Acessibilidade / Reportar erro

Colelitíase associada ao uso de ceftriaxona

Cholelithiasis associated with the use of ceftriaxone

Resumos

Criança de sete anos recebeu ceftriaxona para o tratamento de meningite, evoluindo com dor em hipocôndrio direito associada a cálculo na vesícula biliar. Após três meses, a ultrassonografia abdominal foi normal. O conhecimento de que a ceftriaxona pode levar ao surgimento de colelitíase pode evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias.

Ceftriaxona; Colelitíase; Litíase


A seven-year-old boy treated with ceftriaxone for meningitis who presented a right upper quadrant abdominal pain associated with cholelithiasis. After three months he was symptom-free and abdominal ultrasonography was normal. Awareness of this phenomenon is highly important and can save many unnecessary cholecystectomies.

Ceftriaxone; Cholelithiasis; Lithiasis


RELATO DE CASO CASE REPORT

Colelitíase associada ao uso de ceftriaxona

Cholelithiasis associated with the use of ceftriaxone

Dorcas Lamounier CostaI; Marcílio Diogo de O. BarbosaII; Márcio Tiago de O. BarbosaII

IDepartamento Materno-Infantil da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI

IIDepartamento de Medicina da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI

RESUMO

Criança de sete anos recebeu ceftriaxona para o tratamento de meningite, evoluindo com dor em hipocôndrio direito associada a cálculo na vesícula biliar. Após três meses, a ultrassonografia abdominal foi normal. O conhecimento de que a ceftriaxona pode levar ao surgimento de colelitíase pode evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias.

Palavras-chaves: Ceftriaxona. Colelitíase. Litíase.

ABSTRACT

A seven-year-old boy treated with ceftriaxone for meningitis who presented a right upper quadrant abdominal pain associated with cholelithiasis. After three months he was symptom-free and abdominal ultrasonography was normal. Awareness of this phenomenon is highly important and can save many unnecessary cholecystectomies.

Key-words: Ceftriaxone. Cholelithiasis. Lithiasis.

A ceftriaxona possui uma baixa absorção pelo trato gastrointestinal e deve ser administrada por via parenteral, sendo amplamente distribuída. Atinge concentrações adequadas no líquor, motivo pelo qual é efetiva no tratamento de meningites bacterianas15.

Diferente da maioria das outras cefalosporinas, a ceftriaxona possui uma alta afinidade pelas proteínas, porém, o deslocamento da bilirrubina dos sítios de ligação protéicos é controverso15. A longa meia-vida da ceftriaxona, aproximadamente 6 a 9 horas nos adultos e 5 a 18 horas em crianças, possibilita a administração da droga em apenas 1 ou 2 doses diárias2 15 21.

A principal forma de eliminação da ceftriaxona é renal, e em 40% pela via biliar, alcançando concentrações na bile de 20-150 vezes maiores que no sangue12.

A ceftriaxona pode induzir à formação de lama biliar ou colelitíase em adultos e crianças, que usualmente é assintomática e tem involução completa após o término da medicação, sendo por isso, chamada de pseudocolelitíase8. Foi primeiramente descrita por Schaad em 198611. Desde então, vários relatos se seguiram relacionando o uso de ceftriaxona com a calculose biliar e a lama biliar 3 11 12 13 16 19 21 sem relação com achados bioquímicos anormais, exceto pelos níveis séricos elevados de gama-glutamiltransferase 8 13 e de fosfatase alcalina8.

Como o tema é pouco diagnosticado em nosso meio, apresentamos o relato de um caso.

RELATO DO CASO

Menino de 7 anos de idade, com história de febre baixa, vômitos esporádicos e cefaléia, recebeu o diagnóstico de meningite aguda e foi iniciado o tratamento com 3,5g/dia (135mg/Kg/dia) de ceftriaxona, divididos em duas doses diárias, administradas em bolus, durante 8 dias. No segundo dia de antibioticoterapia, apresentou dor intensa, tipo cólica, no hipocôndrio direito, sendo realizada ultrassonografia abdominal que revelou colelitíase (Figura 1).


O tratamento foi mantido e, do quinto ao sétimo dia de uso do antibiótico, a criança apresentou febre e vômitos biliosos, além do quadro doloroso. Foi encaminhada ao cirurgião pediátrico que indicou a colecistectomia após a melhora clínica. Recebeu alta hospitalar após a resolução da meningite e foi encaminhado ao ambulatório de infectologia pediátrica, onde levantou-se a hipótese de litíase biliar transitória associada ao uso de ceftriaxona, decidindo-se então acompanhar o quadro de forma expectante. A criança relatava apenas dores abdominais leves e inespecíficas. Após 3 meses, a ultrassonografia abdominal de controle revelou uma vesícula livre de cálculos (Figura 2).


O paciente encontra-se assintomático e sem evidências de doença de vias biliares após 4 meses da internação.

DISCUSSÃO

Vários estudos demonstraram que 12 a 45% dos pacientes tratados com ceftriaxona desenvolveram colelitíse, caracterizada por imagens ecogênicas com formação de sombra acústica posterior1 5 13 19.

O mecanismo de formação da lama biliar ou cálculo biliar deve-se à grande afinidade da ceftriaxona pelo cálcio, formando sais que podem precipitar3.

Estes efeitos são mais prevalentes em crianças, que recebem doses da droga proporcionalmente mais elevadas que os adultos9. O tema tem sido pouco estudado pela literatura gastroenterológica e cirúrgica21. Porém, é de fundamental importância, pois as características deste tipo de litíase a transformam numa entidade clínica que necessita ser reconhecida precocemente, a fim de evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias9 14.

O cálculo geralmente aparece em torno do 4º ao 22º dia de tratamento (média de 9 dias), mas há descrições de cálculos após 2 dias de terapia1, como é o caso do presente relato. Os pacientes geralmente são assintomáticos10. O prognóstico em geral é bom, e o cálculo desaparece espontaneamente 8 9 17 20 em um período de 2 a 63 dias (média de 15 dias) após a retirada da droga13 18. No entanto, é possível que estes pacientes, especialmente as crianças, possam desenvolver cálculos permanentes de ceftriaxona cálcica14. Sugere-se o acompanhamento clínico e ultrassonográfico até a resolução completa do quadro, ao final do tratamento, a fim de detectar colelitíase6.

Entre os fatores de risco para a litíase biliar estão o jejum prolongado, história familiar de litíase biliar ou renal19 e a administração de ceftriaxona em infusão rápida18. Um estudo prospectivo incluiu 81 crianças em uso da medicação e destacou a idade como um fator de risco significativo: os pacientes com pseudolitíase possuíam uma idade média de 7,5 anos, ao contrário dos pacientes com imagens ecográficas normais, que possuíam uma idade média de 3,1 anos. Entretanto, a causa desta diferença ainda é desconhecida11 18.

As complicações biliares têm sido raramente descritas em pacientes tratados com este antibiótico, mas há relatos de sintomas clínicos e de complicações cirúrgicas, daí a importância da avaliação ultrassonográfica durante e após o uso de ceftriaxona7 13 18. Famularo cols4 descreveram, em 1999, um caso de colecistite e pancreatite agudas relacionadas ao uso de Ceftriaxona, onde a colecistectomia foi indicada e o paciente recuperou-se completamente4. Deve-se, portanto, considerar que este antibiótico seja uma causa de dor abdominal e elevação das concentrações de amilase e lipase22. É aconselhável, assim, que todo indivíduo em uso de ceftriaxona que apresente dor abdominal seja avaliado através de ecografia e que, encontrando-se imagens compatíveis com litíase biliar, considere-se a possibilidade de se trocar a ceftriaxona por outro antibiótico.

A fim de se minimizar estes efeitos adversos, que embora benignos tenham o potencial de complicações e iatrogenias, recomenda-se observar a dose e administrar a medicação em infusão durante 30 minutos1.

Apesar de ser um quadro bem definido, é pouco reconhecido em nosso meio. Encontramos, nas principais bases de dados da Internet, apenas um estudo sobre o tema em língua portuguesa14.

Em resumo, a ceftriaxona associa-se freqüentemente ao aparecimento de imagens ecográficas de litíase biliar, geralmente assintomática e que habitualmente desaparecem após 2 meses do término da medicação. Outras vezes, porém, pode-se acompanhar de cólica biliar que deve ser reconhecida a fim de se evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias, resguardando-as apenas para os casos de complicações graves.

Recebido para publicação em 5/4/2004

Aceito em 27/7/2005

Endereço para correspondência: Ddo. Marcílio Diogo de Oliveira Barbosa. Rua Des. Adalberto Correia Lima 2576, Planalto Ininga, 64049- 680 Teresina, PI.

E-mail: marciliodiogo@bol.com.br

  • 1. Alvarez-Coca González J, Cebrero García M, Vecilla Rivelles MC, Alonso Cristobo M, Torrijos Roman C. Transient biliary lithiasis associated with the use of ceftriaxone. Anales Españoles de Pediatría 53:366-368, 2000.
  • 2. Bradley JS, Compogiannis LS, Murray WE. Pharmacokinetics and safety of intramuscular injection of concentrated ceftriaxone in children. Clinical Pharmacokinetics 11:961-964, 1992.
  • 3. Bustos BR, Barrientos Olorena, Fernández RP. Pseudolitiasis biliar inducida por ceftriaxona: a case report. Revista Chilena de Pediatría 72:40-44, 2001.
  • 4. Famularo G, Polchi S, De Simone C. Acute cholecystitis and pancreatitis in a patient with biliary sludge associated with the use of ceftriaxone: a rare but potentially severe complication. Annali Italiani di Medicina Interna 14:202-204, 1999.
  • 5. Heim-Duthoy KL, Capeton EM, Pollock R, Matzke GR, Enthoven D, Peterson PK. Apparent biliary pseudolithiasis during ceftriaxone therapy. Antimicrobial Agents and Chemotherapy 34:1146-1149, 1990.
  • 6. Kim YS, Kestell MF, Lee SP. Gall-bladder sludge: lessons from ceftriaxone. Journal of Gastroenterology and Hepatology 7:618-621, 1992.
  • 7. Lopez AJ, O'Keefe P, Morrisey M, Pickleman J. Ceftriaxone induced cholelithiasis. Annals of Internal Medicine 115:712-714, 1991.
  • 8. Maccherini M, Borlini G, Branchi M, Barbonetti C, Moretti P, Bonora G. Ceftriaxone-induced cholelithiasis. Pediatria Medica e Chirurgica 20:341-343, 1998.
  • 9. Mendez J, Painceira D, Brown A, Martinez J. Transient biliary pseudolithiasis associated with ceftriaxone. Archivos Argentinos de Pediatría 92:242-244, 1994.
  • 10. Palanduz A, Yalçin I, Tonguç E, Güler N, Ones U, Salman N, Somer A. Sonographic assessment of ceftriaxone-associated biliary pseudolithiasis in children. Journal of Clinical Ultrasound 28:166-8, 2000.
  • 11. Papadopoulu F, Efremidis S, Karyda S. Incidence of ceftriaxone-associated gallbladder pseudolithiasis. Acta Paediatrica 88:1352-1355, 1999.
  • 12. Park HZ, Lee SP, Schy AL. Ceftriaxone-associated gallbladder sludge. Identification of calcium-ceftriaxone salt as a major component of gallbladder precipitate. Gastroenterology 100:1665-1670, 1991.
  • 13. Pigrau C, Pahissa A, Grooper S, Sureda D, Vazquez JMM. Ceftriaxone-associated biliary pseudolithiasis in adults. Lancet 7:165, 1989.
  • 14. Rebello CM, Rossi FS, Troster EJ, Ramos JLA, Leone CR. Ceftriaxone associated biliary lithiasis in newborns: report of two cases. Journal of Pediatrics 70:113-114, 1994.
  • 15
    Roche Laboratories. Product information. Rocephin. Nutley, New Jersey. January 1996.
  • 16. Robertson FM, Crombleholme TM, Barlow SE. Ceftriaxone choledocholithiasis. Pediatrics 98:133-135, 1996.
  • 17. Sahni PS, Patel PJ, Kolawole TM, Malabarey T, Chowdhury D, el-Rashed Gorish M. Ultrasound of ceftriaxone-associated reversible cholelithiasis. European Journal of Radiology 18:142-145, 1994.
  • 18. Schaad UB, Wedgwood-Krucko J, Tschaeppeler H. Reversible ceftriaxone associated biliary pseudolitiasis in children. Lancet 2:1411-1413, 1988.
  • 19. Stabile A, Ferrara P, Marietti G, Maresca G. Ceftriaxone-associated gallbladder lithiasis in children. European Journal of Pediatrics 154:590, 1995.
  • 20. Wanic-Kossowska M, Strzyzewska-Rózewicz M, Baczyk P, Czekalski S. Reversible cholelithiasis in patients with chronic renal failure treated by ceftriaxone. Polski Merkuriusz Lekarski 6:276, 1999.
  • 21. Yuk JH, Nightingale CH, Quintiliani R. Clinical pharmacokinetics of ceftriaxone. Clinical Pharmacokinetics 17:223-235, 1989.
  • 22. Zimmermann AE, Katona BG, Jodhka JS, Williams RB. Ceftriaxone-induced acute pancreatitis. Annals of Pharmacotherapy 27:36-37, 1993.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    27 Jul 2005
  • Recebido
    05 Abr 2004
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical - SBMT Caixa Postal 118, 38001-970 Uberaba MG Brazil, Tel.: +55 34 3318-5255 / +55 34 3318-5636/ +55 34 3318-5287, http://rsbmt.org.br/ - Uberaba - MG - Brazil
E-mail: rsbmt@uftm.edu.br