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Atributos químicos, físico-hídricos e mineralogia da fração argila em solos do Baixo Amazonas: Serra de Parintins

Chemical, physical and hydric attributes and mineralogy of clay fractions in soils of lower Amazon: Serra de Parintins

Resumos

Estudos sobre os atributos dos solos amazônicos geram informações para compor um levantamento atual sobre suas condições frente às várias formas de alterações que estão sujeitos. O objetivo deste trabalho foi descrever e avaliar a evolução química, físico-hídrica, bem como a mineralogia de Latossolos no Baixo Amazonas como forma de entender as variações desses atributos em diferentes coberturas vegetais. Coletaram-se amostras deformadas e indeformadas para análises físicas, químicas, mineralógicas e hídricas, em dois pontos de uma topossequência na Serra de Parintins: platô e vertente, sendo três perfis de solo em cada posição. Os resultados obtidos demonstraram que a floresta predominante sobre os perfis do topo e vertente promove condições físicas e hídricas adequadas para uma boa agregação, maior intensidade de poros grandes, maior condutividade hidráulica saturada (Ko) e melhor retenção hídrica dos solos. Fato semelhante ocorrendo com as áreas de capoeira, apresentando boa permeabilidade, porosidade e retenção de água no solo. O acúmulo de carbono é maior dos perfis da vertente, decrescendo em profundidade, relacionando-se diretamente com Ko e com o sistema radicular. A análise mineralógica da fração argila indicou a caulinita como argilomineral predominante, seguido pelos minerais gibbsita, goethita, quartzo e anatásio, não havendo variações ao longo da paisagem. A Serra de Parintins possui um solo pobre em nutrientes, ácido, com textura média a muito argilosa com acúmulo de plintita nos horizontes subsuperficiais, evitando o fenômeno de terras caídas. Um gradiente elevado de umidade volumétrica é observado nos horizontes subsuperficiais, havendo mais água retida, quando comparado com horizontes superficiais.

Serra de Parintins; solos da Amazônia; condutividade hidráulica; retenção de água


The latest studies of attributes of soil of the Amazonian ecosystems provide information to make up a survey on these soil conditions in the face of several forms of changes they are submitted. This work aimed to describe and evaluate physical and hydric evolution as well oxisol mineralogy in lower Amazon in order to comprehend variations of these attributes in different vegetative covers. Deformed and non-deformed samples were collected for physical, chemical, hydric and mineralogical analyses, respectively in two points of a topographic sequence in Serra de Parintins: plateau and watershed, being showed three profiles of soil in each position. The results showed that predominant forest of the plateau and watershed profiles provide proper physical and hydric conditions for a good aggregation, higher intensity of large pores, larger saturated hydraulic conductivity (Ko) and better hydric retention of soils. Similar fact occurs in secondary forest, presenting such areas good permeability, porosity and water retention in soil. Carbon accumulation is higher in watershed profiles, decreasing in depth and relating directly with Ko and root system. Mineralogical analysis of clay fraction points kaolinite as predominant followed by gypsum, goethita, quartzo and anatásio, showing no variations along landscape. Serra de Parintins has poor acid clay soil of medium texture accumulating plintita on subsurface horizons, avoiding the phenomenon of terras caídas. A high gradient of volumetric humidity is observed on subsurface horizons, showing water retention when compared to surface horizons.

Serra de Parintins; Amazonian soils; hydraulic conductivity; water retention


AGRONOMIA

Atributos químicos, físico-hídricos e mineralogia da fração argila em solos do Baixo Amazonas: Serra de Parintins*

Chemical, physical and hydric attributes and mineralogy of clay fractions in soils of lower Amazon: Serra de Parintins

Jean Dalmo de Oliveira Marquesi; Wenceslau Geraldes TeixeiraII; Ana Maria ReisIII; Orlando Ferreira Cruz JuniorIV; Salomão Marialva Batistav; Maria Amália Castelo Branco AfonsoVI

IInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA-V8. Departamento de Ecologia, Avenida. Efigênio Sales, no 2239, Aleixo, CEP: 69.060-020, Manaus - AM. e-mail: jdomarques@hotmail.com

IIEmbrapa Amazônia Ocidental.Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Ocidental - Manaus - AM). e-mail: lau@cpaa.embrapa.br

IIIInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA/UEA. e-mail: areisreis@hotmail.com

IVInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA. Laboratório Temático de Solo e Planta - LTSP. e-mail: orlando@inpa.gov.br

VCentro de Estudos Superiores de Parintins/CESP/UEA - Parintins - AM). e-mail: salomão_batista@yahoo.com.br

VIUniversidade Federal do Amazonas - UFAM. e-mail: amalia3@bol.com.br

RESUMO

Estudos sobre os atributos dos solos amazônicos geram informações para compor um levantamento atual sobre suas condições frente às várias formas de alterações que estão sujeitos. O objetivo deste trabalho foi descrever e avaliar a evolução química, físico-hídrica, bem como a mineralogia de Latossolos no Baixo Amazonas como forma de entender as variações desses atributos em diferentes coberturas vegetais. Coletaram-se amostras deformadas e indeformadas para análises físicas, químicas, mineralógicas e hídricas, em dois pontos de uma topossequência na Serra de Parintins: platô e vertente, sendo três perfis de solo em cada posição. Os resultados obtidos demonstraram que a floresta predominante sobre os perfis do topo e vertente promove condições físicas e hídricas adequadas para uma boa agregação, maior intensidade de poros grandes, maior condutividade hidráulica saturada (Ko) e melhor retenção hídrica dos solos. Fato semelhante ocorrendo com as áreas de capoeira, apresentando boa permeabilidade, porosidade e retenção de água no solo. O acúmulo de carbono é maior dos perfis da vertente, decrescendo em profundidade, relacionando-se diretamente com Ko e com o sistema radicular. A análise mineralógica da fração argila indicou a caulinita como argilomineral predominante, seguido pelos minerais gibbsita, goethita, quartzo e anatásio, não havendo variações ao longo da paisagem. A Serra de Parintins possui um solo pobre em nutrientes, ácido, com textura média a muito argilosa com acúmulo de plintita nos horizontes subsuperficiais, evitando o fenômeno de terras caídas. Um gradiente elevado de umidade volumétrica é observado nos horizontes subsuperficiais, havendo mais água retida, quando comparado com horizontes superficiais.

PALAVRAS-CHAVE: Serra de Parintins, solos da Amazônia, condutividade hidráulica, retenção de água

ABSTRACT

The latest studies of attributes of soil of the Amazonian ecosystems provide information to make up a survey on these soil conditions in the face of several forms of changes they are submitted. This work aimed to describe and evaluate physical and hydric evolution as well oxisol mineralogy in lower Amazon in order to comprehend variations of these attributes in different vegetative covers. Deformed and non-deformed samples were collected for physical, chemical, hydric and mineralogical analyses, respectively in two points of a topographic sequence in Serra de Parintins: plateau and watershed, being showed three profiles of soil in each position. The results showed that predominant forest of the plateau and watershed profiles provide proper physical and hydric conditions for a good aggregation, higher intensity of large pores, larger saturated hydraulic conductivity (Ko) and better hydric retention of soils. Similar fact occurs in secondary forest, presenting such areas good permeability, porosity and water retention in soil. Carbon accumulation is higher in watershed profiles, decreasing in depth and relating directly with Ko and root system. Mineralogical analysis of clay fraction points kaolinite as predominant followed by gypsum, goethita, quartzo and anatásio, showing no variations along landscape. Serra de Parintins has poor acid clay soil of medium texture accumulating plintita on subsurface horizons, avoiding the phenomenon of terras caídas. A high gradient of volumetric humidity is observed on subsurface horizons, showing water retention when compared to surface horizons.

KEYWORDS: Serra de Parintins, Amazonian soils, hydraulic conductivity, water retention.

INTRODUÇÃO

Na Amazônia, a interferência humana tem provocado inúmeras mudanças nos processos que controlam a sustentabilidade de seus ecossistemas (Fearnside, 1996), sendo o desmatamento uma ameaça mais grave para a conservação dos recursos naturais, já que provoca distúrbios em vários estágios da regeneração natural, como nas perdas das funções da floresta na ciclagem de água (Lean et al., 1996). Todas essas formas de alteração no meio podem alterar as propriedades físico-hídricas do solo. Além disso, pesquisas indicam que o desmatamento leva à perda dos serviços ambientais, que têm um valor maior que os usos pouco sustentáveis que substituem a floresta. Estes serviços incluem a manutenção da biodiversidade, da ciclagem de água e dos estoques de carbono que evitam o agravamento do efeito estufa (Fearnside, 2006).

O Estado do Amazonas, com 1,6 milhões de km2 apresenta em torno de 90% de Latossolos e Argissolos distróficos (Vieira & Santos, 1987). No geral, os solos de terra firme (especificamente o Latossolo Amarelo) sob floresta primária, são pobres em nutrientes, profundos, bem drenados com boa capacidade de retenção de água e permeabilidade, e com baixa CTC (Ferreira, 2006).

O estudo das relações entre solo e ecossistemas tem se mostrado importante para a compreensão, conservação e manejo dos recursos naturais. O solo mantido sob vegetação nativa apresenta atributos físicos com permeabilidade, estrutura, densidade e porosidade adequados ao desenvolvimento normal das plantas (Andreola et al., 2004). À medida que o solo sofre mudanças na sua forma, origina alterações desfavoráveis nos seus componentes físicos , no desenvolvimento radicular e armazenamento de água. Uma prática comum na Amazônia é a derrubada e queima da floresta para instalação de roças com culturas anuais e perenes. Depois de no máximo quatro anos de plantio, a produtividade dos cultivos diminui na maioria dos solos, sendo necessário descansá-los com o intuito de melhorar a sua fertilidade e condição física.

O conhecimento das características físicas e hídricas das classes de solo que compõem áreas representativas da Amazônia Central têm avançado lentamente. No passado, alguns estudos foram desenvolvidos em topossequência representativas em sítios experimentais visando caracterizar Latossolos e sua evolução (Bravard & Righi, 1988; 1991). Mais recentemente, trabalhos sobre atributos físico-hídricos do solo (Tomasella & Hodnett, 1996; Teixeira, 2001) relatam a importância desses estudos para o conhecimento de impactos e alterações do uso, no ciclo hidrológico e na conservação do solo.

Levando em consideração a importância do conhecimento da dinâmica dos solos amazônicos, o objetivo deste trabalho foi descrever e avaliar a evolução química, físico-hídrica, bem como a mineralogia de Latossolos que compõem a Serra de Parintins como forma de entender as variações desses atributos em áreas com diferentes coberturas vegetais.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho foi conduzido no Município de Parintins, Lago da Valéria, em solos situados na Serra de Parintins (Quadro 1).


Os perfis estudados apresentam diferentes coberturas vegetais (floresta densa, capoeira com sete anos, capoeira com 1 ano e floresta aberta) apresentan variações na textura, densidade, porosidade e na química do solo em função da posição na paisagem. Segundo a classificação de Koppen, o clima da região é do tipo Afi, caracterizado por apresentar precipitação média anual de 2420 mm, com 295 mm mensais, de março a abril, e 105 mm mensais, de agosto a setembro (Embrapa, 1984).

Seis perfis foram abertos ao longo de uma evolução de solos, com dimensão de 1,5 m x 1,5 m x 1,5 m para a descrição morfológica (Lemos & Santos, 1996), e sua classificação foi baseada no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa, 1999). Coletaram-se amostras com estrutura deformada ao longo dos horizontes pedogenéticos identificados; para as determinações físicas e químicas até 1,5 m de profundidade. A densidade do solo (ρ) foi determinada a partir de amostras indeformadas, utilizando anéis volumétricos. A determinação da densidade de partículas foi realizada pelo método do picnômetro, conforme metodologia descrita no manual de métodos de análise físicas da Embrapa (1997).

A análise granulométrica foi realizada pelo método da pipeta (Embrapa, 1997), utilizando-se 50 g de solo. As amostras foram dispersas em soluções aquosas de pirofosfato de sódio (6 kg m-3) e hidróxido de sódio (4 kg m-3), por agitação lenta durante 16 h. As frações grosseiras (areia fina e grossa) foram separadas por tamisação, secas em estufa e pesadas para obtenção dos respectivos percentuais. O silte corresponde ao complemento dos percentuais para 100%, foi obtido por diferença das outras frações em relação à amostra original.

A mineralogia da fração argila foi caracterizada por difração de raios-X (DRX), com auxílio do equipamento SHIMADZU - XRD 6000. A fração argila foi submetida à ultrason para desagregar aquelas presas aos grãos de quartzo. As amostras foram previamente submetidas à eliminação da matéria orgânica e óxidos de ferro, adicionando-se H2O2, por um tempo de 30 h. Cada amostra foi centrifugada três vezes. Com a fração argila separada, procedeu-se a pipetagem para confeccionar as lâminas para análise. A análise de DRX teve um tempo de 1h e 20 min por amostra, com leitura de varredura º2θ/min com leituras entre 5º e 65º.

As análises químicas foram: pH em água, P, K, Ca, Na, Mg, Al, C, N, Fe, Zn, Mn, Cu e matéria orgânica (Embrapa, 1999). A determinação do fósforo disponível foi realizada através de método colorimétrico, empregando espectrofotômetro UV visível 1240, marca Shimadzu, sendo a extração realizada com solução duplo-ácido (HCl 0,05 M + H2SO4 0,0125 M). Os elementos potássio, cálcio e magnésio foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica; a extração desses elementos foi realizada com duplo ácido e KCl 1N.

O estudo da retenção foi realizado a partir da coleta de amostras com estrutura indeformada que foram coletadas com auxílio de amostrador tipo Uhland, com anéis volumétricos de 0,05 m de altura e 0,05 m de diâmetro. Cada uma das amostras foi submetida às tensões: 1, 2, 3, 4, 6, 10, 30, 50, 100, 500 e 1500 kPa. Os equipamentos utilizados na determinação da curva de retenção foram a mesa de tensão (Embrapa, 1997), com a qual foram obtidas as tensões 1, 2, 3, 4 e 6 kPa, e câmaras de pressão, para as tensões 10, 30, 50, 100, 500 e 1500 kPa. Após o equilíbrio, as amostras foram pesadas, determinando-se, posteriormente, o seu conteúdo de água.


O método para determinar a permeabilidade (Ko) foi o do permeâmetro de carga constante (Youngs, 1991), utilizando-se amostras indeformadas, sendo coletado um total de 125 amostras, sendo 05 amostras em cada horizonte pedológico. Utilizou-se um amostrador de solo tipo Uhland, com anéis volumétricos, de 0,072 m de altura e 0,069 m de diâmetro.

A análise do comportamento hidráulico no solo também foi realizada dentro de cada horizonte. As análises estatísticas foram efetuadas com a utilização do Programa Systat 8.0 (Wikinson, 1998).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados das análises físicas e químicas dos solos ao longo da topossequência. O teor de matéria orgânica decresce em profundidade (Tabela 2), sendo o seu maior conteúdo encontrado na superfície devido à incorporação de resíduos vegetais no solo, refletindo nos maiores valores de fósforo e soma de bases na superfície. Os níveis de Na+1, Ca, Mg, K e P (Tabela 2) foram baixos, provavelmente devido ao intemperismo sobre esta região (Jordan, 1986). A diminuição da matéria orgânica em profundidade deve ser um dos fatores que interferem nos valores de densidade do solo (Tabela 1). A capacidade de troca de cátions (T) decresceu em profundidade, em todos os perfis (Tabela 2). Observa-se, ainda, baixa saturação por base (V%) e alta saturação por alumínio (m), fato comum em solos originados desses sedimentos argilosos. Os maiores teores de P e K foram observados nos perfis da vertente (Tabela 2), provavelmente, em função da cobertura vegetal e intensidade de raízes (Tabela 3). Um das fontes de K são os exudatos de raízes em sistemas cobertos por vegetação (Stallard & Edmond, 1981). O ânion fosfato também tem a sua origem a partir de componentes terrestres, derivados de partículas biológicas, como exudatos de raízes e reciclagem da serrapilheira (Berner & Berner, 1987).

A análise granulométrica revelou heterogeneidade na distribuição do tamanho das partículas, havendo aumento no teor de argila com a profundidade em todos os perfis estudados (Tabela 1). Os perfis foram classificados como de textura argilosa nos horizontes dos Latossolos Amarelos e textura média na superfície do Latossolo Vermelho argissólico e Latossolo Vermelho, evoluindo para argilosa e muito argilosa, nas maiores profundidades (Tabela 3). Os valores de densidade do solo (ρ) apresentaram comportamento similar ao da textura, com aumento em profundidade, sendo os menores valores encontrados nas camadas superficiais dos solos sob ambiente de floresta aberta (Tabela 1).

Pelas descrições macromorfológicas (Tabela 3), os perfis demonstram estruturação fraca a moderada, sendo forte no P6 em decorrência da presença da laterita. A consistência desses Latossolos variou de macio a dura, quando secos, muito friável e friável, quando úmidos; não plástico, plástico, ligeiramente plástico, muito plástico e não pegajoso, pegajoso, ligeiramente pegajoso, quando molhados. As transições foram variáveis entre gradual e difusa, predominantemente horizontal. A comparação entre as características macromorfológicas dos seis perfis pode refletir, em parte, seus posicionamentos no relevo, o que demonstra diferentes condições de drenagem dos solos. Neste caso, as cores amareladas nos perfis P1, P2 e P3 situados na parte mais elevada, e avermelhada nos perfis P4, P5 e P6, refletem condições diferenciadas de drenagem.

A análise mineralógica da fração argila indicou a caulinita como argilomineral predominante, seguido pela gibbsita, goethita, quartzo e anatásio (Figuras 2, 3 e 4). Não houve variações na mineralogia ao longo da paisagem, já que as áreas de topo e vertente apresentaram boa permeabilidade (Tabela 1), podendo ser uma característica para a presença desses minerais. A natureza caulinítica destes solos já era esperada, uma vez que eles pertencerem a Formação Alter do Chão, apresentando uma litologia sedimentar terciária, evidenciando Latossolo Amarelo, onde se instalou a floresta densa. Latossolos cauliníticos são normalmente mais microagregados, com as partículas granulares menos arredondadas e mais parecidas com blocos (Schaefer, 1996), conforme observado neste estudo. Para Lucas et al. (1993), o predomínio de caulinita sobre gibbsita em solos da Amazônia deve-se a intensa reciclagem de silício pela vegetação florestal, favorecendo a estabilidade da caulinita, mesmo em ambiente altamente intemperizado.




A composição mineralógica e a evolução geoquímica demonstrada deve-se, em parte, ao próprio material de origem, que é um sedimento essencialmente constituído de quartzo, sendo a composição mineralógica das frações grosseiras amplamente dominada por quartzo. A gibbsita e o óxido de ferro foram predominantes, tanto nos horizontes superficiais amarelos, como nos horizontes subsuperficiais vermelhos. Segundo Tardy & Nahon (1985), a associação quartzo-caulinita-goethita é a paragênese mineralógica típica em solos amarelos ou vermelhos, submetidos permanentemente à condições tropicais úmidas. A Serra possui solos pobres em nutrientes (Tabela 2), e com a ação das chuvas, eles devem ter perdido grande parte da sílica, permitindo o aparecimento de alumina e ferro, em constante processo de laterização avermelhada na base da Serra (laterita ferruginosa). Essa laterita possui alta coesão e estabilidade, sendo que a sua remoção por alteração antrópica pode expor o substrato arenítico representado pela Formação Alter do Chão, que na posição dos perfis da vertente é muito friável e passiva de erosão. Os arenitos situados próximo à base da vertente da Serra de Parintins estão protegidos pela vegetação, não estando sujeitos a grandes movimentos de massa e erosões. Além disso, o clima quente e úmido da região favorece os processos de intemperização de rochas e a lixiviação de metais alcalinos e alcalino terrosos; a exposição do solo por longo tempo nessas condições climáticas, aliada às grossas texturas do substrato geológico, permite fácil drenagem da água de percolação, tornando o intemperismo mais intenso (Schubart et al., 1984). Estes solos são formados pela latolização, ou seja, remoção de sílica e bases do perfil (Resende, 1982; Birkeland, 1984). Ocorre migração de sílica e bases do perfil e acúmulo residual de sesquióxidos (gibbsita, goethita, hematita etc) no solum, com ou sem formação de plintita ou concreção de ferro (Buol et al., 1980). A presença de plintita nos horizontes subsuperficiais nos perfis P5 e P6 que compõem a vertente (Tabela 3) em evolução para a base atua como uma barreira contra a ação das águas, evitando o fenômeno de terras caídas na Serra de Parintins.

A Tabela 1 apresenta os resultados de log Ko (permeabilidade) ao longo da topossequência. A Ko é dependente de vários atributos do solo, principalmente da densidade e porosidade (macro e microporosidade) (Mesquita & Moraes, 2004). O acúmulo de carbono na superfície decresceu em profundidade, em maior intensidade nos perfis P4 e P5 (Tabela 1), seguindo a mesma tendência de Ko (Figura 7) permitindo inferir que o sistema radicular constituído por raízes pequenas e finas desses perfis (Tabela 3) promove o seu aumento, pois contribui com translocação da MO em profundidade e estruturação do solo (Gonçalves & Mello, 2000). Em Floresta sobre Latossolo Amarelo, as raízes têm importante papel na dinâmica de água nos primeiros 40 cm do solo; as chuvas freqüentes e a atividade biológica permitem condições favoráveis à absorção da água pelo sistema radicular (Chauvel et al., 1992). Assim, apesar da alta declividade, a permeabilidade das camadas superficiais na vertente é superior ao platô. Nota-se, ainda, que o teor de argila foi a propriedade física que contribuiu para a seqüência: Ko capoeira nova > Ko capoeira 7 anos > Ko floresta densa. Talvez Ko seja mais sensível à mudanças nas propriedades físicas do solo do que as alterações nas coberturas vegetais sobre o solo. Esses Latossolos mesmo quando muito argilosos podem apresentar grande permeabilidade, em decorrência da estrutura. Teixeira (2001), estudando os efeitos do uso da terra sobre as propriedades hidráulicas do solo, por métodos de campo, e em pontos de amostragens pertencentes à classe de Latossolos Amarelos na Amazônia, encontrou valores da Ko variando de 6,62 a 8,41 cm dia-1. A diferença quando comparada com os encontrados neste estudo pode estar relacionada à vários fatores como: pontos de amostragem e distribuição das raízes (Tabela 3), demonstrando a grande variabilidade dessa propriedade. Marques (2004), estudando parâmetros hídricos na mesma classe de solos sob sistema agroflorestal na Amazônia encontrou valores com variações de 2,62 a 3,20 cm dia-1, e variações de 1,93 a 3,22 cm dia-1, em Latossolo Vermelho.


Os resultados referentes às curvas de retenção hídrica são apresentados nas Figuras 5 e 6. As análises revelam heterogeneidade hídrica entre os perfis localizados no platô e na vertente da paisagem. Com o aumento da profundidade, ocorreu maior retenção de água nos solos. As curvas P1 e P2, P4, P5 e P6 apresentaram as mesmas características estruturais e porais, não sendo observado diferenças no gradiente e na forma entre elas. Entretanto, um deslocamento correspondente à porosidade estrutural (-10 cm H2O a -100 cmH2O) foi observado no P3 (Figura 5), principalmente no horizonte Bw1. Esta forma pode estar relacionada a uma menor microagregação deste horizonte. No geral, observa-se que as curvas características dos horizontes no platô apresentaram inclinação mais suave (> retenção de água) devido a estrutura predominante (< macroporosidade) (Tabela 1) e a presença de solos argilosos a muito argilosos (Tabela 3), quando comparado com as da vertente (< retenção de água) com inclinação mais acentuada. Essas mudanças não estão relacionadas à natureza da argila (mineralogia) dos solos, já que houve uma constância de predomínio da caulinita como argilomineral. Um gradiente maior de umidade volumétrica entre os potenciais baixos (-10 cm H2O a -100 cmH2O) e altos (-100 cm H20 a -15000 cmH2O) é observado à medida que a profundidade dos horizontes aumenta (Bw1, Bw2 e Bw3). Em contrapartida, os horizontes A, AB e BA demonstram um gradiente de umidade baixo e médio ao longo dos potenciais. Essa tendência pode ser explicada devido à presença de estrutura dominante microagregada (Bw) e uma porosidade estrutural mais desenvolvida (A, AB e BA) (Figuras 5 e 6). Nota-se que a variação topográfica influência a quantidade de água armazenada e disponível nos solos argilosos estudados. A estrutura (> macroporosidade) (Tabela 1) e o maior teor de carbono orgânico obtidos nos perfis P4 e P5 exerceram influência nas tendências das curvas hídricas em baixos potenciais, diferenciando-os dos demais. Analisando a ação da cobertura florestal (Figura 1), aliada à textura média a argilosa (Tabela 3), na superfície dos perfis P4, P5 e P6, foi observado maior agregação do solo e intensidade de poros grandes (Tabela 1), que retêm pouca água a -33 cmH2O, e aumentam a retenção em altas tensões devido à elevada superfície especifica e capacidade de adsorção da matéria orgânica. A matéria orgânica é considerada como o principal agente de estabilização dos agregados do solo (Castro Filho et al., 1998; Gang Lu et al., 1998).



CONCLUSÕES

A floresta predominante sobre os perfis do topo e da vertente, promove condições físicas e hídricas adequadas para uma boa agregação, maior intensidade de poros grandes, maior Ko, e melhor retenção hídrica dos solos atuando na sua conservação;

Há acúmulo de carbono na superfície dos solos, decrescendo em profundidade, relacionando-se diretamente com Ko e com o sistema radicular;

A análise mineralógica da fração argila indicou a caulinita como argilomineral predominante, seguido pelos minerais gibbsita, goethita, quartzo e anatásio não havendo variações ao longo da paisagem e relação com as variações nas curvas de retenção hídrica e Ko;

A Serra de Parintins possui um solo deficiente em nutrientes, ácido, textura média a muito argilosa, poroso, com média a alta permeabilidade e plintita nos horizontes subsuperficiais que evitam o fenômeno de terras caídas;

Um gradiente elevado de umidade volumétrica é observado nos horizontes subsuperficiais, havendo mais água retida, quando comparado com horizontes superficiais devido à presença de porosidade textural dominante nos horizontes Bw e uma porosidade estrutural mais desenvolvida nos horizontes superficiais.

AGRADECIMENTOS

À FAPEAM, pelo financiamento do projeto 811/04. Ao Laboratório de Aná¡lise de Física de Solo da EMBRAPA, na pessoa do técnico Estevão Santos e ao Laboratório Temático de Solo e Planta do INPA, precisamente a Tânia Pimentel; pela oportunidade de realização das análises físicas, químicas e hídricas.

BIBLIOGRAFIA CITADA

Recebido em 23/11/2007

Aceito em 14/10/2009

*Projeto Financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM, processo no 811/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      23 Nov 2007
    • Aceito
      14 Out 2009
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