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Doença meningocócica: comparação entre formas clínicas

Meningococcal disease: comparison between clinical forms

Resumos

Visando avaliar formas clínicas da doença meningocócica, foram revistos 201 casos diagnosticados como doença meningocócica, em Hospital Universitário da Universidade Federal Fluminense; durante o período de 1971 a 1996, dos quais 185 preencheram os critérios de inclusão. A caracterização clínico-laboratorial permitiu reagrupá-los nas formas de doença meningocócica com meningite, 18%, meningite e septicemia, 62%, e septicemia, 20%. Dados epidemiológicos disponíveis não diferenciaram formas clínicas. Na meningite meningocócica foi significativamente maior: tempo de história clínica; freqüência de manifestações neurológicas; e positividade da bacterioscopia, cultura e teste do látex no líquor. Na septicemia menigocócica, houve predomínio significativamente de: choque; letalidade e níveis maiores de tempo parcial de tromboplastina. Septicemia meningogócica e septicemia com meningite se diferenciaram da meningite meningocócica quanto a: tempo de história clínica; ocorrência de sinais neurológicos focais; coagulação intravascular disseminada e artrite. Dados clínico-laboratoriais levam a admitir meningite como forma localizada de doença meningocócica, e septicemia com meningite e septicemia como variações de gravidade da forma sistêmica da doença.

Formas clínicas; Doença meningocócica; Meningite; Meningococcemia; Septicemia meningocócica


In order to asses the clinical forms of meningococcal disease, we reviewed 201 cases diagnosed as meningococcal disease in the University Hospital of the Fluminense Federal University in Rio de Janeiro, 185 of which met the inclusion criteria. Clinical and laboratorial characterization allowed for grouping of the cases as follows: meningococcal meningitis, 18%; meningitis with septicemia, 62%; and septicemia, 20%. Available epidemiological data did not differentiate clinical forms. The following were significantly greater in meningococcal meningitis: duration of clinical history; frequency of neurological manifestations; positive bacterioscopy; culture and latex test in cerebrospinal fluid. The following were significantly predominant in septicemia: shock; fatal outcome and higher partial thromboplastin time. Septicemia and meningitis with septicemia were differentiated from meningococcal meningitis in the following: duration of clinical history; occurrence of focal neurological signs; disseminated intravascular coagulation; and arthritis. Clinical and laboratory data lead us to admit meningococcal meningitis as a localized form of Meningococcal disease, and meningitis with septicemia and septicemia as variations in severity of the systemic form of the disease.

Clinical forms; Meningococcal disease; Meningitis; Meningococcemia; Meningococcal septicemia


ARTIGO ARTICLE

Doença meningocócica: comparação entre formas clínicas

Meningococcal disease: comparison between clinical forms

Nádia Stella-SilvaI; Solange Artimos OliveiraII; Keyla Belízia Feldman MarzochiI

IInstituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ

IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra Nadia Stella Silva. Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fiocruz. Av. Brasil, 4365, Manguinhos 21045-900 Rio de Janeiro, RJ. e-mail: nadstella@ig.com.br; nstellasilva@gmail.com.br

RESUMO

Visando avaliar formas clínicas da doença meningocócica, foram revistos 201 casos diagnosticados como doença meningocócica, em Hospital Universitário da Universidade Federal Fluminense; durante o período de 1971 a 1996, dos quais 185 preencheram os critérios de inclusão. A caracterização clínico-laboratorial permitiu reagrupá-los nas formas de doença meningocócica com meningite, 18%, meningite e septicemia, 62%, e septicemia, 20%. Dados epidemiológicos disponíveis não diferenciaram formas clínicas. Na meningite meningocócica foi significativamente maior: tempo de história clínica; freqüência de manifestações neurológicas; e positividade da bacterioscopia, cultura e teste do látex no líquor. Na septicemia menigocócica, houve predomínio significativamente de: choque; letalidade e níveis maiores de tempo parcial de tromboplastina. Septicemia meningogócica e septicemia com meningite se diferenciaram da meningite meningocócica quanto a: tempo de história clínica; ocorrência de sinais neurológicos focais; coagulação intravascular disseminada e artrite. Dados clínico-laboratoriais levam a admitir meningite como forma localizada de doença meningocócica, e septicemia com meningite e septicemia como variações de gravidade da forma sistêmica da doença.

Palavras-chaves: Formas clínicas. Doença meningocócica. Meningite. Meningococcemia. Septicemia meningocócica.

ABSTRACT

In order to asses the clinical forms of meningococcal disease, we reviewed 201 cases diagnosed as meningococcal disease in the University Hospital of the Fluminense Federal University in Rio de Janeiro, 185 of which met the inclusion criteria. Clinical and laboratorial characterization allowed for grouping of the cases as follows: meningococcal meningitis, 18%; meningitis with septicemia, 62%; and septicemia, 20%. Available epidemiological data did not differentiate clinical forms. The following were significantly greater in meningococcal meningitis: duration of clinical history; frequency of neurological manifestations; positive bacterioscopy; culture and latex test in cerebrospinal fluid. The following were significantly predominant in septicemia: shock; fatal outcome and higher partial thromboplastin time. Septicemia and meningitis with septicemia were differentiated from meningococcal meningitis in the following: duration of clinical history; occurrence of focal neurological signs; disseminated intravascular coagulation; and arthritis. Clinical and laboratory data lead us to admit meningococcal meningitis as a localized form of Meningococcal disease, and meningitis with septicemia and septicemia as variations in severity of the systemic form of the disease.

Key-words: Clinical forms. Meningococcal disease. Meningitis. Meningococcemia. Meningococcal septicemia.

A doença meningocócica (DM) persiste em todo o mundo sob formas de surtos, epidemias ou casos esporádicos, apresentando considerável letalidade e seqüelas22 26. Formas clínicas clássicas são agrupadas como meningite e/ou meningoencefalite sem e com septicemia, e como septicemia sem acometimento do sistema nervoso central. Meningite e septicemia são acometimentos muito diferentes, com fisiopatogenia, tratamentos e desfechos distintos29 32 34. E, a própria septicemia apresenta letalidade variável, entre 20 a 80%10 21 32, na dependência de múltiplos fatores, desde o acesso ao tratamento e qualidade deste até o tipo e a intensidade da resposta do paciente à endotoxina bacteriana, entre outros. Por outro lado, são referidas como formas localizadas23 28, artrite, pneumonia, sinusite, traqueíte, faringite e outras, que por serem mais brandas costumam ser diagnosticadas apenas sindromicamente e, possivelmente também por isso, raramente associadas à Neisseria meningitidis. As formas polares mais comuns de meningococcemia fulminante ou de meningite/meningoencefalite são de fácil diagnóstico, embora o próprio reconhecimento da DM, ao primeiro atendimento, seja considerado difícil, envolvendo diversos diagnósticos diferenciais13.

A observação inicial do doente sem critérios homogêneos de classificação clínica, pode dificultar a comparação entre os pacientes, a indicação da terapêutica e o prognóstico, mesmo em relação às formas mais freqüentes da DM, sugerindo a necessidade de definições mais claras de caso da doença de acordo com a forma clínica. Admitimos também que tais definições não sejam fáceis, uma vez que, no processo de instalação da DM, poderá ocorrer confusão clínica inicial entre fase de bacteremia, presente em todas as formas clínicas da doença, e forma septicêmica. Assim, dependendo da resposta natural ao meningococo, o que seria fase de bacteremia transitória, pré-localização meníngea em alguns pacientes, já corresponderia ao início da evolução septicêmica grave ou fulminante em outros; por outro lado, também é admissível a ocorrência de possível abortamento da evolução à septicemia pela eventual introdução de terapêutica precoce e adequada. Convém ressaltar de nossa verificação anterior em estudo de necropsias27 que as formas de meningite associadas à septicemia e de septicemia isolada apresentaram aspectos histopatológicos semelhantes, variando apenas em intensidade.

Diante desses achados patológicos e das considerações prévias, bem como da importância da DM por sua morbiletalidade e potencial epidêmico, nos propusemos a identificar as formas clínicas, analisá-las em suas semelhanças e diferenças, com base no comportamento clínico, laboratorial e epidemiológico dos pacientes avaliados em casuística disponível do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro.

MATERIAL E MÉTODOS

Os casos estudados foram admitidos nos Serviços de Doenças Infecciosas e Parasitárias e de Emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro, UFF, no período de 1971 a 1996, e submetidos, então, à rotina regular de atendimento. A inclusão e reclassificação dos casos basearam-se nos critérios adotados pela Comissão Nacional para Controle das Meningites do Ministério da Saúde do Brasil20 e aceitos em literatura internacional3 27, considerando-se: a) doença meningocócica com meningite/meningoencefalite e sem exantema (DM-M) – diante do registro de sinais meníngeos e ausência de exantema maculopapular ou purpúrico, LCR com mais de 10 células/mm3 e confirmação microbiológica; b) doença meningocócica com meningite/meningoencefalite e septicemia (DM-MS) – com registro de exantema tipo purpúrico ou maculopapular, sinais meníngeos ou não, LCR com mais de 10 células/mm3, com ou sem confirmação microbiológica; c) doença meningocócica com septicemia e sem meningite ou meningoencefalite (DM-S) – com registro de púrpura, LCR normal, com ou sem confirmação microbiológica. O critério de confirmação microbiológica foi a positividade de um ou mais dos seguintes exames: a) cultura bacteriológica (de LCR, sangue, líquido sinovial e/ou raspado de lesão cutânea); b) bacterioscopia pelo método de Gram (de LCR, líquido sinovial e/ou aspirado de lesão cutânea); c) testes imunológicos de aglutinação do látex e contra-imunoeletroforese (no LCR ou soro).

Uma vez incluídos como casos de DM, e re-agrupados segundo formas clínicas, foram buscadas as correlações entre estas e os respectivos dados clínicos, laboratoriais e epidemiológicos, padronizados previamente em ficha específica por três pesquisadores e levantados por um mesmo pesquisador.

A análise estatística foi feita por: a) análise de variância para comparar a idade média entre as formas clínicas; b) análise de variância não paramétrica de Kruskal-Wallis para as demais variáveis, tendo sido o teste de comparações múltiplas, baseado na estatística de Kruskal-Wallis, aplicado para especificar se as formas clínicas diferiam entre si; c) teste de qui quadrado ou o teste exato de Fisher para comparações de proporções. O nível de determinação de significância foi de 5%, para o valor de p.

RESULTADOS

Dos 201 casos admitidos e arquivados como DM, 185 preencheram os critérios de inclusão. A idade dos pacientes variou de 2 meses a 60 anos com maior concentração até 14 anos, 132 (71%) casos, e discreto predomínio do sexo feminino, 51% (94/185). A letalidade média foi de 26% (48/185), sendo de 23% (30/132) até 14 anos e 34% (18/53) acima de 14 anos.

Dos 185 casos analisados, a apresentação clínica mais freqüente foi de DM-MS, 114 (62%) casos, cerca de três vezes mais freqüente que DM-S, 37 (20%) casos e DM-M, 34 (18%) casos.

Não houve diferença estatística entre as três formas clínicas quanto a sexo ou grupo etário. A taxa de letalidade na DM-S, 46%, foi significativamente maior (p<0,0001) que na DM-MS, 22%, e DM-M, 19%. O tempo médio de história clínica não se diferenciou entre as formas de DM-MS (35 horas) e DM-S (27 horas). Porém, foi significativamente mais longo (p=0,0001) nos pacientes com DM-M (54 horas). Não se observou associação significativa entre tempo médio mais curto de duração de internação e as formas clínicas, que variou entre 156 horas (DM-S) e 248 horas (DM-M).

Condições patológicas associadas. Esplenectomia (2), esplenectomia por esquistossomose (2), esquistossomose (2), anemia falciforme (1), diabetes mellitus (1), droga-adição (1), púrpura trombocitopênica (1), linfoma de Hodgkin (1), meningite prévia (1), esquistossomose + sarampo (1), alcoolismo (1), cirrose (1) e síndrome de Down (1) - foram registradas em 9% (16/185) dos casos, sem diferença estatística entre DM-MS e DM-S, porém com predomínio significante na DM-S frente à DM-M (p<0,05).

O diagnóstico laboratorial foi predominantemente confirmado pelo exame do LCR: através da positividade do teste de aglutinação do látex em 74% (23/31), da bacterioscopia em 64% (75/117) e cultura em 56% (50/90). Com relação às formas clínicas, a positividade no líquor da bacterioscopia e da cultura foi maior na DM-M frente à DM-MS (p<0,001 e p<0,01, respectivamente) e à DM-S (p<0,0001, respectivamente), e estas, DM-MS e DM-S, também se diferenciaram entre si (p<0,0001 e p<0,003, respectivamente). O pequeno número de outros exames realizados, como contra-imunoeletroforese no líquor e outros testes específicos em sangue, líquido sinovial e aspirado de pele, não permitiu comparação.

Na correlação dos exames inespecíficos com as formas clínicas (Tabela 1), verificou-se relevância estatística da média do tempo parcial de tromboplastina (PTT), mais elevada na forma de DM-S frente à DM-MS (p<0,02) e DM-M (p<0,019); enquanto o tempo de protrombina (PT) não se diferenciou entre as formas de DM-S e DM-MS, mas predominou na DM-S frente à DM-M (p<0,05). Ao exame do líquor (Tabela 1), a DM-S diferenciou-se significativamente das outras formas quanto a celularidade, proteinorraquia e glicorraquia. Proteinorraquia predominou na DM-MS frente à DM-S (p<0,001), e na DM-M frente à DM-MS e DM-S (p< 0,01 e 0,001, respectivamente).

Os principais aspectos clínicos à admissão (Tabela 2) que mostraram associação com formas da doença foram: predomínio significante de sinais meníngeos nos pacientes com DM-MS e DM-M (p<0,0001) e de púrpuras nas formas de DM-S e DM-MS (p<0,0001), sem diferença entre estas por definição. Entretanto, choque predominou na DM-S e sinais de localização e abaulamento de fontanela na DM-M.

Durante a internação (Tabela 3), manifestações clinicas estatisticamente significativas na distinção das formas clínicas foram: choque na DM-S; CIVD e artrite na DM-MS e DM-S; e sinais de localização na DM-M. Úlceras de pele não se distinguiram significativamente entre a DM-MS e DM-S, entretanto, somente a DM-S mostrou diferença estatística frente à DM-M.

Quanto às seqüelas, seu número limitado, surdez (1%) e ataxia (1%), não permitiu diferenciação entre as apresentações clínicas de DM.

A Tabela 4 mostra as semelhanças e diferenças observadas entre as três formas clínicas definidas nos 185 casos de DM.

DISCUSSÃO

Esta pesquisa considera as semelhanças e diferenças entre as principais formas clínicas da DM. com base em avaliação retrospectiva de casos atendidos em um hospital universitário.

A casuística demonstra a amplitude da faixa etária atingida, apesar da grande concentração em menores de 14 anos (70%), conforme a tendência da literatura17 26. Houve leve predomínio da doença no sexo feminino (51%) o que é mais raro12, mas foi também observado no Município do Rio de Janeiro10, embora discordante da maioria dos autores estudados2 17 18 26. Marzochi cols18 chamaram atenção ao predomínio da DM no sexo masculino entre lactentes. A letalidade média elevada (26%) coincide com outros dados do Rio de Janeiro2 12 e, no caso, pode explicar-se pela condição de ser o Hospital Universitário Antônio Pedro a referência para localidades mais distantes da região. O predomínio dos óbitos nos extremos etários também é relatado no Brasil em períodos endêmicos e epidêmicos18 21 . Os sinais e sintomas de DM mais freqüentemente observados, febre, sinais meníngeos, púrpuras, vômitos, queda do nível de consciência e cefaléia, coincidiram com outros trabalhos2 7 17.

Quanto às formas clínicas, a observação da septicemia associada à meningite como a apresentação mais freqüente da DM (62%) também se verifica na maioria das casuísticas10 17 32, embora haja relatos de maior prevalência da meningite sem septicemia26.

Não houve associação estatística entre a forma clínica e sexo ou idade do paciente, aspecto em que os dados da literatura são variáveis. Alguns autores 32 apontaram percentual mais elevado do sexo masculino nas três formas clínicas, outros 17 documentaram maior freqüência de pacientes acima de 5 anos na DM-M ao contrário de Gama, Marzochi & Silveira10 que registraram o predomínio dessa forma clínica em lactentes e pré-escolares no município do Rio de Janeiro.

Quanto à letalidade, a observação da maior taxa associada à DM-S (46%), era esperada10 29 32. Níveis acima de 50% nos pacientes com choque séptico grave já foram registrados12. Entretanto, nos casos de DM-MS, a proporção de óbitos foi muito menor (22%), ainda que o tempo de início de tratamento de DM-MS e DM-S não tenham se diferenciado estatisticamente. Nessas formas septicêmicas deve-se destacar também a ausência de diferença quanto ao tempo de doença à admissão o que refletiria a toxemia mais precoce e acentuada nos dois grupos de pacientes, apesar da diferença de letalidade. O maior tempo de história clínica observado na DM-M também é visto em outras séries17 32 .

Embora a DM não predomine em pessoas previamente doentes12 26, a existência de co-morbidades parece piorar o prognóstico já que observamos maior freqüência dessas condições nas formas de DM-S e DM-MS. Destacamos a asplenia e esquistossomose entre as co-morbidades (38%), alertando também para possível maior gravidade da DM em áreas endêmicas dessa parasitose. Jafari e Mc Cracken15 chamaram a atenção para o acometimento do baço e fígado associado à disfunção do sistema reticuloendotelial cuja integridade é relevante no combate ao meningococo.

O predomínio da positividade nos exames microbiológicos do LCR na DM-M certamente associa-se à evolução mais lenta desta forma clínica pela inserção e multiplicação bacteriana no sistema nervoso central. Em cerca de 5% ou mais dos pacientes com septicemia meningocócica a bactéria pode crescer no LCR com citoquímica normal, o que alguns autores relacionam à punção lombar precoce, antes da produção da reação inflamatória1 6 16. Nesta série, registraram-se 13% de culturas (2/15) e taxa semelhante de bacterioscopias (2/16) positivas no líquor dos pacientes com DM-S, o que, apesar do pequeno número, enfatiza a importância da realização de exames específicos no líquor desses pacientes, além da hemocultura, também indicada para todas as formas da doença. As alterações do LCR encontradas na DM-M, celularidade e concentração de proteínas elevadas e glicose baixa, refletem a evolução do processo inflamatório localizado.

As alterações constatadas no coagulograma (PT e PTT) indicam a tendência de associação entre septicemia e coagulopatia4 15 . Porém, Thomson cols32, analisando, igualmente, número de plaquetas e média de leucócitos e hemoglobina, nas três formas clínicas, não viram diferenças significativas.

Entre os sintomas clássicos da DM, o registro de cefaléia ocorreu apenas na metade dos casos, o que já foi observado em outros estudos6 17. E deve ser ressaltado que cerca de um terço dos pacientes não apresentaram rigidez de nuca ou vômitos, mostrando que na clássica tríade, cefaléia, vômitos e rigidez de nuca, do diagnóstico clínico da meningite, podem faltar um ou mais de um sinal ou sintoma. Destaca-se que a cefaléia foi relevante nos pacientes com DM-MS frente à DM-S, sem que tenhamos observado diferença estatística entre eles segundo a média das idades. Maior freqüência de abaulamento de fontanela e sinais de localização nos casos de DM-M frente aos demais, evidencia a tendência à localização cerebral dessa forma de DM e a conseqüente gravidade neurológica. Contudo, não houve diferença estatística entre as formas clínicas quanto a presença de coma que pode derivar de diferentes mecanismos fisiopatogênicos, localizados e/ou sistêmicos de caráter metabólico.

As púrpuras, de variável intensidade, registradas em 82%, demonstram a gravidade clínica dos pacientes em serviços de referência, quando na literatura são descritas em torno de 60% dos casos de DM1 26. Constituem os sinais clínicos mais fidedignos da septicemia meningocócica, cuja presença leva mais facilmente ao diagnóstico clínico, quando o ideal seria fazê-lo antes do seu aparecimento, que pode ocorrer, por vezes, entre 6 e 12 horas após o início da síndrome febril34. As observações deste estudo reforçam que, em campanhas de educação para a saúde, sobretudo em momentos de surtos ou epidemias, deve ser ressaltado o predomínio da ocorrência precoce de pontos avermelhados na pele, as púrpuras33, e, também, a possível ausência da tríade clássica das meningites, podendo faltar na DM um ou mais dos sinais e sintomas em considerável proporção de casos, como verificamos.

O predomínio significativo de quadro de choque à admissão dos pacientes com DM-S é um fato observado por outros pesquisadores7 17, relevante ao diagnóstico, prognóstico e instalação imediata e máxima de cuidados intensivos34. Além do choque, são relatados usualmente CIVD, coma e insuficiência respiratória nas formas de DM-MS e DM-S11 26 30 Nesta série, embora o choque tenha predominado na DM-S, a freqüência de CIVD, coma, e insuficiência respiratória à evolução, foi semelhante na DM-S e DM-MS. Durante a evolução, a presença mais significativa de sinais de localização e crises convulsivas na DM-M denuncia o acometimento mais grave do SNC nesta forma clínica, diferenciada estatisticamente não só em relação a DM-S, mas, curiosamente, também em comparação à DM-MS. Outras manifestações como artrite e úlceras de pele na evolução da DM foram apresentações freqüentes nesta e em outras séries8 14. As artrites são registradas mais comumente nos casos com DM sistêmica grave (DM-S e DM-MS)35, sendo os adultos mais propensos que as crianças25 35. Surgem, em geral, mais tardiamente sendo então consideradas como resultantes de mecanismos imuno-alérgicos. Mas é possível que as artrites de natureza purulenta, que costumam ser vistas em torno de 3 dias da doença, possam se iniciar ainda mais precocemente quando passariam despercebidas pela susperposição de sinais e sintomas mais relevantes.

A surdez ou hipoacusia é considerada a seqüela mais importante da DM14 22. A pequena incidência de surdez nesta casuística (1%), que impediu sua análise segundo formas clínicas, certamente deve-se a falta de exames específicos e sistemáticos, estando, entretanto, dentro da variação de 1 a 3 % documentada por alguns autores 9 26, embora taxas maiores, de até 25%, sejam descritas7 8 22. Há relatos de que a surdez pode ocorrer em pacientes com septicemia menigocócica sem meningite (DM-S), tendo como provável mecanismo uma lesão coclear induzida pela endotoxemia22 24 31.

Através da observação clínica foi possível verificar que as formas septicêmicas (DM-S e DM-MS) foram consideravelmente semelhantes em seus dados epidemiológicos gerais, clínicos e laboratoriais. Diferenciaram-se na ocorrência de choque, predominante nos casos de DM-S, aspecto associado ao nível de gravidade, embora não tendo se diferenciado significativamente pela freqüência de CIVD. Por outro lado, na forma de DM-MS, diferentemente do esperado, as alterações clínicas e laboratoriais ligadas ao SNC foram menos acentuada que na DM-M, talvez pela instalação mais aguda da doença e, por conseqüência, do tratamento mais precoce na DM-MS.

Conclui-se da presente avaliação que a forma mais comum da doença meningocócica é a septicêmica, com ou sem meningite, admitindo que a DM-S e a DM-MS devam representar variações de gravidade da forma septicêmica, enquanto a DM-M pode ser considerada uma das formas localizadas da DM e, como tal, a mais freqüente. Tornam-se necessários dados que possam explicar a diferença de letalidade entre DM-MS e DM-S, do hospedeiro e do agente etiológico

O estudo aponta para desdobramentos que devem envolver avaliações prospectivas e multicêntricas de base clínica, através de protocolos associados a análises da resposta celular inflamatória e imune e identificação das cepas causais da Neisseria meningitidis, capazes de aprofundar a distinção dos padrões principais de apresentação da DM. Este conhecimento poderá permitir melhor classificação dos pacientes e suas formas clínicas quanto a aspectos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos, e a propiciar a redução da letalidade.

Recebido para publicação em 2/4/2004

Aceito em 3/5/2007

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  • Endereço para correspondência:

    Dra Nadia Stella Silva.
    Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fiocruz.
    Av. Brasil, 4365, Manguinhos
    21045-900 Rio de Janeiro, RJ.
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Maio 2007
    • Recebido
      02 Abr 2004
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