Acessibilidade / Reportar erro

Impacto do laser de baixa intensidade na supressão de infecções pelos vírus Herpes simplex 1 e 2: estudo in vitro

Impact of low-intensity laser on the suppression of infections caused by Herpes simplex viruses 1 and 2: in vitro study

Resumos

O uso do laser de baixa intensidade na supressão de infecções pelos vírus Herpes simplex 1 e 2 foi avaliado após uma a cinco aplicações, sendo observada uma redução gradual na replicação dos vírus Herpes simplex 1 e 2 com 68,4% e 57,3% de inibição, respectivamente, após 5 aplicações, indicando o seu uso clínico.

Laser terapêutico de baixa intensidade; Herpes simplex tipo 1; Herpes simplex tipo 2; Infecções


The use of low-level laser to suppress infections caused by Herpes simplex viruses 1 and 2 was evaluated after one to five applications. A gradual reduction in replication of Herpes simplex viruses 1 and 2 was observed, with 68.4% and 57.3% inhibition, respectively, after five applications, thus favoring its clinical use.

Low-level laser therapy; Herpes simplex type 1; Herpes simplex type 2; Infections


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Impacto do laser de baixa intensidade na supressão de infecções pelos vírus Herpes simplex 1 e 2: estudo in vitro

Impact of low-intensity laser on the suppression of infections caused by Herpes simplex viruses 1 and 2: in vitro study

Dennis de Carvalho FerreiraI,II; Fernanda Otaviano MartinsIII; Maria Teresa Villela RomanosIII

ISetor de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Departamento de Microbiologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

IILaboratório de Viroses Respiratórias, Entéricas e Oculares, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Departamento de Virologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

IIILaboratório Experimental de Drogas Antivirais e Citotóxicas, Departamento de Virologia, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Fernanda Otaviano Martins Deptº de Virologia/CCS/Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes/UFRJ Bloco I, Cidade Universitária, Ilha do Fundão 21941-590 Rio de Janeiro, RJ Tel.: 55 21 2562-6749 e-mail: fernandaomartins@gmail.com

RESUMO

O uso do laser de baixa intensidade na supressão de infecções pelos vírus Herpes simplex 1 e 2 foi avaliado após uma a cinco aplicações, sendo observada uma redução gradual na replicação dos vírus Herpes simplex 1 e 2 com 68,4% e 57,3% de inibição, respectivamente, após 5 aplicações, indicando o seu uso clínico.

Palavras-chaves: Laser terapêutico de baixa intensidade. Herpes simplex tipo 1. Herpes simplex tipo 2. Infecções.

ABSTRACT

The use of low-level laser to suppress infections caused by Herpes simplex viruses 1 and 2 was evaluated after one to five applications. A gradual reduction in replication of Herpes simplex viruses 1 and 2 was observed, with 68.4% and 57.3% inhibition, respectively, after five applications, thus favoring its clinical use.

Key-words: Low-level laser therapy. Herpes simplex type 1. Herpes simplex type 2. Infections.

O uso terapêutico dos lasers de baixa intensidade (LBI) ou soft lasers nas ciências da saúde tem sido empregado com constância na prática clínica devido aos seus efeitos antiinflamatório, analgésico, anti-edematoso e sua contribuição no reparo tecidual12.

Entre os efeitos citados, podemos incluir também a aceleração no processo de sedimentação óssea, bem como a degranulação de mastócitos, além de promover o aumento na circulação periférica, a vasodilatação e a proliferação fibroblástica11 12.

O laser terapêutico como agente biomodulador de organelas citoplasmáticas apresenta como alvo principal os lisossomos e as mitocôndrias, agindo inicialmente como um estimulante da regulação da membrana celular, desencadeando em seguida uma série de reações na cadeia respiratória das mitocôndrias por meio da ativação química de enzimas, promovendo alterações no metabolismo, ou seja, na biomodulação5.

Com a finalidade de aplicação clínica, o laser terapêutico, ou laser de diodo de baixa potência, tem sido utilizado no tratamento de diversos processos patológicos ou procedimentos práticos da rotina clínica, que vão desde a estomatite aftosa recorrente, úlceras traumáticas, disfunção têmporo-mandibular (DTM), síndrome da ardência bucal e, entre as infecções virais, para o tratamento da gengivoestomatite herpética primária e infecção herpética recorrente1 4.

Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi verificar o impacto do uso do laser de baixa intensidade na supressão de infecções por amostras de vírus Herpes simplex tipos 1 e 2 resistentes ao aciclovir (HSV-1-ACVr e HSV-2-ACVr), in vitro, uma vez que o aciclovir é o antiviral de escolha entre os antivirais atualmene liberados para o tratamento das infecções causadas por esses vírus16.

As infecções causadas pelos vírus Herpes simplex tipos 1 (HSV-1) e 2 (HSV-2) podem ser primárias e recidivantes. A maioria das infecções orais é causada por HSV-1 e as infecções genitais por HSV-2, mas o contato orogenital pode causar infecção de ambos os tipos tanto na mucosa oral quanto na mucosa genital. Lesões concomitantes orais e genitais também já foram relatadas13 16.

Os vírus Herpes simplex tipos 1 e 2 possuem características morfológicas e ciclo replicativo semelhantes aos de outros membros da família Herpesviridae, causando infecção latente e/ou persistente nas células do hospedeiro. Podem ainda produzir infecções líticas, com ciclo replicativo curto, e estabelecer infecção latente e/ou persistente em células neuronais sensoriais13 15.A partícula viral é frágil, pois o envelope lipídico é susceptível ao tratamento químico com solventes orgânicos, detergentes e proteases, tratamento físico como calor (60ºC) ou radiação ionizante e não-ionizante15.

Ao exame clínico, podemos observar pequenas vesículas amareladas, em geral agrupadas, na mucosa (bucal ou genital) e na pele, geralmente maiores e superficiais, que se rompem rapidamente formando úlceras que podem coalescer. São recobertas por membrana acinzentada e circundadas por um halo eritematoso. Estas lesões evoluem para a cura em um período de sete a 14 dias sem deixar cicatrizes, independente de tratamento2 3 15. Em pacientes imunocomprometidos, o tempo da infecção torna-se prolongado e as manifestações clínicas são mais extensas e graves2 10. Entre as maiores dificuldades durante o percurso clínico da infecção estão: o dano estético, desconforto funcional que ocorre por meio de ardência, prurido e dor, além do trauma por contato1 3 4.

Para a realização deste estudo, foi utilizada a cultura de células Vero (fibroblasto de rim de macaco Cercopitheccus aethiops), mantidas em meio mínimo essencial de Eagle (MEM-Eagle) acrescido de 0,03mg/ml de glutamina, 50µg/ml de garamicina, 2,5mg/ml de fungizona, solução de bicarbonato de sódio a 0,25%, HEPES 10mM e 10% de soro fetal bovino (meio de crescimento) ou sem soro fetal bovino (meio de manutenção) e incubadas a 37ºC em ambiente com 5% de CO2 por 48 horas.

As amostras de vírus Herpes simplex tipos 1 e 2, resistentes ao aciclovir, isoladas a partir do fluido de vesículas características de herpes labial e de lesões na genitália, respectivamente, pertencem à coleção do LEDAC (Laboratório Experimental de Drogas Antivirais e Citotóxicas/IMPPG/UFRJ).

A aplicação do laser de baixa intensidade foi realizada com o aparelho da marca DMC, modelo Photon Lase II (laser diodo). Cada aplicação do laser diodo (laser vermelho) foi realizada com a dosimetria de 30J/cm2, com comprimento de onda de 660nm, densidade de potência de 100mW, em emissão contínua, aplicada de forma pontual, com duração de oito segundos para cada aplicação (segundo recomendações do fabricante), posicionando o feixe emissor na entrada dos poços previamente selecionados de uma placa de 24 poços (TPP® - Switzerland), sem contato entre o laser e a placa. Após a aplicação, foi realizada a assepsia do equipamento com álcool 70%, para prevenir a possibilidade de contaminação entre os poços.

A toxicidade do laser de baixa intensidade para as células Vero, após uma a cinco aplicações com o mesmo tempo de exposição, foi avaliada através da observação de possíveis alterações na morfologia celular em microscópio ótico invertido (Leitz). O efeito na viabilidade celular foi determinado através da captação do corante vermelho neutro. A leitura foi feita em espectrofotômetro (ELx800TM - Bio-TeK Instruments, Inc.), em comprimento de onda de 490nm, para determinar o número de aplicações em que pelo menos 50% das células em cultura permaneceriam viáveis.

A atividade do laser de baixa intensidade na replicação dos vírus Herpes simplex tipos 1 e 2, resistentes ao aciclovir, foi determinada através da redução do título viral quando comparado com o controle, sem aplicação. Para isto, foram distribuídos 1ml de suspensão celular/poço, em um total de 7 poços distribuídos em duas placas de 24 poços, mantendo uma distância segura entre eles para que não houvesse interferência do laser durante as diferentes aplicações. As placas foram incubadas a 37 ºC por 48 horas em ambiente contendo 5% de CO2. Após esse período, o meio de crescimento foi substituído por meio de manutenção e 100µl da suspensão viral foram inoculados em seis poços da placa. Imediatamente após a inoculação viral, diferentes aplicações (uma a cinco) do laser de baixa intensidade foram realizadas sobre a cultura de células a fim de determinar se este era capaz de interferir na propagação dos vírus Herpes simplex tipos 1 e 2. Foram incluídos no teste um controle de células e um controle de vírus, ambos sem exposição ao laser.

Procedeu-se a incubação a 37ºC em ambiente contendo 5% de CO2 e, após 48 horas, foi coletado o sobrenadante do poço correspondente ao controle de vírus e daqueles em que foram realizadas as diferentes aplicações do laser. Os sobrenadantes foram titulados pelo método de Reed e Muench9. A percentagem de inibição viral foi obtida comparando os títulos dos vírus dos testes e do controle.

Analisando os resultados obtidos observamos que, como o ensaio empregado para avaliar a viabilidade celular baseou-se na capacidade de células viáveis incorporar e ligar o corante vermelho neutro com acúmulo nos lisossomos, qualquer dano na membrana citoplasmática e na membrana lisossomal diminuiria a incorporação e ligação desse corante. Apesar de ser descrito que o laser de baixa intensidade é capaz de atuar em lisossomos, nenhuma alteração foi observada após o número de aplicações efetuadas, uma vez que 100% das células se mantiveram viáveis.

Embora não tenha sido observada toxicidade do laser de baixa intensidade para as células empregadas neste estudo, o laser pode apresentar efeitos danosos, como acelerar a proliferação de células neoplásicas, conforme demonstrado em um estudo para avaliar a estimulação de células de carcinoma da laringe através da laserterapia8. Além disso, já foi demonstrada a sua participação na formação de crateras sobre a superfície radicular no caso de dentes7. Todavia, isso pode não ocorrer se uma anamnese e exame clínico criteriosos forem realizados no dia-a-dia, por meio de um acompanhamento clínico rigoroso, e se o protocolo de uso for seguido.

Em relação à avaliação antiviral, os resultados indicaram diminuição do título viral. Para o Herpes simplex tipo 1, foi observado que três aplicações do laser de baixa intensidade não foram suficientes para reduzir o título viral, sendo essa redução observada somente após quatro e cinco aplicações com redução de 43,8% e 68,4%, respectivamente. Já para o Herpes simplex tipo 2 essa redução foi gradual, sendo observada uma inibição de 30,8% após uma aplicação, atingindo 57,3% após cinco aplicações (Figuras 1 e 2). Embora tenha ocorrido uma redução no título viral, estes experimentos não permitem afirmar que o laser de baixa intensidade agiu de forma específica em alguma etapa da replicação viral, uma vez que este é capaz de alterar o metabolismo celular podendo, consequentemente, prejudicar o ciclo replicativo dos vírus. Estudos posteriores necessitam ser realizados a fim de otimizar a atividade inibitória do LBI sobre estes vírus, aumentando a intensidade das aplicações e variando o tempo de exposição, além de determinar em que etapa do ciclo replicativo dos vírus este atua.



O laser de baixa intensidade tem sido usado na clínica para o tratamento de diversos processos patológicos, entre eles a mucosite, definida como uma condição inflamatória da mucosa que se manifesta através de eritema, ulceração, hemorragia, edema e dor. Nesse caso, foi observada uma melhora no quadro dos pacientes devido à estimulação da atividade celular, acarretando a liberação de fatores de crescimento por macrófagos, proliferação de queratinócitos, aumento da população e degranulação de mastócitos e angiogênese, levando a uma aceleração no processo de cicatrização de feridas devido, em parte, à redução na duração da inflamação aguda, resultando numa reparação mais rápida6. Como os vírus Herpes simplex causam um quadro clínico semelhante, o laser de baixa intensidade poderia agir da mesma forma.

Embora o uso de antivirais tanto a nível tópico como sistêmico já tenha sido amplamente discutido sobre sua eficácia, enfatizando a importância do uso do aciclovir e de seus efeitos reduzidos de toxicidade14, tem-se observado a emergência de estirpes resistentes a esse antiviral. Dessa forma, a busca por outras opções de tratamento deve ser considerada. De acordo com os nossos resultados obtidos in vitro, aliados a eficácia clínica do laser de baixa intensidade, o emprego dessa técnica no dia-a-dia, associado à terapia básica convencional, podem contribuir para a melhora do quadro clínico do paciente.

Recebido para publicação em 05/09/2008

Aceito em 13/01/2009

  • 1. Catão MHCV. Os benefícios do laser de baixa intensidade na clínica odontológica na estomatologia. Revista Brasileira de Patologia Oral 3:214-218, 2004.
  • 2. Celum CL. The interaction between herpes simplex virus and human immunodeficiency virus. Herpes 11:36A-45A, 2004.
  • 3. Drake S, Taylor S, Brown D, Pillay D. Improving the care of patients with genital herpes. British Medical Journal 321:619-623, 2000.
  • 4. Genovese WJ. Laser de baixa intensidade: aplicações terapêuticas em odontologia. Lovise, São Paulo, 2000.
  • 5. Karu T. Photobiology of low-power laser effects. Health Physics 56:691-704, 1989.
  • 6. Kelner N, Lisboa de Castro JF. Laser de baixa intensidade no tratamento da mucosite oral induzida pela radioterapia: relato de casos clínicos. Revista Brasileira de Cancerologia 53:19-33, 2007.
  • 7. Ladalardo TCCGP, Pinheiro A, Campos RAC, Brugnera Jr A, Zanin F, Albernaz PLM, Weckx LLM. Laser therapy in treatment of dentine hypersensitivity. Brazilian Dental Journal 15:1-11, 2004.
  • 8. Pinheiro AL, Nascliento SC, Vieira AL, Rolim AB, da Silva PS, Brugnera Jr. A. Does LLLT stimulate laryngeal carcinoma cells? An in vitro study. Brazilian Dental Journal 13:109-112, 2002.
  • 9. Reed LJ, Muench H. A simple method of estimating fifty percent endpoints. American Journal of Hygiene 27:493-497, 1938.
  • 10. Russel DB, Tabrizi SN, Russell JM, Garland SM. Seroprevalence of herpes simplex virus types 1 and 2 in HIV-infected and uninfected homosexual men in a primary care setting. Journal of Clinical Virology 22:305-313, 2001.
  • 11. Schindl A, Schindl M, Pernerstorfer-Schon H, Schindl L. Low-intensity laser therapy: a review. Journal of Investigative Medicine 48:312-326, 2000.
  • 12. Simunovic Z. Laser in medicine and dentistry: Basic sciency and up-to-date clinical application of low level laser theraphy. In: Klima H (ed) Biophisical aspects of low level laser therapy, Vitagraf, Croatia, p.75-125, 2000.
  • 13. Suligoi B, Tchamgmena O, Sarmati L, Bugarini R, Toma L, Bakary DK, Glikoutou M, Rezza G. Prevalence and risk factors for herpes simples virus type 2 infection among adolescents and adults in Northern Camerron. Sexually Transmission Disease 28:690-693, 2001.
  • 14. Tolo FM, Rukunga GM, Muli FW, Njagi EN, Njue W, Kumon K, Mungai GM, Muthaura CN, Muli JM, Keter LK, Oishi E, Kofi-Tsekpo MW. Anti-viral activity of the extracts of a Kenyan medicinal plant Carissa edulis against herpes simplex virus. Journal of Ethnopharmacology 104:92-99, 2006.
  • 15. Wigg MD, Miranda MMFS. Viroses Dermotrópicas. In: Santos NSO, Romanos MTV, Wigg MD (eds) Introdução à virologia humana, 2Ş edição, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p.177-202, 2008.
  • 16. Wutzler P, Doerr HW, Färber I, Eichhorn U, Helbig B, Sauerbrei A, Brandstädt A, Rabenau HF. Seroprevalence of herpes simplex type 1 and type 2 in selected German populations - Relevance for incidence of genital herpes. Journal of Medicine 61:201-207, 2000.
  • Endereço para correspondência:

    Dra. Fernanda Otaviano Martins
    Deptº de Virologia/CCS/Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes/UFRJ
    Bloco I, Cidade Universitária, Ilha do Fundão
    21941-590 Rio de Janeiro, RJ
    Tel.: 55 21 2562-6749
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Jan 2009
    • Recebido
      05 Set 2008
    Sociedade Brasileira de Medicina Tropical - SBMT Caixa Postal 118, 38001-970 Uberaba MG Brazil, Tel.: +55 34 3318-5255 / +55 34 3318-5636/ +55 34 3318-5287, http://rsbmt.org.br/ - Uberaba - MG - Brazil
    E-mail: rsbmt@uftm.edu.br