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Avaliação do impacto das ações de controle vetorial da doença de Chagas através do inquérito sorológico em Mambaí/Buritinópolis, Goiás

Evaluation of the impact of vector control programs through serological testing in Mambaí/Buritinópolis, Goiás State

Resumos

Em 1999, realizamos a avaliação do impacto das medidas de controle vetorial sobre a transmissão da doença de Chagas nas áreas endêmicas Mambaí e Bruritinópolis (GO). Após o recenseamento populacional foram realizados os inquéritos entomológico das unidades domiciliares e sorológico da população. As amostras de sangue foram coletadas por punção digital, em papel de filtro. O teste sorológico utilizado inicialmente para detectar anticorpos contra Trypanosoma cruzi foi a reação de imunofluorescência indireta (IFI) quantitativa com ponto de corte a diluição 1/20 e, os reagentes realizaram a reação de hemaglutinação indireta (HAI). A prevalência da IFI reagente foi 12,3% (95% IC: 11,5-13,2%). Triatoma infestans não foi encontrado nas habitações. A ausência de infecção de indivíduos menores de 14 anos e a ausência de T. infestans no inquérito entomológico demonstra o sucesso do programa de controle da doença de Chagas nessas áreas, podendo ser considerada interrompida a transmissão vetorial.

Doença de Chagas; Inquérito sorológico; Inquérito entomológico; Triatoma infestans; Transmissão vetorial; Brasil


In 1999, we performed serological and entomological surveys to evaluate the impact of vectorial control measures against transmission of Chagas' disease in the endemic area of Mambaí and Buritinópolis (GO). A census was undertaken of the population, after which the entomological survey was performed regarding the dwelling units and serological evaluation of the human population. Blood samples were collected by digital puncture in filter paper. The first serologic test performed to detect antibodies against Trypanosoma cruzi was the indirect immunofluorescence test (IFI) with 1/20 positive dilution as cut-off point and, positive samples were further evaluated with indirect hemagglutination reaction (HAI). The prevalence of positive IFI reactions was 12.3% (95%CL: 11.5-13.2). Triatoma infestans was not found within the dwellings. The absence of infection among individuals younger than 14 years and, the absence of T. infestans during the last entomological survey demonstrates the success of the control program of Chagas' disease in the studied area where the vectorial transmission can be considered to have been interrupted.

Chagas' disease; Serologic survey; Entomologic survey; Brazil; Triatoma infestans; Vectorial transmission


ARTIGO

Avaliação do impacto das ações de controle vetorial da doença de Chagas através do inquérito sorológico em Mambaí/Buritinópolis, Goiás

Evaluation of the impact of vector control programs through serological testing in Mambaí/Buritinópolis, Goiás State

Rosaura Peñaranda-Carrillo11. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. , Eliana Furtado Moreira21. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. , Antônio Carlos Silveira11. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. , João Leite31. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. , Márcio Costa Vinhaes31. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. , Cleudson Castro11. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001. e Vanize Macêdo11. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF. e-mail: tropical@unb.br Recebido para publicação em 5/7/2001.

Resumo Em 1999, realizamos a avaliação do impacto das medidas de controle vetorial sobre a transmissão da doença de Chagas nas áreas endêmicas Mambaí e Bruritinópolis (GO). Após o recenseamento populacional foram realizados os inquéritos entomológico das unidades domiciliares e sorológico da população. As amostras de sangue foram coletadas por punção digital, em papel de filtro. O teste sorológico utilizado inicialmente para detectar anticorpos contra Trypanosoma cruzi foi a reação de imunofluorescência indireta (IFI) quantitativa com ponto de corte a diluição 1/20 e, os reagentes realizaram a reação de hemaglutinação indireta (HAI). A prevalência da IFI reagente foi 12,3% (95% IC: 11,5-13,2%). Triatoma infestans não foi encontrado nas habitações. A ausência de infecção de indivíduos menores de 14 anos e a ausência de T. infestans no inquérito entomológico demonstra o sucesso do programa de controle da doença de Chagas nessas áreas, podendo ser considerada interrompida a transmissão vetorial.

Palavras-chaves: Doença de Chagas. Inquérito sorológico. Inquérito entomológico. Triatoma infestans. Transmissão vetorial. Brasil.

Abstract In 1999, we performed serological and entomological surveys to evaluate the impact of vectorial control measures against transmission of Chagas' disease in the endemic area of Mambaí and Buritinópolis (GO). A census was undertaken of the population, after which the entomological survey was performed regarding the dwelling units and serological evaluation of the human population. Blood samples were collected by digital puncture in filter paper. The first serologic test performed to detect antibodies against Trypanosoma cruzi was the indirect immunofluorescence test (IFI) with 1/20 positive dilution as cut-off point and, positive samples were further evaluated with indirect hemagglutination reaction (HAI). The prevalence of positive IFI reactions was 12.3% (95%CL: 11.5-13.2). Triatoma infestans was not found within the dwellings. The absence of infection among individuals younger than 14 years and, the absence of T. infestans during the last entomological survey demonstrates the success of the control program of Chagas' disease in the studied area where the vectorial transmission can be considered to have been interrupted.

Key-words: Chagas' disease. Serologic survey. Entomologic survey. Brazil. Triatoma infestans. Vectorial transmission.

Em 1974, o Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília iniciou em Mambaí, município do Estado de Goiás, um estudo clínico e epidemiológico da doença de Chagas. Neste ano, foi feito o levantamento geográfico da localidade e o recenseamento populacional de 4.252 habitantes4 5 15. No ano seguinte, teve inicio a avaliação clínica, sorológica, radiológica, e eletrocardiográfica, sendo examinados 3.140 indivíduos. Simultaneamente, realizou-se o levantamento triatomínico em, aproximadamente, 900 unidades domiciliares (UDs)4 15 16.

A sorologia para a doença de Chagas foi realizada pelas reações de fixação do complemento, hemaglutinação indireta e imunofluorescência indireta (as três reações foram realizadas no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo e no Instituto Mario Fatala Chaben, em Buenos Aires). A prevalência de sorologia reagente para esta doença foi 34,4% sendo 17,9% em crianças entre zero e dez anos de idade3 4 5.

No levantamento triatomínico, ficou demonstrado que 54% das UDs estavam infestadas pelo Triatoma infestans. Em 1979, foram novamente pesquisadas 455 dessas UDs e observou-se aumento da infestação intradomiciliar para 74%19.

A partir de 1980, foi iniciado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM/Ministério da Saúde) o tratamento químico dos domicílios com inseticida (hexacloreto de benzeno-BHC), com cobertura integral da área. Logo a seguir, foram implantadas as atividades de vigilância epidemiológica, tendo a participação das equipes da UnB e da SUCAM, com o envolvimento da população7 8 10 15 18.

Essas atividades de vigilância epidemiológica consistiam basicamente em notificação, pelo morador, da presença de triatomíneos em sua casa, seguida de captura manual pela técnica hora/homem, feita pelo agente de saúde pública devidamente treinado, com posterior uso de insetífugo (pirisa líquida). Esse trabalho era acompanhado pela inspeção das caixas de Gómez Nuñez e de calendários, buscando a identificação de vestígios e a coleta de triatomíneos em bolsas plásticas que acompanhavam os calendários. Quando comprovada a infestação, a unidade domiciliar era devidamente tratada com inseticida de ação residual (BHC)7 9 10 17 18.

A avaliação da eficácia do programa, no período de 1980 a 1984, mostrou, neste último ano, que a taxa de infestação intradomiciliar pelo T. infestans diminuiu significativamente (28,6% para 14,2%), mas a infestação peridomiciliar pelo T. sordida se manteve em 32%10.

Em 1986-87, realizou-se um novo recenseamento populacional neste município, constatando-se que a população aumentou para 6.795 habitantes. Em 1.955 destes indivíduos, foi realizada sorologia para doença de Chagas pelas reações de imunofluorescência indireta (IFI), hemaglutinação indireta (HAI) e imunoabsorvência ligada a enzimas (ELISA). A prevalência encontrada de reação sorológica reagente foi 9,9%. Das 715 crianças na faixa etária de zero a dez anos que participaram deste inquérito 2,2% foram soro reagentes para a doença de Chagas3.

Depois da borrifação em massa (1980), realizaram-se expurgos seletivos das casas, acrescidos da vigilância feita pela população. Com isso, a taxa de infestação domiciliar caiu para zero por cento e, como conseqüência, a prevalência de infecção chagásica na população também diminuiu8 10.

O inquérito sorológico tem sido o procedimento individual mais valioso como indicador de infecção humana2 3 5 22 23. Por este motivo, através deste, se propôs avaliar o impacto das ações de controle de vetores na transmissão da doença de Chagas nos municípios de Mambaí e Buritinópolis, áreas de estudo longitudinal, mantidas a longo tempo sob vigilância, com participação comunitária.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho é parte do projeto Avaliação Epidemiológica do Impacto das Ações de Controle Vetorial da Doença de Chagas em Mambaí/Buritinópolis, Goiás. É um estudo de prevalência, onde foram avaliadas as populações dos municípios de Mambaí e Buritinópolis (antigo distrito de Buritis, desmembrado do município de Mambaí, em 29 de abril de 1992, pela Lei estadual Nº11.705), entre os meses de agosto a dezembro de 1999. Simultaneamente ao recenseamento da população, foi realizado o inquérito sorológico para doença de Chagas em 69,27% da população e, o entomológico, em 100% das UDs, tanto da zona urbana quanto da rural.

Recenseamento. Foi realizado por guardas sanitários da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), devidamente treinados. Depois de mapeadas as localidades, foram feitas visitas domiciliares em que se preencheu uma ficha familiar que incluía: município, endereço, nome do chefe da família e demais integrantes por ordem descendente, idade e sexo de cada um dos integrantes da família. Através do recenseamento, realizado em 1974-1975, pelo Núcleo de Medicina Tropical/Universidade de Brasília, foram identificados os indivíduos cadastrados no Projeto Mambaí naquela época.

Inquérito entomológico. A pesquisa entomológica foi realizada por técnicos da FUNASA, através da busca ativa, pela técnica hora/homem, com tempo controlado de uma hora por UD, fazendo-se a captura com o uso de pinça entomológica. Os exemplares capturados foram classificados segundo a espécie e o estádio de desenvolvimento, e submetidos ao exame a fresco do conteúdo intestinal. Para o estudo de fontes alimentares, analisou-se o conteúdo estomacal dos triatomíneos através da técnica de precipitinas em tubos capilares13 14 21.

Inquérito sorológico. O inquérito sorológico incluiu as pessoas residentes nos dois municípios que se encontravam nas unidades domiciliares no momento da visita do guarda sanitário. Foram explicados aos integrantes da família os procedimentos a serem realizados e a importância do exame sorológico para a doença de Chagas. De cada indivíduo solicitou-se o consentimento verbal. Para os menores de idade, o consentimento foi dado pelos pais ou responsáveis. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, como parte do estudo longitudinal da doença de Chagas em Mambaí/Buritinópolis.

As amostras de sangue foram coletadas por punção digital, com lancetas descartáveis, em papel de filtro, em duas alíquotas de aproximadamente 20mm de diâmetro, distribuídas em tira de papel com dimensões de 7,5 x 2,5cm. As tiras foram intercaladas com papel celofane, isolando-se as amostras, e identificadas com um número de registro11. Para cada indivíduo, foi preenchida uma ficha com o número de registro, nome, idade, sexo, município de residência, endereço e município de nascimento.

Os guardas sanitários entregavam o material coletado, a cada sete dias, a um dos pesquisadores que permanecia no posto médico da Universidade de Brasília localizado na cidade de Mambaí. Posteriormente, as amostras eram checadas com as fichas que continham os dados pessoais de cada indivíduo. As amostras de sangue foram acondicionadas em caixas de papelão e mantidas à temperatura ambiente, sendo logo enviadas ao Núcleo de Medicina Tropical/Universidade de Brasília para serem encaminhadas ao laboratório de imunologia da Fundação Ezequiel Dias/MG, onde foram realizados os exames sorológicos para a pesquisa de infecção pelo T. cruzi.

Inicialmente, realizou-se a triagem sorológica através da reação de IFI quantitativa, tendo como ponto de corte a diluição 1:20. Todas as amostras reagentes foram tituladas e submetidas à reação sorológica de HAI3.

Nos indivíduos menores de 20 anos de idade, com testes reagentes, quer seja IFI ou HAI, foram coletados 10ml de sangue, por punção venosa com seringa descartável, para a realização de sorologia para doença de Chagas pelas reações de IFI, HAI e ELISA. Os indivíduos sororreagentes pelas três reações foram investigados para avaliação da autoctonia da infecção tripanossômica.

Naqueles indivíduos com infecção recente, foi indicado tratamento com droga tripanossomicida.

RESULTADOS

Recenseamento. O número total de indivíduos recenseados foi 8.143, sendo que 4.692 (57,6%) residiam em Mambaí e 3.451 (42,4%) em Buritinópolis. Em Mambaí, 54,4% da população moravam na área urbana e, 45,6% na área rural, enquanto a maioria (58%) da população de Buritinópolis vivia na área rural (Tabela1).

Inquérito entomológico. Das 67 localidades existentes e pesquisadas, em 48 comprovou-se a presença de triatomíneos, com taxa de dispersão de 71,6%.

A infestação foi marcadamente peridomiciliar. Os índices de infestação peridomiciliar em Mambaí correspondem a 8,7% e em Buritinópolis 12,1%, com taxas para o intradomicílio de 0,7% e 1,2% respectivamente.

T. sordida foi a espécie identificada em 97,3% das capturas, sendo, ainda, a única encontrada no intradomicílio, com alguns poucos exemplares, e a única na qual se comprovou infecção natural pelo T. cruzi. As aves constituíram-se na fonte alimentar mais freqüente (45%) do T. sordida e, apenas 2,8% das reações foram positivas para anti-soro humano.

O resultado mais significativo, no entanto, no que diz respeito à pesquisa entomológica propriamente dita, foi um dado negativo. A completa ausência de T. infestans nos dois municípios.

Inquérito Sorológico. Foram coletadas e examinadas 5.642 amostras de sangue, o que representa 69,3% da população recenseada, da qual 58,5% (3.302) morava em Mambaí e 41,5% (2.340) em Buritinópolis. A maioria (52,6%) residia em área rural.

Do total das amostras coletadas e examinadas, 53,8% pertenciam a indivíduos do sexo feminino e 46,2% do sexo masculino. A média de idade foi 24,8%, variando de zero a 97 anos; 51,7% (2.922 pessoas) eram menores de 20 anos de idade (Tabela 2).

A maioria (69,3%) da população era autóctone, sendo 48,1% de Mambaí, 21,2% de Buritinópolis e, 30,7% dos municípios limítrofes.

A prevalência de exames sorológicos reagentes para a doença de Chagas, segundo a reação de IFI, com títulos iguais ou superiores a 1/20, foi 12,3% (695/5642), com intervalo de 95% de confiança entre 11,5% a 13,2% (Tabela 3).

Dentre a população em que foi coletada amostra de sangue em papel de filtro, 2.922 (51,7%) eram menores de 20 anos de idade e, desses, só 18 (0,6%) indivíduos (95% IC: 0,37-0,99) tinham reação de IFI reagente (Tabela 3).

As 695 amostras reagentes para a IFI foram submetidas à reação de HAI para doença de Chagas, encontrando-se 472 (67,9%) reagentes, 200 (28,8%) não-reagentes e 22 (3,2%) amostras com resultados indeterminados (Tabela 4).

Considerando-se as reações sorológicas positivas, tanto para a reação de IFI, quanto para a de HAI, a prevalência para a doença de Chagas foi 8,37% (95% IC: 7,7-9,12).

A maioria da população (76,6%) com resultado da reação de IFI igual ou maior que 1/20 era autóctone, sendo 16,8% dos examinados procedentes de municípios limítrofes: Alvorada do Norte, Posse e Simolandia (G0), Correntina, Cocos (BA) (Tabela 5).

Quatrocentos e quarenta e nove (64,6%) pessoas com IFI reagente moravam no município de Buritinópolis, sendo 71,5% na área rural (Tabela 6).

Foram identificados 791 indivíduos do Projeto Mambaí dos quais, desde 1975, conheciam-se os resultados da sorologia para a doença de Chagas. Dos 344 indivíduos sororeagentes em 1975, 44 (9,7%) tiveram reação IFI não-reagente em 1999. Dos 435 com testes sorológicos não-reagentes em 1975, 33 (9,7%) foram soro reagentes à IFI no inquérito atual. Doze indivíduos tinham resultados sorológicos duvidosos em 1975 e, desses, a metade apresentou IFI reagente e, a outra metade IFI não-reagente (Tabela 7).

A maioria (58,7%) dos indivíduos com IFI reagente era do sexo feminino. Não houve diferença estatística quanto ao sexo entre indivíduos menores de 20 anos de idade (Tabela 8).

Nos 18 indivíduos menores de 20 anos de idade, com reação de IFI reagente em papel de filtro, foram repetidos os exames sorológicos para doença de Chagas (IFI, HIA e ELISA) de sangue coletado por punção venosa. Em três dessas pessoas não foi possível a realização desses exames sorológicos (Tabela 9).

Um indivíduo de 19 anos teve resultados não-reagentes aos testes de IFI, HAI e ELISA. Dois indivíduos, um de 14 e outro de 17 anos, apresentaram IFI e ELISA reagentes, mas o resultado da HAI foi indeterminado e em sete indivíduos foi confirmada a infecção chagásica pelas três reações sorológicas (IFI, HAI e ELISA).

Vale a pena ressaltar que apenas seis (0,3%) crianças (95% IC: 0,11-0,64) menores de 14 anos (38,1% da população, de 2.149 pessoas) tiveram IFI em papel de filtro para a doença de Chagas reagente; contudo, esta sorologia não foi confirmada pelos exames de IFI, HAI e ELISA realizados em amostra de sangue coletada por punção venosa.

Quatorze desses indivíduos eram autóctones dos municípios do estudo, dois eram da Bahia, um de Damianópolis (GO) e um de Minas Gerais (Tabela 9).

DISCUSSÃO

Mambaí e Buritinópolis são municípios do estado de Goiás nos quais vêm sendo desenvolvidos estudos clínicos e epidemiológicos da doença de Chagas desde 1975. As medidas de controle vetorial iniciaram-se em 1980 através da borrifação em massa e, posteriormente, com expurgos seletivos, isto somado à vigilância feita pela população. Com este trabalho, avaliamos o impacto que tiveram essas medidas de controle na infecção humana pelo T. cruzi.

O recenseamento realizado pela FUNASA junto à Universidade de Brasília nos municípios do estudo mostrou um crescimento populacional de aproximadamente 20% em relação à existente em 1987, e de 90% em relação à população recenseada em 19753 4.

A soroprevalência para a doença de Chagas de 34,4%, verificada no inquérito de 19754 5, caiu para 12,3% em 1999.

A analise do comportamento da infecção chagásica nas populações dos Municípios de Mambaí e de Buritinópolis, em relação a três momentos do Projeto Mambaí, mostrou uma redução importante da prevalência de sorologias reagentes para a doença de Chagas na faixa etária de zero a dez anos de idade. Em 1975, a prevalência da infecção chagásica em crianças nesta faixa etária era 17,9%; em 1987, sete anos após a implantação das medidas de vigilância epidemiológica, essa prevalência caiu para 2,2%, sendo que, neste último inquérito (1999), não mais se constatou infecção chagásica em crianças entre zero e dez anos de idade3 4.

Os resultados das reações de IFI, HAI e ELISA, realizadas em sangue coletado por punção venosa em 18 (0,6%) indivíduos menores de 20 anos, mostrou que não mais existe transmissão vetorial da doença de Chagas em Mambaí/Buritinópolis após 13 anos de controle vetorial, uma vez que em nenhum indivíduo nesta faixa etária foi comprovada a infecção pelo T. cruzi. Da mesma forma, foi demonstrado não ter havido transmissão congênita, considerando que a sorologia na faixa de zero a dez anos foi não-reagente.

As técnicas sorológicas (IFI, HAI e ELISA) classicamente empregadas para estudos de tipo epidemiológico, utilizadas nesta pesquisa, apresentam boa sensibilidade, próxima a 100%, tanto em soro quanto em eluatos, mas todas elas têm baixa especificidade, podendo apresentar índices variáveis de reações falso positivas1 6 12 20. Isso provavelmente poderia explicar a divergência dos resultados encontrados neste inquérito com os resultados dos mesmos indivíduos, realizados em 1975, pelo Projeto Mambaí 3 6. Igualmente, a discordância de resultados quando se realizam os mesmos testes sorológicos em laboratórios diferentes tem sido com freqüência relatada na literatura3 5 6.

As ações de controle vetorial ocasionaram um grande impacto na diminuição da prevalência da doença de Chagas, através da interrupção da transmissão. Isto ficou bem demonstrado nas ações de controle do T. infestans com participação comunitária, realizadas nos municípios de Mambaí/Buritinópolis, alcançando a interrupção da transmissão vetorial da doença de Chagas pelo T. infestans, após treze anos de vigência do programa de controle.

Torna-se necessária a manutenção de medidas de vigilância epidemiológica permanente para que seja mantido o sucesso do programa, garantindo-se, assim melhores condições de saúde para estas comunidades.

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  • 1. Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF.
    . Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, Brasília, DF. 2. Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG. 3. Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF.
    Endereço para correspondência: Drª Vanize Macêdo. NMT/UnB. Caixa Postal 4517, 70919-970, Brasília, DF.
    Recebido para publicação em 5/7/2001.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2002
    • Data do Fascículo
      Ago 2002

    Histórico

    • Recebido
      05 Jul 2001
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