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Cryptococcus neoformans isolados de pacientes com AIDS

Cryptocococcus neoformans in patients with AIDS

Resumos

Criptococose é considerada a infecção fúngica sistêmica oportunista mais comum em pacientes com AIDS. Nestes pacientes tem predominado como agente etiológico Cryptococcus neoformans var. neoformans, e muito raramente relata-se C. neoformans var. gattiii, mesmo nas regiões onde se verifica a sua prevalência. Foram estudados 50 pacientes com lesões de criptococose meningoencefálica associada com AIDS. Os isolados foram identificados através de características microscópicas e macroscópicas exibidas em meios de ágar Sabouraud, ágar niger e Christensen. As variedades de C. neoformans foram determinadas pela reação de coloração obtida em meio de L-canavanina glicina-azul de bromotimol (CGB). Em todos os pacientes examinados foram isolados C. neoformans, sendo identificados C. neoformans var. neoformans em 47 isolados e C. neoformans var. gattii em 3. Os resultados encontrados mostram que a criptococose em pacientes com AIDS pode também ser causada por C. neoformans var. gatti, apesar de haver predominância de C. neoformans var neoformans nesta população.

Criptococose; Cryptococcus neoformans; AIDS


Cryptococcosis is considered the most frequent fungal systemic opportunist infection in patients with AIDS. C. neoformans var. neoformans infects the patients with AIDS more often than C. neoformans var. gattii which has been rarely isolated from patients with AIDS. Even in endemic regions of C. neoformans var. gattii, the variety of neoformans is still the most common agent diagnosed in cryptococcosis of patients with AIDS. Cerebrospinal fluid (CSF) from fifty patients with neurocryptococcosis associated with AIDS were studied. The fungi were isolated in agar Sabouraud medium, and were identified by microscopic and macroscopic examination by agar Sabouraud, agar niger and Christensen's urea medium. The variety was determined based on a color characteristic reaction on glycine-L-canavanina-bromothymol blue agar. From all of the fifty patients' cerebrospinal fluid (CSF) we were able to recover C. neoformans. The isolates were identified as C. neoformans var. neoformans in 47 patients and as C. neoformans var. gattii. in the 3 remaining patients. These findings suggest that both varieties, gattii and neoformans, are agents of neurocryptococcosis in patients with AIDS.

Cryptococosis; Cryptococcus neoformans; AIDS


ARTIGO

Cryptococcus neoformans isolados de pacientes com AIDS

Cryptocococcus neoformans in patients with AIDS

Orionalda de F.L. Fernandes, Théo R. Costa, Márcio R. Costa, Ailton J. Soares, Ana J.S.C. Pereira e Maria do Rosário R. Silva

Resumo Criptococose é considerada a infecção fúngica sistêmica oportunista mais comum em pacientes com AIDS. Nestes pacientes tem predominado como agente etiológico Cryptococcus neoformans var. neoformans, e muito raramente relata-se C. neoformans var. gattiii, mesmo nas regiões onde se verifica a sua prevalência. Foram estudados 50 pacientes com lesões de criptococose meningoencefálica associada com AIDS. Os isolados foram identificados através de características microscópicas e macroscópicas exibidas em meios de ágar Sabouraud, ágar niger e Christensen. As variedades de C. neoformans foram determinadas pela reação de coloração obtida em meio de L-canavanina glicina-azul de bromotimol (CGB). Em todos os pacientes examinados foram isolados C. neoformans, sendo identificados C. neoformans var. neoformans em 47 isolados e C. neoformans var. gattii em 3. Os resultados encontrados mostram que a criptococose em pacientes com AIDS pode também ser causada por C. neoformans var. gatti, apesar de haver predominância de C. neoformans var neoformans nesta população.

Palavras-chaves:Criptococose. Cryptococcus neoformans. AIDS.

Abstract Cryptococcosis is considered the most frequent fungal systemic opportunist infection in patients with AIDS. C. neoformans var. neoformans infects the patients with AIDS more often than C. neoformans var. gattii which has been rarely isolated from patients with AIDS. Even in endemic regions of C. neoformans var. gattii, thevariety of neoformans is still the most common agent diagnosed in cryptococcosis of patients with AIDS. Cerebrospinal fluid (CSF) from fifty patients with neurocryptococcosis associated with AIDS were studied. The fungi were isolated in agar Sabouraud medium, and were identified by microscopic and macroscopic examination by agar Sabouraud, agar niger and Christensen's urea medium. The variety was determined based on a color characteristic reaction on glycine-L-canavanina-bromothymol blue agar. From all of the fifty patients' cerebrospinal fluid (CSF) we were able to recover C. neoformans. The isolates were identified as C. neoformans var. neoformans in 47 patients and as C. neoformans var. gattii. in the 3 remaining patients. These findings suggest that both varieties, gattii and neoformans, are agents of neurocryptococcosis in patients with AIDS.

Key-words: Cryptococosis .Cryptococcus neoformans. AIDS

Infecções fúngicas oportunistas são observadas com grande freqüência em indivíduos imunocomprometidos. Criptococose causada por Cryptococcus neoformans vem assumindo papel relevante por ser considerada uma das micoses mais comuns nos pacientes com síndrome da imunodeficiência humana adquirida (SIDA) produzindo lesões principalmente no sistema nervoso central (SNC), em particular as meninges1 3 14 19 20.

A espécie C. neoformans possui duas variedades, gattii e neoformans que apresentam os sorotipos B-C e A-D respectivamente, de acordo com a especificidade antigênica do polissacarídio capsular. Estudos epidemiológicos têm demonstrado diferenças na distribuição geográfica destas variedades10. Em pacientes com AIDS, C. neoformans var. neoformans tem sido isolado na maioria dos casos diagnosticados de criptococose, mesmo em áreas de clima tropical e subtropical, onde C. neoformans var. gattii é relativamente comum2 11.

O presente trabalho tem como principal objetivo verificar a etiologia da criptococose e a variedade predominante nos pacientes com AIDS atendidos no Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia, GO, Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletadas amostras de líquido céfalo raquidiano (LCR) de 50 pacientes com AIDS provenientes do Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia (HDT) manifestando dor de cabeça, vômito e ocasionalmente febre, sugestivos de criptococose meningo encefálica. As amostras foram submetidas a exame direto com tinta nanquim e cultivados em ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol a temperatura ambiente e a 37ºC para pesquisa e isolamento dos fungos.

Colônias sugestivas de C. neoformans foram repicadas em meios de ágar cenoura batata e ágar niger que contém substratos fenólicos para detectar a atividade da fenol-oxidase, e meio de Christensen para determinar a assimilação da uréia.

As variedades foram determinadas baseando-se nas características das cores no meio de L-canavanina-glicina-azul de bromotimol (CGB) segundo Kwon-Chung11.

RESULTADOS

Das 50 amostras de Cryptococcus neoformans, 47 (94%) foram identificadas como C. neoformans var. neoformans e 3 (6%) como C. neoformans var. gattii. Os pacientes estudados foram procedentes de diferentes estados do Brasil, sendo que 3 isolados de C. neoformans var. gattii e 17 C. neoformans var. neoformans foram de pacientes habitantes do interior de Goiás, 23 isolados foram provenientes de pacientes de Goiânia e os 7 restantes pertencentes a indivíduos dos estados do Tocantins (1), Minas Gerais (2), Pará (3) e São Paulo (1) (Figura 1).


A faixa etária dos pacientes estudados foi de 20 a 60 anos sendo que 56% possuíam entre 20 e 30 anos. Verificou-se predominância do sexo masculino com 39 (78%) dos casos pertencentes a este sexo. A relação do sexo e idade nos casos de criptococose encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1
- Casos de criptococose do sistema nervoso central de pacientes com AIDS relacionados com a idade e sexo.

DISCUSSÃO

Todos os pacientes com criptococose estudados no nosso trabalho apresentavam-se com dor de cabeça, vômito e febre ocasionalmente, o que levou a pesquisa de C. neoformans no LCR. Esta manifestação clínica é freqüentemente observada em pacientes com AIDS que possuem meningite criptocócia15 18. Nos Estados Unidos, em 189 casos de criptococose estudados por Chandler et al5, foi verificado uma alta incidência de criptocose meníngea, onde este tipo clínico foi diagnosticado em 167 pacientes.

Os critérios de identificação do agente etiológico de criptococose utilizados em nosso estudo, permitiram mostrar um número elevado de isolados de C. neoformans var. neoformans (47/50), enquanto a var. gattii foi isolada em 3 casos. Esta diferenciação de variedades foi observada pelas características exibidas em ágar CGB. A identificação de C. neoformans var. gattii em 3 casos foi considerado de grande importância, visto que mesmo em regiões endêmicas de criptococose que possui como agente etiológico mais freqüente C. neoformans var. gattii, este agente tem sido raramente correlacionado com criptococose do SNC em portadores do vírus da imunodeficiência adquirida14. Estudos de vários pesquisadores têm mostrado que a criptococose nos pacientes com AIDS, é geralmente causada por C. neoformans var. neoformans independente da área geográfica de sua distribuição9 16 17.

Tem sido postulado que a predominância de C. neoformans var. neoformans em pacientes com AIDS deve-se provavelmente à maior exposição dos indivíduos ao habitat natural deste fungo. Vários trabalhos têm demonstrado que C. neoformans var. neoformans está correlacionado normalmente a excrementos de fezes de pombos e aves, enquanto C. neoformans var. gattii encontra-se associado a árvores de eucaliptos como Eucalyptus camaldulensis e E. tereticornis7 8. No entanto, em estudos mais recentes têm sido observada a presença de C. neoformans nestas fontes naturais, assim como também em ocos de diferentes árvores (Cassia grandis, Senna multijuga, Ficus microcarpa) independente de sua variedade. Segundo estes pesquisadores não existe um relacionamento definido entre o fungo e um tipo específico de habitat3 12 13.

A criptococose foi observada em 78% dos casos no homem, revelando predominância do sexo masculino sobre o feminino. Duppont et al6 sugerem que pacientes do sexo masculino com AIDS apresentam maior risco à criptococose do que os do sexo feminino. Prevalência do sexo masculino também foi citado por Mitchell et al14 os quais observaram em seu estudo que 80% dos casos de criptococose do SNC pertenciam a este sexo.

Os pacientes estudados em nosso trabalho possuíam de 20 a 60 anos, sendo que 56% dos casos apresentavam-se entre 20 e 30 anos. Criptococose em criança com AIDS é menos freqüente, sendo raramente observado. Pinner et al15 relatam 1% de casos de criptococose em crianças com AIDS.

Os dados encontrados, abrem uma interessante perspectiva sobre a ecologia do Cryptococcus neoformans e sobre a epidemiologia da criptococose, merecendo o prosseguimento de estudos sobre estes temas em pacientes com AIDS.

Departamento de Microbiologia Imunologia Parasitologia e Patologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública do Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia (HDT) da Universidade Federal de Goiás.

Endereço para correspondência: Profª Orionalda de Fátima L. Fernandes. Rua 6 nº 664, Aptº 702, Setor Oeste, 74115-070 Goiânia, GO.

Fax: 55 62 215-2057.

Recebido para publicação em 19/10/98.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2000
  • Data do Fascículo
    Fev 2000

Histórico

  • Recebido
    19 Out 1998
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