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Avaliação da qualidade de vida em adolescentes: revisão da literatura

Quality of life assessment for adolescents: a literature review

Resumos

OBJETIVO: Revisar criticamente a disponibilidade de instrumentos de satisfação com a vida utilizados para avaliar a qualidade de vida em adolescentes. MÉTODO: Nesta revisão foram selecionados estudos que utilizavam escalas de satisfação com a vida em adolescentes, exclusivamente. Foram excluídos estudos dirigidos à população em geral, ou que investigassem satisfação na relação com os pais, com cuidadores e com serviços de saúde. Foram consultadas as bases eletrônicas MedLine, Lilacs, PsycINFO, PubMed e Adolec, sendo incluída checagem manual das referências bibliográficas dos artigos selecionados. RESULTADOS: Foram encontrados 22 estudos conforme os critérios de inclusão, verificando-se a existência de nove escalas de satisfação com a vida, sendo duas variações (abreviada e versão adolescente) da escala de um mesmo autor. Foi adicionada à seleção uma escala de qualidade de vida que continha avaliações de domínios de satisfação com a vida. CONCLUSÃO: As validações das principais escalas são descritas, observando-se o reduzido número de estudos transculturais disponíveis. O uso do conceito de qualidade de vida por meio de instrumentos de satisfação com a vida é relativamente novo, e necessita de estudos mais abrangentes no que diz respeito à cultura e às diferentes realidades econômicas.

Satisfação pessoal; qualidade de vida; escalas de graduação psiquiátrica; adolescentes


OBJECTIVE: Critically review the availability of life satisfaction assessment to measure the quality of life of adolescents. METHOD: This review included life satisfaction scales just for adolescents. Studies from general population, or about the relationship between adolescents and their parents, with health care and with health services were excluded. The following electronic databases were used: MedLine, Lilacs, PsycINFO, PubMed and Adolec, also included consulting the references of selected articles. RESULTS: 22 studies were included based on inclusion and exclusion criteria adopted in the review, which includes nine life satisfaction scales, and two of them were versions from the same author (brief form and adolescent version). One quality of life scale which had life satisfaction domains was included. CONCLUSION: The validity of principals scales were related and the reduce of crosscultural research were observe. The concept of quality of life by life satisfaction instruments is almost new and need to include more studies with cultural and economics differences.

Personal satisfaction; quality of life; psychiatric status rating scales; adolescents


ARTIGO DE REVISÃO

Avaliação da qualidade de vida em adolescentes - revisão da literatura

Quality of life assessment for adolescents: a literature review

Luciana Paes de BarrosI; Luciana Nagali GropoI; Kátia PetribúII; Viviane ColaresI, III

IDepartamento de Hebiatria da Universidade de Pernambuco (UPE)

IIDepartamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da UPE

IIIPrograma de pós-graduação da UPE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciana Paes de Barros Rua Prof. Augusto Lins e Silva, 196/902 51030-030 - Recife, PE E-mail: dqsetrata@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Revisar criticamente a disponibilidade de instrumentos de satisfação com a vida utilizados para avaliar a qualidade de vida em adolescentes.

MÉTODO: Nesta revisão foram selecionados estudos que utilizavam escalas de satisfação com a vida em adolescentes, exclusivamente. Foram excluídos estudos dirigidos à população em geral, ou que investigassem satisfação na relação com os pais, com cuidadores e com serviços de saúde. Foram consultadas as bases eletrônicas MedLine, Lilacs, PsycINFO, PubMed e Adolec, sendo incluída checagem manual das referências bibliográficas dos artigos selecionados.

RESULTADOS: Foram encontrados 22 estudos conforme os critérios de inclusão, verificando-se a existência de nove escalas de satisfação com a vida, sendo duas variações (abreviada e versão adolescente) da escala de um mesmo autor. Foi adicionada à seleção uma escala de qualidade de vida que continha avaliações de domínios de satisfação com a vida.

CONCLUSÃO: As validações das principais escalas são descritas, observando-se o reduzido número de estudos transculturais disponíveis. O uso do conceito de qualidade de vida por meio de instrumentos de satisfação com a vida é relativamente novo, e necessita de estudos mais abrangentes no que diz respeito à cultura e às diferentes realidades econômicas.

Palavras-chave: Satisfação pessoal, qualidade de vida, escalas de graduação psiquiátrica, adolescentes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Critically review the availability of life satisfaction assessment to measure the quality of life of adolescents.

METHOD: This review included life satisfaction scales just for adolescents. Studies from general population, or about the relationship between adolescents and their parents, with health care and with health services were excluded. The following electronic databases were used: MedLine, Lilacs, PsycINFO, PubMed and Adolec, also included consulting the references of selected articles.

RESULTS: 22 studies were included based on inclusion and exclusion criteria adopted in the review, which includes nine life satisfaction scales, and two of them were versions from the same author (brief form and adolescent version). One quality of life scale which had life satisfaction domains was included.

CONCLUSION: The validity of principals scales were related and the reduce of crosscultural research were observe. The concept of quality of life by life satisfaction instruments is almost new and need to include more studies with cultural and economics differences.

Keywords: Personal satisfaction, quality of life, psychiatric status rating scales, adolescents.

A origem do conceito de qualidade de vida surgiu após a Segunda Guerra Mundial, quando a prosperidade econômica e o aumento do poder aquisitivo associavam a satisfação, o bem-estar e a realização psicológica com vários aspectos da vida. Nas três últimas décadas proliferaram definições sobre qualidade de vida, porém não há consenso sobre qual seja a mais adequada1-4.

O documento da Organização Mundial de Saúde (OMS)5 sobre instrumentos de avaliação de qualidade de vida foi construído a partir da emergência de quatro grandes dimensões, que agregam saúde física, aspectos psicológicos, sociabilidade e relações com o ambiente, além de avaliação global da qualidade de vida.

De maneira mais abrangente, Katsching6 apontou que o termo qualidade de vida leva em conta os aspectos de bem-estar psicológico e social, funcionamento emocional, condição de saúde, desempenho funcional, satisfação com a vida, suporte social e padrão de vida.

O conceito de qualidade de vida tem sido alvo de interesse nas áreas de ciências da saúde e sociais e, embora haja diferentes definições, existe a concordância, entre alguns pesquisadores7-11, de que se trata de conceito multidimensional, que inclui bem-estar (material, físico, social, emocional e produtivo) e satisfação em várias áreas da vida.

As pesquisas que investigam a qualidade de vida têm utilizado tanto indicadores objetivos quanto subjetivos3, sendo estes dirigidos às estimativas subjetivas das circunstâncias de vida, como os julgamentos de satisfação e as emoções12. Satisfação com a vida está vinculada à literatura sobre bem-estar subjetivo e, embora as dimensões que abrangem o bem-estar subjetivo sejam questionadas13, satisfação com a vida tem sido vista como importante componente para se compreender a qualidade de vida global14.

A apreciação subjetiva da qualidade de vida, denominada satisfação com a vida, tem sido considerada como o julgamento (maior ou menor satisfação) que um indivíduo faz sobre diferentes áreas da vida. Desejos e expectativas, comparações com um grupo de referência e experiências prévias são os critérios mais utilizados para tal julgamento. Neste sentido, tanto as medidas de avaliação unidimensionais (avaliações globais) quanto as multidimensionais (domínios específicos) têm sido utilizadas, no entanto, as multidimensionais têm sido mais úteis para avaliar níveis de satisfação com a vida15,16.

Estudos sobre satisfação com a vida têm sido conduzidos em sua maioria visando à perspectiva do adulto14,17. Pesquisas sobre valores do bem-estar psicológico dirigidas a crianças e adolescentes têm sido escassas, não obstante o interesse crescente nesta faixa etária, sobretudo, a partir da década de 1980.

O presente estudo tem por objetivo realizar revisão da literatura dos instrumentos de avaliação de satisfação com a vida, utilizados para avaliar a qualidade de vida de adolescentes.

MÉTODOS

Foi realizada pesquisa da literatura utilizando-se as bases de dados eletrônicos MedLine, Lilacs, PsycINFO, PubMed e Adolec. Foram empregadas as seguintes categorias de descritores MeSH (Medical Subject Headings): satisfação pessoal, qualidade de vida, escalas de graduação psiquiátrica, questionários e adolescentes.

Para complementar a estratégia de busca, foi realizada a checagem manual das referências bibliográficas dos artigos selecionados, buscando-se artigos e capítulos de livros de interesse sobre o assunto, com o objetivo final de localizar textos pertinentes que não haviam sido encontrados com a pesquisa eletrônica.

A pesquisa eletrônica incluiu trabalhos publicados entre 1966 e 2008, em todas as línguas, que utilizassem instrumentos de satisfação com a vida voltados para adolescentes, estando ou não relacionados à avaliação de algum tipo de doença ou transtorno. Foram incluídos artigos que continham a avaliação de qualidade de vida de jovens entre 12 e 18 anos, utilizando-se escalas de satisfação com a vida.

Foram excluídos estudos dirigidos à população em geral, às crianças exclusivamente, bem como aqueles cujo foco limitava-se a investigar a relação de satisfação pessoal dos adolescentes com seus pais, com os serviços de saúde ou com cuidadores da área de saúde, mesmo que esses estudos envolvessem a idade preconizada.

RESULTADOS

Foram encontradas 176 publicações que envolviam temas associados à satisfação com a vida e à qualidade de vida dos adolescentes. Depois da avaliação do resumo dessas publicações, 45 artigos em inglês e em português foram inicialmente selecionados e solicitados na íntegra. Após a leitura desses artigos, 22 estudos foram incluídos nesta revisão, por preencherem os critérios de inclusão, discriminados anteriormente.

Instrumentos de qualidade de vida

A partir da definição dada pela OMS18, segundo a qual saúde é "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade", iniciou-se questionamento a respeito do impacto das doenças sobre o bem-estar físico, social e emocional dos indivíduos. No entanto, embora se atribua a essa definição a responsabilidade pelo impulso dado às pesquisas sobre instrumentos de qualidade de vida, antes de 1985 o termo qualidade de vida foi menos citado no indexador PubMed que os termos bem-estar, satisfação com a vida e felicidade19.

Segundo estudo de Sawatsky19, o termo satisfação com a vida foi primeiramente citado no indexador PubMed em uma publicação de Neugarten et al.20, que discorria sobre dois tipos de instrumentos de satisfação com a vida, contrastando com as publicações existentes sobre qualidade de vida, que focavam, apenas, questões éticas em saúde.

Para Gladis et al.21, qualidade de vida fundamenta-se na comparação entre aspirações e suas possibilidades de realização. Nesse modelo, a qualidade de vida é inerentemente subjetiva, e a satisfação global é a soma das satisfações de domínios distintos. Enfatizam, ainda, que as áreas da vida preenchidas (satisfeitas) poderiam compensar as áreas insatisfeitas.

A maior parte dos instrumentos de qualidade de vida atualmente usados foi desenvolvida a partir de duas estruturas: instrumentos genéricos de qualidade de vida e de qualidade de vida relacionada à saúde. Instrumentos genéricos têm suas raízes nas pesquisas sociológicas sobre trabalho, vida familiar e bem-estar, contendo itens focados nos aspectos subjetivos, podendo incluir domínios cuja conexão com a saúde não seja óbvia, como renda, moradia e suporte social. Dessa forma, instrumentos de satisfação com a vida estão incluídos na categoria de instrumentos genéricos de qualidade de vida.

Em um amplo estudo de revisão sistemática sobre modelos teóricos, instrumentos e conceitos de qualidade de vida22, somente em 19% dos estudos, qualidade de vida era definida como satisfação com a vida e consigo mesmo. Os artigos restantes incluíram medidas de qualidade de vida como felicidade (0,5%), bem-estar (28%), desempenho (2,9%), funcionamento (12,8%), realização de metas (11,8%), necessidade de satisfação (13,2%) e saúde (11,8%). Importa salientar que essa pesquisa foi realizada com a população em geral, e não especificamente com adolescentes, sendo citada nessa revisão por causa de sua abrangência e amplitude.

Satisfação com a vida entre adolescentes

Não obstante a escassez de pesquisas sobre satisfação com a vida entre adolescentes, tem sido crescente o interesse de diversos autores7,8,12,21,23-25 no reconhecimento deste período de vida como potencialmente estressor.

Nas duas últimas décadas, o surgimento pouco significativo de novas escalas de satisfação com a vida para adolescentes26,27 contrasta com a crescente preocupação em validá-las28-32. A descrição destas escalas, que envolve tanto o modelo unidimensional33-35 quanto o multidimensional7,28,32,36-38, é apresentada nas Tabelas 1 e 2. A Quality of Life Profile Adolescent Version (QOLPAV)28 também foi incluída por se tratar de escala de qualidade de vida que, dentro de suas descrições e domínios envolvidos, apresenta características que englobam tanto avaliação de qualidade de vida quanto dimensões de saúde física, psicológica (satisfação global de vida e bem-estar emocional), espiritual e social.

A maioria dos estudos sobre escalas de satisfação com a vida é norte-americana, e poucas dessas escalas foram adaptadas para outros idiomas. A Satisfaction With Life Scale (SWLS)34 foi traduzida em vários países, incluindo China39, Portugal40, Japão41, Espanha42 e países árabes43.

Apesar de a SWLS34 ser o instrumento mais usado em estudos transculturais, há poucos trabalhos que avaliem suas propriedades psicométricas em jovens americanos38. Outra escala que avalia satisfação global com a vida, a Students' Life Satisfaction Scale (SLSS)33, foi validada em outros países que não os de língua inglesa, como Israel44, Coréia9 e Portugal45.

Entre os instrumentos multidimensionais, ou seja, os que avaliam satisfação com a vida por meio de uma variedade de domínios, a Multidimensional Students' Life Satisfaction Scale (MSLSS)7 é a escala que mais tem sido utilizada em estudos com jovens norte-americanos46, possuindo adaptações transculturais na Coréia9, em Israel44, na Croácia47, na Espanha48 e em Portugal49.

A evolução dos estudos que envolvem a população adolescente

Em 1972, Lessing50 enfatizou como o desenvolvimento cognitivo cresce ao longo da idade. Utilizando o instrumento Life Satisfaction Scale51 com meninas entre 7 e 17 anos, encontrou resultado positivo na relação de satisfação com a vida entre adolescentes.

Em um estudo desenvolvido na Líbia, Shebani, Wass e Guertin52 compararam 106 jovens com 109 idosos de ambos os sexos, utilizando um questionário para medir a correlação da satisfação com a vida na idade avançada. Os autores creditaram às mudanças sociais e culturais e à industrialização da Líbia os resultados significativamente diferenciados entre as respostas dos jovens em relação aos idosos.

Nesse estudo, os rapazes jovens consideraram que a forte ligação com seus filhos, as relações sociais fora da família e o fato de terem suas necessidades básicas atendidas seriam mais importantes do que para os homens idosos, que, por sua vez, consideraram o prestígio social, o relacionamento com a esposa e a independência como fatores mais importantes para a satisfação na velhice.

A partir da década de 1990, houve incremento nas pesquisas sobre qualidade de vida, e alguns autores passaram a examinar correlações de escalas de satisfação com a vida e de bem-estar. Por causa da relação estreita entre relacionamentos interpessoais, eventos positivos e satisfação com a vida, Gable et al.53 examinaram os benefícios intra e interpessoais dos indivíduos que compartilhavam eventos positivos em suas vidas. Do total de quatro estudos, um deles analisou uma população de 154 indivíduos que responderam às escalas PANAS54, SWLS34, uma escala de neuroticismo55 e às perguntas sobre eventos diários negativos e positivos. Verificou-se que o afeto positivo e a satisfação com a vida eram mais altos nos dias em que ocorriam os eventos mais positivos e, sobretudo, quando esses eventos eram compartilhados com outras pessoas.

Valores para o futuro, como inteligência, habilidades técnicas e sociais e sua influência sobre a satisfação com a vida de adolescentes foram analisados por Casas et al.17,56. O estudo publicado em 2005 foi o mais amplo, e utilizou amostra de 8.995 jovens em cinco países diferentes, incluindo o Brasil. Os domínios de satisfação com a vida mais analisados foram performance escolar, aprendizado, uso do tempo, lazer/divertimento, preparação para o futuro, satisfação com seu próprio corpo e relações interpessoais. Verificou-se que havia entendimento comum entre os adolescentes a respeito dos itens de avaliação de satisfação, ultrapassando as diferenças culturais e individuais. Esse estudo contrariou a visão de Diener14,57, que enfatizou as diferenças culturais em suas pesquisas, verificando as relações, no público adolescente, entre satisfação com a vida e as respectivas satisfações financeiras, com amigos e com a família.

Como forma de demonstrar o quanto as mudanças de comportamento podem influenciar o nível de satisfação com a vida entre jovens, algumas publicações concentraram-se na associação entre satisfação com a vida e a se-xualidade dos adolescentes58 e os efeitos da inserção de atividade física na adolescência59. Por outro lado, determinadas pesquisas focalizaram a relação entre satisfação com a vida e doenças, como fibrose cística60, rinite alérgica61, abuso de substâncias psicoativas23 e comportamentos de risco e violência62.

A abrangência de estudos transculturais, como o de Piko et al.63, que estudaram 2.387 adolescentes fumantes húngaros, poloneses, turcos e norte-americanos, observou que tanto influências pessoais (realização acadêmica, satisfação com a vida, ausência de perspectiva de futuro) quanto sociais demonstraram níveis semelhantes nos diversos países estudados. Os autores postulam que tal semelhança se deve ao fato de as influências pessoais e sociais fazerem parte do processo de desenvolvimento normal da adolescência.

A observação de que implicações políticas, educacionais e de saúde mental estejam diretamente ligadas às relações entre nível de ameaça de guerra/terror e de postura política com o bem-estar (nível de estresse e satisfação com a vida) dos indivíduos, foi relatada em Shamai e Kimmi64. Nesse estudo foram avaliados 419 adolescentes de Israel que residiam em duas localidades diferentes: em locais próximos ou mais afastados da linha de conflito. Foi observada significativa diferença entre os dois grupos no que se refere ao alto nível de postura política em regiões afastadas do conflito, contrapondo-se com níveis altos de estresse e níveis baixos de satisfação com a vida em regiões mais expostas ao conflito.

Verificando-se significativa diferença no nível de satisfação com a vida entre estudantes chineses e americanos, Liu, Tian e Rich65 utilizaram a MSLSS7 em 872 adolescentes. Os autores creditam esse resultado ao contexto sociocultural, tido como importante fator que afeta a satisfação com a vida desses adolescentes.

O desenvolvimento de estudos transculturais mais abrangentes, como o de Gilman et al.66, apresenta boas perspectivas na pesquisa de avaliação de níveis de satisfação com a vida entre adolescentes e, dessa forma, deve ser incentivado.

DISCUSSÃO

Como distinção conceitual, Gilman e Huebner26 apontaram o fato de que a satisfação global com a vida tem sido empiricamente diferenciada de uma variedade de indicadores tradicionais de saúde mental, incluindo-se auto-estima, ansiedade, depressão e afeto negativo. Esta observação colabora para que os julgamentos de satisfação com a vida surjam para oferecer perspectiva singular do bem-estar subjetivo dos indivíduos, cuja concepção circunda respostas emocionais (afetos negativos e positivos), julgamento global da satisfação com a vida e de domínios específicos de satisfação67.

Diener et al.67 também enfatizam que o afeto prazeroso, o afeto negativo e a satisfação com a vida podem ser mais bem compreendidos separadamente, referindo a importância da correlação entre seus componentes.

Embora, muitas vezes, os instrumentos de satisfação com a vida tenham sido utilizados para relacioná-los com medidas psicopatológicas em adolescentes, têm sido eles também empregados para distingui-los. Como exemplo, um indivíduo pode estar insatisfeito com sua vida, como resultado de uma experiência indesejável, mas não necessariamente demonstrar comportamento psicopatológico. Por outro lado, uma pessoa pode estar relativamente satisfeita com sua vida e manifestar comportamento psicopatológico12,23,65,68.

Avaliar aspectos reais de nossa própria vida, ou seja, pesar aspectos bons e ruins e chegar ao julgamento de natureza global, não pressupõe estar em completa estabilidade emocional.

Entre as escalas de satisfação com a vida, possivelmente a SWLS34 seja a mais utilizada para verificar respostas diante de determinados transtornos e eventos estressantes, sendo desenvolvida para se medir o julgamento cognitivo da satisfação com a vida. Por ser concisa e conter somente cinco itens, foi construída com base na idéia de que a concepção de satisfação com a vida pode ser medida pelo questionamento dos sujeitos a respeito do julgamento de sua vida como um todo.

Algumas das escalas existentes no passado foram desenvolvidas com apenas um único item, o que pode ter acarretado problemas psicométricos. O desenvolvimento de escalas multidimensionais, como a MSLSS7 e suas duas outras versões (abreviada e para adolescentes), vem proporcionando crescente interesse em estudos transculturais em populações diferenciadas, como os adolescentes, dada a possibilidade de investigação de domínios específicos e característicos de cada um. Nesse sentido, autores como Frisén25 e Gilligan e Huebner32 têm incluído, em seu repertório de investigação, alguns critérios que procuram relacionar os jovens ao momento do desenvolvimento emocional que estão vivenciando, sendo possível explorar características dessa idade, como a intimidade, a sexualidade e a autonomia.

A evolução do uso das escalas de satisfação com a vida tem propiciado pesquisas mais ousadas, que buscam lidar com questionamentos sobre os níveis de satisfação com a vida que decrescem entre os 11 e 16 anos69, e também estudos comparativos das características peculiares dos adolescentes que relatam ter altos níveis de satisfação com a vida68.

Desenvolver instrumentos de avaliação de satisfação com a vida com o intuito de abarcar a dimensão em toda a sua amplitude, provavelmente seja o maior desafio referido pela maioria dos autores envolvidos nesse tipo de estudo. Contudo, de acordo com Cummins70,71, futuramente é desejável se explorar, de maneira mais profunda, a estrutura dos domínios de satisfação com a vida, especialmente aqueles em cujas dimensões existam poucos itens. Estudos em larga escala devem contribuir para a identificação de problemas em determinadas áreas, promovendo a qualidade de vida desta população.

CONCLUSÃO

Instrumentos de avaliação subjetiva da qualidade de vida tendem a ter boa cobertura no que diz respeito a seu potencial de verificação dos níveis de bem-estar e de satisfação com a vida dos indivíduos, em diversos momentos e situações de vida.

No que diz respeito à população adolescente, as escalas de satisfação com a vida contam somente com duas décadas de evolução. Várias pesquisas apontam o interesse dos autores em procurar validar tais escalas, no intuito de disponibilizar instrumentos confiáveis e dirigidos especificamente para os jovens. Esse interesse iniciou-se no hemisfério norte, e aos poucos vem contando com estudos transculturais em países de língua latina e portuguesa, muito embora, até o presente momento, desconheçamos adaptações de instrumentos de satisfação com a vida para o português do Brasil.

As limitações metodológicas de alguns instrumentos disponíveis devem servir como incentivo ao refinamento de tais escalas e ao posterior desenvolvimento de instrumentos mais sofisticados. No entanto, a MSLSS7 tem-se mostrado uma escala com propriedades psicométricas satisfatórias na avaliação da satisfação com a vida da população adolescente.

Recebido em 26/5/2008

Aprovado em 14/8/2008

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  • Endereço para correspondência:
    Luciana Paes de Barros
    Rua Prof. Augusto Lins e Silva, 196/902
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Ago 2008
    • Recebido
      26 Maio 2008
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