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Análise do desempenho da pesquisa de anticorpos IgG anti-formas promastigotas vivas de Leishmania (V.) braziliensis (AAPV-IgG), por citometria de fluxo no diagnóstico da Leishmaniose Tegumentar Americana

TEMAS APRESENTADOS LEISHMANIOSES

Análise do desempenho da pesquisa de anticorpos IgG anti-formas promastigotas vivas de Leishmania (V.) braziliensis (AAPV-IgG), por citometria de fluxo no diagnóstico da Leishmaniose Tegumentar Americana

Roberta D. R. RochaI; Célia M. F. GontijoI; Silvana M. E. SantosI,II; Andréa T. CarvalhoI,III; Teresa C. FerrariII; Rodrigo C. OliveiraI; Marcos J. MarquesIV; Wilson MayrinkV; Olindo A. Martins-FilhoI

ICPqRR-FIOCRUZ

IIFM/UFMG

IIIEF/UFOP

IVUFRJ

VICB/UFMG

INTRODUÇÃO

Os testes sorológicos convencionais, tais como a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e o ensaio imunoenzimático (ELISA), são, de um modo geral, considerados de valor limitado na Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), devido aos baixos títulos de anticorpos detectáveis (Brito et al., 2000), a ausência de relação desses níveis com a presença de infecção ativa (Souza et al., 1992; Gontijo et al., 2002) e aos altos níveis de reatividade cruzada com outras espécies da família Trypanosomatidae (Vexenat et al., 1996). Vários autores têm procurado superar essas limitações através da busca de preparações antigênicas ideais para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania e o diagnóstico sorológico seguro da LTA (Jensen et al., 1996; Gonçalves et al., 2002). Recentemente, desenvolvemos em nosso laboratório uma metodologia para detecção de anticorpos IgG anti-promastigotas vivas de Leishmania (V.) braziliensis (AAPV-IgG) (Rocha et al., 2002) que avalia no contexto ex vivo a reatividade de anticorpos dirigidos contra antígenos de membrana do parasito, evitando, dessa forma, a reatividade dos soros com estruturas intracitoplasmáticas, alvos da reatividade cruzada com outros tripanosomatídeos. Nesta presente investigação avaliamos de forma comparativa o desempenho da RIFI e da AAPV-IgG. Para tal, foram empregados diferentes índices, incluindo sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos, probabilidade de doença pós-teste negativo e taxa de falso-positivo. A acurácia foi também avaliada através da construção da receiver operating characteristic curve- curva ROC (Greiner et al., 2000), do Índice J de Youden (Youden, 1950) e da Razão de Verossimilhança - RV (Jaescheke et al., 1994). Nossos resultados demonstraram a aplicabilidade da AAPV-IgG como um novo instrumento para ensaios clínicos de diagnóstico sorológico da LTA. Além disso, foi possível identificar que a AAPV-IgG seguida pela análise combinada de AAPV-IgG1 e a AAPV-IgG2, elevou a especificidade do método, favorecendo o esclarecimento diagnóstico de casos positivos pela AAPV-IgG.

MATERIAL E MÉTODOS

1 - População avaliada. Os indivíduos incluídos nesse estudo foram selecionados a partir de um inquérito clínico-imunoparasitológico, nos municípios de Araçuaí e Caratinga, MG, no período de 1996 a 2000. A População I consistiu de 145 indivíduos classificados em dois grupos, quanto à ausência de lesão (L- = 78) ou presença de lesão com exame parasitológico e/ou Intradermorreação de Montenegro positivos (L+ = 67). Misturas de soros de pacientes portadores de hanseníase (n=8), paracoccidiomicose (n=8), tuberculose (n=8), toxoplasmose (n=10), leishmaniose visceral - LV (n=18) e doença de Chagas - DC (n=18), foram utilizadas nos estudos de especificidade. A População IA foi estabelecida para simular um ensaio clínico em uma área onde coexistam LTA, DC e LV, sendo constituída por 103 indivíduos L-, incluindo 67 indivíduos saudáveis da População I, 18 pacientes portadores de DC e 18 portadores de LV. A Sub-cohort "IA" foi composta por 28 amostras de soros de pacientes L-, incluindo 15 pacientes portadores de DC e 13 portadores de LV e 16 pacientes L+. Este trabalho foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz.

2 - Reação de imunofluorescência pela RIFI e pela AAPV-IgG. A RIFI para pesquisa de IgG foi realizada segundo descrição do kit para diagnóstico de leishmaniose humana (Biomanguinhos/FIOCRUZ/MS). Os títulos iguais ou superiores a 1/40 foram considerados como reação positiva. Os ensaios da AAPV-IgG, foram realizados segundo protocolo descrito Rocha et al. (2002).

3 - Análise estatística. O desempenho dos testes foi avaliado segundo diferentes índices, incluindo: sensibilidade; especificidade; valor preditivo positivo –VPP; valor preditivo negativo –VPN; probabilidade de doença pós-teste negativo; taxa de falso positivo e o índice J de Youden (Youden, 1950). A receiver operating characteristic curve (curva ROC) foi utilizada para selecionar o melhor ponto de corte para segregar os resultados em positivo ou negativo, bm como calcular a acurácia global dos testes como a área sob a curva ROC-ASC (Swets, 1988; Greiner et al., 2000). O desempenho dos testes foi ainda avaliado a partir da determinação das Razões de Verossimilhança (RV) (Jaescheke et al., 1994). A probabilidade pós-teste de doença (PPT) foi calculada a partir das RV.

RESULTADOS

Estudo das curvas ROC da RIFI e da AAPV-IgG na População I- De acordo com Swets, 1988, nossos dados mostraram que a RIFI apresentou uma baixa acurácia (0,5<ASC£0,7) enquanto a AAPV-IgG mostrou uma acurácia elevada (0,9<ASC<1,0). A curva ROC da AAPV-IgG demonstrou que o valor de 60% de PPFP seria um melhor ponto de corte para a segregação dos grupos L- e L+ (Figura 2). O estabelecimento desse ponto de corte revelou uma sensibilidade de 94% e uma especificidade de 87% para a AAPV-IgG. Dessa forma, nesse estudo, os valores de PPFP£60% referem-se a resultados de baixa reatividade ou resultados negativos e valores de PPFP>60% definem uma faixa de alta reatividade ou resultados positivos.




RIFI e AAPV-IgG na População I - Os resultados da RIFI demonstraram que 57% (38/67) dos indivíduos L- apresentaram títulos negativos, enquanto 88% (69/78) dos pacientes L+ apresentaram títulos positivos (Figura 1A). A análise dos resultados da AAPV-IgG permitiu identificar 87% (58/67) dos indivíduos L- com valores de PPFP restritos a uma região de baixa reatividade e 94% (73/78) dos pacientes L+ com valores confinados numa região de alta reatividade (Figura 1B).

Identificação de situações clínicas que podem interferir no desempenho da AAPV-IgG - A análise dos resultados permitiu identificar que entre as situações clínicas avaliadas, apenas LV e DC apresentaram valores de PPFP >60% (Figura 3). Assim, o desempenho da RIFI e da AAPV-IgG foram avaliados, através da curva ROC, numa população simulada (População IA) onde foram incluídos pacientes portadores de DC e LV. A análise dos resultados mostrou que a despeito de uma queda no desempenho de ambos os métodos em relação ao observado para a População I, na População IA a AAPV-IgG ainda apresenta um melhor desempenho com uma acurácia moderada (0,7<ASC<0,9) em relação à RIFI, que apresentou uma baixa acurácia na População IA (0,5<ASC£0,7) (Dados não mostrados).


Análise comparativa do desempenho da RIFI e da AAPV-IgG na População I - A AAPV-IgG demonstrou um ganho real em todos os índices avaliados em relação à RIFI, principalmente em especificidade, taxa de falso positivo e Índice J de Youden (Tabela 1). As RVs e PPTs da RIFI mostraram-se desprovidas de valor diagnóstico, enquanto para a AAPV-IgG mostraram que PPFP>60% contribuem para a confirmação do diagnóstico da LTA e que PPFP£60% praticamente excluem o diagnóstico de LTA (Jaescheke et al., 1994).

AAPV-IgG1 e AAPV-IgG2 no esclarecimento de situações AAPV-IgG positivas - O estudo das Curvas ROC da AAPV-IgG1 e da AAPV-IgG2 na População IA mostrou, respectivamente, que os valores de 60% e 50% de PPFP nas diluições do soro 1:16384 e 1:64 seriam os melhores pontos de corte para a segregação dos grupos L- e L+. A análise dos dados da AAPV-IgG1 demonstrou que 71% (20/28) dos indivíduos L- apresentaram valores de PPFP=60% e 100% dos pacientes L+ permaneceram com valores de PPFP confinados a uma região de alta reatividade (Figura 4B). A análise dos resultados da AAPV-IgG2 demonstrou que 75% (21/28) dos indivíduos L- apresentaram valores de PPFP restritos a uma região de baixa reatividade e 100% dos pacientes L+ permaneceram com valores de PPFP confinados a uma região de alta e 100% dos pacientes L+ permaneceram com valores de PPFP confinados a uma região de alta reatividade (Figura 4C). A análise combinada da AAPV-IgG1/IgG2 permitiu esclarecer 93% (26/28) de situações de AAPV-IgG positivas que não apresentavam LTA, com resultados restritos a uma região de baixa reatividade e confirmar 100% (16/16) dos casos ativos de LTA com sorologia positiva pela AAPV-IgG, com resultados confinados a uma região alta reatividade (Figura 4D).


Desempenho da RIFI e da análise combinada de AAPV-IgG1 e AAPV-IgG2 no esclarecimento de sorologia falso-positiva pela AAPV-IgG - A Tabela 1 apresenta os valores dos índices de desempenho da RIFI e da análise combinada de AAPV-IgG1/IgG2 obtidos a partir dos resultados apresentados na Sub-cohort "IA". A análise dos dados demonstrou um ganho real em relação da AAPV-IgG1/IgG2 em relação à RIFI aplicada na Sub-cohort "IA" em todos os índices avaliados (Tabela 1). Os valores de RVs e das PPTs de doença para os pontos de corte propostos para a análise combinada da AAPV-IgG1/IgG2 estão apresentados na Tabela 2. Os resultados destes índices mostraram que um resultado positivo (IgG1>60%PPFP e IgG2>50%PPFP) na análise combinada da AAPV-IgG1/IgG2 praticamente confirma o diagnóstico da LTA, enquanto um resultado negativo (IgG1£60%PPFP e IgG2£50%PPFP) praticamente exclui o diagnóstico da infecção ativa.

CONCLUSÃO

Neste estudo, a análise comparativa dos resultados da RIFI e da AAPV-IgG permitiu concluir que o novo método apresenta melhor aplicabilidade na identificação de casos de LTA em atividade clínica. O estudo dos índices de desempenho expressos em percentual e expressos em chances (RVs), demonstrou ainda que a análise combinada AAPV-IgG1/IgG2 aplica-se ao esclarecimento de situações de AAPV-IgG positivas numa amostragem populacional que inclui outras infecções. Esses dados re-enfatizam aplicabilidade da AAPV-IgG no diagnóstico sorológico da LTA e sugerem a utilização combinada da AAPV-IgG1/IgG2 como método sorológico adicional em áreas endêmicas onde a LTA, LV e DC coexistam.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2012
  • Data do Fascículo
    2003
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