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Titulação de anticorpos contra o vírus da raiva em cães, em Campo Grande, MS, na Campanha Anti-Rábica de 2003

Rabies virus antibody titers in dogs in Campo Grande, Mato Grosso do Sul State, during the anti-rabies campaign, 2003

Resumos

Para avaliar a resposta imune em cães, que compareceram a Campanha de Vacinação Anti-Rábica Animal de 2003, foram analisados 333 soros caninos, coletados nos diversos postos de vacinação. Verificou-se que 51,1% dos animais não possuíam títulos protetores. Não foi encontrada associação entre aplicação de vacina e maior número de vacinações, com maior título imunitário.

Raiva; Vacina anti-rábica; Imunização canina


To assess the immune response in dogs attended during the 2003 anti-rabies animal vaccination campaign, 333 serum samples collected at different vaccination posts were analyzed. It was found that 51.1% of the animals did not have protective titers. No correlation was found between vaccine application or multiple vaccinations and higher immune titers.

Rabies; Anti-rabies vaccination; Canine immunization


ARTIGO ARTICLE

Titulação de anticorpos contra o vírus da raiva em cães, em Campo Grande, MS, na Campanha Anti-Rábica de 2003

Rabies virus antibody titers in dogs in Campo Grande, Mato Grosso do Sul State, during the anti-rabies campaign, 2003

Leonardo RigoI; Michael Robin HonerII

ISecretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, Campo Grande, MS

IICurso de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Leonardo Rigo. Rua Ouro Negro 1387. Jockey Club 79080-270 Campo Grande, MS. e-mail: lrigo@terra.com.br

RESUMO

Para avaliar a resposta imune em cães, que compareceram a Campanha de Vacinação Anti-Rábica Animal de 2003, foram analisados 333 soros caninos, coletados nos diversos postos de vacinação. Verificou-se que 51,1% dos animais não possuíam títulos protetores. Não foi encontrada associação entre aplicação de vacina e maior número de vacinações, com maior título imunitário.

Palavras-chaves: Raiva. Vacina anti-rábica. Imunização canina.

ABSTRACT

To assess the immune response in dogs attended during the 2003 anti-rabies animal vaccination campaign, 333 serum samples collected at different vaccination posts were analyzed. It was found that 51.1% of the animals did not have protective titers. No correlation was found between vaccine application or multiple vaccinations and higher immune titers.

Key words: Rabies. Anti-rabies vaccination. Canine immunization.

A titulação de anticorpos anti-raiva é usada como referência de status de proteção contra o vírus rábico. A Organização Mundial da Saúde e a Oficina Internacional de Epizootias consideram como indicador para avaliar a eficácia da vacina e do tratamento em humanos e animais, a determinação de anticorpos neutralizantes contra o vírus da raiva, e como resposta de imunidade título igual ou acima de 0,5UI/ml15. O teste mais usado é o Rapid Fluorescent Focus Inibition Test (RFFIT)13.

Outros testes também são usados para detectar anticorpos contra o vírus rábico. Em estudo comparativo entre o RFFIT e o Fluorescent Antibody Vírus Neutralization (FAVN), não foi encontrada diferenças significativas entre o uso deles para detecção de anticorpos no soro sanguíneo6 8. Comparando o uso do Flow Cytometry (CF) com o Simplified Fluorescent Inibition Test (SFIMT) e o Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA), os autores encontraram correlação de 0,7712 e 0,6702, respectivamente, indicando que o CF pode ser usado para análises de títulos de anticorpos neutralizantes em soro5.

Em três estudos com o teste ELISA, foi verificado que o nível de falso-positivo variou de 0,2% a 1,1% e de falso-negativo variou de 5,7% a 20,7%. Conclui-se que o ELISA tem baixa sensibilidade em relação ao FAVN teste, mas é uma ferramenta útil para processar rapidamente amostras de animais de companhia7.

O estudo de Pratical significance of rabies antibody in cats and dogs and results of a survey on rabies vaccination and quarantine for domestic carnivores in Western Europe, descreve várias situações encontradas por diversos autores, por exemplo: há variações na titulação de anticorpos entre cães vacinados e revacinados; os títulos caem 60 a 120 dias pós-vacinação; a resposta imunitária em cães adultos é melhor que cães muito jovens; após 10 a 12 semanas de vida não restam traços de anticorpos neutralizantes passados pela mãe; a infecção natural de cães vacinados está relacionada à probabilidade deste encontrar um animal infectado, da severidade da mordida que sofreu, do estado de saúde do mesmo e da eficiência da vacina4.

Em estudo sobre parâmetros de imunidade e resposta imune entre cães jovens e velhos, foi verificado que ambos os grupos apresentaram resposta imune ao vírus rábico pós-vacinação anual, e os cães velhos respondem melhor à imunização anual10.

Estudo realizado no México onde foram verificados os fatores ecológico e socioeconômicos associados a não vacinação contra a raiva, foi verificado que cães de 3 a 11 meses tinham 3 vezes mais chance de não serem vacinados que os maiores de um ano. Cães ganhos de presente, nascidos em casa ou encontrados, tinham 2 vezes mais chances de não serem vacinados que os comprados, e cães sem dono tinham 25 vezes mais chances de não serem vacinados que os com proprietários9.

Um dos problemas enfrentados com os imuno-biológicos é a sua conservação; uma boa conservação até sua aplicação é garantia da qualidade da prevenção. Em estudo sobre a termoestabilidade da vacina Fuenzalida e Palacios, quando esta foi submetida a condições adversas de conservação, foi verificado que fora da conservação ideal, 2 a 8ºC, quanto maior a temperatura e o tempo de exposição menor é a sua potencialidade1. Em outro estudo, onde a vacina foi congelada, foi verificado que apenas 15,4% dos animais que receberam a vacina congelada apresentavam imunização após 30 dias, não apresentando aos 180 e 360 dias, os que receberam a vacina conservada 2 a 8ºC, 60% apresentavam imunidade aos 30 dias caindo para 10% após um ano2.

São vários os fatores que afetam o desempenho imunitário dos cães vacinados, mas a titulação de anticorpos neutralizantes é um indicador utilizado para avaliar a eficácia da vacina. Com o objetivo de avaliar o nível de proteção conferido pela vacinação de campanha foram pesquisados os anticorpos neutralizantes em cães, que compareceram a campanha de vacinação anti-rábica animal em 2003, após um ano da vacinação anti-rábica, em Campo Grande, MS.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletadas 333 soros caninos durante a campanha de vacinação anti-rábica animal no ano de 2003, quando foram vacinados 89.767 cães. A coleta (0,4% do total) foi realizada de forma aleatória, em todos os postos de vacinação da região urbana de Campo Grande, MS. Na coleta da amostra buscou-se manter uma proporcionalidade com o número estimado de cães a serem vacinados em cada posto de vacinação.

Para a análise considerou-se o número de vacinações anteriores, após as amostras foram agrupadas em: Grupo 1, os animais sem vacinação e os que possuem apenas uma dose; Grupo 2 os animais com 2 ou mais vacinações.

O soro foi encaminhado ao Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo para que fosse realizado o teste de soro neutralização através da técnica de RFFIT13.

RESULTADOS

Das 333 amostras analisadas, 170 (51,1%) amostras não foram reagentes, ou seja, não apresentaram níveis igual ou acima de 0,5UI/ml, e 163 (48,9%) amostras foram reagentes (Tabela 1).

Estes resultados analisados pelo teste de qui-quadrado (c²= 4,515) indicaram que não há uma associação entre o número de doses aplicadas anteriormente e os níveis de imunidade encontrados após 12 meses da última dose de vacina aplicada (p>0,01).

A partir da 2ª vacinação foi encontrado um aumento no percentual de animais reagentes, mas 48,5% dos animais com 2 doses ou mais não apresentaram títulos imunitários.

Na análise entre o Grupo 1 e o Grupo 2, para verificar a associação entre aplicação de vacina e o título de anticorpos (Tabela 2), verificou-se pelo teste de qui-quadrado (c²= 3,428), que também não há associação entre um maior número de doses aplicadas anteriormente e os níveis de imunidade encontrados após 12 meses da última dose de vacina aplicada (p>0,01).

DISCUSSÃO

Após doze meses da última vacinação, houve uma queda em torno de 50% dos níveis de imunidade nos cães anteriormente vacinados, sendo que muitos deles ficam abaixo dos níveis protetores recomendados.

Os percentuais de animais reagentes encontrados estão próximos aos resultados de outros estudos. Estudando três grupos de cães: primo-vacinados, vacinados após um ano e vacinados a 18 meses, com objetivo de verificar a eficácia da vacina anti-rábica; no primeiro grupo 91,2% tinham títulos após 21d de vacinados, no segundo grupo 35,3% tinham títulos acima de 0,5UI/ml e o terceiro grupo apenas 17,9% tinham título protetor14. Resultados abaixo dos encontrados neste estudo.

Em estudo objetivando avaliar o título protetor de cães um ano após a vacinação e nova avaliação 30 dias após o reforço vacinal, nos municípios de São Paulo e Paulínia, usando a técnica de RFFIT, foi verificado que 74,1% dos animais possuíam títulos menores que 0,5UI/ml após 12 meses de vacinação3, resultados acima dos encontrados neste estudo. No mesmo estudo foi verificada a independência entre a condição de reagente e o estado nutricional dos cães, já o número de vacinas anteriores teve associação com a resposta imune, diferente do aqui identificado.

É bem provável que os anticorpos encontrados nos animais não vacinados tenham sido transferidos de mães para filhos já que a grande maioria dos animais eram filhotes de pouca idade, dado semelhante ao encontrado em outros estudos4 10.

Analisando a persistência da raiva em Recife, foi verificada uma correlação positiva entre títulos de anticorpos, idade e número de doses vacinais. A elevada densidade de animais jovens com menor número de vacinas e número de cães menos restritos favorecia a persistência da raiva canina11.

Na avaliação de prevalência de anticorpos antivírus rábico em cães de rua em São Paulo, foi verificado que 16,45% dos cães de rua comparados ao controle, tinham tido uma vacinação prévia12.

Os animais que não possuíam títulos vacinais adequados desenvolveram raiva após teste de exposição4 o que demonstra que animais que não possuem níveis imunitários adequados possam vir a desenvolver raiva se expostos ao vírus.

Não foi encontrada associação entre a aplicação de 1 ou mais doses de vacina, com maior título imunitário. Por tanto outros fatores podem ter interferido de maneira mais acentuada na titulação de anticorpos, como os encontrados em outros estudos: idade dos animais4 10, procedência do animal9 e a conservação da vacina1 2.

Julgando que títulos abaixo de 0,5UI/ml não são protetores, muitos animais, por algum motivo, não estão imunizados contra o vírus da raiva no período entre uma campanha de vacinação anti-rábica e outra. Com isso a barreira imunitária esperada pela cobertura vacinal pode não estar sendo totalmente eficaz.

AGRADECIMENTOS

À Marilene F. Almeida e Luzia A.F. Martorelli, Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo, SP, pela realização dos testes sorológicos.

Recebido para publicação em 22/6/05

Aceito em 4/12/2006

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  • Endereço para correspondência:

    Dr. Leonardo Rigo.
    Rua Ouro Negro 1387. Jockey Club
    79080-270 Campo Grande, MS.
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 2006
    • Recebido
      22 Jun 2005
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