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Psicopatologia

Psychopatology

CARTAS PARA PUBLICAÇÃO

Psicopatologia

Psychopatology

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Guido Arturo Palomba Rua Manoel da Nóbrega, 2.064, Paraíso 04001-006 - São Paulo, SP

Hodiernamente, tempos em que a Psiquiatria é dominada pelos interesses das indústrias produtoras de remédios; em que os livros e textos de psiquiatria foram substituídos pela CID e pelo DSM; em que a anamnese, a propedêutica e a semiótica psiquiátricas foram substituídas pelos tais protocolos; em que o pensamento, o sentimento, a intuição e a percepção do psiquiatra foram substituídos por escalas de medição e de pontuações, com escores de todo o gênero; em que a nosografia de qualidade, etimologicamente expressiva, foi substituída por transtorno bipolar, doença de Alzheimer ou psicose inespecífica - ler um artigo como Alucinações, a origem e o fim de um falso paradoxo, de Márcio Amaral [J Bras Psiq. 2007;56(4)296-300], no qual se discutem, de modo elevado, psicopatologia, fenomenologia, terminologia, em que são citados Bumke, Esquirol, Jasper, Kant, Mira y Lopes, é um refrigério para os que repelem a psiquiatria hodierna e suas facécias.

O artigo, excelente, trata do aparente paradoxo que envolve a classificação das alucinações (percepção sem objeto). A esse propósito, a Escolástica, com São Tomás de Aquino e os que o seguem, resolve o problema, com o conceito de percepção composta.

Com efeito:

1. Percepção externa é a faculdade de conhecer o mundo material e seus fenômenos por meio dos órgãos sensoriais. Em outras palavras: percepção é o ato pelo qual percebemos um objeto que, por alguma de suas qualidades, nos causou sensação, donde sensopercepção.

2. A sensação obriga ser, essencialmente, algo experimentado, sentido, ou melhor, não é outra coisa do que o próprio fato de experimentar e sentir.

3. Então, o objeto próprio do olfato são os odores; do gosto, os sabores; do ouvido é o som; do tato, a extensão resistente; da vista, a cor com seu matiz.

4. Porém - é agora que entra o X da questão! -, existem as percepções compostas. Usando o exemplo do jesuíta Ch. Lahr, temos: Quando digo "ouço um grande sino", como chegou o meu ouvido a conhecer a natureza e a dimensão do objeto sonoro? É que a sensação causada no meu ouvido, quando um grande sino ressoou na vizinhança imediata, percebeu o seu objeto próprio, a saber, o som grave com determinado timbre, ao mesmo tempo minha vista mediu as dimensões do objeto sonoro. Os dois dados acabaram por se associar na sensopercepção e pude formular a lei que a certa sonoridade correspondem certas dimensões do objeto sonoro e concluir da gravidade do som que ouço o tamanho do sino que não vejo. É a percepção composta.

5. A percepção composta se dá por associação de imagens (sentido interior de São Tomás de Aquino), e por efeito de hábito o simples e o composto ficam intimamente unidos, ambos sob a denominação comum de percepção.

6. Nessa ordem de idéias, a alucinação (percepção sem objeto), que se dá na esfera da sensopercepção, pode muito bem ser o resultado patológico de uma percepção composta, a partir da sensação de objeto real.

7. Assim, esse entendimento vai no mesmo sentido das conclusões do autor. Porém, a idéia aqui não é discutir se é isso ou aquilo, mas apenas cumprimentar Márcio Amaral pelo excelente e estimulante artigo. Meus parabéns!

São Paulo, 17 de março de 2008.

Guido Arturo Palomba

Psiquiatra Forense em São Paulo

Recebido em 2/4/2008

Aprovado em 8/4/2008

  • Endereço para correspondência:
    Guido Arturo Palomba
    Rua Manoel da Nóbrega, 2.064, Paraíso
    04001-006 - São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      2008
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