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Febre hemorrágica do dengue em lactentes: relato de dois casos

Dengue hemorrhagic fever in infants: report of two cases

Resumos

Dois casos de lactentes atendidos na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, com síndrome febril exantemática aguda, extravasamento capilar e manifestações hemorrágicas de pequena magnitude, caracterizando quadro de febre hemorrágica do dengue. O diagnóstico etiológico foi confirmado pelo MAC-ELISA e pelo ELISA de inibição para IgG, realizados nos lactentes e nas respectivas mães.

Febre hemorrágica do dengue; Lactentes; Anticorpos maternos heterofílicos; Imunoamplificação dependente de anticorpos


Two cases of infants assisted at the Tropical Medicine Foundation of Amazonas with febrile exanthematic syndrome and mild hemorrhagic manifestations, defining a picture of dengue hemorrhagic fever. The etiologic diagnose was confirmed by the MAC-ELISA and the Inhibition - ELISA, performed in both infants and respective mothers.

Dengue hemorrhagic fever; Infants; Maternal antibodies; Antibody-dependent enhancement


RELATO DE CASO CASE REPORT

Febre hemorrágica do dengue em lactentes: relato de dois casos

Dengue hemorrhagic fever in infants: report of two cases

Maria Paula Gomes MourãoI; Marcus Vinícius Guimarães de LacerdaI; Michele de Souza BastosI; Bernardino Cláudio de AlbuquerqueI, II; Wilson Duarte AlecrimI, II

IFundação de Medicina Tropical do Amazonas, Manaus, AM

IIUniversidade Federal do Amazonas, Manaus, AM

IIIUniversidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Maria Paula Gomes Mourão Laboratório de Arbovirologia/FMTAM Av. Pedro Teixeira 25, Bairro Planalto 69040-000 Manaus, AM, Brasil Tel: 55 92 238-1711 ramal 288, Fax: 55 92 642-1646 e-mail: mpmourao@uol.com.br

RESUMO

Dois casos de lactentes atendidos na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, com síndrome febril exantemática aguda, extravasamento capilar e manifestações hemorrágicas de pequena magnitude, caracterizando quadro de febre hemorrágica do dengue. O diagnóstico etiológico foi confirmado pelo MAC-ELISA e pelo ELISA de inibição para IgG, realizados nos lactentes e nas respectivas mães.

Palavras-chaves: Febre hemorrágica do dengue. Lactentes. Anticorpos maternos heterofílicos. Imunoamplificação dependente de anticorpos.

ABSTRACT

Two cases of infants assisted at the Tropical Medicine Foundation of Amazonas with febrile exanthematic syndrome and mild hemorrhagic manifestations, defining a picture of dengue hemorrhagic fever. The etiologic diagnose was confirmed by the MAC-ELISA and the Inhibition – ELISA, performed in both infants and respective mothers.

Key-words: Dengue hemorrhagic fever. Infants. Maternal antibodies. Antibody-dependent enhancement.

A febre hemorrágica do dengue (FHD) é reconhecida como importante enfermidade emergente causadora de pandemias, determinando expressivas taxas de mortalidade especialmente na faixa etária infantil6.

Diversos estudos vêm sendo conduzidos no sentido de elucidar os mecanismos imunopatogênicos determinantes da FHD, bem como os fatores de risco individuais e ambientais. A teoria da infecção seqüencial pelos vírus do dengue, determinando a imunoamplificação da infecção dependente de anticorpos pré-existentes, é o modelo atual que melhor explica o fenômeno da FHD em pacientes secundariamente infectados2. Por outro lado, a presença de anticorpos maternos heterofílicos para dengue durante o primeiro ano de vida, em níveis subneutralizantes, expõe estes lactentes ao mesmo processo de imunoamplificação e, portanto, a um risco aumentado de desenvolver FHD quando naturalmente infectadas2 6 7.

Em Manaus, capital do Estado Amazonas, durante a epidemia de FHD ocorrida no primeiro trimestre de 2001, identificamos quatro casos em lactentes, e em dois deles tivemos a oportunidade de investigar sorologicamente as respectivas mães, os quais relatamos neste trabalho.

RELATO DOS CASOS

Caso 1- IAPD, sexo masculino, seis meses de idade, natural e procedente de Manaus (AM), mãe não referia infecção prévia por dengue. Apresentou síndrome febril exantemática aguda com seis dias de evolução, acompanhada de irritabilidade e anorexia. Procurou a FMTAM no sexto dia de doença, encontrando-se, à admissão, irritado, afebril, com exantema petequial difuso e exuberante. A prova do laço foi fortemente positiva. Foi hospitalizado e submetido à hidratação oral e parenteral com solução salina. Evoluiu com melhora progressiva do estado geral e do exantema, recebendo alta após 48 horas de observação com o diagnóstico clínico de FHD grau II. O MAC-ELISA para dengue foi positivo na criança, enquanto que o ELISA de Inibição detectou anticorpos da classe IgG na criança e na mãe. Os demais exames laboratoriais são descritos na Tabela 1.

Caso 2 - ILR, sexo feminino, cinco meses de idade, natural e procedente de Manaus (AM), mãe com história de infecção por dengue há dez meses. Apresentou síndrome febril exantemática aguda com cinco dias de evolução, seguida de vômitos e irritabilidade. Procurou a FMTAM no quinto dia de doença, encontrando-se, à admissão, afebril, com exantema difuso e exuberante. A prova do laço foi positiva. Foi hospitalizada e submetida à hidratação oral e parenteral com solução salina. Evoluiu com melhora progressiva do estado geral e do exantema, recebendo alta após 48 horas de observação com o diagnóstico clínico de FHD grau I. O MAC-ELISA para dengue foi positivo na criança, enquanto que o ELISA de Inibição detectou anticorpos da classe IgG na criança e na mãe. Os demais exames laboratoriais são descritos na Tabela 1.

DISCUSSÃO

Dentre os fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento de FHD em crianças, destacamos a presença de anticorpos maternos heterotípicos transmitidos por via transplacentária e efetivos durante o primeiro ano de vida do lactente1 2 4. Esta herança imunológica se traduz clinicamente pela escassez na ocorrência de FHD durante o primeiro trimestre de vida, seguida do aumento significativo da incidência de FHD entre o quarto e oitavo mês de vida e ausência de FHD após o décimo mês. Do ponto de vista laboratorial, observa-se que, durante o primeiro trimestre, os anticorpos maternos encontram-se em níveis suficientes para neutralizar uma possível infecção natural, ao passo em que, a partir do segundo trimestre estes mesmos anticorpos começam a sofrer clareamento, alcançando níveis subneutralizantes até o desaparecimento completo ao final do primeiro ano de vida1 4.

No Brasil, até o presente momento, ainda não é do nosso conhecimento a descrição de FHD nesta faixa etária específica. No entanto, foi descrita apenas a presença de anticorpos maternos circulantes da classe IgG em lactentes cujas mães desenvolveram dengue durante a gravidez, com clareamento progressivo e desaparecimento completo por volta do oitavo mês, sem adoecimento dos mesmos1.

Nos casos aqui relatados, a ocorrência de FHD nos lactentes esteve vinculada à presença de IgG anti-dengue nas respectivas mães, concordando com os dados já referidos. O exantema petequial e a prova do laço positiva foram as únicas manifestações hemorrágicas observadas e os valores iniciais do hematócrito encontravam-se dentro do esperado para a faixa etária. Somente mediante a abordagem sindrômica da doença febril hemorrágica aguda proposta por Mourão et al5, é que foi possível a constatação da variação do hematócrito e a classificação dos casos como FHD segundo os critérios da OPAS6.

Constatando a suscetibilidade desta faixa etária ao desenvolvimento de formas graves de dengue, demonstramos que, ainda assim, o diagnóstico de FHD não parece ser explícito, tendo em vista a inespecificidade do quadro clínico em relação ao dengue. No entanto, ao se investigar ativamente os sinais de alerta (vômitos, irritabilidade e sangramentos) e iniciar a intervenção adequada para o estágio da doença, observou-se que havia hemoconcentração e que realmente se tratava de dois casos de FHD nas fases mais precoces e com excelente resposta clínica.

Recebido para publicação em 15/10/2002

Aceito em 12/2/2004

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  • 7. Torres EM. Dengue y dengue hemorrágico. Editorial de la Universidad Nacional de Quilmes, 1998.
  • Endereço para correspondência
    Dra. Maria Paula Gomes Mourão
    Laboratório de Arbovirologia/FMTAM
    Av. Pedro Teixeira 25, Bairro Planalto
    69040-000 Manaus, AM, Brasil
    Tel: 55 92 238-1711 ramal 288, Fax: 55 92 642-1646
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      12 Fev 2004
    • Recebido
      15 Out 2002
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