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Pesquisa de infecção natural de flebotomíneos por Leishmania, no Estado do Paraná

Research of natural infection of phlebotomines for Leishmania, in the State of Paraná

Resumos

A leishmaniose tegumentar americana tem sido notificada em todos os estados do Brasil e no Paraná essa doença é endêmica. O objetivo deste trabalho foi detectar a infecção natural de flebotomíneos para verificar a competência vetorial destes insetos e a identificação da espécie parasitária. Os flebotomíneos foram coletados com armadilhas de Falcão e Shannon, nos municípios de Doutor Camargo, Fênix e Mandaguari, de novembro de 2005 a agosto de 2006. Coletaram-se 12.930 flebotomíneos, dos quais 2.487 fêmeas foram dissecadas e destes 1.230 fêmeas foram submetidas à reação em cadeia da polimerase. Pelo método da dissecação, foi detectada uma fêmea de Nyssomyia whitmani com infecção natural por flagelados e pela reação em cadeia da polimerase não se detectou a presença de DNA de Leishmania em nenhuma das fêmeas. Apesar de não ter sido detectada a infecção natural de Nyssomyia neivai nas localidades em apreço e ainda que os requisitos de incriminação vetorial não tenham sido atendidos, não se deve negligenciar o potencial vetorial desta espécie.

Flebotomíneos; Dissecação; Reação em cadeia da polimerase; Nyssomyia neivai; Nyssomyia whitmani


American cutaneous leishmaniasis has been reported in all Brazilian states and in the Paraná this disease is endemic. The objective of this work was to detect natural infections in phlebotomines to verify the vector competence of these insects and the identification of the parasite species. Phlebotomines were collected using Falcão and Shannon traps, in the municipalities of Doutor Camargo, Fênix and Mandaguari, between November 2005 and August 2006. from 12,930 phlebotomines were collected, 2,487 females were dissected and 1,230 dissected females had been submitted to polymerase chain reaction. Flagellates were detected in a female Nyssomyia whitmani that had been dissected and for polymerase chain reaction failed to detect Leishmania DNA in any females. Even though flagellates were not detected in Nyssomyia neivai it should still be considered as a potencial vector.

Phlebotomines; Dissection; Polymerase chain reaction; Nyssomyia neivai; Nyssomyia whitmani


ARTIGO ARTICLE

Pesquisa de infecção natural de flebotomíneos por Leishmania, no Estado do Paraná

Research of natural infection of phlebotomines for Leishmania, in the State of Paraná

Herintha Coeto NeitzkeI; Regiane Bertin de Lima ScodroII; Kárin Rosi Reinhold de CastroII; Alessandra de Cássia Dias SversuttiI; Thaís Gomes Verzignassi SilveiraIII ; Ueslei TeodoroIII

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

IIPrograma de Pós-Graduação em Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

IIIDepartamento de Análises Clínicas da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Ueslei Teodoro Deptº de Análises Clínicas/UEM Av. Colombo 5790 87020-900 Maringá, PR Tel: 44 3261-3783. Fax: 44 3261-4860 e-mail: uteodoro@uem.br

RESUMO

A leishmaniose tegumentar americana tem sido notificada em todos os estados do Brasil e no Paraná essa doença é endêmica. O objetivo deste trabalho foi detectar a infecção natural de flebotomíneos para verificar a competência vetorial destes insetos e a identificação da espécie parasitária. Os flebotomíneos foram coletados com armadilhas de Falcão e Shannon, nos municípios de Doutor Camargo, Fênix e Mandaguari, de novembro de 2005 a agosto de 2006. Coletaram-se 12.930 flebotomíneos, dos quais 2.487 fêmeas foram dissecadas e destes 1.230 fêmeas foram submetidas à reação em cadeia da polimerase. Pelo método da dissecação, foi detectada uma fêmea de Nyssomyia whitmani com infecção natural por flagelados e pela reação em cadeia da polimerase não se detectou a presença de DNA de Leishmania em nenhuma das fêmeas. Apesar de não ter sido detectada a infecção natural de Nyssomyia neivai nas localidades em apreço e ainda que os requisitos de incriminação vetorial não tenham sido atendidos, não se deve negligenciar o potencial vetorial desta espécie.

Palavras-chaves: Flebotomíneos. Dissecação. Reação em cadeia da polimerase. Nyssomyia neivai. Nyssomyia whitmani.

ABSTRACT

American cutaneous leishmaniasis has been reported in all Brazilian states and in the Paraná this disease is endemic. The objective of this work was to detect natural infections in phlebotomines to verify the vector competence of these insects and the identification of the parasite species. Phlebotomines were collected using Falcão and Shannon traps, in the municipalities of Doutor Camargo, Fênix and Mandaguari, between November 2005 and August 2006. from 12,930 phlebotomines were collected, 2,487 females were dissected and 1,230 dissected females had been submitted to polymerase chain reaction. Flagellates were detected in a female Nyssomyia whitmani that had been dissected and for polymerase chain reaction failed to detect Leishmania DNA in any females. Even though flagellates were not detected in Nyssomyia neivai it should still be considered as a potencial vector.

Key-words: Phlebotomines. Dissection. Polymerase chain reaction. Nyssomyia neivai. Nyssomyia whitmani.

As leishmanioses têm ampla distribuição na América, África, Índia, Ásia e Mediterrâneo, ocorrem em 88 países e atingem mais de 14 milhões de pessoas, com um acréscimo anual de 2 milhões de casos novos e estimativa de que 350 milhões de pessoas vivem em áreas de risco23.

As leishmanioses estão entre as doenças infecciosas-parasitárias de maior incidência no mundo14 23. Essas parasitoses envolvem protozoários do gênero Leishmania, transmitidos pela picada de flebotomíneos, que têm como reservatórios mamíferos silvestres16.

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) vem sendo notificada em todos os Estados do Brasil17. No Estado do Paraná, essa doença é endêmica, com registro de casos na maioria dos municípios. Dos 13.384 casos registrados na região sul do país no período de 1980 a 2005, 98,7% ocorreram no Paraná17.

No Paraná, as espécies de flebotomíneos Nyssomyia whitmani, Migonemyia migonei, Pintomyia pessoai, Nyssomyia neivai e Pintomyia fischeri têm sido as mais freqüentes em abrigos de animais domésticos, nas matas e no domicílio15 21. As três primeiras foram assinaladas com infecção natural por protozoários do gênero Leishmania em outras regiões do Brasil, mostrando o potencial vetorial desses dípteros nos ambientes naturais e antrópicos. No Paraná, a infecção de Nyssomyia whitmani por Leishmania braziliensis foi comprovada por Luz e cols12.

A taxa de flebotomíneos naturalmente infectados em áreas endêmicas e a identificação correta da espécie de Leishmania em uma determinada espécie de flebotomíneo são de grande importância na epidemiologia das leishmanioses16. Segundo Michalsky e cols16, apesar da existência de relatos de encontros desses protozoários no tubo digestivo de flebotomíneos, a natureza dessas infecções por Leishmania só pode ser determinada pela realização de técnicas de isolamento ou inoculações experimentais.

Nos municípios de Doutor Camargo (Recanto Marista), Fênix (Fazenda Água Azul) e Mandaguari (Sítio Flor de Maio), onde foram realizadas coletas de flebotomíneos, a população desses dípteros tem sido elevada e foram registrados casos humanos de LTA22. Nas localidades onde foram feitas as coletas, as matas nativas remanescentes abrigam várias espécies de mamíferos silvestres, potenciais reservatórios de Leishmania, permitindo a existência do ciclo enzoótico de Leishmania. Como os estudos da competência vetorial de flebotomíneos para Leishmania braziliensis, segundo Silva e Gomes20, ainda são escassos, considerando a ampla distribuição geográfica desta espécie de protozoário nas Américas20, procurou-se detectar nas localidades referidas, a infecção natural de flebotomíneos por Leishmania, utilizando a dissecação e a reação em cadeia da polimerase (PCR) para verificar a competência vetorial desses dípteros e a identificação da espécie parasitária.

MATERIAL E MÉTODOS

Descrição da área de estudo. As coletas de flebotomíneos foram feitas em localidades dos municípios de Doutor Camargo (Recanto Marista), Fênix (Fazenda Água Azul) e Mandaguari (Sítio Flor de Maio), Estado do Paraná, Brasil, onde há registro de casos de LTA (Figura 1). Nas três localidades, as matas remanescentes são do tipo Floresta Estacional Semidecidual, com queda parcial de folhas de algumas espécies arbóreas no inverno, quando ocorre seca pouco pronunciada.


O município de Doutor Camargo localiza-se na Mesorregião Norte Central do Paraná, a 52º13’ longitude oeste e 23º33’ latitude sul, a 585 metros do nível do mar e às margens do rio Ivaí, uma das mais importantes bacias hidrográficas do Paraná. O Recanto Marista tem uma área com mata remanescente bastante alterada (Floresta Estacional Semidecidual), com 40,8 hectares. A mata é do tipo densa tropical de transição para subtropical, com queda parcial de folhas de algumas espécies arbóreas no inverno, quando ocorre seca pouco pronunciada.

O município de Fênix localiza-se na Mesorregião Centro Ocidental do Paraná, a 52º06’ longitude oeste e 23º55’ latitude sul. A Fazenda Água Azul possui uma área total de 774 hectares, sendo 289 hectares de mata nativa.

O município de Mandaguari localiza-se na Mesorregião norte Central do Paraná, a 51º41’ longitude oeste e 23º31’ latitude sul. O clima é do tipo subtropical úmido mesotérmico, com verões quentes e tendência de concentração de chuvas (temperatura média superior a 22ºC); no inverno as geadas são pouco freqüentes (temperatura média inferior a 18ºC), sem períodos de seca definidos. O Sítio Flor de Maio tem uma área com mata nativa remanescente bastante alterada.

Coleta de flebotomíneos. No município de Doutor Camargo, as coletas foram realizadas aleatoriamente em diversos dias de novembro de 2005 a abril de 2006 e de julho a setembro de 2006, das 22 às 2 horas. As coletas foram feitas com armadilhas luminosas de Falcão nos seguintes ecótopos: na varanda da residência do caseiro na entrada do Recanto Marista (48 horas); nos fundos de uma residência eventualmente alugada para visitantes (32 horas); em um anexo ao lado de uma residência, onde são alojados trabalhadores temporários (52 horas); na varanda da residência do administrador (32 horas); na entrada principal de um alojamento, às margens do rio Ivaí, usado por grupos de pessoas que procuram retiro espiritual (48 horas).

No município de Fênix, as coletas foram realizadas em janeiro de 2006, em uma noite das 22 às 3 horas, e em 2 noites das 21 às 24 horas. As coletas foram feitas com armadilhas luminosas de Falcão e Shannon, que foram instaladas no peridomicílio (47 horas) e na mata (12 horas).

Em Mandaguari as coletas foram realizadas nos meses de junho e agosto de 2006, 2 vezes em cada mês, das 18 às 6 horas. As coletas foram realizadas com armadilhas luminosas de Falcão, no peridomicílio (36 horas), domicílio (96 horas), curral (48 horas), chiqueiro (48 horas) e mata (36 horas).

Alguns insetos coletados foram mantidos vivos para posterior dissecação e observação de infecção natural por flagelados. O restante dos insetos, após serem mortos com clorofórmio, foi acondicionado em caixinhas de papelão para posterior identificação.

Dissecação e identificação dos flebotomíneos. As armadilhas foram abertas em um mosqueteiro e as fêmeas vivas foram retiradas de modo aleatório e dissecadas para a observação de infecção natural por Leishmania, segundo procedimento utilizado por Lainson9, com algumas modificações. A dissecação foi feita em microscópio estereoscópico, com auxílio de estiletes, em lâminas esterilizadas, lavadas com hipoclorito a 2% e mantidas em álcool a 70%. Nas lâminas, foram colocadas duas gotas de salina estéril (0,9%); na primeira gota foram retiradas as pernas e as asas e na segunda gota foi feita a dissecação, fazendo-se dois cortes na porção final do abdômen e com movimentos de ziguezague retirou-se o tubo digestório, o qual foi coberto com lamínula e examinado ao microscópio óptico, em aumento de 400 vezes, para identificação da espécie de flebotomíneo e a pesquisa de Leishmania, bem como sua localização no tubo digestório.

Após a dissecação e identificação das fêmeas de flebotomíneos, os tubos digestórios foram adicionados a 150µL de tampão STE (NaCl 0,1M; Tris-base 10mM, pH 8,0; Na2EDTA-2H2O 1mM, pH 8) e mantidos a -18ºC. Cada frasco (pool) continha 10 tubos digestórios de fêmeas da mesma espécie de flebotomíneos.

Os exemplares machos e as fêmeas não destinadas à pesquisa de flagelados também foram identificados de acordo com o local de coleta.

A nomenclatura das espécies de flebotomíneos seguiu a padronização de Galati6.

Extração do DNA de Leishmania. A extração do DNA de Leishmania foi feita por guanidina-fenol5, com algumas modificações. Ao pool de flebotomíneos foram adicionados 300µL de solução de isotiocianato de guanidina-fenol, com homogeneização durante 1 minuto, até que o sedimento fosse totalmente dissolvido e depois adicionado 50µL de clorofórmio, agitando delicadamente. Após centrifugação a 9.400g por 10 minutos, o sobrenadante foi transferido para outro tubo contendo 300µL de etanol absoluto, que foi agitado durante 1 minuto e centrifugado a 9.400g por 15 minutos. O sobrenadante foi desprezado e o sedimento foi lavado duas vezes com 300µL de etanol absoluto com centrifugação a 9.400g durante 10 minutos. O sobrenadante foi novamente desprezado e o sedimento foi seco em banho-seco (BIOPLUS IT-2002) a 95ºC. O pellet do DNA foi hidratado em 50µL de tampão TE (Tris-base 10mM, pH 8,0; Na2EDTA-H2O 1mM, pH 8), incubado em agitador rotatório por 6 horas e armazenado a 4ºC até o uso. Para cada grupo de 22 amostras submetidas à extração de DNA, foi utilizado 1 controle negativo (machos de flebotomíneos) e 1 controle positivo (machos de flebotomíneos + Leishmania braziliensis).

Amplificação do DNA do cinetoplasto de Leishmania. O DNA extraído foi amplificado usando os seguintes iniciadores para a amplificação do DNA do subgênero Leishmania (Viannia) o MP1L (5'- TAC TCC CCG ACA TGC CTC TG -3') e o MP3H (5'- GAA CGG GGT TTC TGT ATG C - 3') que amplificam um fragmento de 70 pares de base da região do minicírculo do DNA do cinetoplasto (kDNA)11. A mistura de reação (25µL) foi preparada contendo a concentração final de 1µM de cada iniciador (Invitrogen®); 0,2mM dNTP (Invitrogen®), 1U de Taq DNA Polimerase (Invitrogen®), 3mM de MgCl2, tampão da enzima e 2µL de DNA. A amplificação do DNA foi realizada em Termociclador Personal Cycler (Biometra) utilizando-se aquecimento inicial de 95°C durante 5 minutos. Posteriormente, foram realizados trinta ciclos, cada um deles dividido em três etapas: desnaturação (95°C 1,5 minutos), anelamento (55°C 1,5 minutos) e polimerização (72°C 2 minutos). Em seguida, o material foi mantido a 72°C durante 10 minutos e o produto amplificado foi estocado a 4°C até a sua análise. Para cada bateria de amostras submetidas à amplificação, foi utilizado 1 controle negativo (mistura de reação + 2µL de água) e 1 controle positivo (mistura de reação + DNA de Leishmania braziliensis).

Para verificar a presença de prováveis interferentes no conteúdo digestório dos insetos que poderiam causar inibição na Taq DNA polimerase e impedir a detecção de DNA de Leishmania, foi utilizado um controle interno de amplificação (uma alíquota de 9µL do DNA extraído de cada amostra (pool) de flebotomíneos foi adicionado 1µL (100fg) do DNA extraído de cultura de formas promastigotas de Leishmania braziliensis). Essa amostra contendo controle interno (AC) foi amplificada paralelamente à amostra (A) contendo apenas o pool de flebotomíneos, não contendo o controle interno.

A amostra de DNA foi considerada positiva para presença de DNA de Leishmania quando houve amplificação em AC e A; a amostra de DNA foi considerada negativa quando houve amplificação em AC e não houve em A; a amostra de DNA foi considerada contendo inibidores quando não houve amplificação em AC nem em A.

As amostras que apresentaram inibição foram diluídas (1/2, 1/4 e 1/8), adicionadas de DNA de Leishmania braziliensis (AC) e a amplificação foi repetida para determinar em qual diluição os inibidores não interfeririam na amplificação.

Eletroforese do DNA. Dez microlitros dos produtos amplificados (material extraído com e sem DNA de Leishmania) foram analisados por eletroforese em gel de agarose a 3% contendo brometo de etídeo 0,1µg/mL, a 10-15V/cm. Os produtos da amplificação foram visualizados sob luz ultravioleta no transiluminador (Macro Vue UV-20 Hoefer).

Ensaio de sensibilidade. A sensibilidade da técnica de PCR foi realizada (Scodro RBL, Reinhold-Castro KR, Dias AC, Neitzke HC, Membrive NA, Kühl JB, Silveira TGV, Teodoro U: dados ainda não publicados, 2007) agrupando 10 machos de flebotomíneos em frascos, aos quais foram adicionados diferentes quantidades (20.000, 2.000, 200, 20 e 2) de promastigotas de Leishmania braziliensis cultivadas em meio 199 e lavadas em PBS. A técnica de PCR utilizada foi capaz de detectar 20 parasitos por flebotomíneo, considerando o pool de 10 fêmeas.

Inoculação em hamster. O material encontrado com flagelados no trato gastrointestinal da fêmea dissecada foi inoculado, via intradérmica, nas patas traseiras de um hamster (Mesocricetus auratus). O animal foi observado semanalmente durante 8 meses para verificar o aparecimento de lesão. Após a eutanásia, os gânglios poplíteos e o baço foram retirados e inoculados em meio de cultura para isolamento de Leishmania. As culturas foram mantidas a 25ºC e examinadas semanalmente quanto à presença de formas flageladas. Esse procedimento foi submetido ao Comitê de Conduta Ética no Uso de Animais em Experimentação (CEAE) da Universidade Estadual de Maringá e aprovado conforme parecer nº 035/2006.

RESULTADOS

No total foram coletados 12.930 flebotomíneos, representados por 8.603 (66,5%) fêmeas. No Recanto Marista foram coletados 11.432 flebotomíneos, dos quais 7.445 (65,1%) fêmeas; na Fazenda Água Azul foram coletados 479 flebotomíneos, sendo 339 (70,8%) fêmeas; e no Sítio Flor de Maio foram coletados 1.019 flebotomíneos, sendo 819 (80,4%) fêmeas.

Na Tabela 1, verifica-se que foram coletadas 12 espécies de flebotomíneos, representadas por Brumptomyia brumpti, Brumptomyia cunhai, Expapillata firmatoi, Evandromyia cortelezzii, Micropygomyia ferreirana, Migonemyia migonei, Pintomyia fischeri, Pintomyia monticola, Pintomyia pessoai, Psathyromyia shannoni, Nyssomyia neivai, Nyssomyia whitmani. Em Doutor Camargo, predominou Nyssomyia neivai (86,4%), seguido por Nyssomyia whitmani (12,4%). Na Fazenda Água Azul, bem como no Sítio Flor de Maio predominou Nyssomyia whitmani com 91,7% e 94,9%, respectivamente.

A Tabela 2 mostra que foram dissecadas 2.487 fêmeas, sendo 2.101 do Recanto Marista, 117 da Fazenda Água Azul e 269 do Sítio Flor de Maio. Foram dissecadas 1.854 fêmeas de Nyssomyia neivai, 3 de Pintomyia pessoai, 1 de Evandromyia cortelezzii e 2 de Brumptomyia brumpti, coletadas no Recanto Marista. Foram dissecadas também 579 fêmeas de Nyssomyia whitmani, 33 de Pintomyia fischeri, 15 de Migonemyia migonei, coletadas nas três localidades. Apenas uma fêmea de Nyssomyia whitmani, coletada no Recanto Marista, do total de fêmeas dissecadas apresentou infecção natural por flagelados, no intestino médio e posterior do trato digestório.

A reação em cadeia da polimerase foi realizada em 1.230 fêmeas de flebotomíneos (123 pools de 10 flebotomíneos) coletadas no Recanto Marista, das quais 1.000 exemplares eram Nyssomyia neivai (100 pools de flebotomíneos), 220 de Nyssomyia whitmani (22 pools de flebotomíneos), 10 de Pintomyia fischeri (1 pool de flebotomíneos). Das 123 amostras em que foram realizadas a técnica de PCR, 66 (53,6%) amostras apresentaram inibição (56 de Nyssomyia neivai, 9 de Nyssomyia whitmani e 1 Pintomyia fischeri) e 57 (46,3%) amostras foram negativas.

Para o estudo da interferência desta inibição no resultado da PCR, 12 amostras foram submetidas a três diluições em tampão TE (1/2, 1/4 e 1/8) e a reação foi repetida com a amplificação de 2µl destas diluições e acrescidos de 100fg de DNA de Leishmania. Foi verificado que todas as diluições foram satisfatórias para a remoção dos inibidores, permitindo a detecção de DNA de Leishmania. Posteriormente, foi realizada diluição 1/2 nas 66 amostras que possuíam inibição e elas foram amplificadas. Todas as amostras submetidas à técnica de PCR tiveram resultado negativo para Leishmania (Viannia).

O hamster inoculado com flagelados do trato gastrointestinal de Nyssomyia whitmani não desenvolveu lesão durante o acompanhamento e não houve desenvolvimento de Leishmania na cultura com gânglios poplíteos e baço do hamster.

DISCUSSÃO

As espécies coletadas já foram relatadas anteriormente no Estado do Paraná15 22, inclusive nos municípios e localidades desse estudo18 22. A infecção natural por Leishmania braziliensis já foi assinalada em Nyssomyia whitmani12, Nyssomyia intermedia19 20 e Migonemyia migonei19 em diversos Estados do Brasil.

As fêmeas representaram 66,5% do total de flebotomíneos coletados. O predomínio de Nyssomyia whitmani ou Nyssomyia neivai é fato conhecido no norte do Paraná e varia conforme a localidade de coleta15 22.

De 2.487 fêmeas de flebotomíneos dissecadas, apenas uma fêmea da espécie Nyssomyia whitmani apresentou infecção natural por flagelados, no intestino médio e posterior do trato digestório, representando 0,04%. A fêmea infectada foi coletada na varanda de um domicílio, na entrada principal do Recanto Marista, município de Doutor Camargo. O tubo digestório dessa fêmea foi inoculado na pata de um hamster, que não apresentou desenvolvimento de lesão. Este roedor, após 8 meses, foi submetido à eutanásia, foram retirados os gânglios poplíteos e o baço e inoculados em cultura, com resultado negativo. Todavia, o comportamento do parasita no tubo digestório de Nyssomyia whitmani, ocupando o intestino posterior e médio (peripilária), bem como o triângulo piloro, sugere infecção por Leishmania braziliensis10.

Baixas taxas de infecção natural de flebotomíneos têm sido descritas7 12, assim como há relatos4 20 de dissecações de flebotomíneos sem a constatação de infecção, o que foi observado na mesma localidade onde o presente trabalho foi realizado (Scodro RBL, Reinhold-Castro KR, Dias AC, Neitzke HC, Membrive NA, Kühl JB, Silveira TGV, Teodoro U: dados ainda não publicados, 2007). Estes fatos demonstram que a probabilidade de detecção de flagelados pela dissecação é muito pequena, além de que o método é trabalhoso. Daí a razão de se empregar técnicas mais rápidas e sensíveis, a exemplo da PCR. Em áreas onde aconteceram surtos de LTA no Estado de São Paulo, Silva e Gomes20 dissecaram 5.448 fêmeas de flebotomíneos silvestres, das quais 97,1% da espécie Nyssomyia intermedia, e não encontraram nenhum inseto infectado por flagelados, demonstrando uma tendência reduzida de infecção natural dessa espécie. Luz e cols12 argumentam que a pequena taxa de infecção pode ser por causa da baixa pressão parasitária. Contudo, Silva e Gomes20 mostraram em infecções experimentais a susceptibilidade de Nyssomyia intermedia às cepas de Leishmania braziliensis, indicando o potencial vetorial de Nyssomyia intermedia, ainda que os requisitos de incriminação vetorial propostos por Killick-Kendrick e Ward8 não tenham sido atendidos. Como as espécies Nyssomyia intermedia sensu strictu e Nyssomyia neivai pertencem ao mesmo complexo13, elas podem ter um comportamento semelhante quanto à suscetibilidade à infecção por flagelados13.

O método para a pesquisa da infecção natural de flebotomíneos por dissecação e observação de flagelados no trato digestório requer a confirmação da infecção pelo cultivo de Leishmania in vitro ou inoculação em animais de laboratório16, enquanto os métodos moleculares permitem a identificação de espécies de Leishmania isoladas em culturas, de pacientes ou reservatórios, bem como de flebotomíneos14 16. As principais vantagens dos métodos moleculares são a sensibilidade e especificidade, independente do número, estágio e localização da Leishmania no trato digestório do vetor14 16 19.

A técnica de PCR é capaz de detectar a presença de um único parasita no tubo digestório de flebotomíneos19 e tem sido utilizada com sucesso nos estudos de competência vetorial dos flebotomíneos, em áreas onde as taxas de infecção desses insetos são baixas16. Diversos iniciadores têm sido utilizados2 7 16 19; porém os iniciadores MP1L/MP3H têm sido muito sensíveis e testados com sucesso para o diagnóstico e detecção de flebotomíneos naturalmente infectados3.

Apesar da sensibilidade e especificidade da PCR, não se detectou flebotomíneos com infecção natural por Leishmania no Recanto Marista. Das amostras testadas pela PCR, 53,8% apresentaram inibição, devido provavelmente a substâncias interferentes presentes no conteúdo digestório desses insetos, que diminuem a sensibilidade da PCR2. Essas inibições foram minimizadas com a diluição das amostras, porém, reduzindo também a sensibilidade de detecção de Leishmania no tubo digestório de flebotomíneos.

A detecção de formas promastigotas em um exemplar de Nyssomyia whitmani pode, em parte, ser explicada, pela presença de galinhas (Gallus gallus) nos diversos galinheiros construídos para atrair flebotomíneos, pois, segundo Alexander e cols1, infecções pré-existentes em flebotomíneos podem ser eliminadas quando esses insetos fazem uma segunda alimentação em aves.

Apesar de não haver relato de infecção natural de Nyssomyia neivai e ainda que os requisitos de incriminação vetorial não tenham sido atendidos8, a elevada densidade populacional dessa espécie em áreas endêmicas de LTA no Paraná, sua freqüência no peridomicílio e domicílio, sua acentuada antropofilia e adaptação nos ambientes antrópicos e as condições ambientais favoráveis à persistência do ciclo enzoótico de Leishmania são fatores que evidenciam o potencial vetorial de Nyssomyia neivai.

AGRADECIMENTOS

Ao Colégio Marista e aos proprietários da Fazenda Água Azul e Sítio Flor de Maio, pelo apoio logístico. À mestranda Janaína Sales de Freitas do Departamento de Análises Clínicas da UEM, pelo auxílio nas coletas e na identificação de flebotomíneos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudo. À Fundação Araucária pelo apoio financeiro (Convênio 225/2005).

Recebido para publicação em: 17/05/07

Aceito em: 21/11/2007

Apoio Financeiro: Fundação Araucária (Convênio 225/2005) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Recebido
      17 Maio 2007
    • Aceito
      21 Nov 2007
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