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Mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias em Salvador - Bahia: evolução e diferenciais intra-urbanos segundo condições de vida

Mortality due to infectious and parasitic diseases in Salvador, Bahia: evolution and intra-urban differences according to living conditions

Resumos

Analisa-se a evolução da mortalidade por DIP em Salvador-BA e seus diferenciais intra-urbanos mediante estudo de série temporal e de agregados espaciais, nos anos noventa. O DATASUS e declarações de óbitos foram as fontes de dados. Na análise temporal, empregou-se mortalidade proporcional, taxa de mortalidade e razão de mortalidade padronizada (RMP). No estudo espacial, analisou-se as taxas de mortalidade por DIP segundo um índice de condições de vida (ICV). Entre 1991 e 1995, a mortalidade proporcional por DIP foi de 8,3% e o risco de morrer variou entre 55,9 e 34,0 por 100 mil habitantes. No período seguinte, a variação foi entre 52,8 e 41,1 por 100 mil habitantes. A razão de mortalidade padronizada por doenças infecciosas e parasitárias em 1998 foi de 1,3. As doenças infecciosas intestinais continuam sendo uma das principais causas de morte desse grupo. As áreas da cidade onde as condições de vida eram mais baixas concentravam as maiores taxas de mortalidade por DIP. A despeito do declínio, ainda existe um excesso de mortalidade por DIP em Salvador. O modelo de desenvolvimento do país e a reemergência de algumas doenças podem estar contribuindo para este padrão.

Mortalidade; Doenças infecciosas e parasitárias; Desigualdades sociais; Condições de vida


The evolution of mortality due to infectious and parasitic diseases (IPD) and its intra-urban distribution in Salvador (Bahia) during the 1990's was analyzed in a study of time series and spatial aggregation. This data was obtained from DATASUS and from death certificates. Proportional mortality, mortality rate and standardized mortality ratio (SMR) were used for the temporal analysis. Mortality rates due to IPD stratified by a living conditions index (LCI) were analyzed in the spatial study. Between 1991 and 1995, the proportional mortality for IPD was 8.3% and the risk of dying varied between 55.9 and 34.0/100,000 inhabitants. After 1995 the variation was between 52.8 and 41.1/100,000 inhabitants. The standardized mortality ratio for infectious and parasitic diseases in 1998 was 1.3. Infectious intestinal diseases continue to be one of the principal causes of death in this group. The highest rates of mortality from IPD were concentrated in the areas of the city where the living conditions were poor. Despite the observed decline, there is still an excessive mortality rate from IPD in Salvador. The developmental model of the Country and re-emergence of some diseases could be contributing towards this pattern.

Mortality; Infectious and parasitic diseases; Social inequalities; Living conditions


ARTIGO

Mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias em Salvador - Bahia: evolução e diferenciais intra-urbanos segundo condições de vida

Mortality due to infectious and parasitic diseases in Salvador, Bahia: evolution and intra-urban differences according to living conditions

Maria da Gloria Teixeira1 1 . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6. Endereço para correspondência: Dra. Maria da Glória Teixeira. R. Padre Feijó 29/4 o andar, Canela, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Tel: 71 245-0544/245-0151; Fax: 71 237-5856. e-mail: magloria@ufba.br Recebido para publicação em 10/12/2002. , Marcos de Argolo Meyer1 1 . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6. Endereço para correspondência: Dra. Maria da Glória Teixeira. R. Padre Feijó 29/4 o andar, Canela, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Tel: 71 245-0544/245-0151; Fax: 71 237-5856. e-mail: magloria@ufba.br Recebido para publicação em 10/12/2002. , Maria da Conceição N. Costa1 1 . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6. Endereço para correspondência: Dra. Maria da Glória Teixeira. R. Padre Feijó 29/4 o andar, Canela, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Tel: 71 245-0544/245-0151; Fax: 71 237-5856. e-mail: magloria@ufba.br Recebido para publicação em 10/12/2002. , Jairnilson Silva Paim1 1 . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6. Endereço para correspondência: Dra. Maria da Glória Teixeira. R. Padre Feijó 29/4 o andar, Canela, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Tel: 71 245-0544/245-0151; Fax: 71 237-5856. e-mail: magloria@ufba.br Recebido para publicação em 10/12/2002. e Ligia Maria Vieira da Silva1 1 . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6. Endereço para correspondência: Dra. Maria da Glória Teixeira. R. Padre Feijó 29/4 o andar, Canela, 40110-170 Salvador, Bahia, Brasil. Tel: 71 245-0544/245-0151; Fax: 71 237-5856. e-mail: magloria@ufba.br Recebido para publicação em 10/12/2002.

Resumo Analisa-se a evolução da mortalidade por DIP em Salvador-BA e seus diferenciais intra-urbanos mediante estudo de série temporal e de agregados espaciais, nos anos noventa. O DATASUS e declarações de óbitos foram as fontes de dados. Na análise temporal, empregou-se mortalidade proporcional, taxa de mortalidade e razão de mortalidade padronizada (RMP). No estudo espacial, analisou-se as taxas de mortalidade por DIP segundo um índice de condições de vida (ICV). Entre 1991 e 1995, a mortalidade proporcional por DIP foi de 8,3% e o risco de morrer variou entre 55,9 e 34,0 por 100 mil habitantes. No período seguinte, a variação foi entre 52,8 e 41,1 por 100 mil habitantes. A razão de mortalidade padronizada por doenças infecciosas e parasitárias em 1998 foi de 1,3. As doenças infecciosas intestinais continuam sendo uma das principais causas de morte desse grupo. As áreas da cidade onde as condições de vida eram mais baixas concentravam as maiores taxas de mortalidade por DIP. A despeito do declínio, ainda existe um excesso de mortalidade por DIP em Salvador. O modelo de desenvolvimento do país e a reemergência de algumas doenças podem estar contribuindo para este padrão.

Palavras-chaves: Mortalidade. Doenças infecciosas e parasitárias. Desigualdades sociais. Condições de vida.

Abstract The evolution of mortality due to infectious and parasitic diseases (IPD) and its intra-urban distribution in Salvador (Bahia) during the 1990's was analyzed in a study of time series and spatial aggregation. This data was obtained from DATASUS and from death certificates. Proportional mortality, mortality rate and standardized mortality ratio (SMR) were used for the temporal analysis. Mortality rates due to IPD stratified by a living conditions index (LCI) were analyzed in the spatial study. Between 1991 and 1995, the proportional mortality for IPD was 8.3% and the risk of dying varied between 55.9 and 34.0/100,000 inhabitants. After 1995 the variation was between 52.8 and 41.1/100,000 inhabitants. The standardized mortality ratio for infectious and parasitic diseases in 1998 was 1.3. Infectious intestinal diseases continue to be one of the principal causes of death in this group. The highest rates of mortality from IPD were concentrated in the areas of the city where the living conditions were poor. Despite the observed decline, there is still an excessive mortality rate from IPD in Salvador. The developmental model of the Country and re-emergence of some diseases could be contributing towards this pattern.

Key-words: Mortality. Infectious and parasitic diseases. Social inequalities. Living conditions.

Durante muitos séculos as doenças infecciosas e parasitárias (DIP) dominaram o quadro nosológico das populações. Esta situação foi revertida nos países que alcançaram o desenvolvimento industrial e melhoria das condições de vida da população, fatores que contribuíram para determinar profundas alterações no padrão epidemiológico, tais como redução da mortalidade geral, infantil e por doenças transmissíveis, aumento da expectativa de vida da população e predomínio da morbidade e mortalidade por doenças crônico-degenerativas, completando assim a denominada transição epidemiológica10 .

Este processo só passou a acontecer mais tardiamente nos países de desenvolvimento dependente onde a morbimortalidade por doenças infecciosas permaneceu relevante e complexos problemas de saúde vinculados à industrialização e ao crescimento urbano desordenado, a exemplo das doenças cardiovasculares e violências, também foram ganhando importância2 6 12. Por outro lado, registra-se nos dias atuais a reemergência de algumas doenças pertencentes ao grupo das DIP, além do aparecimento de novas enfermidades infecciosas5 14.

Não obstante venha ocorrendo acentuada melhoria nos principais indicadores de saúde tais como mortalidade geral, infantil e por DIP, e aumento da expectativa de vida ao nascer2 6, as desigualdades existentes nas sociedades não têm permitido que os benefícios do desenvolvimento se distribuam de modo homogêneo entre as populações e nos diferentes espaços geográfico-sociais nos quais residem. Este é um problema que se encontra presente e tem se constituído em objeto de preocupação e estudos tanto nos países desenvolvidos quanto nos países dependentes.

As doenças transmissíveis guardam estreita relação com as condições sociais e econômicas de indivíduos e populações representando portanto, um indicador sensível de seus níveis de saúde e de vida. Deste modo, a realização de estudos sobre a epidemiologia das doenças infecciosas e parasitárias abordando sua distribuição nos espaços intra-urbanos podem aportar importantes subsídios para a orientação de intervenções estatais4 19, visto a capacidade que este grupo de causa apresenta para evidenciar áreas prioritárias. Entretanto, em que pese a existência de consenso quanto a este reconhecimento, na Bahia são quase inexistentes estudos desta natureza, o que torna pertinente a realização da presente investigação que teve como objetivos descrever a evolução da mortalidade por DIP em Salvador nos anos noventa e analisar os diferenciais de sua distribuição no espaço intra-urbano, considerando as condições de vida de sua população.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de série temporal e de agregados espaciais cuja base territorial foi o município de Salvador/Ba, que está dividido em 75 Zonas de Informação (ZI), definidas pela CONDER (Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador). A população estudada constituiu-se de indivíduos residentes nesta capital nos anos de 1991 a 1998.

As informações sobre os óbitos foram provenientes do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e as populações foram obtidas das estimativas e dados censitários disponibilizadas pelo Ministério da Saúde. Para o município como um todo, foram calculadas, para o período de 1991 a 1998, a mortalidade proporcional, a taxa de mortalidade e a razão de mortalidade padronizada (RMP) específicas por DIP. No caso do cálculo deste último indicador, tomou-se como padrão as taxas de mortalidade por DIP da cidade de São Paulo. Foi ainda estimada para anos selecionados, a proporção de óbitos por algumas DIP específicas, em relação, tanto ao total de óbitos deste grupo, quanto ao total de óbitos por todas as causas.

No estudo da distribuição espacial, foram utilizadas fotocópias das declarações de óbitos ocorridos em 1991 e 1994, de residentes no referido município, fornecidas pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), de onde levantou-se o endereço habitual e a causa básica de óbito que já se encontrava codificada segundo a nona revisão da Classificação Internacional de Doenças8, por profissionais daquela instituição. A partir dos endereços de residência, todos os óbitos por DIP ( 001 ¾ 139 na 9a e A00-B99 na 10a revisões da Classificação Internacional de Doenças-CID) foram classificados segundo zona de informação, a menor unidade de análise deste estudo, calculando então as taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias de cada de cada uma delas. Estas taxas foram dispostas em ordem decrescentes e agrupadas em quartis de elevada, média, baixa e muito baixa taxa de mortalidade por DIP, após o que foi feita sua representação gráfica e, analisada sua evolução no referido lapso de tempo.

Para o estudo da mortalidade segundo condições de vida empregou-se um índice de condições de vida (ICV)11 que combina cinco indicadores sócio-econômicos (renda, escolaridade, aglomeração, saneamento e aglomerados subnormais), resultando em um escore para cada zona. A partir da ordenação destes escores as zonas de informação foram agregadas em quartis representando estratos da população classificados nas seguintes categorias de Condições de Vida: elevada; intermediária; baixa e muito baixa, para os quais foram estimadas as taxas de mortalidade por DIP, bruta e padronizada por idade, utilizando-se para esta última o método direto13, e tomando como referência a população de Salvador no ano de 1991. Aplicou-se o teste de quiquadrado para verificar a existência de tendência na distribuição, entre estes estratos, das taxas de mortalidade por DIP, aceitando-se um nível de significância de 0,05.

Os aplicativos EPI-INFO 6 e EPIMAP 2 foram utilizados para o processamento e análise dos dados.

RESULTADOS

Entre 1991 e 1995, a mortalidade proporcional por DIP em Salvador foi em média de 8,3% (desvio padrão de + 1,2), variando de 8,0% a 9,7%, e a taxa específica de mortalidade decresceu de 55,9 para 47,4 por 100 mil habitantes nos anos de 1992 e 1994. Em 1995, os valores da mortalidade infantil proporcional (MIP) e da taxa de mortalidade por DIP foram de 6,5% e 34,0 por 100.000 habitantes, respectivamente. No período seguinte, quando já estava em vigor a 10ª Revisão da CID, estas taxas variaram entre 52,8 em 1996 e 41,1 por 100 mil habitantes, em 1997. A RMP por DIP que até 1994 era superior a 2, reduziu-se para 1,7 em 1995. Nos anos de 1996 e 1997, os valores foram de 1,1 elevando-se para 1,3 em 1998 (Tabela 1).

As principais causas específicas de morte por DIP, nos anos de 1991 e 1994, foram as doenças infecciosas intestinais, tuberculose, septicemias e doença de Chagas. A primeira delas contribuía com cerca de 30% dos óbitos deste grupo de causas em 1991 e com 36,2% em 1994. Em 1998, as septicemias (21,4%) passaram a ser responsáveis pela maior proporção dos óbitos por DIP. A tuberculose se manteve em segundo lugar (19,8%) e a aids (16,3%) passou a ocupar a terceira posição (Tabela 2). Já as doenças infecciosas intestinais apresentaram uma redução de 46,7% no número absoluto de óbitos quando comparado com 1991, e a sua contribuição percentual em relação ao total de óbitos por todas as causas decresceu de 2,9% em 1994 para 1,1% em 1998.

As áreas mais centrais e periféricas da cidade concentraram, em geral, as maiores taxas de mortalidade por DIP em 1991 e 1994 (Figura 1). As ZI 11/12 (Alto das Pombas/Federação), 49 ( Uruguai) e 54 ( Paralela) apresentaram maior aumento nas taxas de mortalidade por DIP entre 1991 e 1994 enquanto as ZI 36 (19 BC), 50/51 (São Caetano) e 71 (Coutos) (Tabela 3), foram as que apresentaram maior declínio quando não se considerou aquelas ZI onde não houve registro de óbitos por DIP, ou este foi em número muito reduzido.


Em ambos os anos da análise espacial, observou-se que as maiores taxas bruta de mortalidade por este grupo de causa encontravam-se nos quartis de ZI onde as condições de vida eram baixas (41,5 e 41,1 por 100.000 habitantes) e muito baixas (51,3 e 46,1 por 100.000 habitantes em 1991 e 1994, respectivamente). O quiquadrado de tendência linear para a distribuição destas taxas nos quatro estratos considerados foi de 12,9 (p<0,001) e de 10,7 (p=0,001) para cada um dos citados anos. Quando padronizadas por idade, as maiores taxas também referiam-se aos estratos de piores condições de vida. Além disso, observou-se em 1994 uma elevação da mortalidade por este grupo de causas nestes estratos enquanto se verificou o inverso naqueles de melhores condições de vida. Em ambos os anos do estudo, foi o estrato de intermediária condições de vida que apresentou o menor risco para esta mortalidade (Figura 2).


DISCUSSÃO

Reconhece-se que se deve ter certa cautela nas análises de dados secundários, em função da sua má qualidade e baixa cobertura. Entretanto, como os sistemas de informações de mortalidade das capitais brasileiras são reconhecidamente mais fidedignos15, os resultados deste estudo podem ser considerados válidos.

Durante a década de noventa, verificou-se um decréscimo na mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, que não se distribuiu uniformemente no espaço urbano de Salvador, nos anos deste estudo. A grande desigualdade do risco de morte por este grupo de causas pode ser evidenciada tanto pela distribuição de suas taxas de mortalidade entre as diferentes Zonas de Informações, quanto pelo risco de morte por DIP ser duas vezes superior no estrato de condições de vida muito baixa que no de condições de vida elevada. Ressalte-se que o município de Salvador possui áreas cujas taxas de mortalidade por DIP assemelham-se às de algumas cidades de países que já completaram a transição epidemiológica, ao tempo em que também possui áreas que parecem ter iniciado este fenômeno na década de noventa, configurando grandes contrastes sociais intra-urbanos, reproduzindo o padrão já descrito em regiões e estados brasileiros6 9.

Chama a atenção o crescimento da mortalidade padronizada por DIP justamente naqueles estratos nos quais as condições de vida da população eram mais precárias, embora se reconheça que se deva ter muita cautela na interpretação deste achado, por se tratar de um curto período que envolve apenas dois pontos no tempo. Esta situação pode ter resultado tanto de uma alteração da estrutura etária da população como de erros decorrentes das estimativas populacionais. Porém, a julgar pela variação negativa dos valores do PIB per capita do Estado da Bahia, entre 1990 e 199318, que configuram um quadro de grave recessão, pode-se também supor que tal ocorrência tenha se dado como conseqüência de uma real piora da qualidade de vida e saúde da população neste período.

Constata-se então que a existência de diferenciais intra-urbanos de mortalidade, problema que já chamava a atenção dos grandes sanitaristas do século XIX, desafortunadamente, permanece nos dias atuais como uma questão central a ser resolvida nos países em vias de desenvolvimento, e mesmo, ainda que em menor proporção, em outros considerados desenvolvidos.

Esperar-se-ia que estas enfermidades não mais se apresentassem entre as cinco principais causas de morte em nosso meio, tendo em vista que grande parte dos óbitos por este grupo de causas passou a ser potencialmente evitável, em função de que aos conhecimentos aportados no século XIX sobre os determinantes da distribuição das doenças nas diferentes classes sociais e no espaço urbano7 17 21, foram acrescentados durante o período seguinte muitos avanços científicos no campo do tratamento e controle das doenças infecciosas e parasitárias.

Contrariamente, observou-se em Salvador em 1998, que mais de 70% dos óbitos por DIP ainda eram devidos às diarréias, tuberculose, septicemias e doença de Chagas, problemas de saúde para os quais se dispõe de recursos terapêuticos e de prevenção de elevada efetividade. Logo, pode-se admitir que grupos específicos da população, exatamente aqueles que residem em áreas onde as condições de vida são mais adversas e consequentemente mais expostas às DIP, não são os mais beneficiados pelas tecnologias disponíveis, resultando em iniqüidades conforme as reveladas por este estudo, e evidenciando uma grave dívida social da saúde1.

A despeito do acentuado declínio que vem apresentando, constatou-se haver, durante todo o período do estudo, um excesso na mortalidade por DIP em Salvador quando se tomou como referência a cidade de São Paulo e, principalmente, quando comparada aos de cidades de países desenvolvidos.

Se bem que seja reconhecida a relação entre a manutenção de elevada mortalidade por doenças transmissíveis nos países menos desenvolvidos com o modelo excludente de desenvolvimento econômico e social adotado, não se pode desconsiderar que a emergência e reemergência de algumas doenças infecciosas estão influenciando sobremaneira o padrão de mortalidade e, principalmente, de morbidade em todo o mundo3 5. O conjunto destes fatores tem tornado cada vez mais importante a realização de estudos epidemiológicos sobre esta questão de modo a contribuir para o seu monitoramento e, especialmente, para identificar prioridades e formas efetivas de utilização do conhecimento científico e tecnológico disponível para a prevenção destes problemas.

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    . Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA.
    Suporte: OPAS/CNPq ( Processo N
    o 521.820/93-6, Acordo OPAS/CNPq DRC/RPD/63/5/12) na sua primeira etapa e apoiado pelo CNPq na sua segunda etapa Processo 520997/95-6.
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    Recebido para publicação em 10/12/2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      Out 2002

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2001
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