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Adiaspiromicose pulmonar disseminada. Relato de caso

Resumos

Relata-se caso de adiaspiromicose causando infiltrado pulmonar retículo-nodular difuso e bilateral, em lavrador de 26 anos. O diagnóstico etiológico foi estabelecido através de biópsia por toracoscopia. Tratado com cetoconazol, o paciente evoluiu bem, retornando às atividades profissionais um mês após a alta.

Micoses pulmonares; Adiaspiromicose; Haplomicose; Emmonsia parva var. crescens; Chrysosporium parvum var. crescens


A case of thoracoscopic lung biopsy proven diffuse human adiaspiromycosis is reported. The patient, a 26-year-old male farm worker presented with a three-week history of fever, sweating, dyspnea and unproductive cough. Radiographic findings were those of granulomatous pulmonary intersticial disease. Treated with ketoconazole he improved very well, reassuming work normal activities a month later.

Pulmonary mycosis; Adiaspiromycosis; Haplomycosis; Emmonsia parva var. crescens; Chrysosporium parvum var. crescens


RELATO DE CASO

ADIASPIROMICOSE PULMONAR DISSEMINADA. RELATO DE CASO

Vitorino Modesto dos Santos, José Henrique Santana, Sheila Jorge Adad, Gesner Pereira Lopes e Marcelo da Cunha Fatureto

Relata-se caso de adiaspiromicose causando infiltrado pulmonar retículo-nodular difuso e bilateral, em lavrador de 26 anos. O diagnóstico etiológico foi estabelecido através de biópsia por toracoscopia. Tratado com cetoconazol, o paciente evoluiu bem, retornando às atividades profissionais um mês após a alta.

Palavras-chaves: Micoses pulmonares. Adiaspiromicose. Haplomicose. Emmonsia parva var. crescens. Chrysosporium parvum var. crescens.

Adiaspiromicose predomina nas zonas de clima temperado, sendo descrita em pulmões de roedores9. É uma micose profunda, que raramente afeta seres humanos6, causada por, Emmonsia parva var. crescens10 antes denominado Haplosporangium5 e Chrysosporium parvum var. crescens. O homem infecta-se ao inalar poeira contendo conídios (adiásporos) da forma micelial do fungo, que vive saprofiticamente no solo. Os adiásporos são esféricos (esférulas) e não germinam. Nos indivíduos imunocompetentes, não há disseminação do fungo a partir do sítio original de sua implantação no tecido pulmonar6. As esférulas porém aumentam progressivamente em volume e de 2,5µm podem atingir até 700µm em seu diâmetro1 5 12. A gravidade das lesões pulmonares depende do número de conídios inalados12 14. Dolby-Dubois (1964), na França, foi o primeiro a relatar a presença de Emmonsia parva var. crescens em humanos, encontrando o fungo em um nódulo pulmonar solitário ao examinar o material da lobectomia de um jovem procedente de zona rural. O paciente era portador de distrofia bolhosa, em cujas cavidades foi constatada a presença de aspergilose4.

RELATO DO CASO

Homem branco, lavrador, 26 anos, natural de Lagamar, MG e procedente de Vazante, MG. Internado na Clínica Médica do Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (HE-FMTM) em 26/8/94, apresentando febre vespertina diária (até 39oC) e sudorese profusa há três semanas. Habitante de zona rural, trabalhava na agricultura. Negou tabagismo e doenças prévias. Referiu que a doença surgiu depois de ter aberto um silo e manipulado ração de sorgo (Sorghum vulgare) picado, conservada em ambiente quente e úmido, em parcial decomposição e exalando odor fétido.

O quadro iniciou como um "estado gripal", com febre, astenia, hiporexia, mialgias e coriza hialina, tosse não produtiva, dor torácica difusa e dispnéia. Realizou radiografia de tórax e com diagnóstico de "pneumonia" recebeu penicilinoterapia. Após três dias de tratamento, sem melhora clínica, foi encaminhado ao HE-FMTM para esclarecimento diagnóstico.

Na internação apresentava bom estado geral, peso 62kg, altura 174cm, índice de massa corporal: 20,6kg/m2, corado, acianótico, sem adenopatias ou visceromegalias. A inspeção, palpação e percussão do tórax foram normais. À ausculta, havia redução do murmúrio vesicular no terço médio bilateralmente e estertores subcrepitantes difusos. Freqüência cardíaca: 80bpm. Tensão arterial: 120/70mmHg. Demais dados de exame físico, sem anormalidades. O hemograma mostrou discreta anemia, leucocitose (17.500/mm3) com neutrofilia (86%) e plaquetas normais. O teste sorológico para HIV foi negativo. O eletrocardiograma foi normal. A medida de volumes e capacidades pulmonares revelou insuficiência pulmonar restritiva de moderada a grave. A radiografia (Figura 1) e a tomografia computadorizada do tórax (Figuras 2A e 2B) revelaram a presença bilateral de consolidação parenquimatosa retículo-nodular difusa e áreas coalescentes com pequenas cavitações, sem adenomegalias ou massas mediastinais.




No quarto dia de internação, o exame do lavado brônquico foi compatível com quadro inflamatório e a biópsia transbrônquica no segmento lateral do lobo médio evidenciou inflamação granulomatosa. À biópsia pulmonar direita vídeo-assistida, foram vistos micronódulos brancos e acastanhados, com diâmetro médio de 0,2cm, disseminados sob a pleura visceral, que apresentava aumento da vascularização. Havia aderências firmes interpleurais na região apical.

Ao exame microscópico foram vistos numerosos granulomas, com aspecto em geral uniforme, freqüentemente contendo no centro estruturas arredondadas e volumosas com diâmetros variando de 60 a 147µm e volumes de 126.739 a 1.467.174µm3. Tratava-se de propágulos de Emmonsia parva var. crescens; apresentavam membrana espessa e bilaminar à hematoxilina-eosina e trilaminar ao PAS (Figura 3), fortemente impregnada pela prata-metenamina. Alguns desses fungos tinham aspecto degenerado, assemelhando-se a larvas de Strongyloides stercoralis, como já foi relatado por outros autores7. Os granulomas eram constituídos por exsudato necrótico-supurativo envolvendo o fungo, com paliçada de macrófagos e ocasionais células gigantes em torno, circundados por halo de linfócitos, plasmócitos e fibroblastos. No centro de alguns granulomas havia esparsos eosinófilos. Foi estabelecido o diagnóstico de adiaspiromicose pulmonar disseminada. O paciente teve alta hospitalar, dez dias após a internação, para acompanhamento ambulatorial, já em uso de cetoconazol (Nizoral® 200mg per os de 12/12 horas). Evoluiu com melhora progressiva dos sintomas, aumento de peso e regressão das alterações na radiografia do tórax, voltando às atividades profissionais um mês após a alta.


DISCUSSÃO

Há menos de 50 casos publicados de adiaspiromicose em todo o mundo7. O paciente, trabalhador rural, apresentou curso agudo da forma pulmonar disseminada, manifestada por febre, dor torácica do tipo pleural, tosse não produtiva, dispnéia aos médios esforços, inapetência e emagrecimento. O aspecto radiológico das lesões sugere que os inóculos se sucederam em diferentes ocasiões, porquanto, ao lado de lesões cavitárias coalescentes, encontravam-se outras granulomatosas que ao exame microscópico revelaram a presença do fungo. Neste caso, não foram evidenciadas doenças associadas, como enfisema, tuberculose, aspergilose, criptococose, candidíase, linfoma ou SIDA, nem uso de imunossupressores, conforme tem sido referido na literatura7.

Pela radiografia convencional, não foi possível diferenciar as lesões nodulares difusas apresentadas por nosso paciente daquelas causadas pela tuberculose miliar. No entanto, o comprometimento dos septos interlobulares, perivasobrônquicos e subpleurais, com nódulos parenquimatosos intersticiais e axiais demonstrados pela tomografia computadorizada, praticamente afastou a possibilidade de tuberculose miliar. Após os estudos de imagem, restaram as micoses pulmonares e a sarcoidose para diagnóstico diferencial, dentre as etiologias mais comuns dessas lesões granulomatosas. Para definição diagnóstica, utilizamos a broncofibroscopia com biópsia transbrônquica (fragmentos menores que 2mm) e lavado broncoalveolar, métodos que não nos permitiram chegar à etiologia dos infiltrados intersticiais. Como tem sido preconizado nessa circunstância3, realizamos biópsia pulmonar por videotoracoscopia, pelo fato de ser menos invasiva, permitir a retirada de maior volume de tecido pulmonar, com morbidade e mortalidade mínimas, e ter eficácia comparável à da toracotomia2 8 11. Embora haja casos de adiaspiromicose pulmonar autolimitada e relatos de remissão espontânea, administramos antimicóticos ao nosso paciente, por se tratar da forma disseminada da doença12 13 14.

SUMMARY

A case of thoracoscopic lung biopsy proven diffuse human adiaspiromycosis is reported. The patient, a 26-year-old male farm worker presented with a three-week history of fever, sweating, dyspnea and unproductive cough. Radiographic findings were those of granulomatous pulmonary intersticial disease. Treated with ketoconazole he improved very well, reassuming work normal activities a month later.

Key-words: Pulmonary mycosis. Adiaspiromycosis. Haplomycosis. Emmonsia parva var. crescens. Chrysosporium parvum var. crescens.

Departamentos de Clínica Médica e de Cirurgia, Disciplina de Patologia Especial e Curso de Pós-graduação em Patologia Humana da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG.

Endereço para correspondência: Dr. Vitorino Modesto dos Santos. Al. da República, 64, Recanto das Torres. 38057-020 Uberaba, MG.

Recebido para publicação em 22/11/96.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Out 1997

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 1996
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