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Sorologia rápida para hanseníase (teste ML Flow) em pacientes dimorfos classificados como paucibacilares pelo número de lesões cutâneas: uma ferramenta útil

Resumos

A hanseníase ainda é doença endêmica no Brasil, com cerca de 40.000 novos casos por ano. Devido à dificuldade na realização de exames laboratoriais em campo, classifica-se a forma clínica contando-se lesões, o que pode causar subdiagnóstico de casos multibacilares e falha terapêutica. Para avaliar uma nova ferramenta para diagnóstico de hanseníase multibacilar, o teste ML Flow, foi realizado em 21/77 (27,3%) pacientes com hanseníase dimorfa (6 DV e 15 DT) não tratados, com até cinco lesões de pele, avaliados de acordo com a classificação de Ridley & Jopling (R&J). O teste ML Flow foi positivo em 14/21 (66,6%) pacientes (4 DV e 10 DT); em 7/21 (33,3%) pacientes (5 DT e 2 DV) o resultado foi negativo. A classificação da hanseníase baseada somente na contagem de lesões pode falhar em diagnosticar casos MB. O ML Flow é ferramenta útil no diagnóstico de hanseníase dimorfa com até cinco lesões cutâneas.

Hanseníase dimorfa; Classificação; Sorologia; Patologia


Leprosy remains an endemic disease in Brazil, with almost 40,000 new cases diagnosed each year. As it is difficult to perform laboratory procedures in the field, operational classification is determined by counting lesions, which can cause underdiagnosis of multibacillary cases and failures in treatment. To evaluate a new tool to diagnose MB cases, the ML Flow test, 21/77 (27.3%) patients with untreated borderline leprosy (6 BL and 15 BT) with 1 to 5 cutaneous lesions were evaluated according to the R&J Classification. The ML Flow test was positive in 14/21 (66.6%) patients; 7/21 (33.3%) cases, 5 BT and 2 BL, showed negative results. Classification of leprosy based only on the number of lesions can fail to diagnose MB leprosy. The ML Flow test is a useful tool to diagnose borderline leprosy in patients with 1 to 5 cutaneous lesions.

Borderline leprosy; Classification; Serology; Pathology


ARTIGO

Sorologia rápida para hanseníase (teste ML Flow) em pacientes dimorfos classificados como paucibacilares pelo número de lesões cutâneas: uma ferramenta útil

Jaison Antônio BarretoI; Maria Esther Salles NogueiraII; Suzana Madeira DiorioII; Samira Bührer-SékulaIII

ISetor de Epidemiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, São Paulo, Brasil

IISetor de Imunologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, São Paulo, Brasil

IIIKIT Biomedical Research, Royal Tropical Institute, Amsterdam, The Netherlands e Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Jaison Antônio Barreto Instituto Lauro de Souza Lima Cx Postal 3021, 17034-971 Bauru, SP 14 3103-5854; 3103-5914 e-mail: jaisonbarreto@gmail.com

RESUMO

A hanseníase ainda é doença endêmica no Brasil, com cerca de 40.000 novos casos por ano. Devido à dificuldade na realização de exames laboratoriais em campo, classifica-se a forma clínica contando-se lesões, o que pode causar subdiagnóstico de casos multibacilares e falha terapêutica. Para avaliar uma nova ferramenta para diagnóstico de hanseníase multibacilar, o teste ML Flow, foi realizado em 21/77 (27,3%) pacientes com hanseníase dimorfa (6 DV e 15 DT) não tratados, com até cinco lesões de pele, avaliados de acordo com a classificação de Ridley & Jopling (R&J). O teste ML Flow foi positivo em 14/21 (66,6%) pacientes (4 DV e 10 DT); em 7/21 (33,3%) pacientes (5 DT e 2 DV) o resultado foi negativo. A classificação da hanseníase baseada somente na contagem de lesões pode falhar em diagnosticar casos MB. O ML Flow é ferramenta útil no diagnóstico de hanseníase dimorfa com até cinco lesões cutâneas.

Palavras-chaves:Hanseníase dimorfa. Classificação. Sorologia. Patologia.

A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa causada pelo Mycobacterium leprae, parasita intracelular obrigatório com tropismo pelo sistema nervoso periférico e pele; é endêmica no Brasil, e cerca de 40 mil novos casos são detectados por ano, apesar da redução de sua prevalência após a introdução da poliquimioterapia (PQT-OMS) em 19909. Embora seu diagnóstico seja relativamente fácil, nem sempre a classificação adequada da forma clínica e o conseqüente esquema terapêutico adequado são procedidos. Um diagnóstico preciso da forma clínica envolve cinco critérios: morfologia das lesões, aspectos evolutivos, baciloscopia do esfregaço, histopatologia e resposta imunológica do paciente9. Como geralmente apenas os dois primeiros são disponíveis em campo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou, para fins de tratamento, uma classificação operacional baseada no número de lesões cutâneas: paucibacilares (PB) - pacientes com até cinco lesões cutâneas, e multibacilares (MB) - pacientes com seis ou mais lesões6. Esta forma de classificação, entretanto, não raro causa erro na classificação de uma boa parcela de pacientes dimorfos com poucas lesões de pele visíveis, os quais são na verdade MBs, quando podem ser avaliados de acordo com todos os critérios padrões. Este erro de classificação pode ser freqüentemente constatado por ocasião das reações que ocorrem após o início do tratamento1. Portanto, são necessários testes laboratoriais de fácil execução que auxiliem na classificação correta dos pacientes com poucas lesões, para se evitar tratamento inadequado.

O ML Flow, teste de fluxo lateral, detecta com alta sensibilidade e especificidade anticorpos IgM contra o glicolipídeo fenólico1 (PGL-I) do Mycobacterium leprae3. Estudos mostram que estes anticorpos IgM contra o PGL-I estão intimamente relacionados à carga bacilar do paciente2, e existe uma proporção de pacientes classificados como PBs pelo número de lesões cutâneas de acordo com a recomendação da OMS6 que apresentam ML Flow positivo.

Com o objetivo de avaliar o teste ML Flow como ferramenta auxiliar no diagnóstico e conduta terapêutica, comparou-se o número de lesões e a classificação de Ridley e Jopling (R&J) em pacientes dimorfos não tratados e que seriam classificados como PB, de acordo com critério do número de lesões5.

CASUISTICA E MÉTODOS

Entre julho de 2004 e julho de 2008, diagnosticou-se no Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru (SP), 182 casos novos de hanseníase, sendo 45 virchowianos (HV), 77 dimorfos (HD), 54 tuberculóides (HT) e 6 indeterminados (HI). Dos 77 casos HD, 21 (27,3%) apresentavam até cinco lesões de pele, sendo 6 dimorfo-virchowianos (DV) e 15 dimorfo-tuberculóides (DT). Realizou-se a contagem do número de lesões, avaliação clínica, baciloscópica, imunológica (sorologia para PGL-I e reação de Mitsuda), além dos caracteres evolutivos, para a correta classificação da forma clínica de acordo com os critérios de R & J (1971)7.

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru-SP, processo 0066/2004.

Avaliação do índice baciloscópico. Os pacientes com hanseníase dimorfa, e que autorizaram a coleta de material para esfregaços, foram submetidos à baciloscopia representativa de todas as lesões e de até cinco pontos índices6, de forma a complementar seis pontos de coleta de material. Alguns, entretanto, não autorizaram a realização deste exame.

Histopatologia. As biópsias de pele foram obtidas utilizando-se punch de 4 mm na borda da lesão mais representativa da forma clínica. Foram fixadas em formol a 10% tamponado. Cada fragmento foi processado para inclusão em parafina e coloração por Hematoxilina-Eosina e Fite-Faraco.

Reação de Mitsuda. A reação de Mitsuda foi preparada no ILSL na concentração de 6,0 x 107Mycobacterium leprae/ml. Foi injetado 0,1 ml na face anterior do braço, por via intradérmica, utilizando seringa tipo tuberculiníca. Após 28 dias foi realizada a leitura clínica da reação, seguindo os critérios propostos pelo Congresso Mundial de Leprologia6. Nos casos positivos, foi realizado a biópsia da reação para avaliação da resposta granulomatosa.

Sorologia (teste ML Flow). Amostra de sangue foi colhida por punção digital e o teste realizado de acordo com o protocolo descrito por Bührer-Sékula3.

RESULTADOS

A Tabela 1 mostra os resultados dos 21 pacientes dimorfos que apresentavam até cinco (27,3%) lesões de pele. Observa-se que 13% (10/77) dos casos apresentavam uma única lesão de pele, sendo dois casos DV com ML Flow positivo. Em 66,6% (14/21) dos casos com até cinco lesões o teste ML Flow foi positivo. Dos sete casos cujo resultado do ML Flow era negativo, cinco eram DT e dois DV.

A média de índice baciloscópico da lesão (IBB) variou de 0 a 2,2 (1 DV com 3 lesões, ML Flow 4+ e PGL-I positivo com DO= 0,805); muitos pacientes não autorizaram a coleta de material de pontos índices para baciloscopia.

O resultado do teste de Mitsuda variou entre negativo e 7,0mm (1 caso DT com 1 lesão, ML Flow negativo e PGL negativo com DO=0,015). Sete pacientes não voltaram para a leitura do teste.

DISCUSSÃO

A classificação da hanseníase segundo o número de lesões pode levar a um esquema terapêutico inapropriado, resultando no subtratamento de pacientes MB com até cinco lesões de pele. Esta falha terapêutica é receada pelos profissionais de saúde que, não tendo acesso aos exames laboratoriais, tendem a tratar mais pacientes como MBs. Em estudo realizado na Nigéria4, foi observado que 95,7% receberam poliquimioterapia para MB, quando apenas 62,9% apresentavam ML Flow positivo. Destes, 55,9% teriam até cinco lesões de pele, e portanto seriam classificados como PB, conforme recomendação da OMS.

A hanseníase é doença sistêmica cujas manifestações clínicas dependem do grau de imunidade do hospedeiro. Em indivíduos com alta imunidade celular, ou seja, tuberculóides, a doença limita-se aos ramos nervosos cutâneos ou eventualmente a um tronco nervoso, mas com severo dano neural7,9. Por outro lado, em indivíduos virtualmente anérgicos ao bacilo, os virchowianos (HV), o M. leprae multiplica-se em uma série de outras células do hospedeiro, como macrófagos, células epiteliais, endotélio, além de vísceras, com disseminação do M. leprae por todo o organismo. Nestes casos, pode-se achar bacilo em qualquer local do tegumento, mas principalmente nos pontos mais frios do corpo, como orelhas, cotovelos e joelhos. Entretanto, em indivíduos dimorfos, esta disseminação difusa do bacilo pelo tegumento e vísceras não ocorre9, podendo não estar presente nestes locais, sobretudo nos DT, onde até a baciloscopia do esfregaço, mesmo quando obtida das lesões, pode ser negativa. Nos pacientes DT os bacilos estão preferentemente no interior dos ramos nervosos dérmicos e por isso estão normalmente bem representados na baciloscopia da biópsia10, mas não o são na baciloscopia do esfregaço. Além disso, em campo, não raro a baciloscopia das lesões não é realizada, mesmo quando possível, devido a várias dificuldades presentes quando da coleta do material, e principalmente por ser um exame que é realizado sem anestesia prévia dos locais a serem coletados. Todos estes fatos podem causar erro na classificação de um caso dimorfo inicial, que é um caso MB quando pode ser avaliado por meio de todos os critérios padrões. Em pacientes com poucas lesões, a coleta realizada em pontos índices pode ser negativa, mesmo quando a baciloscopia da lesão é positiva, mas nestes casos a sorologia é freqüentemente positiva e a reação de Mitsuda é negativa ou fracamente positiva. Indivíduos com múltiplas lesões normalmente são MB, mas algumas vezes um indivíduo com "poucas lesões" visíveis só demonstra locais da infiltração subclínica prévia por ocasião das reações10.

Dos 182 casos avaliados pelo Instituto Lauro de Souza Lima, 77 eram dimorfos, e 21 (27,3%) pacientes dimorfos apresentavam até cinco lesões de pele, sendo que 10 (13%) pacientes tinham apenas uma única lesão visível. Isto reforça o fato de que uma "lesão única" visível pode não ser a única, mas apenas a primeira manifestação externa de um processo infeccioso granulomatoso, ou seja, o bacilo pode estar presente em outros locais protegidos do sistema imune e ainda não ter sido descoberto, fato que se demonstra clinicamente por ocasião das reações após o início do tratamento.

O teste ML Flow mostrou-se muito sensível na detecção de casos MB, inclusive em pacientes com poucas lesões. Ao contrário do que ocorreu com baciloscopia do esfregaço, nenhum paciente recusou-se a realizá-lo, e embora não tenha sido positivo em todos os casos, em 66,6% dos pacientes com até cinco lesões, mostrou-se uma ferramenta útil no auxílio para uma correta classificação da forma clínica.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) - Processo:401002/2005-5.

Apoio financeiro: CNPq - Processo:401002/2005-5.

  • 1. Barreto JA, Belone AFF, and Ghidella CC. Hanseníase multibacilar: estudo de seguimento de 114 pacientes por 6 anos. Anais do 62Ş Congresso Brasileiro de Dermatologia, 2007
  • 2. Buhrer-Sekula S, Sarno EN, Oskam L, Koop S, Wichers I, Nery JA, Vieira LM, de Matos HJ, Faber WR, Klatser, P. R. Use of ML dipstick as a tool to classify leprosy patients. International Journal of Leprosy and Other Mycobacterial Diseases 68: 456-463, 2000.
  • 3. Buhrer-Sekula S, Smits HL, Gussenhoven GC, van Leeuwen J, Amador S, Fujiwara T, Klatser PR, Oskam L. Simple and fast lateral flow test for classification of leprosy patients and identification of contacts with high risk of developing leprosy. Journal of Clinical Microbiology 41: 1991-1995, 2003.
  • 4. Buhrer-Sekula S, Visschedijk J, Grossi MA, Dhakal KP, Namadi AU, Klatser PR, Oskam L. The ML flow test as a point of care test for leprosy control programmes: potential effects on classification of leprosy patients. Leprosy Review 78: 70-79, 2007.
  • 5. Guia de Vigilância Epidemiológica. 6 edição. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, 2005.
  • 6. Guia de Controle da Hanseníase. Fundação Nacional de Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia - CNDS, Ministério da Saúde, 1994.
  • 7. Hastings RC. Leprosy. 2 edition, New York, 1994.
  • 8. International Congress of Leprosy, Madrid 1953. Report of the Committee on Classification. International Journal of Leprosy and Other Mycobacterial Diseases40:102-103, 1972.
  • 9. Opromolla DVA. Noções de Hansenologia. 2000.
  • 10. Opromolla DVA. Ação terapêutica das drogas anti-hansênicas e evidências da persistência microbiana nos casos paucibacilares. Hansen International 29: 1-3, 2004.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Jaison Antônio Barreto
    Instituto Lauro de Souza Lima
    Cx Postal 3021, 17034-971 Bauru, SP
    14 3103-5854; 3103-5914
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2008
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