Acessibilidade / Reportar erro

Linfócitos CD4, CD8 e células NK no estroma da cérvice uterina de mulheres infectadas pelo papilomavírus humano

CD4 and CD8 T lymphocytes and NK cells in the stroma of the uterine cervix of women infected with human papillomavirus

Resumos

INTRODUÇÃO: A resposta imune pode ser um elemento chave para a progressão ou remissão da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) no estroma da cérvice uterina. Este estudo objetivou quantificar no estroma cervical a presença de linfócitos T CD4, CD8 e células NK, por imunohistoquímica, em lesões de alto e baixo grau em pacientes infectadas por HPV MÉTODOS: Utilizou-se 56 amostras de biópsia da estroma cervical, sendo 43 amostras positivas para DNA de HPV de alto risco oncogênico e com diagnóstico histopatológico de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de alto e baixo grau, ou negativa para lesão intraepitelial e malignidade (NILM), e 13 amostras de pacientes negativas para DNA de HPV com diagnóstico histopatológico NILM RESULTADOS: Maior quantidade de linfócitos T CD4 foi observada em amostras NIC II/III, carcinoma e NILM (p=0,04) e naquelas cuja carga viral esteve entre 10 e 1,000 RLU/PCB. O predomínio de linfócitos T CD8 ocorreu em maior proporção nas amostras NIC II/III (p=0,02) e em amostras com carga viral entre 100 e 1.000 RLU/PCB. As células NK prevaleceram nas amostras com lesões de baixo grau e com baixa carga viral CONCLUSÕES: Este estudo comprovou que nas fases iniciais da infecção, onde não há ainda alterações celulares de alto grau, não temos a presença de células que possam desencadear a fase efetora da resposta imune.

Papilomavírus humano; Resposta imunológica; Imunohistoquímica


INTRODUCTION: Immune response might be a key element regarding the progression or regression of human papillomavirus (HPV) infection in the stroma of the uterine cervix. This study aimed to quantify the presence of CD4 and CD8 T lymphocytes and NK cells in the cervical stroma, by means of immunohistochemistry, in high and low grade lesions in patients infected by HPV METHODS: Fifty-six biopsy samples from the uterine cervix were used. Forty-three samples were positive for oncogenic high-risk HPV DNA and had a histopathological diagnosis of high and low-grade cervical intraepithelial neoplasia (CIN) or negative for intraepithelial lesion and malignancy (NILM); while the other 13 samples were negative for HPV DNA with a histopathological diagnosis of NILM RESULTS: Higher quantities of CD4 T lymphocytes were observed in CIN II/III, carcinoma and NILM samples (p = 0.04) and in those in which the viral load was between 10 and 1.000 RLU/PCB. CD8 T lymphocytes were predominant in CIN II/III samples (p = 0.02) and also in samples with viral loads between 100 and 1,000 RLU/PCB. NK cells predominated in samples with low-grade lesions and low viral load CONCLUSIONS: This study proved that in the initial stages of the infection, in which no high-grade cell abnormalities have yet occurred, no cells that might trigger the effector phase of the immune response.

Human papillomavirus; Immunological response; Immunohistochemistry


ARTIGO ARTICLE

Linfócitos CD4, CD8 e células NK no estroma da cérvice uterina de mulheres infectadas pelo papilomavírus humano

CD4 and CD8 T lymphocytes and NK cells in the stroma of the uterine cervix of women infected with human papillomavirus

Daniella Borges AlvesI; Inês Aparecida TozettiI,II; Flávia Almeida GattoII; Fernanda CassandriI; Alda Maria Teixeira FerreiraII; Carlos Eurico dos Santos FernandesIII; Gustavo Ribeiro FalcãoIV; Ilzia Doraci Lins ScapulatempoIII,IV; Cacilda Tezelli Junqueira PadovaniII; Maria Auxiliadora Gomes Sandim AbdoIII

IPrograma de Pós-Graduação em Doença Infecciosas e Parasitárias, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS

IILaboratório de Imunologia, Departamento de Patologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS

IIILaboratório de Patologia, Departamento de Patologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS

IVCentro de Prevenção ao Câncer, Campo Grande, MS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profª Inês Aparecida Tozetti Deptº de Patologia/CCBS/UFMS Cidade Universitária s/n, Caixa Postal 549 79070-900 Campo Grande, MS Tel: 55 67 3345-7388 e-mail: tozetti@nin.ufms.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A resposta imune pode ser um elemento chave para a progressão ou remissão da infecção pelo papilomavírus humano (HPV) no estroma da cérvice uterina. Este estudo objetivou quantificar no estroma cervical a presença de linfócitos T CD4, CD8 e células NK, por imunohistoquímica, em lesões de alto e baixo grau em pacientes infectadas por HPV

MÉTODOS: Utilizou-se 56 amostras de biópsia da estroma cervical, sendo 43 amostras positivas para DNA de HPV de alto risco oncogênico e com diagnóstico histopatológico de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de alto e baixo grau, ou negativa para lesão intraepitelial e malignidade (NILM), e 13 amostras de pacientes negativas para DNA de HPV com diagnóstico histopatológico NILM

RESULTADOS: Maior quantidade de linfócitos T CD4 foi observada em amostras NIC II/III, carcinoma e NILM (p=0,04) e naquelas cuja carga viral esteve entre 10 e 1,000 RLU/PCB. O predomínio de linfócitos T CD8 ocorreu em maior proporção nas amostras NIC II/III (p=0,02) e em amostras com carga viral entre 100 e 1.000 RLU/PCB. As células NK prevaleceram nas amostras com lesões de baixo grau e com baixa carga viral

CONCLUSÕES: Este estudo comprovou que nas fases iniciais da infecção, onde não há ainda alterações celulares de alto grau, não temos a presença de células que possam desencadear a fase efetora da resposta imune.

Palavras-chaves: Papilomavírus humano. Resposta imunológica. Imunohistoquímica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Immune response might be a key element regarding the progression or regression of human papillomavirus (HPV) infection in the stroma of the uterine cervix. This study aimed to quantify the presence of CD4 and CD8 T lymphocytes and NK cells in the cervical stroma, by means of immunohistochemistry, in high and low grade lesions in patients infected by HPV

METHODS: Fifty-six biopsy samples from the uterine cervix were used. Forty-three samples were positive for oncogenic high-risk HPV DNA and had a histopathological diagnosis of high and low-grade cervical intraepithelial neoplasia (CIN) or negative for intraepithelial lesion and malignancy (NILM); while the other 13 samples were negative for HPV DNA with a histopathological diagnosis of NILM

RESULTS: Higher quantities of CD4 T lymphocytes were observed in CIN II/III, carcinoma and NILM samples (p = 0.04) and in those in which the viral load was between 10 and 1.000 RLU/PCB. CD8 T lymphocytes were predominant in CIN II/III samples (p = 0.02) and also in samples with viral loads between 100 and 1,000 RLU/PCB. NK cells predominated in samples with low-grade lesions and low viral load

CONCLUSIONS: This study proved that in the initial stages of the infection, in which no high-grade cell abnormalities have yet occurred, no cells that might trigger the effector phase of the immune response.

Key-words: Human papillomavirus. Immunological response. Immunohistochemistry.

INTRODUÇÃO

O papilomavírus humano (HPV) é o principal agente causador do câncer cervical. Esta neoplasia representa o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres, com aproximadamente 500.000 casos novos por ano no mundo, sendo responsável por cerca de 230.000 mortes de mulheres anualmente1. Atualmente, são reconhecidos cerca de 230 tipos de HPV, sendo que os tipos 6, 11, 42, 43 e 44 são os mais comumente associados a lesões benignas, como: condiloma acuminado e verrugas, com raros casos de evolução maligna. Os tipos 16, 18, 31, 33, 45 e 66 estão associados à lesão de alto grau e câncer cervical2. Estudo realizado na Região Centro-Oeste, em Campo Grande-MS, em pacientes encaminhadas para exame clínico de rotina ou por suspeita de infecção por HPV, detectou predomínio dos tipos virais 6, 11, 66 e 453.

O HPV não causa lise celular, geralmente produz alterações no epitélio escamoso sem induzir inflamação local. Através de microlesões na superfície, o vírus infecta as camadas basais do epitélio, entretanto, na maioria das vezes a replicação viral ocorre nas camadas mais externas4. Na maioria dos casos, a infecção viral é eliminada após a ativação da resposta imune. Ocasionalmente, as lesões não regridem e a progressão maligna da doença pode seguir sob condições apropriadas. A infecção viral persistente é necessária para a progressão neoplásica e a falha da eliminação viral é atribuída, segundo alguns autores a uma pobre resposta5.

A redução na incidência de câncer cervical e de neoplasia intraepitelial cervical (NIC), em modelos animais submetidos à imunoterapia, foram observadas por alguns autores, sugerindo o controle da infecção pelo sistema imune6. Outros autores, por sua vez, observaram falha da resposta imune em controlar a infecção e prevenir a progressão neoplásica7. Registros de anormalidades do sistema imune em casos de câncer da cérvice uterina8, e a

comprovação de que o microambiente tumoral também pode ser capaz de suprimir o sistema imune, controlando a progressão da infecção, são encontrados na literatura7.

Estudo utilizando a imunohistoquímica para marcação de células da resposta imune tais como CD4, CD8 e CD45RO no estroma da cérvice uterina, demonstrou maior densidade de marcação em pacientes com NIC I, que não tiveram progressão da lesão, do que pacientes com NIC III ou câncer invasivo9; enquanto outros autores, através da mesma técnica, constataram forte expressão de CD3, marcador de linfócitos T, em pacientes com NIC III que apresentaram recorrência da lesão10.

Com base na importância do papilomavírus humano e na necessidade da investigação sobre o papel da resposta imune no controle ou progressão da infecção, o presente estudo objetivou determinar no estroma cervical a presença de linfócitos TCD4, TCD8, e células Natural Killer (células NK), por imunohistoquímica, em lesões de alto e baixo grau.

MÉTODOS

Amostras

Foram utilizadas cinquenta e seis amostras, aleatoriamente selecionadas, de biópsia de cérvice uterina, incluídas em parafina, de mulheres atendidas no período de 2000 a 2002, no Centro de Prevenção ao Câncer de Campo Grande, MS. Sendo que destas, quarenta e três são de mulheres positivas para DNA de HPV de alto risco oncogênico, pelo método de captura híbrida (HC2-Digene) e com diagnóstico histopatológico de neoplasia intraepitelial cervical de alto (NIC II/III e carcimoma) ou baixo grau (NIC I) e negativa para lesão intraepitelial e malignidade (NILM). As treze amostras restantes são negativas para DNA de HPV de alto risco oncogênico e com diagnóstico histopatológico NILM. Dentre as amostras NIC III, 8 amostras foram classificadas como carcinoma invasivo ou in situ, e objetivando a avaliação diferenciada da resposta imune estas amostras foram consideradas a parte na análise dos resultados.

A carga viral, quantificada pelo teste HC2, foi classificada em 0, 1, 2, 3 e 4, correspondendo, respectivamente, a negativo, 1 a <10, 10 a <100, 100 a <1.000 e > 1.000RLU/PCB11. Os dados relativos à carga viral e aos achados histopatológicos são provenientes de estudos anteriores12.

Caracterização da amostra

As amostras utilizadas, neste estudo, foram obtidas de pacientes com idade entre 18 e 57 anos (média=28 anos). A classificação histopatológica e a carga viral encontram-se detalhadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente.

Imunohistoquímica

Para a marcação de linfócitos T auxiliares, linfócitos T citotóxicos e células NK, foram utilizados, respectivamente, os anticorpos monoclonais anti-CD4 (Invitrogen, clone 1F6 e cod. 18-2282), anti-CD8 (Invitrogen, clone 1A5 e cod. 18-2289), e anti-CD57 (Invitrogen, clone NK-1 e cod. 18-0167Z). A reação foi desenvolvida, utilizando recuperação antigênica em calor úmido13, com tampão citrato 10mM, pH 6,0 para a detecção dos marcadores CD8 e CD57 e tampão EDTA 0,05M, pH 8,0 para a detecção do marcador CD4. Para a revelação, foi utilizado o sistema LSAB + Sys HRP (Dako, cod. K0690) e como cromógeno diaminobenzidina 60mg%. A contracoloração foi desenvolvida em hematoxilina e as lâminas observadas em microscopia óptica comum, com objetiva de 10X e 40X, sendo consideradas positivas quando da observação de marcação de coloração marrom nas células características. Como controle foi utilizada tonsila humana, sobre o qual foi aplicado o anticorpo primário (controle positivo) ou para substituir este, apenas tampão fosfato pH 7,4 (PBS) com 1% de albumina (controle negativo).

Análise quantitativa

Os cortes foram classificados de acordo com a presença de células imunomarcadas em escores de zero a dois, correspondendo a: 0= negativo, 1= presença discreta, 2= abundante quantidade, com observação de dez campos aleatórios. A leitura foi realizada por dois observadores independentes previamente calibrados (Kappa= 0,091) e o resultado final dos casos discordantes foi obtido pela análise em comum, com a finalidade de produzir um consenso.

Análise estatística

Foi realizada através do programa SPSS 10.014. Para a análise estatística, foram considerados em conjunto os dados referentes às amostras NIC II e NIC III.

Ética

O presente estudo foi aprovado e revisado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, conforme o parecer nº1353/09.

RESULTADOS

Análise imunohistoquímica

Na Tabela 3, observa-se a distribuição dos linfócitos T CD4, T CD8 e células NK, entre as amostras analisadas, segundo os achados histopatológicos. As células T CD4 foram observadas em maior quantidade nas amostras NIC II/III e carcinoma (87,5% em cada), seguido das amostras NILM (86,3%). Ocorreu relação estatística significante entre a presença de células T CD4 e os achados histopatológicos (p= 0,04). Com relação à distribuição destes, segundo os achados histopatológicos, observa-se o predomínio (68,7%) de linfócitos T CD8 em grande quantidade nas amostras NICII/III. Houve relação estatística significante entre a presença de linfócitos T CD8 e o grau dos achados histopatológicos (p= 0,02). As células NK foram ausentes na maioria (80,4%) das amostras. Quando observadas, encontravam-se em pequena quantidade, predominando nas amostras NICII/III (18,7%) e em grande quantidade nas amostras NIC I (20%). Não ocorreu relação estatística significante entre a presença de células NK e os achados histopatológicos (p>0,05).

Observou-se predomínio de linfócitos T CD4, poucos linfócitos T CD8, e raras células NK nas amostras NILM e negativas para a pesquisa de DNA de HPV (nº= 13), quando analisadas isoladamente.

Nas amostras com diagnóstico histopatológico de carcinoma, houve predomínio de linfócitos T CD4 (87,5%) em grande quantidade e em relação à presença de linfócitos T CD8 (50%).

A distribuição dos linfócitos TCD4, T CD8 e células NK, entre as amostras analisadas, segundo a carga viral pode ser observada na Tabela 4. Os linfócitos T CD4 predominaram em grande quantidade nas amostras com carga viral entre 10 e 1.000 RLU/PCB (100%), seguido das amostras negativas para a pesquisa de DNA de HPV (94,1%). Os linfócitos T CD8 por sua vez, tiveram maior expressão nas amostras com carga viral entre 100 e 1.000 RLU/PCB, enquanto as células NK predominaram, em pequena quantidade, neste mesmo grupo de amostra.

Não houve correlação estatística entre a presença de linfócitos T CD4, TCD8, células NK e a carga viral (p>0,05). Na Figura 1A, B e C observa-se a marcação imunohistoquímica de linfócitos T CD4, T CD8 e células NK, respectivamente, em biópsia do estroma cervical uterino.


DISCUSSÃO

Associação significativa entre o número de células imunocompetentes e o grau da neoplasia intraepitelial cervical foi demonstrada por alguns estudos, indicando que a resposta imune no estroma da cérvice é um fator chave para a regressão da lesão ou sua progressão para o câncer cervical10,15.

Monnier-Benoit e cols9, avaliando populações celulares em lesões malignas e pré-malignas da cérvice uterina, verificaram que a quantidade de linfócitos T CD4 era maior em lesões de baixo grau e menor nas lesões de alto grau e câncer invasivo. Maluf e cols10, por outro lado, encontraram em pacientes com lesões de alto grau recorrentes forte expressão de CD3, marcador da população total de linfócitos T. No presente estudo, observou-se que com relação à presença de linfócitos T CD4, estes distribuíam-se quase que equitativamente entre as amostras NIC II/III, carcinoma e NILM.

Outros estudos, que também avaliaram a presença de células T CD4, observaram o predomínio destas em lesões de baixo grau e associados às lesões verrugosas9,16,17. Estudos realizados em pacientes com deficiência de linfócitos T CD4, resultaram em maior prevalência de HPV, presença de lesões pré-invasivas e maior risco de progressão nesta população, evidenciando que a presença deste tipo celular seria importante para o controle da replicação viral e a supressão da transformação maligna18,19.

Ao avaliar a presença de linfócitos T CD8, deve-se considerar que, para estas células estarem presentes, o reconhecimento antigênico e ativação, realizado pelos linfócitos T CD4, provavelmente já ocorreu. Este fato, permite a produção de citocinas cruciais para o recrutamento e ativação das células CD820. Neste estudo, a presença de linfócitos T CD8 foi mais evidente nas lesões de alto grau (p=0,02). Concordando com este achado, alguns pesquisadores observaram elevada presença desses linfócitos em amostras NIC III. Tais autores deduziram que o início da fase efetora da resposta imune poderia ocorrer em NIC III, e nas etapas anteriores, NIC I e II, os sinais necessários para ativação de linfócitos T CD8, tais como produção de interleucina-2 (IL-2) e presença de moléculas co-estimulatórias, poderiam estar ausentes15.

Foi demonstrado que a deficiência na produção de IL-2, por linfócitos T CD8 e CD4, em pacientes com lesão cervical intraepitelial de alto grau, poderia limitar a expansão de clones de linfócitos T CD8 específicos para o HPV7,21. Tal ocorrência prejudicaria a capacidade das pacientes em sustentar respostas competentes mediadas por células.

A literatura demonstra que em infiltrados linfocíticos de lesões pré-cancerosas, o número de linfócitos T CD4 parece ser maior que o número de TCD8, demonstrando um perfil que favoreceria a regressão da lesão, enquanto o predomínio de T CD8 poderia significar a persistência da infecção e risco de progressão da lesão para a forma maligna22. A determinação por alguns autores da presença expressiva de CD3 em lesões recorrentes10 pode refletir a presença mais evidente de CD8 em lesões de alto grau. Tal fato foi demonstrado neste estudo, uma vez que o marcador CD3 está presente em toda população de linfócito T, tanto helper como citotóxico.

O predomínio das células T CD8 nas alterações NIC II/III, e com carga viral acima de 100 RLU/PCB, demonstra que seu surgimento ocorre na fase efetora da resposta imune, após existência da replicação viral e na presença de linfócitos T CD4, os quais poderiam fornecer os elementos necessários a sua ativação. Portanto, o surgimento de maneira efetiva das células T CD4 nas fases iniciais da infecção, na presença de alterações celulares de baixo grau e em baixa carga viral, asseguraria a presença precoce de células efetoras (T CD8) para eliminação do vírus9. Alguns autores observaram que a quantidade de células T CD8 ultrapassou largamente a presença de células T CD4 em amostras de cânceres invasivos9.

No presente estudo, ocorreu o contrário. A presença de linfócitos T CD4 foi observada em 87,5% das amostras com diagnóstico histopatológico de carcinoma, enquanto apenas cerca de 50% destas mesmas amostras demonstram igual proporção de células T CD8. Por outro lado, em outro estudo não houve diferença na densidade de células T CD4 e CD8 nas lesões intraepiteliais de baixo e alto grau22. A diferença com maior proporção de linfócitos T CD4 é esperada, uma vez que estas células seriam necessárias à ativação e proliferação dos linfócitos T CD8, através de ampla produção de citocinas20.

Células NK têm sido descritas, em pequena quantidade, em condiloma acuminado e em lesões de baixo grau, comparada a quantidade observada em lesões de alto grau23. A progressão da lesão para a forma maligna costuma ser acompanhada pela resistência das células neoplásicas à lise pela célula NK, fato reversível através da imunoterapia24. A resistência das células neoplásicas à lise pode ocorrer pela diminuição da expressão de moléculas de classe I (MHC I), necessária à discriminação pela NK da célula alvo ou mesmo pela produção de fatores supressores da NK25. A modulação da resposta imune poderia então, estimular a expressão de MHCI ou a produção de citocinas tóxicas para a célula alvo, por parte da NK.

A presença da NK, portanto, é de grande importância nas fases iniciais da infecção, quando a paciente apresenta baixa carga viral, nos períodos que ainda não existe alteração celular ou esta é de baixo grau20. Neste estudo, foi constatado que as células NK estavam presentes nas amostras NIC I,NICII/II e com carga viral entre 100 e 1.000 RLU/PCB, ainda que em pequena quantidade, tal fato nos permite sugerir uma tentativa de controle da progressão da infecção pela resposta imune.

A análise da distribuição de células T CD4, TCD8 e células NK, segundo a carga viral, não revelou correlação estatística. Entretanto, como alguns estudos demonstraram que a carga viral de pacientes, de alto risco oncogênico, pode ser usada como marcador de progressão para lesão pré-cancerosa, a investigação da presença destas células em um número maior de amostras poderia elucidar melhor esta relação13,26,27.

A análise isolada das amostras NILM, também, negativas para a pesquisa de DNA de HPV, demonstrou raras células NK, predomínio de linfócitos T CD4, e poucos linfócitos T CD8, confirmando os achados da literatura que demonstram, normalmente, uma razão 2:1 de linfócitos T CD4 em relação ao T CD8, em amostras normais22.

Com os resultados deste estudo, consideramos que a estimulação adequada da resposta imune local, por estratégias como a utilização de vacinas terapêuticas, ou de tratamentos que estimulem a imunidade local no início da infecção, poderá contribuir para o controle da progressão neoplásica. Estudos em paralelo, investigando o papel das células T regulatórias (CD4/CD25), estão em desenvolvimento em nosso laboratório, para elucidar aspectos tais como a participação benéfica ou não dos linfócitos T CD4 na infecção pelo HPV.

Concluindo, de acordo com o estudo realizado, encontrou-se maior quantidade de linfócitos T CD4 em amostras NIC II/III, carcinoma e NILM, com associação estatística significante entre a presença destas células e o grau da alteração histopatológica. O predomínio de linfócitos T CD8 ocorreu em maior proporção nas amostras NIC II/III e em amostras cuja replicação viral está ocorrendo. As células NK, por sua vez, prevaleceram nas amostras com lesões de baixo grau e em amostras com baixa carga viral.

Este estudo comprovou que nas fases iniciais da replicação viral, onde não há ainda alterações celulares de alto grau, não temos a presença de células que possam desencadear a fase efetora da resposta.

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver nenhum tipo de conflito de interesse no desenvolvimento do estudo.

SUPORTE FINANCEIRO

O presente estudo foi financiado pela FUNDECT/MS (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul).

Recebido para publicação em 25/02/2010

Aceito em 12/03/2010

  • 1. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2009. p. 33. Disponível em: <http://www1.inca.gov.br/estimativa20091201.pdf>. Acesso em: 4 dez. 2009.
  • 2
    International Agency for Research on Cancer. Monographs on the evolution of carcinogenic risks to humans: human Papilomaviruses. Lyon: IARC; 2007. v. 90.
  • 3. Tozetti IA, Scapulatempo IDL, Kawski VL, Ferreira Aw, Levi JE. Multiple types of human papillomavirus in cervical samples in women in Campo Grande, MS, Brazil. Braz J Infect Dis 2006; 10:309-310.
  • 4. Guzmán-Rojas L, Alcocer-González JM, Madrid-Marina V. Perspectiva para El desarrolo de vacunas e inmunoterapia contra câncer cervicouterino. Salud Publica Mex 1998; 40:38-46.
  • 5. Muñoz N. Human papillomavirus and cancer: the epidemiological evidence. J Clin Virol 2000; 19:1-5.
  • 6. Daniel D, Chiu C, Giraudo E, Inoue M, Mizzen LA, Chun R, et al. CD4+ Tcell-mediated antigen-specific immunotherapy in a mouse model of cervical cancer. Cancer Res 2005; 65:2018-2025.
  • 7. Lee BN, Follen M, Shen DY, Malpica A, Storthz KA, Shearer WT, et al. Deprimido tipo 1 cytokine synthesis por superantigen-CD4+ activado células T de mulheres com o papilomavírus humano-high-grade squamous relacionadas lesões intra-epiteliais. Clin Diagn Lab Immunol 2004; 11:239-244.
  • 8. Fernandes PC Jr, Garcia CB, Micheli DC, Cunha FQ, Murta EF, Tavares-Murta BM. Circulating neutrophil may play a role in the host response in cervical cancer. Int J Gynecol Cancer 2007; 17:1068-1074.
  • 9. Monnier-Benoit S, Mauny F, Riethmuller D, Guerrini J, Capilina M, Félix S, et al. Immunohistochemical analysis of CD4+ and CD8+ T-cell subsets in high risk human papillomavirusassociated pre-malignant and malignant lesions of uterine cervix. Gynecol Oncol 2006; 102:22-31.
  • 10. Maluf PJ, Michelin MA, Etcherbehere RM, Adad SJ, Murta EFC. T lymphocytes (CD3) may participate in the recurrence of cervical intraepithelial neoplasia grade III. Arch Gynecol Obstet 2008; 278:525-530.
  • 11. Lorincz AT, Castle PE, Sherman ME, Scott DR, Glass AG, Wacholder S, et al. Viral load of human papillomavirus and risk of CIN 3 or cervical cancer. Lancet 2002; 360:228-229.
  • 12. Tozetti IA, Scapulatempo IDL, Levi JE, Ferrreira AW. Determination of HPV DNA viral load by hybrid capture assay and its association with cytological findings. J Bras Patol Med Lab 2006; 42:449-453.
  • 13. Santos RTM, Wakamatsu A, Kanamura C, Nonogaki S, Pinto GA. Procedimentos Laboratoriais em Imunohistoquímica e Hibridação "in situ". In: Alves VAF, Bacchi CE, Vassalo J, editors. Manual de Imunohistoquímica. 1st ed. São Paulo: Soc Bras Patol 1999; 21: 237-259.
  • 14. Norusis MJ. SPSS 10.0: Guide to Data Analysis. Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall; 2000.
  • 15. Takehara K. Local immune responses in uterine cervical carcinogenesis. Nippon Sanka Fujinka Gakkai Zasshi 1996; 48:1063-1070.
  • 16. Coleman N, Birley HD, Renton AM, Hanna NF, Ryait BK, Byme M, et al. Immunological events in regessing genital warts. Am J Clin Pathol 1994; 102:768-774.
  • 17. Hong K, Greer CE, Ketter N, Van Nest G, Paliard X. Isolation and characterization of human papillomavirus type 6-specific T cells infiltrating genital warts. J Virol 1997; 71:6427-6432.
  • 18. Palefsky JM. Human papillomavirus infection and anogenital neoplasia in human immunodeficiency virus-positive men and women. J Natl Cancer Inst Monogr 1998; 28:15-20.
  • 19. Petry KU, Scheffel D, Bode U, Gabrysiak T, Kochel H, Kupseh F. Cellular immunodeficiency enhances the progression of human papillomavirus-associated cervical lesion. Int J Cancer 1994; 57:836-840.
  • 20. Frazer IH. Interaction of human papillomaviruses with the host immune system: a well evolved relationship. Virol 2009; 384:410-414.
  • 21. Bais AG, Beckman I, Lindemans J, Ewing PC, Meijer CJ, SnijjdersPJ, et al. A shift to a peripheral Th2-type cytokine pattern during the carcinogenesis of cervical cancer becomes manifest in CIN III lesions. J Clin Pathol 2005; 58:1096-1100.
  • 22. Edwards RP, Kuykendall K, Crowley-Nowick P, Partridge EE, Shingleton J, Mestecky J. T lymphocytes infiltrating advanced grades of cervical neoplasia: CD8-positive cells are recruited to invasion. Cancer 1995; 76:1411-1415.
  • 23. Satam MN, Suraiya JN, Nadkarni JJ. Natural killer and antibody-dependent cellular cytotoxicity in cervical carcinoma patient. Cancer Immunol Immunother 1986; 23:56-59.
  • 24. Wu R, Coleman N, Higgins G. Lymphocyte-mediated cytotoxicity to HPV 16 infected cervical keratinocytes. In: Stanley MA, editor. Immunology of human papillomaviruses. Plenum Press; 1994. p. 255-259.
  • 25. Georgopulos NT, Proffitt JL, Blair GE. Transcriptional regulation of the major histocompatibility complex (MHC) class I heavy chain, TAP1 and LMP2 genes by human papillomavirus (HPV) type 6b, 16, and 18 E7 oncoproteins. Oncogene 2000; 19:4930-4935.
  • 26. Rabelo-Santos SH, Levi JE, Derchain SF, Sarian LO, Zeferino LC, Messias S, et al. DNA recovery from hybrid capture II samples stored in specimen transport médium with denaturing reagent, for the detection of human papillomavirus by PCR. J Virol Methods 2005; 126:197-201.
  • 27. Santos ALF, Derchain SFM, Martins MR, Sarian LO, Martinez EZ, Syrjänen KJ. Human papillomavirus viral load in predicting high grade CIN in women with cervical smears showing only atypical squamous cells or low-grade squamous intraepithelial lesion. São Paulo Med J 2003; 121:238-243.
  • Endereço para correspondência:
    Profª Inês Aparecida Tozetti
    Deptº de Patologia/CCBS/UFMS
    Cidade Universitária s/n, Caixa Postal 549
    79070-900 Campo Grande, MS
    Tel: 55 67 3345-7388
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Aceito
      12 Mar 2010
    • Recebido
      25 Fev 2010
    Sociedade Brasileira de Medicina Tropical - SBMT Caixa Postal 118, 38001-970 Uberaba MG Brazil, Tel.: +55 34 3318-5255 / +55 34 3318-5636/ +55 34 3318-5287, http://rsbmt.org.br/ - Uberaba - MG - Brazil
    E-mail: rsbmt@uftm.edu.br