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Caracterização da tuberculose em portadores de HIV/AIDS em um serviço de referência de Mato Grosso do Sul

Characterization of tuberculosis among HIV/AIDS patients at a referral center in Mato Grosso do Sul

Resumos

Investigou-se a tuberculose quanto à apresentação clínica, desfecho de tratamento e perfil sociodemográfico dos infectados pelo vírus da imunodeficiência humana atendidos em 2003-2005 em um serviço de referência sulmatogrossense. Analisaram-se 66 prontuários de pacientes maiores de 14 anos e informações do Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação para Tuberculose e do Sistema de Informações de Mortalidade. Predominaram indivíduos do sexo masculino, cor branca, pouca escolaridade e procedência do meio urbano. Identificou-se incremento da apresentação clínica extrapulmonar e sua relação com o comprometimento imunológico. Sobressaíram-se como formas de encerramento da tuberculose a cura (alcançada com acompanhamento mais longo que o previsto) e o óbito (de seis pacientes no início do tratamento da tuberculose). Observaram-se lacunas de preenchimento nas notificações de tuberculose e nos prontuários. Detectou-se a necessidade de diagnosticar precocemente a tuberculose em soropositivos para HIV, de aperfeiçoar os registros nos prontuários e de acompanhar os casos além do período recomendado, por alteração da evolução clínica da tuberculose em co-morbidade com a infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida.

Tuberculose; Vírus da imunodeficiência humana; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Co-infecção tuberculose-HIV


Tuberculosis was investigated regarding its clinical presentation, treatment outcome and sociodemographic profile among HIV patients attended at a referral center in Mato Grosso do Sul, in 2003-2005. Sixty-six medical files on patients over 14 years of age and data from the Brazilian National Information System for Notifiable Diseases relating to tuberculosis and from the Mortality Information System were analyzed. Most of the patients were male, white, of low schooling level and from urban areas. Increased extrapulmonary clinical presentation was found and it correlated with the degree of immunological competence. The main reasons for ceasing treatment were cure (reached after longer-than-expected follow-up) and death (of six patients at the beginning of the tuberculosis treatment). Information gaps were found in the tuberculosis notification records and medical files. The study revealed the need for early diagnosis of tuberculosis among HIV-positive patients, improvements in medical records and follow-up beyond the recommended duration, because of changes to the clinical evolution of tuberculosis in cases of comorbidity with HIV.

Tuberculosis; Human immunodeficiency virus; Acquired immunodeficiency syndrome; Tuberculosis-HIV coinfection


ARTIGO ARTICLE

Caracterização da tuberculose em portadores de HIV/AIDS em um serviço de referência de Mato Grosso do Sul

Characterization of tuberculosis among HIV/AIDS patients at a referral center in Mato Grosso do Sul

Maria de Fátima Meinberg CheadeI; Maria Lúcia IvoI; Pedro Henrique Guimarães da Silva SiqueiraI; Robson Gomes de SáI; Michael Robin HonerII

IDepartamento de Enfermagem Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS

IIUniversidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Maria de Fátima Meinberg Cheade Departamento de Enfermagem/UFMS Rua José Fragelli 98, 79009-410 Campo Grande, MS Tel: 55 67 3382-8487 e- mail: mdfcheade@uol.com.br

RESUMO

Investigou-se a tuberculose quanto à apresentação clínica, desfecho de tratamento e perfil sociodemográfico dos infectados pelo vírus da imunodeficiência humana atendidos em 2003-2005 em um serviço de referência sulmatogrossense. Analisaram-se 66 prontuários de pacientes maiores de 14 anos e informações do Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação para Tuberculose e do Sistema de Informações de Mortalidade. Predominaram indivíduos do sexo masculino, cor branca, pouca escolaridade e procedência do meio urbano. Identificou-se incremento da apresentação clínica extrapulmonar e sua relação com o comprometimento imunológico. Sobressaíram-se como formas de encerramento da tuberculose a cura (alcançada com acompanhamento mais longo que o previsto) e o óbito (de seis pacientes no início do tratamento da tuberculose). Observaram-se lacunas de preenchimento nas notificações de tuberculose e nos prontuários. Detectou-se a necessidade de diagnosticar precocemente a tuberculose em soropositivos para HIV, de aperfeiçoar os registros nos prontuários e de acompanhar os casos além do período recomendado, por alteração da evolução clínica da tuberculose em co-morbidade com a infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida.

Palavras-chaves: Tuberculose. Vírus da imunodeficiência humana. Síndrome da imunodeficiência adquirida. Co-infecção tuberculose-HIV.

ABSTRACT

Tuberculosis was investigated regarding its clinical presentation, treatment outcome and sociodemographic profile among HIV patients attended at a referral center in Mato Grosso do Sul, in 2003-2005. Sixty-six medical files on patients over 14 years of age and data from the Brazilian National Information System for Notifiable Diseases relating to tuberculosis and from the Mortality Information System were analyzed. Most of the patients were male, white, of low schooling level and from urban areas. Increased extrapulmonary clinical presentation was found and it correlated with the degree of immunological competence. The main reasons for ceasing treatment were cure (reached after longer-than-expected follow-up) and death (of six patients at the beginning of the tuberculosis treatment). Information gaps were found in the tuberculosis notification records and medical files. The study revealed the need for early diagnosis of tuberculosis among HIV-positive patients, improvements in medical records and follow-up beyond the recommended duration, because of changes to the clinical evolution of tuberculosis in cases of comorbidity with HIV.

Key-words: Tuberculosis. Human immunodeficiency virus. Acquired immunodeficiency syndrome. Tuberculosis-HIV coinfection.

A epidemia de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) constitui fator em potencial para a transformação da tuberculose de doença endêmica em epidêmica, em todo o mundo. A infecção por HIV pode ser considerada um dos principais fatores de risco para que indivíduos infectados por Mycobacterium tuberculosis desenvolvam tuberculose doença8.

Dos indivíduos infectados por Mycobacterium tuberculosis, mas não por HIV, 90% não chegarão a apresentar tuberculose ao longo da vida (indivíduos assintomáticos). A possibilidade de que estes indivíduos assintomáticos evoluam para doentes diminui progressivamente com o tempo após o contato inicial com o bacilo8.

A soropositividade para HIV incrementa a suscetibilidade a infecção por Mycobacterium tuberculosis e o risco de progressão para doença tuberculose. Tanto na infecção recente quanto na latente, o risco aumenta à medida que a imunossupressão se estabelece7 19. Dessa forma, a tuberculose pode ocorrer em qualquer fase da infecção por HIV8 na fase assintomática ou quando já estabelecida a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

O risco de que um indivíduo não-infectado por HIV desenvolva tuberculose ao longo da vida é de 5% a 10%, alcançando 50% entre os infectados por HIV110. Dentre os soropositivos para HIV e portadores de infecção latente por Mycobacterium tuberculosis, o risco aumenta 20 vezes em relação aos soronegativos para HIV19.

O aumento da doença tuberculose em portadores de HIV/AIDS impõe sobrecarga aos serviços de saúde, expondo as deficiências que existem nos programas de controle da tuberculose, e apresenta desafios aos profissionais de saúde na definição do diagnóstico, na avaliação e no tratamento, devido às modificações da tuberculose nesses pacientes, desde sua sintomatologia e evolução clínica até a resposta ao tratamento preconizado19.

O propósito deste estudo foi caracterizar, quanto à apresentação clínica, as formas de encerramento e o perfil sociodemográfico nos casos de tuberculose em pacientes portadores de HIV/AIDS atendidos em um serviço de referência de doenças infecto-contagiosas em Mato Grosso do Sul.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudou-se uma série de casos, coletando-se dados secundários em prontuários clínicos de pacientes maiores de 14 anos portadores de HIV/AIDS acometidos pela doença tuberculose, em diferentes formas de apresentação: pulmonar, extrapulmonar e pulmonar e extrapulmonar também denominada de mista, atendidos durante o período de primeiro de janeiro 2003 a 31 de dezembro de 2005, no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (HU-UFMS).

Foram incluídos os casos de tuberculose em pacientes soropositivos para HIV em que havia registros dos atendimentos aos pacientes desde a confirmação do diagnóstico da tuberculose até o momento do encerramento do tratamento, sendo excluídos os prontuários em que os registros não atendessem integralmente estas especificações.

O diagnóstico de doença tuberculose e a presença de HIV/AIDS foram identificados por meio da história clínica dos pacientes, em anotações dos profissionais de saúde e dos resultados de exames laboratoriais registrados nos prontuários clínicos, tais como pesquisa de BAAR e cultura de escarro, pesquisa de BAAR e cultura de outros tecidos e materiais e histopatológico de tecido, radiografia de tórax. O diagnóstico de tuberculose seguiu os critérios recomendados pelo Guia de Vigilância Epidemiológica6. Os pacientes soropositivos para HIV foram incluídos independentemente do estágio de evolução dessa infecção.

Elaborou-se um formulário para identificação das seguintes variáveis no período da co-infecção por tuberculose e HIV: perfil sociodemográfico, dados clínicos da doença tuberculose, datas e resultados dos exames laboratoriais, condição imunológica inicial dos pacientes com tuberculose e formas de encerramento do tratamento da tuberculose.

A condição imunológica se baseou na contagem de linfócitos T CD4+, para a qual a coleta de sangue foi realizada em até um ano antes do início de tratamento da tuberculose.

Do ponto de vista clínico, as concentrações séricas de linfócitos T CD4+ foram agrupadas de modo a delimitar duas fases de comprometimento imunológico, segundo a classificação utilizada por Kritski e cols10 denominadas de:

Fase precoce do comprometimento imunológico: pacientes soropositivos para HIV com concentração sérica de linfócitos T CD4+ maior ou igual a 200 células/mm3 ou de linfócitos totais maior ou igual a 1.000 células/mm3 .

Fase avançada de comprometimento imunológico: pacientes soropositivos para HIV com concentração sérica de linfócitos T CD4+ menor que 200 células/mm3 ou de linfócitos totais séricos menor que 1.000 células/mm3 .

As formas de encerramento foram determinadas segundo as informações dos prontuários, complementadas e comparadas com informações do Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação para Tuberculose (SINAN-TB) e do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM).

O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação do Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, obtendo parecer favorável. Foram atendidos os pressupostos éticos de pesquisa em seres humanos e mantido o sigilo das informações coletadas.

A apresentação descritiva dos dados foi feita mediante a tabulação numérica e por freqüência, utilizando o software Microsoft Excel.

RESULTADOS

Entre os 66 pacientes cujos prontuários foram analisados, o diagnóstico de tuberculose e a detecção de HIV/AIDS ocorreram em datas próximas, sendo a soropositividade por HIV diagnosticada anteriormente ao diagnóstico da tuberculose, variando em intervalo de até um mês em 22 (33%) casos e em intervalo de até um ano em 44 (66%) (Tabela 1).

No perfil sociodemográfico dos pacientes, predominaram sexo masculino, cor da pele branca e residência no município de Campo Grande, MS. Dois pacientes viviam no meio rural e 64 no meio urbano, cinco dos quais eram reclusos em instituições (presídio ou casa de abrigo), apresentados na Tabela 2.

Verificou-se que 48 (72,7%) dispunham de até oito anos de estudo (ensino fundamental), sete (10,6%) haviam alcançado o ensino médio e um (1,5%) o ensino superior. Quanto à idade, predominou a faixa de 25 a 34 anos, com idade mínima de 21 e máxima de 63 anos.

Quanto à apresentação clínica da tuberculose, houve localização pulmonar em 33 (50%) dos casos, extrapulmonar em 21 (31,8%) e mista (pulmonar e extrapulmonar simultâneas) em 12 (18,2%). Nas apresentações clínicas extrapulmonares, predominou a ganglionar periférica com 18 (54,5%) casos (Tabela 3).

Para avaliação da condição imunológica dos pacientes, dispôs-se de apenas 30 exames nos prontuários, que revelaram que 15 pacientes se encontravam em comprometimento imunológico avançado (Tabela 4).

Quanto à distribuição da apresentação clínica da tuberculose e sua relação com a condição imunológica inicial, verificou-se que nos pacientes com contagem de linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm3 predominou a apresentação pulmonar, embora a extrapulmonar e a mista agrupadas perfizessem o mesmo número de casos que a pulmonar. A apresentação extrapulmonar predominou em pacientes com comprometimento imunológico.

Nos encerramentos de tratamento da tuberculose, houve maior número de curas com adoção dos esquemas terapêuticos disponíveis, com predomínio do Esquema 1 (Tabela 5).

Dentre os casos de encerramento por abandono, um paciente era procedente de abrigo e o outro não concluiu o tratamento, apesar dos registros de reinícios em um período de três a quatro anos. Esse paciente, entretanto, continuou a receber tratamento para tuberculose e HIV no mesmo serviço.

Em 53% dos casos de tuberculose estudados, houve registros de internação no HU-UFMS em diferentes momentos: no atendimento ao paciente, na investigação do diagnóstico e também durante e no final do tratamento da tuberculose.

Dos 25 pacientes em que a contagem de linfócitos T CD4+ foi inferior ou igual a 350 células/mm3 , 19 foram internados.

Dos casos analisados, 17 (25,7%) pacientes faleceram após o início do tratamento da tuberculose, sendo esta registrada como causa secundária do óbito e, ainda, os encerramentos por óbito ocorreram nos seis primeiros meses de tratamento da tuberculose (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A tuberculose é a única das infecções oportunistas características da AIDS que é transmissível para outros indivíduos, e seu diagnóstico e tratamento precoce podem bloquear sua transmissão à população em geral5.

Neste estudo, constatou-se a ocorrência da doença tuberculose em 13,5% dos pacientes portadores de HIV/AIDS acompanhados pelo serviço de doenças infecto-parasitárias do HU-UFMS no período de 2003-2005.

No Brasil, a expectativa para a taxa de co-infecção por Mycobacterium tuberculosis em infectados por HIV é de 3% a 4%, mesmo com dados subestimados. Na Região Sudeste, onde a prevalência de infecção por HIV é a maior do país, identificam-se em média, para os atendimentos em ambulatório a pacientes de tuberculose, taxas de 10% a 15% de co-infecção por Mycobacterium tuberculosis em portadores de HIV, que sobem para 25% a 30% nos casos atendidos em unidades hospitalares10.

Em Mato Grosso do Sul, em 2005, dos 1172 casos de tuberculose notificados ao SINAN-TB, 695 (59,3%) foram testados para HIV, verificando-se prevalência mínima de 7,7% de co-infecção (prevalência de positividade de HIV entre os casos de tuberculose) e máxima de 12,9% (prevalência de positividade de HIV entre os pacientes testados)22.

Na capital do Estado, Campo Grande, na série histórica de 2000 a 2005, a prevalência mínima de tuberculose em pacientes infectados por HIV variou de 8,5% (18/212) em 2000 a 16,6% (48/289) em 2005. A prevalência máxima, por sua vez, variou de 18,2% (35/192) em 2004, a 37,9% (36/95), em 200214.

O fato dos diagnósticos de tuberculose e de presença de HIV/AIDS ocorrerem em período próximo demonstra a busca ativa do diagnóstico da tuberculose em pacientes soropositivos para HIV pelo serviço, e ao mesmo tempo, reforça a necessidade de aconselhamento para a realização de teste anti-HIV em caráter voluntário em pacientes com tuberculose, qualquer que seja a forma clínica dessa doença, na busca do diagnóstico precoce dessa infecção, como já recomendam o Ministério da Saúde e as diretrizes do tratamento de tuberculose preconizadas no II Consenso de Pneumologia4.

A sorologia anti-HIV em pacientes com tuberculose é importante, dada a alta prevalência da co-infecção por Mycobacterium tuberculosis e HIV e por não ser conclusiva a identificação dos co-infectados baseada apenas na história clínica. Recomenda-se também o diagnóstico precoce dessa co-infecção, devido à mútua interação entre HIV e Mycobacterium tuberculosis e às implicações terapêuticas do tratamento de tuberculose e de HIV/AIDS, predispondo ao agravamento clínico1.

Para maior efetividade do sistema de vigilância epidemiológica da tuberculose, recomenda-se promover o diagnóstico de co-infecção por Mycobacterium tuberculosis e HIV para que se possa precisar a magnitude daquele agravo com base na proporção dos testes de sorologia para HIV realizados, aumentando-se com isso a exatidão dos indicadores para seu acompanhamento9.

No presente estudo, constatou-se predomínio do sexo masculino, na razão aproximada de 2,9 homens para cada mulher. Esse predomínio, já apontado em estudos sobre tuberculose1 4, acompanha a tendência dessa doença em Mato Grosso do Sul, segundo informações do SINAN-TB22.

O predomínio do sexo masculino, tanto na tuberculose como na AIDS, também é descrito em outros estudos em diferentes localidades do Brasil desde o início da década de 19906 12 13 17 18 25, confirmando a população masculina como mais vulnerável e prevalente para co-infecção por Mycobacterium tuberculosis e HIV.

Ao mesmo tempo, observa-se aumento dos índices de acometimento de tuberculose em mulheres, o que provavelmente é influenciado pela co-infecção por Mycobacterium tuberculosis e HIV, cuja alteração no estado de São Paulo25 é atribuída a mudanças epidemiológicas da AIDS.

Quanto à cor da pele, houve predomínio de pacientes brancos, embora na coleta dessa informação tenha se verificado o maior número de divergências nas anotações dos prontuários, possivelmente pela dificuldade em definir essa variável, dadas as características étnicas da população sulmatogrossense, em grande parte de descendência indígena do sul do estado e dos países vizinhos (Paraguai e Bolívia).

A faixa etária com maior ocorrência, de 25 a 34 anos, seguida da faixa de 35 a 44 anos, revela que os pacientes são adultos jovens, em plena fase produtiva da vida profissional, o que traz repercussões sociais para paciente, família e sociedade. Esses dados são coincidentes com os da literatura13 15 16 17, os quais confirmam tais faixas etárias como alvos das epidemias de AIDS e de tuberculose.

Outra tendência verificada foi a existência de pacientes na faixa etária de 45 a 54 anos, bem como casos de tuberculose em pacientes com mais de 55 anos, elevando a faixa etária daqueles acometidos por tuberculose e AIDS. Tal achado está em concordância com o expresso em documentos do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS15, que apontam tendência de crescimento nos casos de AIDS em homens de 40 a 59 anos.

O predomínio de residentes em Campo Grande permite a hipótese de que pacientes de outras localidades optam por transferir-se a esse município por disporem nele de serviços de referência que facultam melhor acesso a atendimentos de maior complexidade.

A pouca escolaridade dos pacientes analisados, que dispunham em sua maioria de até oito anos de estudo, pode refletir-se em suas possibilidades profissionais, restringindo-os a condições desfavoráveis de vida e emprego, mantendo seu estado de pobreza. É exatamente nessa população que a incidência da infecção por HIV é elevada, fomentando a manutenção de condições sociais desfavoráveis e um ambiente propício ao incremento da prevalência de tuberculose.

O fenômeno da pauperização de pacientes acometidos por AIDS no Brasil desde 1991 é frisado em estudos3 25 que constataram que a co-infecção por Mycobacterium tuberculosis e HIV acomete majoritariamente indivíduos que vivem em condições socioeconômicas desfavoráveis. Lima13 salienta em seus achados que a escolaridade inferior a oito anos e a baixa qualificação profissional são fatores predisponentes a infecções e à não-adesão ao tratamento.

No presente estudo, a apresentação clínica da tuberculose encontrada com maior freqüência foi a pulmonar. As apresentações extrapulmonares foram, porém, maiores que o esperado, corroborando estudos realizados em outras localidades2 3 16 17 18 25.

Das apresentações clínicas extrapulmonares, a ganglionar periférica foi a de maior freqüência. Semelhante situação foi relatada por Boffo e cols2, que constataram 61,3% de apresentações pulmonares, 32,3% de extrapulmonares e 6,5% de mistas.

A tuberculose pode se tornar ativa em qualquer fase da evolução da infecção por HIV, mas em pacientes em estado avançado de comprometimento imunológico tem como forma de apresentação mais comum a extrapulmonar3.

Neste trabalho, em 30 prontuários que informavam as contagens linfocitárias anteriores ao início do tratamento de tuberculose, identificaram-se 25 pacientes em estágio de imunossupressão, com níveis de linfócitos T CD4+ de até 350 células/mm3 , o que caracteriza uma das condições imunológicas definidoras de AIDS21, condição que pôde ser confirmada nas notificações de AIDS desses pacientes no SINAN-AIDS. Em 15 desses 30 prontuários constavam níveis de linfócitos T CD4+ de até 200 células/mm3 , revelando fase avançada de comprometimento imunológico, o que demonstra a gravidade clínica desses casos.

Houve coincidência com os achados de outros estudos3 10 24, em que se confirmou que a modificação da apresentação clínica da tuberculose em pacientes infectados por HIV relaciona-se com a imunossupressão causada por esse vírus, já que na ocorrência de tuberculose sem infecção por HIV as expectativas são de 90% de casos pulmonares e 10% de extrapulmonares6.

A forma de finalização de tratamento de tuberculose que predominou no presente estudo foi a cura, achado esse que difere dos obtidos em investigações realizadas em municípios do interior de São Paulo3 17.

Nos encerramentos por cura, os prontuários mencionavam tratamentos de nove meses ou mais, o que possivelmente se deve ao agravamento das condições de pacientes co-infectados por HIV, devido às inúmeras intercorrências clínicas e às dificuldades advindas do tratamento simultâneo, que incluem interações medicamentosas. Esse achado aponta a necessidade de acompanhar de maneira diferenciada os pacientes co-infectados, providência essa que pode se estender por períodos prolongados, superiores aos recomendados pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose, de seis a nove meses, para tratamento e encerramento dos casos de tuberculose4.

Por outro lado, a ocorrência de óbitos no período inicial do tratamento da tuberculose e o número de internações comprovam a gravidade desses pacientes na época do diagnóstico de tuberculose, além de possivelmente revelarem demora no estabelecimento desse diagnóstico.

O diagnóstico precoce da tuberculose, em pacientes infectados por HIV, e o início de seu tratamento interrompe a evolução da doença, o que predispõem a melhora no estado clínico, com repercussões positivas no prognóstico7.

Nos primeiros seis meses de tratamento de tuberculose, a taxa de mortalidade dos pacientes analisados diferiu daquela proveniente das declarações de óbito, mesmo que constassem nos prontuários informações sobre o uso de terapia antituberculose, o que revela subnotificação, achado esse que coincide com os de outros estudos20 23.

As buscas realizadas nos registros do SINAN-TB mostraram que os casos foram concluídos pelo sistema municipal de saúde, com informações fornecidas pelo HU-UFMS sobre o início do tratamento e a forma de encerramento, aos seis meses e de nove meses para os casos meningite tuberculose, como preconizados para o controle da tuberculose. Nos casos de co-infecção por HIV, porém, a tuberculose tem modificações clínicas acentuadas em sua evolução, que não são rotineiramente informadas ao SINAN-TB.

Verificaram-se falhas no preenchimento dos prontuários clínicos e, ao mesmo tempo, subnotificação ao SINAN-TB, além de falhas no preenchimento das declarações de óbito, que fundamentam o SIM. Os prontuários clínicos e as notificações dos agravos por doenças infecciosas de notificação compulsória são preenchidos com as informações pelas quais são responsáveis todos os profissionais que prestam atendimento ao paciente.

Os fatos descritos podem indicar deficiências do monitoramento dos pacientes no controle da tuberculose. São registrados como casos de abandono de tratamento aqueles em que o paciente deixa de retornar ao serviço em até um mês durante o tratamento. Nos prontuários pesquisados, não havia registro de realização de buscas para localização desses pacientes. Um período de seis e de nove meses parecem insuficientes para que se considere como encerrados os casos de tuberculose em infectados por HIV, devido às intercorrências ocasionadas por essa co-morbidade e também pelas reações adversas da terapia medicamentosa da tuberculose e dos anti-retrovirais, requerendo-se portanto uma conduta de monitoramento que difira daquela adotada para pacientes não infectados por HIV.

A mudança do local de atendimento, empreendida por iniciativa do paciente, pode deixar de ser identificada pelo serviço de vigilância em saúde, dificultando, pela falta de atualização das informações, a continuidade dos atendimentos para tuberculose e HIV.

Tem sido apontada11 a necessidade de rever as estratégias de acompanhamento dos pacientes com tuberculose, frente ao elevado (38%) índice de abandono do tratamento e da profilaxia da tuberculose, e também devido à associação entre esse abandono e a não-adesão ao tratamento de AIDS.

O fato de os pacientes portadores de HIV/AIDS estarem vinculados a um serviço de referência, com acompanhamento previamente agendado para a continuidade do tratamento, possibilita-lhes acesso aos atendimentos, garantia do fornecimento de medicamentos e estímulo à adesão às terapias medicamentosas de ambas as patologias, além de retorno regular ao tratamento, em casos de interrupção ou irregularidade.

Para os serviços de saúde, existem recomendações da Organização Mundial de Saúde, do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pneumologia45 para a integração e estabelecimento de ações conjuntas voltadas ao controle da tuberculose e da AIDS. As ações direcionadas ao controle da tuberculose são de fundamental importância para a efetividade das ações programáticas voltadas a HIV/AIDS. Esses dois serviços devem integrar-se, com estabelecimento formal de fluxos de atendimento, acompanhamento e busca dos casos de tuberculose para controle dessa doença na instituição e com integração ao Sistema Municipal de Saúde.

Concluindo, o perfil sociodemográfico dos pacientes analisados foi coincidente com o encontrado por outros estudos, com predomínio de homens jovens em idade produtiva e com poucos anos de estudo.

Os pacientes eram procedentes, em sua maioria, de Campo Grande e de áreas urbanas.

Houve predomínio de cor de pele branca, embora nos registros feitos nos prontuários pelos profissionais que atenderam os pacientes tenham sido observadas divergências nessa informação.

Os diagnósticos da doença tuberculose e de HIV/AIDS ocorreram em datas próximas ou divergiram em cerca de um ano, o que salienta a necessidade de se oferecer o teste anti-HIV para todos os pacientes com diagnóstico de tuberculose.

A tuberculose pulmonar foi predominante, com incremento das formas extrapulmonares e mistas. Identificou-se modificação das apresentações clínicas da doença em pacientes com a imunossupressão causada por HIV.

Houve alta freqüência de internações nesse grupo, sugerindo que a tuberculose em pacientes portadores de HIV/AIDS constituiu fator colaborador para a hospitalização nas diferentes fases do desenvolvimento da doença tuberculose, a qual, na ausência dessa co-infecção, é de hospitalização muito restrita, sendo suficiente, em geral, o tratamento em ambulatório.

Identificaram-se como formas de encerramento a cura, o abandono, o óbito e a transferência, com predomínio dos casos de cura. Seis óbitos ocorreram em até seis meses após o início do tratamento.

Ao se compararem os registros da evolução clínica dos pacientes nos prontuários, no SINAN-TB e no SIM, observaram-se discordâncias, com falhas nas anotações durante o acompanhamento desses pacientes.

Conclui-se serem oportunos estudos adicionais, com diferentes bases metodológicas, que permitam aperfeiçoar o atendimento aos pacientes com tuberculose e co-infectados por HIV, visando evitar a ocorrência de complicações e a necessidade de internações hospitalares, de modo a incrementar-se o controle da tuberculose no HU-UFMS.

Recebido para publicação em 20/05/2008

Aceito em 05/03/2009

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Maria de Fátima Meinberg Cheade
    Departamento de Enfermagem/UFMS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2008
    • Aceito
      05 Mar 2009
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