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Análise de receptores de quimiocinas na superfície de leucócitos circulantes de indivíduos infectados pelo Mycobacterium leprae: resultados preliminares

Resumos

Neste estudo, a expressão de receptores de quimiocinas na superfície dos leucócitos circulantes foi feita pela citometria de fluxo. Houve aumento da porcentagem de linfócitos CCR2+CD4+ no sangue periférico dos pacientes com hanseníase. Este resultado preliminar sugeriu alteração do perfil dos receptores de quimiocinas desses pacientes.

Hanseníase; Receptores de quimiocina; Leucócitos; Citometria de fluxo


In this study, the expression of chemokine receptors on the surface of circulating leukocytes was determined using flow cytometry. An increase in the percentage of CCR2+CD4+ lymphocytes was observed in the peripheral blood of leprosy patients. This preliminary data suggests that alterations occur in the chemokine receptor profile of these patients.

Leprosy; Chemokine receptors; Leukocytes; Flow cytometry


ARTIGO

Análise de receptores de quimiocinas na superfície de leucócitos circulantes de indivíduos infectados pelo Mycobacterium leprae: resultados preliminares

Vanessa Amaral MendonçaI; Gustavo Eustáquio Brito Alvim de MeloI; Mauro Martins TeixeiraII; Olindo Assis Martins-FilhoIII; Carlos Maurício AntunesII; Antonio Lúcio TeixeiraII

IUniversidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, MG

IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

IIICentro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Vanessa Amaral Mendonça Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Rua da Glória 187, Centro 39100.000 Diamantina, MG, Brasil Tel: 55 38 3532-1200; Fax: 55 38 3531-1030 e-mail: vaafisio@hotmail.com

RESUMO

Neste estudo, a expressão de receptores de quimiocinas na superfície dos leucócitos circulantes foi feita pela citometria de fluxo. Houve aumento da porcentagem de linfócitos CCR2+CD4+ no sangue periférico dos pacientes com hanseníase. Este resultado preliminar sugeriu alteração do perfil dos receptores de quimiocinas desses pacientes.

Palavras-chaves: Hanseníase. Receptores de quimiocina. Leucócitos. Citometria de fluxo

A hanseníase causada pelo Mycobacterium leprae é uma doença infecciosa crônica de natureza inflamatória que leva ao desenvolvimento de lesões em pele e nervos humanos. Os pacientes infectados podem progredir para a cura espontânea ou evoluírem para um amplo espectro patológico que é determinado pelos múltiplos elementos da resposta imune celular e humoral10. Os pacientes tuberculóides apresentam uma vigorosa resposta imune mediada por células em tecidos, além de apresentarem positividade nos testes de hipersensibilidade do tipo tardia (HTT) em resposta aos antígenos do Mycobacterium leprae. Por outro lado, pacientes virchowianos exibem uma resposta celular ineficaz contra o Mycobacterium leprae, associado a uma alta carga bacteriana, observada nos índices baciloscópicos (IB). Portanto, os mecanismos patogênicos da Hanseníase e a capacidade de cura espontânea diante da infecção pelo Mycobacterium leprae estão diretamente relacionados ao perfil da resposta imune elaborada pelo hospedeiro. De um lado, a resposta celular apresenta um papel protetor enquanto a resposta humoral parece permitir a proliferação bacteriana, sendo um fator de susceptibilidade bem estabelecido2. Nesse contexto a produção de citocinas em linfócitos e monócitos ativados, bem como a produção diferenciada de quimiocinas no foco da lesão, parece contribuir para o direcionamento da resposta imune e estabelecimento dos diferentes aspectos clínicos da doença.

As quimiocinas são citocinas quimiotáticas que recrutam populações específicas de leucócitos e estão envolvidas em muitos processos inflamatórios crônicos3. Tais moléculas se ligam às células por meio de receptores associados à proteína G, classificados em receptores CXCR, CCR, CR e CX3CR. Cada receptor de quimiocina apresenta uma distinta, embora sobreposta, especificidade para as diferentes quimiocinas1. Estudos têm demonstrado que a produção de TNF-α em monócitos e IFN-γ em linfócitos favorecem as interações celulares no tecido lesado, bem como a ativação e regulação das quimiocinas produzidas pelas células epiteliais, mastócitos, monócitos e neutrófilos, tais como as quimiocinas CC, (CCL2, CCL3 e CCL4) e as quimiocinas CXC (CXCL8, CXCL9 e CXCL10)1 3. A presença de elevados níveis séricos de CXCL84 e CCL27 em pacientes virchowianos e o aumento da expressão das quimiocinas CCL2 e CCL5 nas lesões de pele de pacientes com hanseníase6, sugerem a participação desses fatores nos complexos mecanismos imunopatológicos da doença. Embora a participação das quimiocinas e seus receptores em tais processos sejam alvos de diversos estudos, são escassas as investigações sobre o perfil de expressão dos receptores de quimiocinas em populações e subpopulações específicas de leucócitos do sangue periférico de indivíduos portadores de hanseníase. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo avaliar a expressão dos receptores CXCR4, CCR2 e CCR5, em populações e subpopulações de leucócitos circulantes e compará-los aos indivíduos saudáveis não infectados.

Nesse estudo foram avaliados seis pacientes portadores de Hanseníase acompanhados clinicamente pelo Programa de Saúde da Família de Diamantina - Minas Gerais. O diagnóstico e a classificação dos pacientes com Hanseníase foram baseados em critérios clínicos, sendo utilizada a classificação operacional da OMS14. O grupo controle constituiu-se de cinco indivíduos saudáveis não infectados. O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Para a análise do perfil fenotípico de leucócitos circulantes foram coletados 5ml de sangue venoso utilizando-se o EDTA como anticoagulante. Após a coleta, parte do sangue foi utilizada para a realização do hemograma e a outra utilizada para a análise de receptores de quimiocina em populações e subpopulações leucocitárias, seguida pela análise por citometria de fluxo. De acordo com o protocolo, 0,1ml de sangue foram incubados com 1µl de anticorpo monoclonal específico para receptores das principais populações celulares do sangue periférico tais como CD3, CD4, CD8, CD19, CD16 e CD14 (R&D Systems, USA), bem como para os receptores de quimiocinas CCR2, CCR5 e CXCR4 (R&D Systems, USA). Em seguida, as amostras foram submetidas à lise das hemácias seguido de leitura das amostras, utilizando-se o citômetro de fluxo FACScan (Becton-Dickinson, USA). A análise dos dados foi feita por meio do software Cell-Quest (Becton-Dickinson, USA). As diferenças estatísticas entre os grupos foram avaliadas por meio do teste Mann Whitney, fixando em 95% (p < 0.05) o nível de confiança.

A análise percentual das populações e subpopulações de leucócitos do sangue periférico de pacientes com Hanseníase (HA) e dos indivíduos não infectados (NI) está representada na Tabela 1. De acordo com os dados, foi observado um aumento no percentual de linfócitos NKT do sangue periférico dos pacientes HA, quando comparados ao indivíduos do grupo controle NI (p<0.05).

A Figura 1 representa a análise dos receptores de quimiocinas CXCR4, CCR2 e CCR5 na superfície de linfócitos T CD4 e T CD8 e os resultados estão expressos como mediana do percentual de células positivas para os receptores de quimiocinas avaliados. De acordo com os resultados, foi observado um aumento estatisticamente significativo no percentual de linfócitos T CD4+CCR2+ no grupo HA quando comparado ao grupo NI (NI=3,5 ± 2,2; HA=10,2 ± 3,6). Embora tenha sido observada uma diminuição no percentual de células CCR5+ nas subpopulações de linfócitos T CD4 e T CD8 no grupo HA em relação ao grupo NI, essa diferença não se mostrou estatisticamente significativa. Não houve diferença estatística na análise do receptor CXCR4 em ambas as subpopulações de linfócitos T.


Tendo em vista o direcionamento diferenciado das formas clínicas da hanseníase promovido pelo padrão da resposta imune do hospedeiro contra os antígenos do Mycobacterium leprae e levando em consideração o constante recrutamento de células para o foco das lesões, o presente estudo teve como grande meta analisar o perfil fenotípico de leucócitos no compartimento sanguíneo de pacientes com Hanseníase. A maioria dos estudos são realizados utilizando-se tecidos de pele ou de nervos e se baseiam em análises imunohistoquímicas para a determinação do infiltrado celular e da expressão de moléculas envolvidas no processo de eliminação do agente infeccioso6 11. No entanto, são poucos os estudos que investigam o perfil fenotípico de populações e subpopulações celulares, bem como a produção de quimiocinas e seus receptores em leucócitos do sangue periférico. No presente estudo, observamos um aumento no percentual de células com fenótipo sugestivo de linfócitos NKT (CD3+CD16+) no sangue periférico de pacientes com hanseníase. Segundo dados da literatura, o infiltrado celular presente nas lesões de pele e nervos é predominantemente mononuclear, que dependendo do tipo de resposta imune celular e humoral, pode levar à ocorrerência ou não da formação de granulomas. A produção de TNF-α por monócitos e IFN-γ por linfócitos T CD4 do infiltrado celular interferem nas interações intercelulares e na produção e regulação da produção de quimiocinas. Alguns estudos relataram que linfócitos NKT são recrutados frente à produção de fatores quimiotáticos produzidos por células epiteliais e ativados por antígenos lipoprotéicos e glicolipídicos do Mycobacterium leprae9 12 13. Esses resultados corroboram o aumento de células NKT circulantes observado em nosso estudo.

Hasan cols sugerem que a ativação diferencial de quimiocinas em pacientes com hanseníase parece ser crítica na disseminação e progressão da doença5. A análise da produção diferenciada de quimiocinas séricas têm crescido nos últimos tempos4 5 7. Mendonça cols demonstrou o potencial da quimiocina eotaxina como marcador biológico na hanseníase. Segundo esse trabalho, pacientes com hanseníase apresentaram aumento dos níveis plasmáticos de eotaxina/CCL11, onde a detecção de níveis plasmáticos de CCL11 superiores a 275pg/ml proporcionou uma sensibilidade de 90% e especificidade de 95% na discriminação dos pacientes portadores de hanseníase. Os autores sugerem que a dosagem futura desse marcador poderá ser utilizada como recurso adicional para o diagnóstico da doença8. Estudos ainda têm demonstrado aumento de CCL2 (MCP-1) sérico em pacientes virchowianos5 7 com o aumento na carga bacteriana, os antígenos secretados podem estimular diversas populações celulares em diferentes órgãos e tecidos. Essa ativação parece resultar em um aumento da intensidade da resposta imune inata como evidenciado pelos elevados níveis de CCL2 de pacientes com hanseníase virchowiana5. O CCL2 promove sua ação quimiotática em monócitos, células dendríticas imaturas e em linfócitos T de memória, por meio de sua interação com o seu receptor CCR2 na superfície dessas células. Além disso, têm sido demonstrada a participação dessa quimiocina no estabelecimento do infiltrado mononuclear em processos inflamatórios crônicos3. Nossos resultados demonstraram um aumento no percentual de Linfócitos T CD4+CCR2+, isso pode sugerir que embora o patógeno seja uma micobactéria intracelular, o recrutamento de linfócitos T helper parece acontecer de forma preferencial em relação ao recrutamento de linfócitos T citotóxicos. A utilização da citometria de fluxo foi escolhida nesse trabalho, pois ao contrário da técnica de imunohistoquímica, a estratégia experimental permite avaliar de maneira específica, sensível e simultânea a expressão de diversos receptores de membrana, ligados aos complexos mecanismos de recrutamento celular, o que permite inferir sobre o potencial migratório de populações e subpopulações celulares específicas. Os dados aqui apresentados refletem uma análise preliminar onde o número de pacientes avaliados apresenta-se como fator limitante. Estudos adicionais estão sendo conduzidos pelo grupo de pesquisa dos autores, com o objetivo de ampliar o conhecimento dos padrões de expressão de receptores de quimiocinas nas populações e subpopulações de leucócitos do sangue periférico de pacientes com hanseníase.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Giovanni de Miranda Pereira e toda a equipe do Programa de Saúde da Família, Diamantina, MG, Brasil pelo recrutamento dos pacientes e pela assistência.

Suporte financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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  • Endereço para correspondência:

    Dra. Vanessa Amaral Mendonça
    Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
    Rua da Glória 187, Centro
    39100.000 Diamantina, MG, Brasil
    Tel: 55 38 3532-1200; Fax: 55 38 3531-1030
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      2008
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