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Infecção por Leishmania (Leishmania) chagasi em crianças de uma área endêmica de leishmaniose visceral americana na Ilha de São Luis-MA, Brasil

Leishmania (Leishmania) chagasi infection on childhood from endemic area of visceral leishmaniasis in the São Luís-MA, island

Resumos

Realizou-se estudo prospectivo com 648 crianças de zero a cinco anos no município da Raposa-MA, de julho/97 a junho/98, com o objetivo de avaliar as características da infecção por L.(L.)chagasi e verificar se existe associação entre desnutrição e infecção assintomática. Utilizou-se questionário com dados socioeconômicos, ambientais e hábitos de vida; realizou-se Intradermorreação de Montenegro(IDRM) com antígeno de L. amazonensis e Enzyme Linked Immunosorbant Assay(ELISA) para detectar infecção, e exame antropométrico. A prevalência inicial, final e incidência da infecção foram 18,6%, 20,6% e 10,8% pelo IDRM, e 13,5%, 34,4% e 28% pelo ELISA, respectivamente. A prevalência da desnutrição crônica (altura/idade) foi 26%. Não houve associação estatisticamente significante entre desnutrição e infecção assintomática por L. (L.) chagasi. A forma assintomática da doença está presente nas áreas estudadas, necessitando de medidas de controle mais efetivas.

Infecção. L. (L.) chagasi; Prevalência. Incidência; Crianças


A prospective study was undertaken in 648 children with less than 6 years of age in the municipality of Raposa, Maranhão, Brazil, from June 1997 to June 1998, to evaluate the characteristics of the infection by L.(L.)chagasi and verify if there is an association between malnutrition and asymptomatic infection. A standardized questionnaire was used containing socioeconomic, environmental and behavioral data. Montenegro skin reaction (IDRM) with L. amazonensis and Enzyme Linked Immunosorbent Assay (ELISA) test to detect infection, and anthropometric examination were performed. Initial and final prevalence and incidence of infection were 18.6%, 20.6% and 10.8% as measured by IDRM and 13.5%, 34.4% and 28% according to ELISA. The prevalence of chronic malnutrition was 26%. No association was detected between malnutrition and asymptomatic infection by L. (L.) chagasi. More effective control measures are needed in these areas since asymptomatic infection seems to be on the increase.

Infection L.(L.)chagasi; Prevalence; Incidence; Children


ARTIGO

Infecção por Leishmania (Leishmania) chagasi em crianças de uma área endêmica de leishmaniose visceral americana na Ilha de São Luis-MA, Brasil

Leishmania (Leishmania) chagasi infection on childhood from endemic area of visceral leishmaniasis in the São Luís-MA, island

Arlene J.M. Caldas1 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Denise R.C. Silva1 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Célia C.R. Pereira1 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Paulo Márcio S. Nunes2 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Benedito P. Silva2 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Antonio Augusto M. Silva3 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. , Aldina Barral4 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. e Jackson M.L. Costa2 1 . Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão, 2 . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão 3 . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA, 4 . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA. Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA. Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35 e-mail: ajmc@elo.com.br Recebido para publicação em 16/7/1999. ²

Resumo Realizou-se estudo prospectivo com 648 crianças de zero a cinco anos no município da Raposa-MA, de julho/97 a junho/98, com o objetivo de avaliar as características da infecção por L.(L.)chagasi e verificar se existe associação entre desnutrição e infecção assintomática. Utilizou-se questionário com dados socioeconômicos, ambientais e hábitos de vida; realizou-se Intradermorreação de Montenegro(IDRM) com antígeno de L. amazonensis e Enzyme Linked Immunosorbant Assay(ELISA) para detectar infecção, e exame antropométrico. A prevalência inicial, final e incidência da infecção foram 18,6%, 20,6% e 10,8% pelo IDRM, e 13,5%, 34,4% e 28% pelo ELISA, respectivamente. A prevalência da desnutrição crônica (altura/idade) foi 26%. Não houve associação estatisticamente significante entre desnutrição e infecção assintomática por L. (L.) chagasi. A forma assintomática da doença está presente nas áreas estudadas, necessitando de medidas de controle mais efetivas.

Palavras-chaves: Infecção. L. (L.) chagasi. Prevalência. Incidência. Crianças.

Abstract A prospective study was undertaken in 648 children with less than 6 years of age in the municipality of Raposa, Maranhão, Brazil, from June 1997 to June 1998, to evaluate the characteristics of the infection by L.(L.)chagasi and verify if there is an association between malnutrition and asymptomatic infection. A standardized questionnaire was used containing socioeconomic, environmental and behavioral data. Montenegro skin reaction (IDRM) with L. amazonensis and Enzyme Linked Immunosorbent Assay (ELISA) test to detect infection, and anthropometric examination were performed. Initial and final prevalence and incidence of infection were 18.6%, 20.6% and 10.8% as measured by IDRM and 13.5%, 34.4% and 28% according to ELISA. The prevalence of chronic malnutrition was 26%. No association was detected between malnutrition and asymptomatic infection by L. (L.) chagasi. More effective control measures are needed in these areas since asymptomatic infection seems to be on the increase.

Key-words: Infection L.(L.)chagasi. Prevalence. Incidence. Children.

Entre as formas clínicas das leishmanioses, a leishmaniose visceral (LV) ou calazar constitui-se na mais grave, pois, quando não tratada adequadamente, determina elevados índices de letalidade. Encontra-se amplamente distribuída no mundo, principalmente em regiões tropicais e subtropicais da Ásia, Oriente Médio, África, e Américas11 15 18 25 .

No continente americano é conhecida como leishmaniose visceral americana (LVA), tendo maior prevalência em crianças na faixa etária de zero a nove anos, correspondendo a 80% dos casos detectados, ocorrendo com freqüência em regiões onde a pobreza e desnutrição são comuns4 5 6 7 10 11 18 25.

Embora seja uma doença predominante na área rural9, recentemente tem-se estabelecido em áreas urbanas ou periurbanas, onde o vetor encontra condições ambientais propícias para a manutenção do seu ciclo de vida. Os estudos dos casos humanos têm revelado a ocorrência de um processo de urbanização da LVA no Brasil, principalmente em cidades de médio e grande porte do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, tais como: São Luís-MA, Teresina-PI, Fortaleza-CE, Natal-RN, Rio de Janeiro-RJ, e Belo Horizonte-MG6 7 9 10 11 18 19 20.

Sugere-se que tais mudanças sejam atribuídas a fatores inter-relacionados como: transformações ocorridas no ambiente devido ao processo migratório provocados por pressões socioeconômicas; pauperização em função da má distribuição de renda levando ao êxodo rural principalmente nas áreas do Nordeste que sofrem de secas periódicas, agravando a situação nessas áreas, e o aparecimento de novos focos da doença devido ao processo de urbanização crescente nas cidades6 10 11 18 20.

Estudos epidemiológicos em áreas endêmicas de LVA têm demonstrado que um percentual de indivíduos apresentam evidências de infecção por Leishmania (Leishmania) chagasi sem história de manifestações clínicas, pois os mesmos revelam altas taxas de indivíduos com sorologia ou IDRM positivos. Cerca de 20% destes podem apresentar manifestações clínicas, desenvolvendo a chamada forma aguda e os demais podem permanecer assintomáticos ou evoluir para a forma oligossintomática da doença1 4 11 18 20 25.

No Brasil, de cada seis indivíduos infectados um desenvolve LVA, embora em alguns Estados essa relação seja bem superior, como na Bahia que foi de 18:1 e no Ceará, 11:14 5 10. Nos estudos realizados no Quênia esta relação foi de 5:25.

Diante do exposto, realizou-se o presente estudo com a finalidade de avaliar as características da infecção por L. (L.) chagasi em crianças de zero a cinco anos residentes em duas áreas de ocupação recentes no município da Raposa-MA e verificar se existe associação entre desnutrição e infecção assintomática por L. (L). chagasi.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizou-se um estudo epidemiológico prospectivo no período de julho/97 a junho/98, com 648 crianças de zero a cinco anos de idade nas localidades de Vila Nova e Bom Viver no município de Raposa-MA, localizado na Ilha de São Luís, distando 28km da cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão. Apresenta área de 63,9km2 e uma população de 15.075 habitantes distribuídos em 21 localidades, entre elas, Vila Nova com uma população de 2.600 habitantes e Bom Viver com 4.307 habitantes, ambas oriundas de ocupações recentes14. A escolha destas duas localidades deveu-se ao elevado número de casos de LVA detectados nos últimos anos pela Fundação Nacional de Saúde(FUNASA), caracterizando-as como áreas endêmicas da doença.

O estudo iniciou-se em julho/97, com a realização de inquérito populacional. Em seguida foi planejado e delineado em duas fases: a primeira, de setembro a outubro/97, com a aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas sobre os dados demográficos, socioeconômicos, ambientais e hábitos de vida das crianças; realização de exame antropométrico e testes de IDRM e ELISA; e a segunda, de abril a maio/98, com a finalidade de reavaliar o estado imunológico e nutricional das crianças. Durante todo o período de estudo, as crianças com ELISA positivo eram clinicamente avaliadas uma vez por mês. No seguimento do estudo, a vontade e decisão da mãe ou responsável pela criança foram sempre respeitadas. Um termo de consentimento voluntário era assinado.

Realizou-se o teste de IDRM em 639 crianças na primeira, e 572 na segunda fase do estudo, com antígeno preparado no laboratório de Imunologia do Hospital Universitário Prof. Edgar Santos (HUPES), Universidade Federal da Bahia (UFBA, com formas promastigotas de L. amazonensis (MHOMBr-88-BA-125) de acordo com a técnica descrita por Reed e cols22. Considerou-se como reação positiva quando um dos diâmetros da enduração era igual ou superior a 5mm.

A avaliação sorológica foi realizada em 638 crianças na primeira fase, e 572 na segunda fase, pela técnica ELISA22, no laboratório de Imunologia do HUPES. A reação foi considerada positiva quando o nível de absorbância era igual ou superior a 0,045.

O exame antropométrico foi realizado para avaliar a prevalência das diversas formas de desnutrição protéico-calórica e consistiu na medição do peso e altura ou comprimento de cada criança23 24.

Analisaram-se os dados no programa EPI-INFO, versão 6.04b, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na análise dos dados referentes à situação nutricional das crianças utilizou-se como referência o padrão do National Center of Health Statistics (NCHS)23 24 no programa EPINUT. A comparação do estado nutricional foi realizada somente com as crianças que participaram das duas fases do estudo.

Considerou-se como prevalência inicial as crianças com resultados positivos na primeira fase; prevalência final as crianças com resultados positivos na segunda fase e incidência as crianças com resultados negativos na primeira e positivos na segunda fase. O teste do qui-quadrado foi utilizado para verificar as diferenças entre os eventos do estudo. No caso de freqüências esperadas inferiores a 5 foi utilizado o teste de Fisher. Quando o valor de "p" era menor ou igual a 0,05, considerou-se a diferença estatisticamente significante.

RESULTADOS

De acordo com o inquérito populacional, Vila Nova era constituída por 361 famílias e Bom Viver por 574. Cada família apresentou uma média de 5,2 pessoas e 3,9 filhos. Destes últimos, 1,6 eram crianças na faixa etária de zero a cinco anos de idade.

Das 648 crianças que participaram do estudo, 298 eram de Vila Nova e 350 de Bom Viver. A idade das crianças variou de 11 dias a 71 meses, concentrando-se o maior percentual na faixa etária de 0 a 23 meses (40%), sendo 48% do sexo masculino e 52% do feminino.

No que diz respeito à renda mensal, constatou-se que a maioria das crianças era oriundas de famílias com renda inferior a dois salários mínimos (89%). A média da renda familiar era de 1,7 salários mínimos por mês. Com referência à escolaridade, 69% dos pais sabiam ler e escrever.

O tipo de casa predominante era coberta de palha, com paredes de taipa e o piso de chão batido. Segundo os entrevistados não havia coleta pública de lixo, o mesmo era colocado em terreno baldio(29%), enterrado ou queimado(71%). O destino final dos dejetos humanos era fossa negra, no quintal ou mato (93%) (Tabela 1).

No que diz respeito à presença de animais e flebotomíneos no domicílio e vizinhança, mais da metade dos entrevistados afirmaram a existência de um ou mais de um tipo de animal como cão e/ou galinha, e de arrupiado, como é conhecido o flebotómo nas áreas estudadas. A LVA foi citada por 5% das pessoas entrevistradas como doença predominante entre os familiares e vizinhos no último ano (Tabela 1).

As crianças na sua maioria (69%) realizavam as necessidades fisiológicas fora da casa (quintal ou mato) e mais de dois terços tomavam banho no quintal. Observou-se, também, que 81% brincavam ao redor da casa ao entardecer (Tabela 1).Quanto ao estado nutricional, detectou-se uma prevalência de 25,5% na primeira fase e 26% na segunda, de desnutrição no indicador altura/idade. No indicador peso/altura a prevalência foi de 1% nas duas fases e no indicador peso/idade foi de 8% na primeira fase e 10% na segunda. Não houve diferença estatisticamente significante nas prevalências de desnutrição entre as duas fases do estudo em nenhum indicador (Tabela 2).

Em relação ao teste de IDRM, detectou-se prevalência inicial e final de infecção por L. (L.) chagasi de 18,6% e 20,6%, respectivamente, porém a diferença não foi estatisticamente significante entre as duas fases (P=0,420). A incidência foi de 10,8%. Quanto ao ELISA, a prevalência inicial e final foram de 13,5% e 34,4%, respectivamente, entretanto a diferença apresentou-se estatisticamente significante entre as duas fases (P=0,001). A incidência foi de 28% (Tabela 3).

A prevalência inicial do IDRM foi superior à detectada pelo ELISA, sendo a diferença entre ambas estatisticamente significante(P=0,004). Entretanto, a prevalência final e a incidência detectadas pelo ELISA foram superiores às encontradas pelo IDRM (P=0,001).

Quando se verificou a associação entre estado nutricional e infecção assintomática por L. (L.) chagasi segundo os testes de IDRM e ELISA, observou-se que entre as crianças com desnutrição crônica (altura/idade) 5% e 3,7%, respectivamente, apresentaram positividade aos testes; 0,2% das crianças com desnutrição no indicador peso/idade apresentou IDRM positivo; e 1,4% e 1,2%, respectivamente, apresentaram positividade nos testes quando o indicador era peso/idade. Não houve associação estatisticamente significante entre desnutridos e infecção assintomática por L. (L.) chagasi (Tabela 4).

Das crianças que participaram da primeira fase do estudo, 8 apresentaram história pregressa da doença e 6 desenvolveram LVA durante o estudo. A relação infecção/doença foi de 119:1 segundo IDRM e 28:1 de acordo com ELISA. A positividade da reação de hipersensibilidade retardada foi mais elevada nos pacientes com história pregressa de LVA do que naquelas com doença atual. Entretanto a positividade da resposta humoral não mostrou diferença estatisticamente significante quando se comparou pacientes com história pregressa e atual de LVA(P=0,091) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados no presente estudo sobre as condições socioeconômicas, ambientais e hábitos de vida são relevantes na epidemiologia da LVA. Estas condições podem contribuir para que a LVA seja uma das doenças de maior ocorrência nas zonas rurais e periurbanas de algumas cidades, e também para elevação do índice de infecção por L. (L.) chagasi em populações de regiões endêmicas como Vila Nova e Bom Viver no município da Raposa-MA, que possuem características de endemicidade da doença4 6 7 10 11 14 18 19 25.

As condições de moradia eram precárias nas duas localidades. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 1991, demonstrou que existem diferenças marcantes entre os estados do Nordeste em relação ao tipo de moradia. No Maranhão, dois terços das casas são construídas de taipa ou adobe, enquanto no Rio Grande do Norte, somente uma casa em cada dez é assim construída12 16 17. Estudos realizados no estado do Pará, demonstraram que o maior número de casos humanos de LVA envolveram crianças que residiam em áreas de ocupações. Isto se deveu ao fluxo de pessoas suscetíveis para área, aumento da densidade populacional de flebotomíneos ou o tipo de moradia, cuja construção pode favorecer a entrada do vetor, principalmente nas casas de construções mais abertas, similares às casas das duas áreas por nós estudadas, predominando a construção de taipa e cobertura de palha11 20. Também foi observado em nosso estudo um processo migratório intenso chegando a influenciar no quantitativo de crianças na segunda fase.

Analisando-se a prevalência inicial e final detectada pelo IDRM, observou-se que não houve diferença significante nas duas fases e a incidência foi menor que a prevalência, demonstrando portanto que o índice de infecção ficou instável durante o estudo. Entretanto, a prevalência final e incidência da infecção detectadas pelo ELISA foram mais elevadas do que as detectadas pelo IDRM, pode-se explicar devido aos anticorpos serem detectáveis mais precocemente que a resposta da reação de hipersensibilidade retardada8. Estes dados confirmam o surto epidêmico vivenciado atualmente na Ilha de São Luis, onde a mesma permanece como a principal área problema de LVA no estado do Maranhão. Dados confirmados pela FUNASA-MA, que registrou no período de janeiro a dezembro de 1998, 297 (61%) do total de casos da doença no estado, distribuídos por toda a Ilha. As localidades estudadas, de agosto de 1997 a agosto de 1998, vêm apresentando em média dois casos de LVA humano por mês e Araújo e cols2, estudando a composição dos flebotomíneos em Bom Viver, encontraram como espécie mais representativa, a Lutzomyia longipalpis (97%).

Quando comparou-se o índice de infecção observado em nosso estudo com outros estudos com crianças menores de 15 anos realizados no Ceará (4,5%), na Bahia (16,1%) e no Maranhão (46,7%), observou-se que o nosso índice foi superior aos encontrados nos estudos do Ceará e da Bahia, porém inferiores aos do Maranhão4 5 10 21. Talvez esta diferença seja em função da faixa etária e metodologia utilizadas nos respectivos estudos. Quanto à relação infecção/doença, observou-se que houve diferença marcante entre os dois testes, a infecção foi detectada na proporção de 119:1 no IDRM e 28:1 no ELISA. portanto, bem superior às proporções encontradas no Quênia, Brasil, Bahia e Ceará4 5 10 11 21 25.

Em relação ao estado nutricional das crianças estudadas, verificou-se que os déficits moderado e severo no indicador altura/idade que retratam a desnutrição crônica, foram superiores ao observado na Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (PNSN) realizada em 1991 no Maranhão (24%), e mais do que o dobro em relação ao Brasil (10,5%)12 13 16 17 23. Porém, quando se correlacionou estado nutricional e índice de infecção, notou-se que entre os desnutridos o índice de infecção foi mais acentuado nas crianças com desnutrição crônica. Entretanto, somente 6,6% (IDRM) e 5% (ELISA) das crianças infectadas apresentavam algum grau de desnutrição, demonstrando que a infecção por L. (L.) chagasi ocorre nos indivíduos de áreas endêmicas independentemente do estado nutricional.

Os resultados sobre a história de LVA demonstraram que todas as crianças com história pregressa da doença apresentaram IDRM positivo. Estes dados demonstram que os indivíduos após certo tempo de cura clínica voltam a apresentar resposta imunocelular específica ausente durante a fase ativa da doença. Entretanto, uma criança com IDRM positivo desenvolveu a doença dois meses após a realização do teste discordando do esperado, pois sabe-se que a imunidade celular desempenha um papel mais relevante que os anticorpos na proteção da infecção mediada por leishmânia13 22. O que pode ter acontecido é que, como a criança tinha um ano e dois meses de idade, o sistema imunológico nesta faixa etária é vulnerável e as condições socioeconômicas também favoreceram a instalação da doença.

Existem estudos mostrando que títulos significativos de anticorpos anti-leishmânia podem ser detectados por um período de tempo relativamente longo após a cura da doença3 4 e isto pôde ser constatado em nosso estudo quando uma criança após um ano de cura clinica apresentou positividade ao ELISA. A persistência da positividade ao ELISA após a terapêutica específica para LVA, leva-nos a concluir que o resultado da sorologia isolada não pode ser utilizada como critério de cura da doença ou falha terapêutica sem antes realizar uma avaliação criteriosa.

Por outro lado, observou-se que dois terços das crianças que adoeceram nos sete meses de estudo apresentaram positividade ao ELISA com nível de absorvância limítrofe (0,045, 0,046, 0,047, 0,050), porém as que apresentaram níveis bem elevados como 0,200 não desenvolveram LVA. Este fato vem explicar que o teste sorológico isolado não deve ser utilizado para confirmação diagnóstica, apesar de que os anticorpos específicos para antígeno do parasito têm sido utilizados, com sucesso, no diagnóstico da LVA quando associado com a clínica, epidemiologia e o exame parasitológico11 25.

O elevado índice de infecção por L.(L.) chagasi observado nas localidades estudadas sugere a presença de formas assintomáticas da doença nas crianças de zero a cinco anos de idade. Medidas de controle devem ser efetivadas nas áreas de estudo e direcionadas prioritariamente a esta faixa etária onde observa-se o maior número de casos registrados da doença.

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    2
    . Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social da Universidade Federal do Maranhão
    3
    . Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão, São Luís MA,
    4
    . Departamento de Imunologia da Uiversidade Federal da Bahia Salvador BA.
    Endereço para correspondência: Profª Arlene de Jesus Mendes Caldas. Núcleo de Patologia Tropical e Medicina Social/UFMA. Praça Madre Deus 2, 65025-560 São Luis, MA.
    Fax: 55 98 232-3837; 222-51 35
    e-mail:
    Recebido para publicação em 16/7/1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2001
    • Data do Fascículo
      Out 2001

    Histórico

    • Recebido
      16 Jul 1999
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