Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização e avaliação da pastagem do rebanho de agricultores familiares do nordeste paraense

Characterization an evaluation of pastures and cattle at smallholder agriculturalists in northeast Pará State, Brazil

Resumos

No Nordeste Paraense alguns agricultores familiares têm implantado pequenas áreas de pastagens e manejado pequenos rebanhos com o objetivo de aplicar eventuais ganhos obtidos com os cultivos, criando uma poupança a ser utilizada nas necessidades futuras da família ou da propriedade. Há indícios de problemas nas pastagens e no rebanho que limitam tanto a produção e a sustentabilidade da pecuária, como comprometem os cultivos agrícolas que realmente sustentam a propriedade. Este estudo tratou de identificar as principais limitações e propor alternativas de manejo que sejam econômica e ecologicamente mais sustentáveis. Na primeira fase do estudo, numa amostra ao acaso de 38 propriedades, descreveu-se o manejo da pastagem e do rebanho, e na segunda, numa amostra menor, de doze propriedades e por um período de 29 meses, avaliou-se o potencial desses dois componentes. As propriedades estudadas desenvolvem uma pecuária de baixa produtividade. Devido à baixa fertilidade do solo e o deficiente manejo, as pastagens não suprem os alimentos necessários ao rebanho, tanto em quantidade como em qualidade. Também foram identificadas deficiências no manejo do rebanho, próprias de sistemas extensivos. Contudo, as limitações podem ser solucionadas com práticas amplamente conhecidas de manejo da pastagem (como formação, manutenção e manejo) e do rebanho (reprodução, manejo de bezerros e sanidade em geral). Novos modelos de exploração também foram sugeridos.

Desempenho de pastagem; desempenho rebanho; pecuária; agricultor familiar; Amazônia brasileira


In Northeastern Pará, smallholder agriculturalists have established small pastures and manage small herds, mainly with the objective of investing profits in their crops, as a form of savings to meet the family's and property's future needs. There are indications of pasture and herd problems that limit production and sustainability, and threaten the crops that really sustain the property. This study sought to identify constraints and technological solutions, and make information available for public policies. In the 1st phase of this study and using 38 smallholdings sampled at random, the pastures and herd management were described, and in the 2nd phase, with a smaller sample of 12 smallholdings during 29-month period, the potential of these two components was evaluated. In general, the smallholdings have low-productivity and ranching is vulnerable. Due to the low soil fertility and the deficient management, pastures do not supply all the herd's feed needs, neither in quantity nor quality. Herd management deficiencies are characteristic of extensive production systems. However, these constraints can be overcome with well-known technologies of pasture establishment, maintenance and management, and herd reproduction, calf management, and herd health, allowing significant improvement. New exploitation models were suggested also.

Pasture performance; herd performance; cattle ranching; smallholder agriculture; Brazilian Amazonia


AGRONOMIA

Célia M. B. SarmentoI; Jonas Bastos VeigaII; Barbara RischkowskyIII; Osvaldo R. KatoIV; Marianna Siegmund-SchultzeV

IEmbrapa Amazônia Oriental, E-mail: celia_braga05@yahoo.com.br IIE-mail: jonas.veiga@superig.com.br IIIE-mail: barbara.rischkowsky@fao.org IVE-mail: okato@cpatu.embrapa.br VE-mail: mssch@uni-hohenheim.de

RESUMO

No Nordeste Paraense alguns agricultores familiares têm implantado pequenas áreas de pastagens e manejado pequenos rebanhos com o objetivo de aplicar eventuais ganhos obtidos com os cultivos, criando uma poupança a ser utilizada nas necessidades futuras da família ou da propriedade. Há indícios de problemas nas pastagens e no rebanho que limitam tanto a produção e a sustentabilidade da pecuária, como comprometem os cultivos agrícolas que realmente sustentam a propriedade. Este estudo tratou de identificar as principais limitações e propor alternativas de manejo que sejam econômica e ecologicamente mais sustentáveis. Na primeira fase do estudo, numa amostra ao acaso de 38 propriedades, descreveu-se o manejo da pastagem e do rebanho, e na segunda, numa amostra menor, de doze propriedades e por um período de 29 meses, avaliou-se o potencial desses dois componentes. As propriedades estudadas desenvolvem uma pecuária de baixa produtividade. Devido à baixa fertilidade do solo e o deficiente manejo, as pastagens não suprem os alimentos necessários ao rebanho, tanto em quantidade como em qualidade. Também foram identificadas deficiências no manejo do rebanho, próprias de sistemas extensivos. Contudo, as limitações podem ser solucionadas com práticas amplamente conhecidas de manejo da pastagem (como formação, manutenção e manejo) e do rebanho (reprodução, manejo de bezerros e sanidade em geral). Novos modelos de exploração também foram sugeridos.

Palavras-chave: Desempenho de pastagem, desempenho rebanho, pecuária, agricultor familiar, Amazônia brasileira

ABSTRACT

In Northeastern Pará, smallholder agriculturalists have established small pastures and manage small herds, mainly with the objective of investing profits in their crops, as a form of savings to meet the family's and property's future needs. There are indications of pasture and herd problems that limit production and sustainability, and threaten the crops that really sustain the property. This study sought to identify constraints and technological solutions, and make information available for public policies. In the 1st phase of this study and using 38 smallholdings sampled at random, the pastures and herd management were described, and in the 2nd phase, with a smaller sample of 12 smallholdings during 29-month period, the potential of these two components was evaluated. In general, the smallholdings have low-productivity and ranching is vulnerable. Due to the low soil fertility and the deficient management, pastures do not supply all the herd's feed needs, neither in quantity nor quality. Herd management deficiencies are characteristic of extensive production systems. However, these constraints can be overcome with well-known technologies of pasture establishment, maintenance and management, and herd reproduction, calf management, and herd health, allowing significant improvement. New exploitation models were suggested also.

Keywords: Pasture performance, herd performance, cattle ranching, smallholder agriculture, Brazilian Amazonia.

INTRODUÇÃO

A agricultura familiar utiliza basicamente a mão-de-obra familiar e se integra parcialmente ao mercado. Na Região Norte, representa 85,4% dos imóveis agrícolas, ocupa 37,5% da área, gera cerca de 58,3% do valor bruto da produção e recebe apenas 38,6% dos financiamentos (Guanziroli & Cardim, 2000).

No Nordeste Paraense o processo de "pecuarização" também tem avançado entre os agricultores familiares, através da implantação de pastagens e formação de pequenos rebanhos bovinos (Veiga et al., 2003). Com 49 municípios, essa região é das mais densamente habitadas do Pará, com cerca, de 17,7 hab./km2 (IBGE, 2000). O padrão de uso-da-terra dos agricultores familiares em início de pecuarização se baseia no processo sucessivo de derruba-e-queima da floresta secundária (capoeira) para plantio de culturas anuais, principalmente a mandioca, e pequenas parcelas de culturas perenes e pastagem. As espécies forrageiras predominantes são quicuio (Brachiaria humidicola) e braquiarão (B. brizantha). O rebanho geralmente é pequeno, algumas vezes funcionando como capital e os bovinos são mestiços de várias raças (Siegmund-Schultze et al., 2007).

Os solos apresentam acidez elevada, baixa capacidade de troca de cátions, deficiência de N, P, K, S, Ca, Mg, B, Cu, Zn. Esses solos também possuem alta capacidade para fixar o P aplicado como fertilizante. Com relação à produção e a qualidade de forragem, valores de massa total de forragem de 3,6 t MS ha-1, proteína bruta de 4,0% e digestibilidade de 53,3% foram observados por Bendahan & Veiga (2003).

O sistema de pastejo mais utilizado é o rotativo, porém com períodos de pastejo relativamente longos e de descanso variáveis, constatando-se problemas de subpastejo e superpastejo. Com relação à pressão de pastejo, expressa na prática pela lotação animal, muitos agricultores familiares utilizam sem o devido descanso e por longo tempo lotações animais muito acima da capacidade de suporte das pastagens, comprometendo a sua vida útil. A estrutura média do rebanho é de 30% de vacas, 15% de animais de três anos, incluídos os touros, 16% de novilhos e novilhas de dois anos, 18% de novilhos e novilhas de um ano, e 21% de bezerros e bezerras (Veiga & Tourrand, 2001).

O objetivo deste estudo foi caracterizar o manejo e avaliar o desempenho da pastagem e do rebanho de agricultores familiares do Nordeste Paraense, visando identificar as principais limitações e propor alternativas de manejo que sejam econômica e ecologicamente mais sustentáveis.

MATERIAL E MÉTODOS

FASE 1 - CARACTERÍSTICAS DA PASTAGEM E DO REBANHO

O foco principal desta fase foi caracterizar a pastagem e suas práticas de manejo, e levantar informações sobre o manejo do rebanho e a infra-estrutura zootécnica. De março a agosto de 2000, um questionário foi preenchido junto a trinta e oito propriedades dos municípios de Igarapé-Açu (16), São Miguel do Guamá (12) e Bragança/Tracuateua (10) da mesorregião Nordeste Paraense.

FASE 2 - AVALIAÇÃO DA PASTAGEM E DO REBANHO

As doze propriedades estudadas nesta fase (quatro de Igarapé-Açu, cinco de São Miguel do Guamá e três de Bragança/Tracuateua) foram selecionadas, ao acaso, entre as 38 participantes da fase 1.

Para a avaliação do manejo da pastagem e do rebanho os dados foram coletados de dezembro de 2000 a junho de 2002, a cada dois meses. Foram levantadas informações para se calcular os índices zootécnicos de natalidade, mortalidade do rebanho, mortalidade de adultos, mortalidade de bezerros, descarte, taxa de exploração, taxa de crescimento do rebanho e relação matriz:reprodutor.

O solo da pastagem foi amostrado no início e final do estudo. Em cada propriedade, foram coletadas dez amostras por piquete, nas profundidades de 0-10 e 10-20 cm, sendo constituídas duas amostras compostas por profundidade. As análises granulométricas realizadas foram areia grossa, areia fina, silte e argila e as químicas foram pH em água, N, matéria orgânica, P, K, Na, Ca, Ca + Mg e Al (Embrapa, 1997).

Para determinação da produção de forragem, os pastos foram avaliados nas épocas secas, de chuvas e de transição chuvas-seca, em dez áreas amostrais de 1 m2, ao acaso. As amostras foram fracionadas em folha, caule e material morto. Nas amostras de folha e caule foi determinada a proteína bruta e a digestibilidade in vitro da matéria orgânica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

FASE 1 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DA PASTAGEM E DO REBANHO

PASTAGEM

Espécies forrageiras

O braquiarão foi a espécie forrageira mais utilizada na formação das pastagens, presente em 71% das propriedades analisadas (37% em monocultivo e 34% em mistura). Quicuio foi usado em 29% das propriedades. Neste estudo, as pastagens mistas (quicuio + braquiarão) mostram um processo de substituição do quicuio pelo braquiarão. Essa tendência também foi observada por Machado et al. (2003) em Marabá.

Formação e manejo das pastagens

O preparo do solo para a implantação da pastagem segue o padrão tradicional de corte-e-queima da vegetação, neste caso a capoeira. Apenas 21% dos agricultores familiares implantam a pastagem logo após o preparo do solo, sendo mais comum se plantar antes mandioca, milho e feijão, como em outras regiões (Machado et al., 2003). Normalmente, o braquiarão é plantado no início das chuvas, com uma plantadeira manual, e o quicuio por mudas no espaçamento de 1 m x 1 m, ou menor.

Com relação ao manejo da pastagem, 74% dos agricultores utilizam o pastejo rotacionado, com dois a seis piquetes e um descanso variável, de 30 a 200 dias, reduzindo a qualidade da forragem, que diminui com a idade da rebrota. A lotação média foi de 1,3 UA/ha. No sistema tradicional, a lotação geralmente aceita na região é de 1 UA/ha. Entretanto, nas propriedades estudadas, o controle da lotação praticamente não existe, ocorrendo períodos de sub e superpastejo.

Limpeza e ocorrência de pragas

A roçagem manual é a prática de controle das plantas invasoras mais utilizada (95%), e a maioria (69%) realiza apenas uma roçagem por ano. Essa pouca ênfase à limpeza pode ser justificada pela falta de mão-de-obra e pelo papel secundário da pecuária no sistema de produção dos agricultores familiares estudados. O fogo é outra prática de limpeza da pastagem utilizada (53%) e normalmente feita após a roçagem. O ataque de pragas nas pastagens foi reportado por 42% dos agricultores familiares, sendo o principal problema a cigarrinha-das-pastagens que ataca com maior freqüência as pastagens de quicuio.

REBANHO

Tamanho do rebanho

No geral, o tamanho do rebanho é função de vários fatores, como tamanho e condição da pastagem, e recursos ou meios para adquirir o gado. Apenas 21% dos produtores têm mais de 30 cabeças. A maioria dos agricultores familiares (53%) possui menos de quinze cabeças em até 20 ha de pastagem e, como era de se esperar, à medida que aumenta a pastagem aumenta o rebanho, indicando que o tamanho rebanho depende da disponibilidade dos recursos forrageiras na propriedade (Veiga et al., 2003). Diferente da fronteira agrícola, onde a pastagem valoriza a terra, nessa região de alta densidade demográfica, a pastagem compete com os cultivos alimentares por área, sendo a alta liquidez do gado a maior razão para o investimento na pecuária (Siegmund-Schultze et al., 2007).

Composição e padrão genético do rebanho

Neste estudo, o total de matrizes potenciais (vacas e novilhas) e de bezerros (as) representa, respectivamente, 58,9 e 28,5% do rebanho, indicando um perfil típico de cria, ou seja, de produção de bezerros para venda alguns meses após o desmame, que ocorre entre sete a oito meses de idade. O padrão genético do rebanho não é definido, sendo maior parte dos animais mestiços euro-zebu. Teoricamente esse padrão genético confere ao rebanho um potencial para exploração de duplo propósito (carne e leite), embora isso não ocorra na prática. Fenotipicamente, as raças mais presentes na composição genética dos rebanhos foram Nelore, Holandês, Guzerá, Girolanda, Charolês e Simental.

Alimentação do rebanho

A alimentação do rebanho é baseada principalmente na pastagem. Apenas 3% dos agricultores familiares fornecem alguma suplementação energética ou protéica ao rebanho, por algum tempo, e o uso de forrageira de corte (capineiras) não foi observado. Embora conhecendo a importância da nutrição mineral, os agricultores não fornecem misturas minerais compatíveis com as demandas animais e as deficiências minerais das pastagens.

Sanidade do rebanho

A doença infecto-contagiosa mais freqüentemente observada foi a diarréia em bezerros. Entretanto, foram registrados casos de brucelose, febre aftosa, carbúnculo e mastite. A vacinação contra febre aftosa é realizada com maior freqüência, embora sem regularidade e nem sempre na época certa. Embora a verminose seja comum, poucos produtores fazem o tratamento preventivo do rebanho. Os ectoparasitas mais freqüentes são o carrapato (Boophilus microplus) e a mosca-do-chifre (Haematobia irritans), muito comuns na região, devido à alta temperatura e umidade.

Infra-estrutura do rebanho

Dos estabelecimentos, 71% dispõem de curral e apenas 10% de brete, cuja qualidade é muito deficiente. Em 89% das propriedades existem cochos para fornecer mineral ao rebanho, porém, em apenas 5% dos casos são cobertos, o que, sem dúvida, diminui a sua eficiência. Em 97% dos estabelecimentos, a água é proveniente de fonte natural (córregos e igarapés), nem sempre perene, havendo casos de falta de água no verão.

FASE 2 - AVALIAÇÃO DO POTENCIAL E DO MANEJO DA PASTAGEM E DO REBANHO

MANEJO DA PASTAGEM

O gênero de gramínea mais utilizado é o Brachiaria, com predominância da espécie B. humidicola (quicuio). No entanto, observa-se uma forte tendência de substituição do quicuio pelo braquiarão (B. brizantha), visto que cinco dos doze produtores já tinham introduzido esta forrageira nas suas pastagens de quicuio.

No período de avaliação, a pastagem era dividida predominantemente em dois piquetes, chegando até a cinco (Tabela 1). Embora com alguma divisão de pastagem, o sistema de pastejo predominante foi o contínuo (Tabela 1). Amplamente recomendado, o pastejo rotativo não é facilmente adotado devido à insuficiência de bebedouros e à maior exigência de mão-de-obra no manejo dos animais. Por outro lado, o pastejo contínuo pode reduzir o potencial quantitativo e qualitativo da pastagem, principalmente no período seco.

Municípios/produtores Área de pastagem (ha) Pastagem Divisão de pastagem (nº de piquetes) Sistema de pastejo Caract. Pastejo rotativo (dias) Lotação animal (UA2/ha) Roçagem da pastagem (nº/ano) Aluguel pastagem (% do tempo)

O tempo de pastejo e de descanso da pastagem variou de 15 a 150 dias e de 30 a 200 dias, respectivamente (Tabela 1). A lotação da pastagem, outro importante fator do manejo de pastejo, variou de 0,06 a 1,50 UA/ha (Tabela 1). Em sistemas extensivos como estes, esses valores respondem também a fatores alheios ao manejo do pastejo propriamente dito, além de refletirem a intensidade de uso da pastagem. Valores extremos podem corresponder a retirada ou entrada significativa de animais na propriedade, por venda, aquisição ou outras razões, situações comuns nesse tipo de propriedade em que o gado é uma reserva de capital. As deficiências observadas no controle do pastejo refletem no estado da pastagem, exigindo medidas para conter a infestação da plantas invasora, o que geralmente demanda mão-de-obra nem sempre disponível.

Com a degradação da pastagem decorrente do manejo inadequado, a recuperação se torna necessária. O tamanho da área recuperada variou de 1,5 a 15 ha, sendo que a maioria dos agricultores recuperou mais da metade de sua pastagem, demonstrando certa preocupação em manter o sistema produtivo. Em geral, o tipo da recuperação vai depender dos recursos e de mão-de-obra disponíveis. Essa prática utiliza roçagem e queima; não é feita a mecanização do solo nem a aplicação de insumos químicos. Por outro lado, apenas dois entre os doze agricultores familiares estudados formaram novas pastagens (principalmente de braquiarão), o que indica pouco interesse em expandir na pecuária ou cuidado no manejo da pastagem.

Solo

Nos solos, o conteúdo de areia foi maior que o de argila (Tabela 2), indicando predominância de solos arenosos, principalmente em Bragança/Tracuateua. Também são de baixa fertilidade química (Tabela 2). A faixa de pH de 4,8 a 5,3 ficou abaixo do mínimo indicado para forrageiras tropicais; a MO atingiu o limite mínimo exigido de 15 g kg-1 somente numa propriedade, e os valores de K, em todas as propriedades, ficaram abaixo do mínimo de 60 mg dm-3 (Veiga & Falesi, 1986). Já o Al trocável, embora ultrapassando o limite de 0,3 cmolc dm-3 em oito propriedades, possivelmente não deve prejudicar o crescimento das pastagens devido à tolerância das gramíneas usadas a esse fator tóxico do solo. Entretanto, a correção do solo com calcário (calcário dolomítico) seria indicada para a reposição de Ca e Mg, cujo os níveis no solo estão abaixo das demandas das pastagens, de 2 cmolc dm-3 (Veiga & Falesi, 1986).

Considerado o mais importante nutriente para o desempenho das pastagens regionais, o P foi deficiente na maioria das propriedades (oito entre doze), com níveis bem inferiores ao mínimo recomendado, de 5 mg dm-3 (Veiga & Falesi, 1986). Os baixos níveis de nutrientes nos solos das pastagens estudadas são semelhantes aos obtidos em outros estudos no estado do Pará (Bendahan & Veiga, 2003; Bittencourt & Veiga, 2003).

PASTAGEM

Produção e qualidade de forragem

Considerando a quantidade de forragem inferior a 0,75 t MVS (matéria seca verde) como limitante para o consumo de bovinos em pastejo (Euclides & Euclides Filho, 1998), apenas quatro entre 12 produtores não teriam problemas de limitação de forragem para o rabanho (Tabela 3). Vários fatores podem justificar as diferenças na produção e no fracionamento da forragem produzida sob pastejo. Teoricamente os principais são: tipo de pastagem, pressão de pastejo, sistema de pastejo, além da estação do ano. Em estudos de acompanhamento de sistemas, como este, não é possível estratificar as amostragens de modo a isolar esses fatores. Assim, os valores obtidos são resultado final da atuação de diferentes combinações desses fatores.

Em termos de qualidade da pastagem, um bom manejo de pastejo prioriza uma maior proporção de folhas e menor de colmo e de material morto. Entre os agricultores acompanhados, em apenas seis a contribuição das folhas na forragem disponível alcançou a faixa de 20-23%, bem inferior ao encontrado em outros estudos (Bendahan & Veiga, 2003; Bittencourt & Veiga, 2003), indicando uma condição de manejo deficiente nesse aspecto.

As diferenças na qualidade da forragem devidas à propriedade (Tabela 4) não podem ser decomposta pelo manejo adotado, uma vez que o material experimental nesse tipo de estudo não permitiu estratificar as amostras por fator de manejo como pressão de pastejo e período de descanso. Os valores de proteína bruta da folha (PBF), que variaram de 5,8 a 6,8%, são inferiores àquele relatado por Bendahan & Veiga (2003), de 7,4% e, por conseguinte, não alcançaram o mínimo de 7% recomendado por Minson (1990) como crítico para um bom desenvolvimento da flora ruminal de bovinos.

Já o teor de digestibilidade in vitro da matéria orgânica da folha (DMOF) variou de 31,4 a 40,3%, nível inferior àqueles reportados por Bendahan & Veiga (2003) e Bittencourt & Veiga (2003). Considerando a exigência mínima de 50% para bovinos em pastejo (NRC, 1988), a nutrição do rebanho estudado estaria comprometida, embora as amostras analisadas possam não representar satisfatoriamente o material consumido, cuja qualidade é sempre maior devido à seletividade dos animais. Porém, isso não justifica a ausência de práticas de manejo que melhorem a qualidade da forragem.

Índices zootécnicos do rebanho: Referente à natalidade, os valores obtidos em três casos (14%, 29% e 40%) foram excepcionalmente baixos, enquanto os demais refletem uma situação em que a nutrição mineral e a sanidade do rebanho são negligenciadas (Tabela 5). Os valores obtidos estão abaixo de 80%, considerado como aceitável (Marques, 2006).

Mesmo se tratando de pequenos rebanhos, a mortalidade em alguns casos foi alta, indicando a ocorrência da alguma falha no manejo do rebanho, especialmente da sanidade. Índices de 3% e 1%, respectivamente, para mortalidade de bezerros e de animais adultos são considerados aceitáveis para um bom desenvolvimento do rebanho (Marques, 2006).

Os índices de descarte, exploração e crescimento do rebanho, que refletem a eficiência da exploração, variaram e são substancialmente influenciados pela situação financeira da família que decide a venda ou compra de animais, o que caracteriza um rebanho funcionando como poupança. Nessa situação esses índices independem das condições da pastagem e do manejo do rebanho.

A relação matriz:reprodutor também foi muito baixa, variando de 1:4 a 1:18 , quando o recomendado para a região é de 1:25 (Marques, 2006). Isso resulta numa baixa eficiência na utilização do touro, que vai refletir negativamente na reprodução do rebanho.

Perspectivas de melhoramento do sistema

Os baixos rendimentos dos rebanhos nesse tipo de propriedade se justificam pelas condições extremamente deficientes de manejo da pastagem e do rebanho. A pecuarização das propriedades da fronteira agrícola da Amazônia reflete uma tendência de transformar as áreas agrícolas em pastagem devido principalmente aos baixos preços e às dificuldades de comercialização da produção. Já nos sistemas de produção estudados, dificilmente outra exploração rende mais que o cultivo da mandioca, e a postura do produtor com respeito ao rebanho é a de manutenção (Siegmund-Schultze et al., 2007). Essa estratégia de apenas "manter vivo o rebanho" em condições de ser vendido a qualquer momento, permite explorar apenas parcialmente o potencial produtivo do gado. A reprodução do rebanho é baixa, sendo os bezerros produzidos um sub-produto de baixa qualidade e, só eventualmente, em quantidade aceitável.

Esse tipo de exploração não tem futuro no contexto da globalização dos mercados em que a competitividade e a qualidade dos produtos são determinantes. Essa estratégia dos produtores reflete em poucos investimentos na exploração e no baixo uso de tecnologia no manejo da pastagem e do rebanho.

Contudo, a análise das principais limitações do sistema mostra que há possibilidades de grandes avanços. Grande parte das deficiências identificadas pode ser solucionadas com práticas conhecidas e do acervo tecnológico regional. Por exemplo, são amplamente documentadas as recomendações básicas para formação, manutenção (controle das plantas invasoras) e manejo de pastagens (especialmente controle da pressão de pastejo e sistema de pastejo), permitindo aumentar a produção e a qualidade da forragem produzida, além de estender a vida útil das pastagens (Veiga, 2006a, Veiga, 2006b).

Quanto ao desempenho do rebanho, independente da melhor alimentação via melhoramento da pastagem, a adoção de algumas práticas de eficiência comprovada poderá permitir grandes avanços de produtividade, especialmente na reprodução, no manejo de bezerros e na sanidade em geral (Marques, 2006).

As transformações possíveis nessa exploração pecuária não devem se restringir ao aspecto tecnológico. Inicialmente é necessária uma profunda mudança na postura do produtor, de uma estratégia de apenas "manter vivo o rebanho" para uma de "explorar o rebanho", procurando aproveitar economicamente as funções produtivas do gado. Isso envolve a possibilidade de investimento na qualificação do produtor (e da mão-de-obra), tanto na área técnica como na empresarial, enfatizando a inserção no mercado e a qualidade da produção, através de um melhor apoio do sistema de extensão rural. Também haverá necessidade de acesso e ajustes nos financiamentos à produção, permitindo que programas oficiais como o Pronaf apóiem eficientemente a pecuária de pequena escala.

Numa perspectiva mais ampla, mudanças mais profundas poderão ser consideradas para tornar a pecuária mais ajustada aos sistemas diversificados de produção e às realidades agroecológicas da região. É possível implementar outros modelos de exploração que visem a intensificação, integrando, numa mesma área, dois ou mais tipos de exploração, como os sistemas agrossilvipastoris que associam lavoura, pecuária e silvicultura, com a vantagem de agregar serviços ambientais (Veiga et al., 2001), e merecem a atenção dos órgãos de desenvolvimento da região. Mais do que qualquer outra interferência, a implementação desses modelos deverá ser feita com o devido cuidado, sempre com o acompanhamento de técnicos especializados e com o apoio de crédito especial, ajustado ao perfil das explorações envolvidas, de modo a evitar que o potencial produtivo seja mascarado por deficiência financeira.

Contudo, dificilmente essas mudanças poderão ser concretizadas sem uma maior conscientização dos produtores, mais especificamente na sua organização, tanto para viabilizar os programas de treinamento, de aceso a crédito, de aquisição de insumos em melhores condições, etc., como para reivindicar políticas públicas que lhes permitam produzir de forma econômica, social e ecologicamente sustentável.

CONCLUSÕES

A pecuária desenvolvida pelos agricultores familiares do Nordeste Paraense apresenta baixos níveis de produtividade.

As pastagens não fornecem os alimentos necessários ao rebanho, tanto em quantidade como em qualidade, para uma produção animal aceitável.

Às limitações do suprimento de forragem, somam-se as deficiências de manejo do rebanho.

A produtividade do sistema é muito baixa, algumas vezes permitindo apenas a sobrevivência do rebanho em condição de ser vendido para atender às eventuais demandas de dinheiro do produtor.

As limitações identificadas podem ser solucionadas com práticas amplamente conhecidas, relacionadas à formação, manutenção e manejo de pastejo e ao manejo do rebanho, especialmente na reprodução, no manejo de bezerros e sanidade em geral.

Formas de integração lavoura-pecuária poderiam ser testadas para melhorar a complementaridade dos componentes do sistema.

Há necessidade de qualificação do produtor, nas áreas técnica e empresarial, através de um melhor apoio do sistema de extensão rural, e de acesso e ajustes no financiamento da produção.

BIBLIOGRAFIA CITADA

Recebido em 22/11/2007

Aceito em 18/11/2009

  • Bendahan, A.B.; Veiga, J.B. 2003. Characteristics of pasture in dairy farms of Castanhal microregion, State of Pará, Brazil, p.79-101. In: Tourrand, J.F.; Veiga, J.B. (Eds). Viabilidade de sistemas agropecuários na agricultura familiar da Amazônia Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Bittencourt, P.C.S.; Veiga, J.B. 2003. Pastures condition of dairy production systems of family agriculture, in Uruará, Transamazônica Region, State of Pará, Brazil, p.103-117. In: Tourrand, J.F.; Veiga, J.B., (Eds). Viabilidade de sistemas agropecuários na agricultura familiar da Amazônia Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Embrapa. 1997. Manual of soil analysis methods/EMBRAPA CNPS. Documentos: 1. Rio de Janeiro. 212pp (in Portuguese).
  • Euclides, V.P.B.; Euclides Filho, K. 1998. Using animals for forage evaluation. Campo Grande. Embrapa - CNPGC. 59pp. (Embrapa CNPGC. Documentos, 74) (in Portuguese).
  • Guanziroli, C.E.; Cardim, S.C. de S. 2000. New portrait of family farming: The rediscovered Brazil INCRA/FAP. Brasília. 74pp (in Portuguese).
  • IBGE (2001) Census 2000, preliminary synopsis. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro. http://www1.ibge.gov.br/ibge/estatistica/populaçao/censo2000/default.shtm . Acesso: 10/04/2006 (in Portuguese).
  • Machado, R. da C.; Muchagata, M.R.G.; Silva, W.R. da. 2003. Modelling and viability of livestock in family agriculture of agricultural frontier, p. 373-411. In: Tourrand, J.F.; Veiga, J.B., (Eds). Viabilidade de sistemas agropecuários na agricultura familiar da Amazônia Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Marques, J.R.F. 2006. Composition and genetic improvement of the herd, p. 25-44. Veiga, J.B., (Ed.). Sistemas de produção: criação de gado leiteiro na Zona Bragantina Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Minson, D.J. 1990. Forage in ruminant nutrition London: Academic Press. 483pp.
  • N. R. C. National Research Council. 1988. Nutrient requirements of dairy cattle 6 ed. Washington: National Academy Press. 158pp.
  • Siegmund-Schultze, M.; Rischkowsky, B.; Veiga, J.B.; King, J.M. 2007. Cattle are cash generating assets for mixed smallholder farms in the Eastern Amazon. Agricultural Systems 94, 738-749.
  • Veiga, J.B. 1995. Rehabilitation of degraded pasture areas. In: Symposium/Workshop on Management and Rehabilitation of Degraded Lands and Secundary Forests in Amazon, 1993. Santarém, Pará. Proceedings... Rio Piedras: International Institute of Tropical Forestry/USDA Forest Science p. 193-202.
  • Veiga, J.B. 2006a. Pasture establishment and maintenance, p. 59-65. Veiga, J.B., (Ed.). Sistemas de produção: criação de gado leiteiro na Zona Bragantina Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Veiga, J.B. 2006b. Pasture management, p. 67-73. Veiga, J.B., (Ed.). Sistemas de produção: criação de gado leiteiro na Zona Bragantina Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Veiga, J.B.; Alves, C.P.; Marques, L.C.T.; Veiga, D.F. 2001. Sylvopastoral systems in the Eastern Amazon, p. 41-76. In: Carvalho, M.M.; Alvim, M.J.; Carneiro, J.C., (Eds). Sistemas agroflorestais pecuários: opções de sustentabilidade para áreas tropicais e subtropicais Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite; Brasília: FAO (in Portuguese).
  • Veiga, J.B.; Falesi, I.C. 1986. Fertilizer's recommendation and practice for cultivated pastures in the Brazilian Amazon, p. 257-282. In: Matos, H.B.; Werner, J.C.; Yamada, T.; Malavolta, E. (Eds) Calagem e adubação de pastagens Piracicaba: POTAFOS (in Portuguese).
  • Veiga, J.B.; Poccard-Chapuis, R.; Tourrand, J.F. 2006. Caracterization and livestock viability in family agriculture of Eastern Brazilian Amazon, p. 17-63. In: Tourrand, J.F.; Veiga, J.B., (Eds). Viabilidade de sistemas agropecuários na agricultura familiar da Amazônia Belém: Embrapa Amazônia Oriental (in Portuguese).
  • Veiga, J.B.; Tourand, J.F. 2001. Cultivated pastures in the Brazilian Amazon: current status and perspectives. Belém, PA: Embrapa Amazônia Oriental. 36pp. (Embrapa Amazônia Oriental, Documentos, 83) (in Portuguese).
  • Caracterização e avaliação da pastagem do rebanho de agricultores familiares do nordeste paraense

    Characterization an evaluation of pastures and cattle at smallholder agriculturalists in northeast Pará State, Brazil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      18 Nov 2009
    • Recebido
      22 Nov 2007
    Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Av. André Araujo, 2936 Aleixo, 69060-001 Manaus AM Brasil, Tel.: +55 92 3643-3030, Fax: +55 92 643-3223 - Manaus - AM - Brazil
    E-mail: acta@inpa.gov.br