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Estudo comparativo entre o xenodiagnóstico artificial realizado imediatamente e quatro horas após a coleta de sangue

Comparative study between artificial xenodiagnosis performed immediately and four hours after venous punch

Resumos

Foi realizado xenodiagnóstico artificial, imediatamente e quatro horas após a coleta do sangue, em 63 pacientes, sendo 29 (46%) do sexo masculino e 34 (54%) do sexo feminino. A idade mínima foi 18 anos e a máxima 68, sendo a idade média 39 anos. Onze (17,5%) pacientes apresentaram resultados positivos, sendo 8 (12,7%) no exame imediato e 7 (11,1%) no exame 4 horas após. Os oito pacientes do exame imediato apresentaram 17 pools positivos e os sete do xenodiagnóstico de quatro horas mostraram 11 pools positivos (p =0,34). Quatro pacientes foram positivos exclusivamente no xenodiagnóstico imediato, três somente no exame de 4 horas e quatro positivos em ambos. Os dados autorizam realizar o xenodiagnóstico, até quatro horas após a extração do sangue, sem prejuízo no resultado do exame.

Xenodiagnóstico artificial; Xenodiagnóstico; Diagnóstico parasitológico; Doença de Chagas


Artificial xenodiagnosis was performed immediately after blood venous punch and then four hours later on 63 patients; 29 (46%) were male and 34 (54%) female, mean age 39 years (range 18 to 68 years). Eleven (17.5%) patients presented positive exams, of which eight (12.7%) were from immediate xenodiagnosis and 7 (11.1%) xenodiagnosis fours hours after. Eight patients showed 17 positive pools from immediate xenodiagnosis and 7 patients with xenodiagnosis four hours later showed 11 positive pools (p = 0.34). Four patients were positive only on immediate xenodiagnosis, three only on xenodiagnosis 4 hours after and four were positive in both. The data demonstrate that xenodiagnosis can be performed up to four hours after blood collection without impairing the test results.

Artificial xenodiagnosis; Xenodiagnosis; Parasitological diagnosis; Chagas'disease


ARTIGO ARTICLE

Estudo comparativo entre o xenodiagnóstico artificial realizado imediatamente e quatro horas após a coleta de sangue

Comparative study between artificial xenodiagnosis performed immediately and four hours after venous punch

Cleudson CastroI; Martinho Candido A. SantosII; Celeste Aida SilveiraI

INúcleo de Medicina Tropical e Nutrição da Universidade de Brasília, Brasília, DF

IIHospital Universitário de Brasília da Universidade de Brasília, Brasília, DF

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Prof. Cleudson Castro Núcleo de Medicina Tropical/UnB Caixa Postal 04-671 70919-970 Brasília DF, Brasil Fax: 55 61 273-2811 e-mail: cleudsoncastro@hotmail.com

RESUMO

Foi realizado xenodiagnóstico artificial, imediatamente e quatro horas após a coleta do sangue, em 63 pacientes, sendo 29 (46%) do sexo masculino e 34 (54%) do sexo feminino. A idade mínima foi 18 anos e a máxima 68, sendo a idade média 39 anos. Onze (17,5%) pacientes apresentaram resultados positivos, sendo 8 (12,7%) no exame imediato e 7 (11,1%) no exame 4 horas após. Os oito pacientes do exame imediato apresentaram 17 pools positivos e os sete do xenodiagnóstico de quatro horas mostraram 11 pools positivos (p =0,34). Quatro pacientes foram positivos exclusivamente no xenodiagnóstico imediato, três somente no exame de 4 horas e quatro positivos em ambos. Os dados autorizam realizar o xenodiagnóstico, até quatro horas após a extração do sangue, sem prejuízo no resultado do exame.

Palavras-chaves: Xenodiagnóstico artificial. Xenodiagnóstico. Diagnóstico parasitológico. Doença de Chagas.

ABSTRACT

Artificial xenodiagnosis was performed immediately after blood venous punch and then four hours later on 63 patients; 29 (46%) were male and 34 (54%) female, mean age 39 years (range 18 to 68 years). Eleven (17.5%) patients presented positive exams, of which eight (12.7%) were from immediate xenodiagnosis and 7 (11.1%) xenodiagnosis fours hours after. Eight patients showed 17 positive pools from immediate xenodiagnosis and 7 patients with xenodiagnosis four hours later showed 11 positive pools (p = 0.34). Four patients were positive only on immediate xenodiagnosis, three only on xenodiagnosis 4 hours after and four were positive in both. The data demonstrate that xenodiagnosis can be performed up to four hours after blood collection without impairing the test results.

Key-words: Artificial xenodiagnosis. Xenodiagnosis. Parasitological diagnosis. Chagas'disease.

O xenodiagnóstico2 (xeno) nos últimos anos passou por algumas modificações em geral favoráveis ao bem estar do paciente o que sem dúvida tem diminuído a resistência para esse exame, fazendo com que o paciente aceite repeti-lo certo de que não lhe causará problemas. Essas modificações materializadas no xeno artificial tem sido aplicadas no exame feito no laboratório mas pouco empregado no trabalho de campo. Alguns grupos de investigação substituíram o xeno natural4 quando os barbeiros sugam o paciente através da pele, pelo xeno artificial3 5 9 10 12 que consiste na extração do sangue, ofertando-o aos triatomíneos. Outrora a população da zona rural temia colher sangue por causa do trauma das agulhas metálicas rombudas, atualmente quando os serviços de saúde tem-se feito presentes no interior do país o receio de colher sangue praticamente desapareceu e o aperfeiçoamento de agulhas e seringas facilitou esse procedimento.

Desde 1995, temos feito o xenodiagnóstico artificial no laboratório e queremos aplicá-lo também na zona rural onde nem sempre há energia elétrica disponível para fazer funcionar o aparelho de xeno artificial que usamos. Imaginamos que na zona rural, em várias circunstâncias, teremos que colher o sangue, para realizar o xeno algum tempo depois. Por isso nosso objetivo nesse trabalho foi comparar o xenodiagnóstico artificial feito imediatamente à coleta do sangue com aquele feito quatro horas após.

MATERIAL E MÉTODOS

Os participantes do estudo foram atendidos no ambulatório e nas diversas clínicas do Hospital Universitário de Brasília, tinham duas reações sorológicas positivas para infecção chagásica, eram de ambos os sexos e podiam estar em qualquer forma clínica da doença. Os dados clínicos foram registrados em ficha que continha o nome, registro, idade, sexo, profissão, naturalidade, procedência e manifestações da doença. Em princípio os pacientes não deviam ter sido tratados especificamente. O sangue de cada paciente foi colhido em dois tubos vacutainer heparinizados, em cada tubo foi colhido sete mililitros, suficientes para realizar os exames. Do sangue de um dos tubos foi realizado o xenodiagnóstico artificial imediatamente à coleta. O outro tubo permaneceu à temperatura ambiente por quatro horas, quando então foi realizado o xenodiagnóstico, após aquecimento do sangue em banho-maria a 370C.

Para realização de cada xenodiagnóstico, foram utilizadas 40 ninfas de primeiro estágio da espécie Dipetalogaster maximus eclodidas há pelo menos sete dias. Os insetos foram colocados em recipiente plástico cilíndrico de aproximadamente sete centímetros de altura por nove centímetros de diâmetro, coberto por uma tela de filó presa à abertura superior do frasco por fita elástica. No interior deste recipiente, foram colocados pedaços de papelão que serviam de suporte para os triatomíneos alcancarem o artefato de vidro que continha o sangue a ser sugado. O dispositivo para o xenodiagnóstico artificial foi similar ao usado por Silva14 e consiste em aparelho de banho-maria adaptado para essa finalidade. Os triatomíneos permaneceram uma hora em contato com o sangue através do equipamento, sendo depois retirados e colocados em estufa regulada a 280C. Após serem realizados, os xenodiagnósticos foram identificados com o nome do paciente, registro, data do exame e um número aleatório, código que indicava se o exame foi realizado imediatamente ou quatro horas após a coleta do sangue. Os examinadores do xenodiagnóstico não tiveram acesso ao significado do código. Os triatomíneos foram mantidos na estufa por 45 dias. Após esse período, foram examinados em pool de cinco insetos podendo o último pool conter menos de 5 triatomíneos, de modo que cada xenodiagnósitco teve no máximo oito pools. A técnica do exame consistiu na retirada do conteúdo intestinal de cinco triatomíneos que foi depositado em lâmina e hemogeneizado com uma gota de salina. O material foi coberto com lamínula de 32 por 24 milímetros e examinado ao microscópio com aumento de 100x ou em caso de dúvida com aumento de 400x, até a detecção do parasito. O exame foi considerado negativo se após 10 a 15 minutos, tempo suficiente para observar toda a lâmina, não se encontrou o Trypanosoma cruzi.

Após o estudo, os dados foram coletados tabulados e analisados através do programa Epi-info versão 6.02, 1994. Os resultados dos xenodiagnósitcos de cada paciente foram comparados conforme os objetivos propostos, sendo aplicados os testes apropriados.

A investigação limitou-se à coleta de 14ml de sangue por punção venosa com material descartável. A cada participante foi explicado o motivo da coleta de sangue e seu propósito. Todos assinaram um termo de consentimento. Os resultados dos exames foram colocados nos prontuários correspondentes. Foi proposta aos pacientes com parasitemia, que estavam na forma indeterminada, a realização de tratamento específico como sugerido pelo Ministério da Saúde8.

RESULTADOS

Foram examinados 63 pacientes, sendo 29 (46%) masculinos e 34 (54%) femininos. Quanto à idade, a mínima foi 18 anos, a máxima 68 e a média 39 anos. Os pacientes eram naturais de cinco estados brasileiros sendo 19 (30,2%) da Bahia, 16 (25,4%) de Goiás, 25 (39,7%) de Minas Gerais e um (1,6%) de cada um dos estados de Pernambuco, Piauí, e Tocantins. No período do exame exerciam diversas profissões, sendo as mais freqüentes, do lar (12), domésticos (8), lavradores (6) e pedreiros (5). No xeno imediato, foram examinados 2106 triatomíneos, uma média de 33,4 por paciente o que resultou no exame de 447 pools. No xeno de 4 horas, foram examinados 2141 triatomíneos com uma média de 33,9 por paciente o que resultou no exame de 449 pools. Onze (17,5) pacientes apresentaram exames positivos, sendo 8 (12,7%) no xeno imediato e 7 (11,1%) no xeno quatro horas após, (Tabela 1). Os oito pacientes do xenodiagnóstico imediato apresentaram 17 pools positivos e os 7 pacientes do xeno de quatro horas mostraram 11 pools positivos (p = 0,34; Tabela 2). Quatro pacientes foram positivos exclusivamente no xeno imediato, três somente no xeno de quatro horas e quatro foram positivos em ambos.

DISCUSSÃO

Os trabalhos de investigação envolvendo o xeno artificial estão em expansão. Inicialmente, comparou-se o xeno artificial com o natural, sendo mostrada sua equivalência5 10 13; em sequência, estão surgindo trabalhos com o xeno artificial comparando metodologias diferentes1 7 e assim, paulatinamente, o xeno artificial vai substituindo o natural.

Em 1997, em trabalho no interior do Município de Mambaí realizamos em um indivíduo xenodiagnóstico natural, ao mesmo tempo que colhemos sangue e 4 horas após realizamos xenodiagnóstico artificial ao chegar à sede do município. Ambos os exames foram positivos e com número de pools mais ou menos semelhantes. Daí surgiu a idéia de comparar o xeno artificial, realizado imediato à coleta do sangue, com aquele realizado quatro horas após.

O ideal seria que o xenodiagnóstico artificial, à semelhança do que ocorre com a hemocultura6, fosse realizado logo após a coleta do sangue, o que nem sempre é possível por diversos motivos inerentes ao trabalho na zona rural. Os resultados obtidos neste trabalho mostram que o percentual de positividade foi idêntico em ambos os exames, não havendo diferença estatística na positividade nem no número de pools entre o xeno imediato e o feito quatro horas após a coleta do sangue. O número de pools positivos foi um pouco maior no xeno imediato, em relação ao de quatro horas, mas sem significado estatístico. Em nosso caso particular do trabalho em Mambaí, quatro horas é tempo suficiente para colher o sangue dos pacientes no interior do município e voltar à sede para realizar o exame. Esse tempo pode ser maior ou menor em cada situação particular conforme as distâncias e dificuldades de cada região. O tempo máximo após a coleta de sangue, que um xenodiagnóstico artificial pode fornecer resultado positivo, é tema a ser pesquisado. Os dados obtidos neste trabalho autorizam realizar o xeno, pelo menos, quatro horas após a extração do sangue, sem prejuízo no resultado do exame, o que em muitas circunstâncias pode facilitar o trabalho de campo na zona rural.

Recebido para publicação em 25/2/2003

Aceito em 12/2/2004

  • 1. Almeida TTC. Estudo comparativo de duas metodologias de xenodiagnóstico artificial aplicadas simultaneamente em pacientes chagásicos crônicos, residentes na cidade de São Paulo, Brasil. Tese de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2000.
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  • Endereço para correspondência
    Prof. Cleudson Castro
    Núcleo de Medicina Tropical/UnB
    Caixa Postal 04-671
    70919-970 Brasília DF, Brasil
    Fax: 55 61 273-2811
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      12 Fev 2004
    • Recebido
      25 Fev 2003
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