF, Calvo MC. Estrutura e processo de trabalho para as ações de alimentação e nutrição na Atenção Primária à Saúde no Brasil, 2014. Epidemiol Serv Saude. 2021 Apr;30(2):e2020635. https://doi.org/10.1590/s1679-49742021000200015
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.

Diferentes parâmetros e medidas de normalidade foram utilizados para avaliar a distribuição dos escores-z de cada índice antropométrico. A partir dos gráficos de densidade de Kernel, observamos desvios da distribuição à esquerda para E/I e à direita para P/E, P/I e IMC/I, quando comparado ao padrão de distribuição normal das curvas de crescimento da OMS. Embora as distribuições dos escores-z tenham se mostrado simétricas para os quatro índices, distribuições cúrticas foram identificadas para E/I e P/I (coeficiente Fisher-Pearson > 4).

Apesar desses achados, ainda não existem evidências consistentes para sugerir que a dispersão e o desvio de uma distribuição gaussiana são devidos apenas à qualidade dos dados. A população de referência da OMS, usada para derivar os escores-z, foi restrita a uma população saudável vivendo em condições ambientais favoráveis ao crescimento saudável2828. World Health Organization. Multicentre Growth Reference Study Group. Enrolment and baseline characteristics in the WHO Multicentre Growth Reference Study. Acta Paediatr Suppl. 2006 Apr;450:7-15. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.2006.tb02371.x.
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. Assim, é possível que distribuições incomuns ocorram em populações mais heterogêneas, como em países com grandes desigualdades sociais. A população do Sisvan representa os usuários da APS no Brasil, composta em sua maioria por beneficiários do PBF; ou seja, uma população socioeconomicamente mais vulnerável. As distribuições encontradas em nosso estudo são coerentes com as estimativas de má nutrição dessa população, que revelam persistente prevalência de baixa estatura e crescente carga de sobrepeso e obesidade infantil2929. Ribeiro-Silva RC, Silva NJ, Felisbino-Mendes MS, Falcão IR, Andrade RD, Silva SA, et al. Time trends and social inequalities in child malnutrition: nationwide estimates from Brazil’s food and nutrition surveillance system, 2009-2017. Public Health Nutr. 2021 Dec;25(12):1-11. https://doi.org/10.1017/S136898002100488
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,3030. Silva NJ, Ribeiro-Silva RC, Rasella D, Alves FJ, Campello T, Fiaccone RL, et al. Shifts towards overweight and double burden of malnutrition among socio-economically vulnerable children: a longitudinal ecological analysis of Brazilian municipalities. Public Health Nutr. 2021 Oct;24(15):4908-17. https://doi.org/10.1017/S1368980020004735
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.

Este estudo apresenta algumas limitações. A interpretação de certos indicadores isoladamente pode não ser suficiente para obter conclusões sobre a qualidade dos dados, especialmente para indicadores que levam em consideração a dispersão e distribuição dos escores-z. Mais pesquisas são necessárias para quantificar em termos definitivos quanto da distribuição dos escores-z é atribuído à heterogeneidade da população e a erros de medição. Na ausência de pontos de corte ou abordagens mais apropriadas que levem em conta essas limitações, uma avaliação conjunta dos indicadores de qualidade é recomendada1919. World Health Organization. United Nations Children’s Fund. Recommendations for data collection, analysis and reporting on anthropometric indicators in children under 5 years old. Geneva: World Health Organization, UNICEF; 2019..

Com base nos resultados deste estudo, destaca-se a importância de ações para melhoria dos pontos críticos identificados na qualidade dos dados antropométricos do Sisvan: 1) manutenção e expansão de políticas intersetoriais e programas de saúde que promovam ações de VAN, como ocorrem no PBF, Programa Saúde na Escola e Crescer Saudável; 2) desenvolvimento de ações de qualificação e educação permanente (preferencialmente atentas e flexíveis às diferentes realidades locais); 3) manutenção e ampliação do apoio financeiro aos municípios para estruturação da VAN na APS, por meio da aquisição e calibração periódica de equipamentos antropométricos; 4) informatização nos serviços da APS, permitindo que profissionais nas unidades básicas de saúde prontamente registrem os dados dos atendimentos, incluindo os dados de peso e estatura, no prontuário eletrônico do paciente no e-SUS APS; e 5) implantação e implementação de rotina para verificação e produção contínua de relatórios sobre a qualidade dos dados do Sisvan.

CONCLUSÕES

Em geral, nossos resultados sugerem que a qualidade dos dados antropométricos do Sisvan tem substancialmente melhorado ao longo dos anos. Entretanto, alguns indicadores ainda requerem atenção. A cobertura da população-alvo permanece incipiente para um sistema de vigilância cujo objetivo é o monitoramento universal do público usuário da atenção primária do SUS. A precisão e a qualidade das medidas antropométricas, sobretudo para estatura, foram inferiores nos registros de crianças menores de 2 anos e residentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Esses grupos representam a parcela da população infantil mais vulnerável a agravos nutricionais, necessitando de estimativas precisas que possam subsidiar o monitoramento do perfil nutricional da população e a elaboração de políticas públicas.

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  • Financiamento: MS-SCTIE-Decit/ CNPq (Edital n. 26/2019). Fundação Bill & Melinda Gates, Wellcome Trust. Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia (SECTI).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2022
  • Aceito
    19 Dez 2022
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