Acessibilidade / Reportar erro

O efeito da salinidade no desenvolvimento larval do caranguejo - uçá, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) (Decapoda: Ocypodidae) no Norte do Brasil

The effect of salinity on the larval development of the uçá-crab, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) (Decapoda: Ocypodidae) in Northern Brazil

Resumos

O presente trabalho estudou o efeito da salinidade na sobrevivência e na duração do desenvolvimento larval do caranguejo-uçá, Ucides cordatus (do estuário do Rio Caeté, Norte do Brasil), até a fase de megalopa em sete tratamentos de salinidade (0, 5, 10, 15, 20, 25 e 30). A salinidade afetou significativamente a sobrevivência das larvas zoea, no entanto não afetou a duração do desenvolvimento larval (20,77 ± 1,56 dias). Nas salinidades 0, 5 e 10 houve total mortalidade das larvas zoea. Somente a partir da salinidade 15 observou-se um desenvolvimento completo até a fase de megalopa. A taxa de sobrevivência foi maior em salinidade 30 (72%) e menor em 15 (16%). A reduzida taxa de sobrevivência das larvas zoea de U. cordatus, em salinidades baixas, indica a necessidade de dispersão larval do estuário para as águas costeiras onde as condições de salinidade para o desenvolvimento larval são mais favoráveis. Caso contrário se não houvesse a dispersão, a reduzida salinidade das águas estuarinas no período chuvoso, causaria uma elevada mortalidade, afetando desta forma o recrutamento, a manutenção e o crescimento da população de U. cordatus nos manguezais.

Ucides cordatus; Salinidade; Sobrevivência; Dispersão larval; Zoea


The present work studied the effect of salinity on the survival and duration of larval development of the mangrove crab, Ucides cordatus (from the Caeté River estuary, North of Brazil) until the megalopal phase in seven salinity treatments (0, 5, 10, 15, 20, 25 e 30). Salinity significantly affected the survival of the zoea larvae, however it did not affect the duration of the larval development (20.77 ± 1.56 days). In salinity 0, 5 and 10 all zoea larvae died. Only from off salinity 15, complete development until the megalopal phase occurred. The survival rate was highest in salinity 30 (72%) and lowest in 15 (16%). The reduced survival rate of the U. cordatus zoea larvae, in low salinities, indicates the necessity of larval dispersion from the estuary to coastal waters, where salinity conditions for larval development are more favorable. Otherwise, if there was no dispersion, the reduced salinity of estuarine waters in the rainy season would cause a high mortality thereby affecting the recruitment, maintenance and growth of the U. cordatus population in the mangroves.

Ucides cordatus; Salinity; Survival; Larval dispersion; Zoea


O efeito da salinidade no desenvolvimento larval do caranguejo - uçá, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) (Decapoda: Ocypodidae) no Norte do Brasil

The effect of salinity on the larval development of the uçá-crab, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) (Decapoda: Ocypodidae) in Northern Brazil

Darlan de Jesus de Brito SimithI; Karen DieleII

ILaboratório de Carcinologia, Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Universitário de Bragança. Alameda Leandro Ribeiro s/n, Bairro Aldeia, Bragança, Pará, Brasil, CEP 68.600-000. e-mail: simithdjb@hotmail.com

IIZentrum für Marine Tropenökologie (ZMT). Fahrenheitstrasse 6, 28359 Bremen, Alemanha. e-mail: kdiele@zmt.uni-bremen.de

RESUMO

O presente trabalho estudou o efeito da salinidade na sobrevivência e na duração do desenvolvimento larval do caranguejo-uçá, Ucides cordatus (do estuário do Rio Caeté, Norte do Brasil), até a fase de megalopa em sete tratamentos de salinidade (0, 5, 10, 15, 20, 25 e 30). A salinidade afetou significativamente a sobrevivência das larvas zoea, no entanto não afetou a duração do desenvolvimento larval (20,77 ± 1,56 dias). Nas salinidades 0, 5 e 10 houve total mortalidade das larvas zoea. Somente a partir da salinidade 15 observou-se um desenvolvimento completo até a fase de megalopa. A taxa de sobrevivência foi maior em salinidade 30 (72%) e menor em 15 (16%). A reduzida taxa de sobrevivência das larvas zoea de U. cordatus, em salinidades baixas, indica a necessidade de dispersão larval do estuário para as águas costeiras onde as condições de salinidade para o desenvolvimento larval são mais favoráveis. Caso contrário se não houvesse a dispersão, a reduzida salinidade das águas estuarinas no período chuvoso, causaria uma elevada mortalidade, afetando desta forma o recrutamento, a manutenção e o crescimento da população de U. cordatus nos manguezais.

Palavras-chave:Ucides cordatus, Salinidade, Sobrevivência, Dispersão larval, Zoea.

ABSTRACT

The present work studied the effect of salinity on the survival and duration of larval development of the mangrove crab, Ucides cordatus (from the Caeté River estuary, North of Brazil) until the megalopal phase in seven salinity treatments (0, 5, 10, 15, 20, 25 e 30). Salinity significantly affected the survival of the zoea larvae, however it did not affect the duration of the larval development (20.77 ± 1.56 days). In salinity 0, 5 and 10 all zoea larvae died. Only from off salinity 15, complete development until the megalopal phase occurred. The survival rate was highest in salinity 30 (72%) and lowest in 15 (16%). The reduced survival rate of the U. cordatus zoea larvae, in low salinities, indicates the necessity of larval dispersion from the estuary to coastal waters, where salinity conditions for larval development are more favorable. Otherwise, if there was no dispersion, the reduced salinity of estuarine waters in the rainy season would cause a high mortality thereby affecting the recruitment, maintenance and growth of the U. cordatus population in the mangroves.

Keywords:Ucides cordatus, Salinity, Survival, Larval dispersion, Zoea.

INTRODUÇÃO

As larvas de várias espécies de crustáceos decápodos se desenvolvem no ambiente pelágico, durante dias ou semanas, expondo-se às variações dos fatores abióticos, tais como a temperatura, a salinidade, etc. e dos bióticos como, por exemplo, a disponibilidade de alimento e a predação (Morgan, 1992; 1995; Anger, 2001, 2003).

Dentre todos os fatores abióticos, a salinidade é considerada um parâmetro ambiental "chave" em regiões estuarinas e outros ambientes costeiros, por apresentar altas e constantes variações, as quais afetam a fisiologia e a ecologia dos organismos (Anger, 2001; 2003). Para os crustáceos decápodos, a salinidade pode afetar o crescimento, a sobrevivência e o desenvolvimento larval (Costlow et al., 1960; Anger et al., 1990; Anger, 1996; Lárez et al., 2000; Anger et al., 2000; Anger, 2003; Luppi et al., 2003), assim como também a atividade alimentar (Anger, 2001), a taxa de acumulação de carbono (Anger et al., 1998) e a composição bioquímica das larvas de algumas espécies (Torres et al., 2002). Este parâmetro induz ainda respostas comportamentais específicas (Forward, 1989) influenciando na distribuição vertical das larvas na coluna d'água (Sulkin & Van-Heukelem, 1982; Sulkin, 1984; Cronin & Forward, 1986), além selecionar o tipo de estratégia reprodutiva adotada pelas espécies como, por exemplo, a "exportação" larval (Christy, 1982; Forward et al., 1982; Anger, et al., 1994). No entanto, para algumas espécies com dispersão larval para as águas costeiras, a salinidade pode servir como indicadora de condições estuarinas, orientando as megalopas durante o recrutamento (O'Connor & Epifanio, 1985).

No estuário do Rio Caeté, localizado na península bragantina, Norte do Brasil, a pluviosidade anual é de 2.500 a 3.000 mm/ano (Martorano et al., 1993). Durante a estação chuvosa (Janeiro a Junho) observa-se uma variação salina de 0 a 30 nas águas estuarinas (Projeto MADAM) (Diele & Simith, 2006). Além da pluviosidade, a variação da salinidade é causada pela descarga do Rio Amazonas que percorre grande parte da linha costeira da região Norte do Brasil. Neste estuário, o período reprodutivo do caranguejo-uçá, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) ocorre durante a estação chuvosa (Diele, 2000; Diele et al., 2005). Esta é uma espécie semiterrestre dos manguezais, com distribuição deste a Flórida (EUA) até Santa Catarina (Brasil) (Melo, 1996), possuindo grande importância ecológica como, por exemplo, reduzir a quantidade de matéria orgânica exportada pelas marés, devido ao consumo excessivo de folhas da serrapilheira de Rhizophora mangle (Koch, 1999; Nordhaus et al., 2006), e importância comercial e econômica para as comunidades tradicionais que vivem de sua captura e comercialização (Glaser & Diele, 2004). U. cordatus possui como estratégia reprodutiva à dispersão larval com retorno das megalopas ao estuário após um desenvolvimento em águas costeiras (Diele, 2000). Seu desenvolvimento larval compreende cinco ou seis estágios larvais chamados de zoea e um denominado de megalopa (Rodrigues & Hebling, 1989).

O presente trabalho teve como objetivo geral estudar o efeito de diferentes salinidades no desenvolvimento larval de U. cordatus. Especificamente pretendeu-se verificar se a salinidade afeta a taxa de sobrevivência das larvas e a duração do desenvolvimento larval até a fase de megalopa. Objetivou-se ainda, verificar a possível implicação deste fator abiótico na dispersão larval de U. cordatus no estuário do Rio Caeté.

MATERIAL E MÉTODOS

ÁGUA PARA O CULTIVO

A água utilizada no cultivo larval foi coletada a 22 milhas da costa (34,5 km) com salinidade 20. Após a coleta, a água foi tratada, sendo filtrada (Eheim - Filter Germany e DIATOM - FILTER - 1 µm) e clorada (hipoclorito de sódio a 2,5%).

OBTENÇÃO DAS LARVAS

Uma fêmea ovígera de U. cordatus (largura do cefalotórax 5,65 cm) foi coletada um dia antes da eclosão das larvas, no manguezal do estuário do Rio Caeté, na região bragantina - Pará - Brasil. Após a coleta, a fêmea foi imediatamente transportada ao laboratório, sendo mantida em um aquário com água do mar tratada, temperatura ambiente e salinidade de 20 (mesmo valor da salinidade ambiental do dia da captura) até o momento da eclosão das larvas.

TRATAMENTOS DE SALINIDADE

Após a eclosão, 350 larvas foram distribuídas aleatoriamente e cultivadas em sete tratamentos de salinidade (0, 5, 10, 15, 20, 25 e 30). Para cada tratamento foram cultivadas 50 larvas individualmente em recipientes de polietileno com 80 ml de água do mar tratada. Foi utilizada água deionizada para obtenção dos valores de salinidade abaixo de 20 e sal artificial refinado sem iodo (COROLIFE) para se obter a salinidade de 25 e 30 para os respectivos tratamentos.

Todas as larvas foram cultivadas e mantidas em mesmas condições de temperatura (26,64 ± 1,09 °C), alimento e em regime de fotoperíodo (12:12 h / Luz:Escuro). A água utilizada no cultivo larval em cada tratamento foi renovada a cada 3 - 5 dias por outra com o mesmo valor de salinidade.

A salinidade foi medida utilizando-se um refratômetro óptico (ATAGO) e a temperatura, a cada meia hora, com sensores térmicos (Stow Away Tidbit Temp Logger - Onset computer corporation) acondicionados em recipientes com água (sem larvas) nos tratamentos.

ALIMENTAÇÃO

As larvas foram alimentadas diariamente com microalgas Dunaliella salina (Chlorophyceae) e náuplios de Artemia sp. (Crustacea) recém-eclodidos.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

A sobrevivência das larvas até o estágio de megalopa foi analisada por meio de tabelas de Contingência (R x C) seguida pelo teste de Chi2 (Qui-Quadrado). Os dados referentes à duração do desenvolvimento larval foram analisados, inicialmente, verificando-se a distribuição normal com o teste de Shapiro-Wilk e a homogeneidade das variâncias por meio do teste de Levene. A distribuição dos dados amostrais para esta variável, não foi normal (P < 0,05), mesmo após as transformações com log (x + 1) e √ (x + 1), porém todas as variâncias foram homogêneas (P > 0,05). Portanto, o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis (teste H) foi adotado para as análises da variável duração. O nível crítico de significância estatística (α= 0,05) com probabilidades de erro para se rejeitar a hipótese nula foi fixado em 95%. Diferenças foram consideradas significativas quando P < 0,05. Os testes não-paramétricos utilizados para a análise estatística dos dados foram realizados por meio do programa BioEstat 2.0 (Ayres et al., 2000).

RESULTADOS

SOBREVIVÊNCIA LARVAL

A salinidade influenciou significativamente a sobrevivência das larvas zoea até a fase de megalopa nos diferentes tratamentos (Chi2 = 143,651; g. l. = 6; P < 0,05, Figura 1). Nos tratamentos 0, 5 e 10 de salinidade, houve total mortalidade das larvas zoea. Somente a partir da salinidade 15, as larvas sobreviveram até a fase de megalopa, observando-se um aumento da taxa de sobrevivência de acordo com o aumento da salinidade (Figura 1). A maior taxa de sobrevivência foi observada na salinidade 30 (72%) e a menor na salinidade 15 (16%).


DURAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LARVAL

A salinidade não teve efeito estatisticamente significante na duração do desenvolvimento larval até a fase de megalopa (Kruskal-Wallis; H = 0,8975; g. l. = 3; P > 0,05), a qual apresentou uma duração média de 20,77 ± 1,56 dias de desenvolvimento. A duração máxima foi de 27 dias (registrada na salinidade 20) e a mínima de 18 dias (registrada nas salinidades 20, 25 e 30) até a muda para a fase de megalopa (Figura 2).


DISCUSSÃO

SOBREVIVÊNCIA E DURAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO LARVAL ATÉ MEGALOPA

A salinidade mostrou ser um importante fator ambiental para o desenvolvimento larval de U. cordatus, influenciando significativamente as taxas de sobrevivência, as quais foram maiores em elevadas salinidades. Rodrigues & Hebling (1989) obtiveram 28,33% de sobrevivência larval até megalopa em salinidade 24. No presente estudo, no cultivo em salinidades 20 e 25, a sobrevivência foi maior (> 50%) do que a verificada pelos referidos autores. Silva (2002) também verificou que as larvas dessa espécie possuem elevada sobrevivência em salinidade 25.

No cultivo em salinidade 15, a maioria das larvas morreu, porém 16% ainda conseguiram alcançar a fase de megalopa. Apesar do reduzido percentual de sobrevivência, nesta salinidade, a resistência observada em algumas larvas zoea de U. cordatus poderia ser de grande importância para a manutenção da população da costa Norte do Brasil, pois durante a estação reprodutiva a elevada pluviosidade e as águas do Rio Amazonas promovem uma expressiva redução da salinidade tanto no estuário como nas águas costeiras.

A mortalidade total das larvas zoea nos tratamentos com salinidades 0, 5 e 10, a qual também foi observada por Silva (2002), indica que as larvas de U. cordatus não podem se desenvolver dentro das águas estuarinas com salinidades abaixo de 15, caso contrário a elevada mortalidade, poderia interferir no recrutamento e conseqüentemente no crescimento populacional da espécie. Estudos realizados com outras espécies de caranguejos decápodos também mostraram que a salinidade possui efeito sobre a sobrevivência das larvas (por exemplo, Sesarma cinereum, Costlow et al., 1960; Uca pugnax, O'Connor & Epifanio, 1985; Sesarma angustipes, Anger et al., 1990; Armases miersii, Anger, 1996; Anger et al., 2000; Armases rubripes, Luppi et al., 2003).

Ao contrário da sobrevivência, a duração média do desenvolvimento larval de U. cordatus até a fase de megalopa não foi afetada pelas diferentes salinidades, observando-se uma duração oscilando de 18 a 27 dias de desenvolvimento. Uma duração mais prolongada ainda foi observada por Rodrigues & Hebling (1989) os quais obtiveram megalopas de 28 a 52 dias, enquanto que Costa et al. (1994) e Neto (1996) observaram uma duração menor com 18 e 15 dias de desenvolvimento, respectivamente. A comparação entre os referidos estudos mostra que a duração do desenvolvimento larval de U. cordatus possui grande variação, provavelmente provocada pelas diferentes condições de cultivo (cultivo em massa, com poucos indivíduos ou individual) e tipo de alimento disponível para as larvas. Detalhes adicionais sobre a duração de cada estágio larval zoea de U. cordatus podem ser encontrados em Diele & Simith (2006).

Na costa Norte do Brasil a variação salina nas águas costeiras mostra-se mais acentuada durante o período chuvoso do que em outras regiões do Brasil, principalmente devido à influência das águas do Rio Amazonas nos meses de fevereiro e março. Como foi mostrado por Diele (2000), U. cordatus se reproduz durante a estação chuvosa, realizando a dispersão de suas larvas para as águas costeiras. Após o desenvolvimento, as megalopas retornam aos estuários e manguezais, após 3 - 4 semanas, durante as marés enchentes em épocas de lua cheia e lua nova. Provavelmente por dependerem das marés enchentes de sizígia, para re-invadirem os manguezais, as larvas possuem um desenvolvimento com uma duração relativamente sincronizada. Condições ótimas de alimento e salinidade, no ambiente planctônico, favorecem a sobrevivência das larvas zoea até a fase de megalopa. Assim, um rápido desenvolvimento larval não parece ser vantajoso, pois o retorno das megalopas ao estuário sempre ocorre no mesmo período lunar (Diele, 2000). O período entre duas marés de sizígias é suficiente ao completo desenvolvimento larval até a fase de megalopa, a qual retorna aos estuários. Ao contrário de U. cordatus, em outras espécies de caranguejos decápodos, a duração do desenvolvimento larval até megalopa é afetada pela salinidade (por exemplo, S. cinereum, Costlow et al., 1960; U. pugnax, O'Connor & Epifanio, 1985; S. angustipes, Anger et al., 1990; A. miersii, Anger, 1996; Anger et al., 2000; A. rubripes, Luppi et al., 2003).

IMPLICAÇÕES DA SALINIDADE NA DISPERSÃO LARVAL DE Ucides cordatus

No estuário do Rio Caeté, Diele (2000) mostrou que U. cordatus possui ritmo de eclosão larval sincronizado com a maré alta e vazante, durante a lua nova e/ou cheia na estação chuvosa. Após a eclosão, as larvas zoea são rapidamente transportadas pelas correntes da maré vazante para as águas costeiras, onde permanecem até finalizarem seu desenvolvimento, sendo que as megalopas retornam para integrarem a população conspecífica nos manguezais. Os mesmos aspectos da biologia reprodutiva desta espécie foram observados por Freire (1998) nos manguezais da baía de Paranaguá (PR). O ritmo de eclosão e a dispersão larval de outros crustáceos decápodos já foram devidamente estudados por vários autores (Dittel & Epifanio, 1982, 1990; O'Connor & Epifanio, 1985; Christy, 1986; Forward, 1987; Epifanio, 1988; Dittel et al., 1991; Anger et al., 1994; Gonçalves et al., 2003).

Após a eclosão, as larvas de espécies estuarinas sofrem freqüentemente com reduzidas salinidades e diversos fatores físico-químicos estressantes (O'Connor & Epifanio, 1985; Anger, 2001), além da forte predação por larvas, peixes planctívoros e outros organismos presentes em alta densidade nos estuários (Christy, 1982; Morgan, 1995). A dispersão larval para fora do estuário, provavelmente foi a forma evolutiva mais eficaz encontrada por U. cordatus e outras espécies para diminuir à alta mortalidade.

Os resultados do presente estudo mostraram que as larvas de U. cordatus morrem em águas de salinidades baixas, assim como podem ser encontradas nos estuários durante a época da reprodução. Provavelmente, por não resistirem à baixa salinidade e sua variação em águas estuarinas, as larvas dessa espécie precisam desenvolver-se em águas costeiras com elevada salinidade. O processo reprodutivo visa aperfeiçoar a sobrevivência larval de determinada espécie, por este motivo a dispersão larval apresenta-se como uma estratégia adequada. Portanto, as larvas de U. cordatus não necessitam de adaptações especificas aos fatores abióticos ou a intensa pressão de predadores planctônicos existentes no ambiente estuarino. Assim, o estresse osmótico poderia ter sido uma das causas da evolução desse mecanismo de transporte rápido baseado na eclosão das larvas em sincronia com a maré alta (Anger et al., 1994).

AGRADECIMENTOS

Aos Srs. Carlos de Tárcio Soares e Ribamar Pinheiros pela ajuda na coleta de água do mar e de caranguejos no campo e no laboratório. Ao Dr. Ulf Mehlig, Heinfried Pohl e Airton Paulo de Sousa pela ajuda técnica. À Profa. Msc. Cristiana Ramalho Maciel e equipe do Laboratório de Aqüicultura, pelo fornecimento da cepa inicial de microalgas. Ao Projeto MADAM, Projeto Milênio, BMBf e CNPq pela concessão da bolsa de iniciação científica e apoio técnico-financeiro. O Estudo foi realizado no Projeto MADAM (Contribuição número 106) e utilizado como monografia do primeiro autor. O presente trabalho foi submetido à revista Acta Amazônica em Dezembro de 2005.

BIBLIOGRAFIA CITADA

Recebido em 22/07/2005

Aceito em 10/12/2007

  • Anger, K. 1996. Salinity tolerance of the larvae and first juveniles of a semiterrestrial grapsid crab, Armases miersii (Rathbun). Journal Experimental Marine Biology and Ecology, 202: 205-223.
  • Anger, K. 2001. The biology of decapod crustacean larvae. Crustacean Issues, Vol. 14, A.A. Balkema, Lisse, The Netherlands, 419pp.
  • Anger, K. 2003. Salinity as a key parameter in the larval biology of decapod crustaceans. Invertebrate Reproduction & Development, 43(1): 29-45.
  • Anger, K.; Harms, J.; Montú, M.; Bakker, C.D. 1990. Effects of salinity on the larval development of a semi terrestrial tropical crab, Sesarma angustipes (Decapoda: Grapsidae). Marine Ecology Progress Series, 62: 89-94.
  • Anger, K.; Spivak, E.; Bas, C.; Ismael, D.; Luppi, T. 1994. Hatching rhythms and dispersion of decapod crustacean larvae in a brackish coastal lagoon in Argentina Helgoländer Meeresuntersuchungen, 48: 445-466.
  • Anger, K.; Spivak, E.; Luppi, T. 1998. Effects of reduced salinities on development and bioenergetics of early larval shore crab, Carcinus maenas Journal Experimental Marine Biology and Ecology, 220: 287-304.
  • Anger, K.; Riesebeck, K.; Püschel, C. 2000. Effects of salinity on larval and early juvenile growth of an extremely euryhaline crab species, Armases miersii (Decapoda: Grapsidae). Hydrobiologia, 426(1): 159-166.
  • Ayres, M.; Ayres-Jr., M.; Ayres, D.L.; Santos, A.S. 2000. BioEstat 2.0 Aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas Sociedade Civil Mamirauá, Belém, 259pp.
  • Christy, J.H. 1982. Adaptive significance of semi lunar cycles of larval release in fiddler crabs (genus Uca): Test of a hypothesis. Biological Bulletin, 163: 251-263.
  • Christy, J.H. 1986. Timing of larval release by intertidal crabs on an exposed shore. Bulletin of Marine Science, 39(2): 176-191.
  • Costa, F.A.P.; Júnior, T.S.C.; Evangelistas, L.E.V.; Santos, A.R.; Rebouças, H.J.; Holanda, C.A. 1994. Ensaios preliminares sobre a produção de juvenis do caranguejo-uçá, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763), na presença de microalgas em laboratório. In: Encontro Universitário de Iniciação à Pesquisa Resumos. Fortaleza: UFC, 257pp. p.24, G059.
  • Costlow, J.D.; Bookhout, C.G.; Monroe, R. 1960. The effect of salinity and temperature on larval development of Sesarma cinereum (Bosc) reared in the laboratory. Biological Bulletin, 118: 183-202.
  • Cronin, T.W.; Forward, R.B. 1986. Vertical migration cycles of crabs larvae and their role in larval dispersal. Bulletin of Marine Science, 39(1): 192-201.
  • Diele, K. 2000. Life history and population structure of the exploited mangrove crab Ucides cordatus cordatus (L.) (Decapoda: Brachyura) in the Caeté Estuary, North Brazil. Bremen, ZMT (Center For Marine Tropical Ecology), Contribution 9: 103pp.
  • Diele, K.; Simith, D.J.B. 2006. Salinity tolerance of northern Brazilian mangrove crab larvae, Ucides cordatus (Ocypodidae): Necessity for larval export? Estuarine, Coastal and Shelf Science, 68: 600-608.
  • Diele, K.; Koch, V.; Saint-Paul, U. 2005. Population structure, catch composition and CPUE of the artisanally harvested mangrove crab Ucides cordatus (Ocypodidae) in the Caeté Estuary, North Brazil: Indications for over fishing? Aquatic Living Resources, 18: 169-178.
  • Dittel, A.I.; Epifanio, C.E. 1982. Seasonal abundance and vertical distribution of crab larvae in Delaware Bay Estuaries, 5(3): 197-202.
  • Dittel, A.I.; Epifanio, C.E. 1990. Seasonal and tidal abundance of crab larvae in a tropical mangrove system, Gulf of Nicoya, Costa Rica. Marine Ecology Progress Series, 65: 25-34.
  • Dittel, A.I.; Epifanio, C.E.; Lizano, O. 1991. Flux of crab larvae in a mangrove creek in the Gulf of Nicoya, Costa Rica. Estuarine, Coastal and Shelf Science, 32: 129-140.
  • Epifanio, C.E. 1988. Dispersal strategies of two species of swimming crab on the continental shelf adjacent to Delaware Bay. Marine Ecology Progress Series, 49: 243-248.
  • Forward, R.B. 1989. Behavioral responses of crustacean larvae to rates of salinity change. Biological Bulletin, 170: 229-238.
  • Forward, R.B.; Lohmann, K.; Cronin, T.W. 1982. Rhythms in larval release by an estuarine crab (Rhithropanopeus harrisii). Biological Bulletin, 163: 287-300.
  • Forward, R.B. 1987. Larval release rhythms of decapod crustaceans: an overview. Bulletin of Marine Science, 41 (2): 165-176.
  • Freire, S.A. 1998. Dispersão larval do caranguejo do mangue Ucides cordatus (L. 1763) em manguezais da Baía de Paranaguá, Paraná. Tese de Doutorado, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. 68pp.
  • Gonçalves, F.; Ribeiro, R.; Soares, A.M.V.M. 2003. Comparison between two lunar situations on emission and larval transport of decapod larvae in the Monfego Estuary (Portugal). Acta Oecologica, 24: 183-190.
  • Glaser, M.; Diele, K. 2004. Asymmetric outcomes: assessing central aspects of the biological, economic and social sustainability of a mangrove crab fishery, Ucides cordatus (Ocypodidae), in North Brazil. Ecological Economics, 49: 361-373.
  • Koch, V. 1999. Ephibenthic production and energy flow in the Caeté mangrove Estuary, North Brazil Bremen, ZMT (Center For Marine Tropical Ecology), Contribution 9: 97.
  • Lárez, M.B.; Palazón-Fernández, J.L.; Bolaños, C.J. 2000. The effect of salinity and temperature on the larval development of Mithrax caribbaeus Rathbun, 1920 (Brachyura, Majidae) reared in the laboratory. Journal of Plankton Research, 22(10): 1855-1869.
  • Luppi, T.A.; Spivak, E.D.; Bas, C.C. 2003. The effects of temperature and salinity on larval development of Armases rubripes Rathbun, 1897 (Brachyura, Grapsoidea, Sesarmidae), and the southern limit of its geographical distribution. Estuarine, Coastal and Shelf Science, 58(3): 575-585.
  • Martorano, L.G.; Ferreira, L.C.; César, E.G.M.; Pereira, I.C.B. 1993. Estudos climáticos do Estado do Pará, classificação climática (KÖPPEN) e deficiência hídrica (THORNTH, WHITE, MATHER). Belém: SUDAM/EMBRAPA, SNLCS. 53pp.
  • Melo, G.A.S. 1996. Manual de Identificação dos Brachyura (Caranguejos e Sirís) do Litoral Brasileiro São Paulo - SP. 603pp.
  • Morgan, S.G. 1992. Predation by planktonic and benthic invertebrates on larvae of estuarine crabs. Journal Experimental Marine Biology and Ecology, 163(1): 91-110.
  • Morgan, S.G. 1995. Life and death in the plankton: larval mortality and adaptation. In: McEdward, L.R. (ed.), Ecology of Marine Invertebrate Larvae, 279 - 321. Boca Raton, Fl: CRC Press.
  • Neto, L.V.F. 1996. Larvicultura do caranguejo-uçá, Ucides cordatus cordatus (Linnaeus, 1763) (Crustacea, Decapoda, Brachyura), em diferentes densidades de estocagem, em condições de laboratório. Dissertação de Mestrado, UFC - Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Engenharia de Pesca, Fortaleza-Ceará (Brasil). 29pp.
  • Nordhaus, I.; Wolff, M. & Diele, K. (2006): Litter processing and population food intake of the mangrove crab Ucides cordatus in a high intertidal forest in northern Brazil. Estuarine, Coastal and Shelf Science 67: 239-250.
  • O'Connor, N.J.; Epifanio, C.E. 1985. The effect of salinity on the dispersal and recruitment of fiddler crab larvae. Journal of Crustacean Biology, 5: 137-145.
  • Rodrigues, M.D.; Hebling, N.J. 1989. Ucides cordatus cordatus (Linnaeus,1763) (Crustacea, Decapoda). Complete larval development under laboratory conditions and its systematic position. Revista Brasileira de Zoologia, 6 (1): 147-166.
  • Silva, U.A.T. 2002. Cultivos experimentais de caranguejo-uçá, Ucides cordatus (Linnaeus, 1763). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná (UFPr) - Setor de Ciências Agrárias, Departamento de Pós-graduação em Ciências Veterinárias. Curitiba - Pr (Brasil), 89pp.
  • Sulkin, S.D. 1984. Behavioral basis of depth regulation in the larvae of brachyuran crabs. Marine Ecology Progress Series, 15: 181-205.
  • Sulkin, S.D.; Van-Heukelem, W. 1982. Larval recruitment in the crab Callinectes sapidus Rathbun: An amendment to the concept of larval retention in estuaries In: Kennedy, V.S. (ed.), Estuarine comparisons: 459 - 475. New York: Academic press.
  • Torres, G.; Gimenez, L.; Anger, K. 2002. Effects of reduced salinity on the biochemical composition (lipid, protein) of zoea 1 decapod crustacean larvae. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 277: 43-60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    2008

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2005
  • Aceito
    10 Dez 2007
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Av. André Araujo, 2936 Aleixo, 69060-001 Manaus AM Brasil, Tel.: +55 92 3643-3030, Fax: +55 92 643-3223 - Manaus - AM - Brazil
E-mail: acta@inpa.gov.br