Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência da doença de Chagas em gestantes da região sul do Rio Grande do Sul

Prevalence of Chagas disease among pregnant women in the southern region of Rio Grande do Sul

Resumos

Anticorpos antiTrypanosoma cruzi no cordão umbilical de 351 parturientes da Cidade de Pelotas, RS foram pesquisados a fim de investigar a prevalência da doença de Chagas em gestantes. Um (0,3%) caso foi identificado, não sendo detectada transmissão congênita. Salienta-se a importância da investigação da doença de Chagas em gestantes de zonas endêmicas ou provenientes destas.

Doença de Chagas; Cordão umbilical; Gestantes; Trypanosoma cruzi


Anti-Trypanosoma cruzi antibodies in the umbilical cord of 351 parturients in the city of Pelotas, Rio Grande do Sul were investigated to determine the prevalence of Chagas disease among pregnant women. One case was identified (0.3%), without detection of congenital transmission. This highlights the importance of investigating Chagas disease among pregnant women living in or originating from endemic areas.

Trypanosoma cruzi; Chagas disease; Umbilical cord; Pregnant women


COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Prevalência da doença de Chagas em gestantes da região sul do Rio Grande do Sul

Prevalence of Chagas disease among pregnant women in the southern region of Rio Grande do Sul

Anelise Bergmann Araújo; Victor Delpizzo Castagno; Tiago Gallina; Maria Elisabeth Aires Berne

Programa de Pós-Graduação em Parasitologia, Universidade Federal de Pelotas, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra Anelise Araújo Rua Benjamin Constant 2009 96010-020 Pelotas, RS Tel: 55 53 3278-3012 e-mail: anelise_araujo@yahoo.com.br

RESUMO

Anticorpos antiTrypanosoma cruzi no cordão umbilical de 351 parturientes da Cidade de Pelotas, RS foram pesquisados a fim de investigar a prevalência da doença de Chagas em gestantes. Um (0,3%) caso foi identificado, não sendo detectada transmissão congênita. Salienta-se a importância da investigação da doença de Chagas em gestantes de zonas endêmicas ou provenientes destas.

Palavras-chaves: Doença de Chagas. Cordão umbilical. Trypanosoma cruzi. Gestantes.

ABSTRACT

Anti-Trypanosoma cruzi antibodies in the umbilical cord of 351 parturients in the city of Pelotas, Rio Grande do Sul were investigated to determine the prevalence of Chagas disease among pregnant women. One case was identified (0.3%), without detection of congenital transmission. This highlights the importance of investigating Chagas disease among pregnant women living in or originating from endemic areas.

Key-words: Chagas disease. Umbilical cord. Trypanosoma cruzi. Pregnant women.

A doença de Chagas, parasitose causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, embora conhecida desde 1909, ainda constitui uma preocupação para a saúde pública no Brasil. Muitas são as suas formas de transmissão, sendo, de maior importância, as vias vetorial e transfusional. Entretanto, outras formas, como a congênita, tem ocorrido a partir de mães parasitadas por Trypanosoma cruzi, conforme relatos na Argentina7 15, Chile14, Espanha12 e Brasil (SP)5. Além disso, alguns estudos relatam o encontro de formas amastigotas na placenta e cordão umbilical de mães infectadas10 11.

Alguns fatores podem estar relacionados com a transmissão do protozoário durante a gestação como a associação do baixo peso e prematuridade com os recém-nascidos infectados13, relação da infecção congênita com alta carga parasitária das mães e uma resposta imunológica periférica deficiente8, além do período de infecção da mãe durante a gestação10.

Os fetos infectados podem nascer sem sinais clínicos ou sofrerem consequências como hepatomegalia6, má nutrição, megaesôfago, disfagia, vômitos1, hipóxia perinatal, esplenomegalia, falência cardíaca, meningoencefalite, prematuridade2, anemia e morte11.

Em função de uma limitada visão epidemiológica da doença de Chagas em gestantes no sul no Rio Grande do Sul, delineou-se o presente estudo visando verificar a prevalência de anticorpos antiTrypanosoma cruzi em parturientes da região de Pelotas, RS, onde a doença é endêmica.

Neste estudo, foram analisados soros de cordão umbilical de 351 parturientes admitidas em três hospitais da Cidade de Pelotas, sul do Rio Grande do Sul, Brasil, no segundo semestre de 2004. Para a pesquisa de anticorpos utilizou-se kit de ELISA (Wiener®) com metodologia própria. Os resultados mostraram um caso positivo, o qual foi rastreado e, após consentimento, foram coletadas amostras de todos os membros da família e animais residentes na casa da parturiente. Amostras positivas foram analisadas por outros dois métodos de ELISA (ELISA Chagatek® Biolab-Mérieux, Rio de Janeiro, Brazil, e ELISA ALKA/Adaltis), imunoflourescência indireta (IMUNOCRUZI® - Biolab-Mérieux, Rio de Janeiro, Brazil), hemaglutinação (CHAGATEST HAI® - Screening A-V - Wiener Lab, Argentina) e TESA-Blot16. A coleta do material foi autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pelotas.

A parturiente com amostra positiva foi identificada como agricultora, 34 anos e moradora da zona rural de Pelotas. Em análise do sangue dos familiares residentes na mesma casa, a sorologia reagente foi confirmada em ELISA somente para a parturiente e sua criança. Na pesquisa de anticorpos por IFI, detectou-se IgG na parturiente com título de 1:160 e, em sua filha, IgG título 1:40 e não reagente para IgM (Tabela 1).

Após seis meses, realizou-se nova coleta de sangue da mãe e da criança. A sorologia da mãe manteve-se reagente, ao contrário da criança, com resultado não reagente nesta segunda coleta, confirmando, portanto, a não transmissão da doença de Chagas durante a gestação.

Procurando-se identificar a forma de infecção para este caso, não foi constatado contato com o vetor, mas sim, realização de diversas transfusões sangüíneas da parturiente durante a infância. Foi realizada a investigação entomológica na residência e anexos, apresentando-se todos estes ambientes negativos para triatomíneos adultos, ninfas e ovos. Destaca-se o desconhecimento da mesma em ser portadora da doença de Chagas, embora tivesse ciência da existência desta doença.

Assim como neste estudo, em Arequipa, Peru, igualmente zona endêmica, também observaram um baixo (0,7%) número de gestantes parasitadas, semelhante (0,3%) ao verificado na região de Pelotas, ambas sem casos de transmissão congênita9. Índices similares ocorreram no Mato Grosso do Sul, Brasil, com 0,1% das gestantes infectadas4. Por outro lado, há relatos de soropositividade de 14,6% para Trypanosoma cruzi em gestantes de Santa Fé, Argentina, com uma infecção transplacentária de 2,6% dos recém-nascidos15.

Os programas de vigilância epidemiológica dos vetores e a triagem sorológica de doadores em bancos de sangue tem sido importantes no controle da transmissão transplacentária de Trypanosoma cruzi, visto que no Brasil os índices baixos permanecem estáveis, em torno de 1%. Contudo, a doença de Chagas congênita se mantém um problema de saúde pública em países endêmicos3.

O que parece claro, é que mães portadoras de Trypanosoma cruzi não geram, necessariamente, filhos infectados. No entanto, essa via de transmissão da doença de Chagas ainda permanece uma forma de infecção nos dias atuais5 12 e os portadores desinformados constituem um fator limitante para o controle da doença. Neste sentido, é relevante incluir investigação dessa doença no pré-natal de gestantes residentes ou provenientes de áreas endêmicas.

Recebido para publicação em 22/04/2009

Aceito em 24/09/2009

  • 1. Bittencourt AL, Vieira GO, Tavares HC, Mota E, Maguire J. Esophageal involvement in congenital Chagas' disease. Report of case with megaesofhagus. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 33: 30-33, 1984.
  • 2. Blanco SB, Segura EL, Cura EN, Chuit R, Tulián L, Flores I, Garbarino G, Villalonga JF, Gürtler RE. Congenital transmission of Trypanosoma cruzi: an operational outline for detecting and treating infected infants in northwestern Argentina. Tropical Medicine & International Health 5: 293-301, 2000.
  • 3. Carlier Y, Torrico F. Congenital infection with Trypanosoma cruzi: from mechanisms of transmission to strategies for diagnosis and control. Conclusions of round tables and synopsis of an International Colloquium. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36: 767-771, 2003.
  • 4. Figueiró-Filho EA, Senefonte FRA, Lopes AHA, Morais OO, Souza Júnior VG, Maia TL, Duarte G. Freqüência das infecções pelo HIV-1, rubéola, sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus, herpes simples, hepatite B, hepatite C, doença de Chagas e HTLV I/II em gestantes do Estado de Mato Grosso do Sul. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40: 181-187, 2007.
  • 5. Fragata Filho AA, Correia EB, Borges Filho R, Vasconcelos MO, Janczuk D, Martins CSS. Seqüência de transmissões não habituais da infecção chagásica em uma mesma família: transfusional para a mãe e congênita para o filho, de cepa de Trypanosoma cruzi resistente ao tratamento. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 41: 73-75, 2008.
  • 6. Freiji H, Altech J. Congenital Chagas' disease: diagnostic and clinical aspects. Clinical Infectious Diseases 21: 551-555, 1995.
  • 7. Gürtler RE, Segura EL, Cohen JE. Congenital transmission of Trypanosoma cruzi infection in Argentina. Emerging Infectious Diseases 9: 29-35, 2003.
  • 8. Hermann E, Truyens C, Alonso-Veja C, Rodriguez P, Berthe A, Torrico F, Carlier Y. Congenital transmission of Trypanosoma cruzi is associed with maternal enhanced parasitemia and decreased production of interferon-gamma in response to parasite antigens. The Journal of Infectious Diseases 189: 1274-1281, 2004.
  • 9. Mendoza Ticona CA, Córdova Benzaquen E, Ancca Juárez J, Saldaña Díaz J, Torres Choque A, Velásquez Talavera R, de los Ríos Alvarez J, Saldaña Díaz J, Vega Chirinos S, Sánchez Pérez R. The prevalence of Chagas disease in puerperal womem and congenital transmission in an endemic area of Peru. Revista Panamericana de Salud Publica 17: 147-153, 2005.
  • 10. Moretti E, Basso B, Castro I, Paez MC, Chaul M, Barbieri G, Feijoo DC, Sartori MJ, Paez RC. Chagas' disease: study of congenital transmission in cases of acute maternal infection. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 38: 53-55, 2005.
  • 11. Nisida IVV, Amato Neto V, Braz LMA, Duarte MIS, Umezawa ES. A survey of Congenital Chagas' disease, carried out at three Health Institutions in São Paulo City, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 41: 305-311, 1999.
  • 12. Riera C, Guarro A, Kassab HE, Jorba JM Castro M, Angrill R, Gállego M, Fisa R, Martin C, Lobato A, Portús M. Congenital transmission of Trypanosoma cruzi in Europe (Spain): A case report. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 75: 1078-1081, 2006.
  • 13. Sanchez-Negrette O, Mora MC, Basombrio MA. High prevalence of congenital Trypanosoma cruzi infections and family clustering in Salta, Argentina. Pediatrics 115: 668-672, 2005.
  • 14. Schenone H, Gaggero M, Sapunar J, Contreras MC, Rojas A. Congenital Chagas Disease of Second Generation in Santiago, Chile. Report of two cases. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 43: 231-232, 2001.
  • 15. Streiger M, Fabbro D, del Barco M, Beltramino R, Bovero N. Chagas congénito en la ciudad de Santa Fé. Diagnóstico y tratamiento. Medicina 55: 125-132, 1995.
  • 16. Umezawa ES, Nascimento MS, Kesper Jr N, Coura JR, Borges-Pereira J, Junqueira AC, Camargo ME. Immunoblot Assay Using Excreted-Secreted Antigens of Trypanosoma cruzi in Serodiagnosis of Congenital, Acute and Chronic Chagas' Disease. Journal of Clinical Microbiology 34: 2143-2147, 1996.
  • Endereço para correspondência:
    Dra Anelise Araújo
    Rua Benjamin Constant 2009
    96010-020 Pelotas, RS
    Tel: 55 53 3278-3012
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      24 Set 2009
    • Recebido
      22 Abr 2009
    Sociedade Brasileira de Medicina Tropical - SBMT Caixa Postal 118, 38001-970 Uberaba MG Brazil, Tel.: +55 34 3318-5255 / +55 34 3318-5636/ +55 34 3318-5287, http://rsbmt.org.br/ - Uberaba - MG - Brazil
    E-mail: rsbmt@uftm.edu.br