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Aspectos da personalidade e sua influência na percepção da dor aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca

Aspects of personality and its influence on acute pain perception in patients submitted to cardiac surgery

Resumos

OBJETIVO: Verificar o papel e a influência da personalidade na percepção dolorosa aguda de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. MÉTODO: Trata-se de uma pesquisa transversal, analítica, prospectiva de caráter correlacional, realizada em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. A amostra foi composta por 25 pacientes, sendo 64% do sexo feminino, com menos de 60 anos (52%). RESULTADOS: A intensidade dolorosa foi avaliada pela escala numérica de dor do primeiro ao quinto dia de pós-operatório e os estilos de personalidade, pelo Inventário Millon de Estilos de Personalidade. A percepção dolorosa foi experienciada com magnitudes variando de leve a moderada do primeiro ao quinto dia do pós-operatório e relacionada às características de personalidade. Nos pacientes com menos intensidade de dor, foi observada maior elevação significativa da pontuação obtida nos fatores preservação, individualismo, introversão e, nos pacientes com maior intensidade de dor, houve uma elevação significativa nos fatores de proteção, extroversão, retraimento, discrepância, afetividade, acomodação, retraimento, comunicabilidade e firmeza. CONCLUSÃO: A ocorrência do fenômeno doloroso em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca mostra-se associada com manifestações comportamentais e com magnitudes variáveis quanto ao tempo do ato cirúrgico, tipo e posição de drenos, além do período pós-operatório imediato. Pode-se caracterizar que aspectos psicológicos enquanto características de personalidade podem influenciar padrões de comportamento como os observados.

Medição da dor; cirurgia cardíaca; pós-operatório; estilos de personalidade


OBJECTIVE: To determine the role and influence of personality in acute pain perception of post cardiac surgery patients. METHOD: This is a cross-sectional, analytical, prospective with correlational nature, developed in Natal, Rio Grande do Norte, Brazil. The sample consisted of 25 patients, 64% female, less than 60 years (52%). RESULTS: Pain intensity was measured by numeric pain scale of 1 to 5 days postoperatory and personality styles was by Millon Inventory of Personality Styles. Pain perception was experienced with magnitudes ranging from mild to moderate from 1st to 5th day after surgery and related to personality characteristics. In patients with less pain intensity was observed a significant elevation of the highest score factors in the preservation, individualism, introversion and in the patients with greater intensity of pain were: protection, extraversion, shyness, discrepancy, affection, accommodation, withdrawal, communication and firmness. CONCLUSION: The occurrence of the painful phenomenon in patients post-cardiac surgery appears to be associated with behavioral manifestations and varying magnitudes as the time of surgery, type and position of drains, besides the immediate postoperative period. To characterize psychological aspects as personality characteristics may influence patterns of behavior as these observed.

Pain measurement; cardiac surgery; post-operative; personality; MIPPS


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos da personalidade e sua influência na percepção da dor aguda em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca

Aspects of personality and its influence on acute pain perception in patients submitted to cardiac surgery

Thaiza Teixeira Xavier NobreI; Luciana Araújo dos ReisII; Gilson de Vasconcelos TorresIII; João Carlos AlchieriIII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa)

IIUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luciana Araújo dos Reis Rua i, 15, Urbis III, Jequiezinho 45206-510 - Jequié, BA Telefone: (73) 8843-8172 E-mail: lucianauesb@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar o papel e a influência da personalidade na percepção dolorosa aguda de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.

MÉTODO: Trata-se de uma pesquisa transversal, analítica, prospectiva de caráter correlacional, realizada em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. A amostra foi composta por 25 pacientes, sendo 64% do sexo feminino, com menos de 60 anos (52%).

RESULTADOS: A intensidade dolorosa foi avaliada pela escala numérica de dor do primeiro ao quinto dia de pós-operatório e os estilos de personalidade, pelo Inventário Millon de Estilos de Personalidade. A percepção dolorosa foi experienciada com magnitudes variando de leve a moderada do primeiro ao quinto dia do pós-operatório e relacionada às características de personalidade. Nos pacientes com menos intensidade de dor, foi observada maior elevação significativa da pontuação obtida nos fatores preservação, individualismo, introversão e, nos pacientes com maior intensidade de dor, houve uma elevação significativa nos fatores de proteção, extroversão, retraimento, discrepância, afetividade, acomodação, retraimento, comunicabilidade e firmeza.

CONCLUSÃO: A ocorrência do fenômeno doloroso em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca mostra-se associada com manifestações comportamentais e com magnitudes variáveis quanto ao tempo do ato cirúrgico, tipo e posição de drenos, além do período pós-operatório imediato. Pode-se caracterizar que aspectos psicológicos enquanto características de personalidade podem influenciar padrões de comportamento como os observados.

Palavras-chave: Medição da dor, cirurgia cardíaca, pós-operatório, estilos de personalidade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the role and influence of personality in acute pain perception of post cardiac surgery patients.

METHOD: This is a cross-sectional, analytical, prospective with correlational nature, developed in Natal, Rio Grande do Norte, Brazil. The sample consisted of 25 patients, 64% female, less than 60 years (52%).

RESULTS: Pain intensity was measured by numeric pain scale of 1 to 5 days postoperatory and personality styles was by Millon Inventory of Personality Styles. Pain perception was experienced with magnitudes ranging from mild to moderate from 1st to 5th day after surgery and related to personality characteristics. In patients with less pain intensity was observed a significant elevation of the highest score factors in the preservation, individualism, introversion and in the patients with greater intensity of pain were: protection, extraversion, shyness, discrepancy, affection, accommodation, withdrawal, communication and firmness.

CONCLUSION: The occurrence of the painful phenomenon in patients post-cardiac surgery appears to be associated with behavioral manifestations and varying magnitudes as the time of surgery, type and position of drains, besides the immediate postoperative period. To characterize psychological aspects as personality characteristics may influence patterns of behavior as these observed.

Keywords: Pain measurement, cardiac surgery, post-operative, personality, MIPPS.

INTRODUÇÃO

As cardiopatias são incrementadas pelo estilo de vida sedentário e vêm ocorrendo principalmente com o aumento da expectativa de vida associada à ausência de atividades físicas frequentes. Quando da cirurgia cardíaca, a dor aguda passa a ser uma das experiências praticamente inevitáveis e temidas no período pós-operatório1-2. A intensidade dolorosa não se limita à quantidade de tecido lesado, mas também a muitos fatores que podem influenciar, como a fadiga, depressão, raiva, medo, ansiedade, sentimentos de falta de esperança e amparo3. A percepção dolorosa é um sintoma individual e subjetivo4 e, quando ocorre de forma aguda, pode ser afetada pelos fatores neurofisiológicos, hormonais, culturais, situacionais e psicológicos4-5.

A busca para melhor controle e manejo da dor tem estimulado pesquisadores a desenvolverem instrumentos que possibilitam avaliar esse fenômeno subjetivo. Destaca-se neste estudo a Escala Numérica de Dor, numa graduação de 0 a 10 pontos, sendo categorizada em dor leve (de um 1 a 3 pontos), moderada (de 4 a 7) e intensa (de 8 a 10)6. É um instrumento unidimensional que avalia os aspectos sensoriais da dor com indicação de emprego no pós-operatório de cirurgia cardíaca6-9, cujos resultados, quando aplicado aos pacientes submetidos a toracotomias, apontaram frequência de dor moderada a intensa no pós-operatório, em 40% a 60% dos casos8-10.

O padrão comportamental de um indivíduo em termos de manifestações motoras, psicológicas, afetivas e relacionais é o fundamento para a denominação de personalidade e, ao longo do desenvolvimento psicossocial, pode apresentar incrementos por aspectos ambientais, sociais e mesmo culturais. A personalidade é a interação da genética do indivíduo com o meio ambiente, e essa interação pode sofrer perturbações e desorganizações sob o efeito de traumatismos que provêm do exterior ou do interior do indivíduo11.

Considerando que um ato cirúrgico, além de traumático ao organismo, é significado de acordo com aspectos relativos ao risco imediato de morte, a percepção individual e social quanto às sequelas advindas dele tem também associados fatores relativos à valorização cultural do órgão a ser operado. Dessa forma, o valor à vida e as manifestações emocionais estão coloquialmente associados às significações que o coração tem enquanto sede dessas funções2.

De acordo com a ideia percebida de que as informações dos estilos de personalidade podem influenciar positivamente na compreensão mais integral do controle doloroso decorrente dos procedimentos cirúrgicos, este estudo ressalta a importância da atuação mais adequada de uma equipe multiprofissional de saúde na assistência aos pacientes com relação a condutas e procedimentos. Nesse sentido, partindo-se do pressuposto de que alguns aspectos da personalidade podem influenciar na percepção da dor aguda, pretendeu-se verificar o papel e a influência da personalidade na percepção dolorosa aguda de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa transversal, analítica, prospectiva de caráter correlacional, realizada em dois hospitais do município de Natal/RN/BR, ambos referências no atendimento de cirurgias cardíacas. Foi submetida ao Comitê de ética da UFRN (176/05) e aprovada. Todos os voluntários participantes que concordaram em fazer parte dela assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Participaram do estudo 25 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, 16 (64%) do sexo feminino e 9 (36%) do masculino, com média e desvios-padrão de 56,5 ± 14,2 anos.

Para caracterização geral dos pacientes, foi utilizada uma ficha de avaliação fisioterapêutica constituída por identificação, condições clínicas pré e pós-operatórias, história da doença atual (HDA), antecedentes patológicos e familiares, hábitos de vida, nível de consciência, medicamentos utilizados e exame físico (palpação e inspeção).

A percepção da dor pós-operatória foi avaliada individualmente pela primeira autora, por meio de uma escala numérica de dor, que magnificava a percepção em um intervalo de 0 a 10, no qual 0 significa ausência de dor e 10 a mais intensa dor. As respostas sobre dor, referidas pelos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, na escala de dor foram categorizadas de acordo com os intervalos de 1-3 (leve), 4-7 (moderada) e 8-10 (intensa) e 0 (ausência de dor)9. Foi utilizado o Inventário Millon de Estilos de Personalidade (MIPS, Millon), traduzido e validado para o português11, para identificar e avaliar as manifestações das características comportamentais e de personalidade. O instrumento é composto por 180 itens, respondidos com opções de verdadeiro ou falso e dimensionados em três níveis - Estratégias cognitivas, Estilos motivacionais e Relações interpessoais -, com 24 fatores arranjados em 12 agrupamentos bipolares, sendo esses: 1. abertura (otimistas) X preservação (pessimistas); 2. modificação (ativas) X acomodação (passivas); 3. individualismo (egoístas) X proteção (altruístas); 4. extroversão (expansivas) X introversão (acanhadas); 5. sensação (sensatas) X intuição (intuitivas); 6. reflexão (racionais) X afetividade (sentimentais); 7. sistematização (sistemáticas) X inovação (inovadoras); 8. retraimento (retraídas) X comunicabilidade (comunicativas); 9. vacilação (inseguras) X segurança (seguras); 10. discrepância (discordantes) X conformismo (conformistas); 11. submissão (submissas) X controle (dominadoras); 12. insatisfação (insatisfeitas) X concordância (coerentes)12.

O MIPS abrange situações que as pessoas experimentam, evidenciando a maneira de perceber, sentir e agir diante de situações do dia a dia. Os resultados são avaliados por um programa de computador desenvolvido pelo último autor que analisa cada assertiva separadamente, dando valor ponderal aos componentes relacionados a ela.

As ações de avaliação e acompanhamento foram realizadas em dois períodos, definidos como o pré-operatório e o pós-operatório. Após a internação, os pacientes com indicação de cirurgia cardíaca foram visitados para se verificar se eles poderiam ser incluídos ou não no grupo amostral, seguindo os critérios de inclusão (apresentarem condições cognitivas para participarem do estudo, concordarem em participar voluntariamente e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme Resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde) ou exclusão (pacientes desorientados, presença de dor pré-operatória ou que não expressaram a anuência em participar do estudo). Os pacientes selecionados foram informados e ficaram cientes dos procedimentos da pesquisa, e aqueles que concordaram assinaram o TCLE. Os dados gerais dos pacientes foram obtidos mediante a ficha de avaliação em fisioterapia, sendo coletados em momentos em que os pacientes estavam em adequadas e confortáveis condições nas enfermarias cirúrgicas dos hospitais do estudo. Inicialmente, realizou-se uma avaliação pré-operatória, e a aplicação do MIPS foi conduzida por quatro estudantes de psicologia devidamente treinados. A avaliação da percepção da dor pré-operatória dos pacientes foi realizada por meio da escala numérica, apresentada aos pacientes a fim de eles escolhessem o valor numérico que identificava a intensidade dolorosa, sendo excluídos do estudo posteriormente aqueles pacientes que apresentassem percepção de dor.

No período do pós-operatório, do primeiro ao quinto DPO, os pacientes foram acompanhados, sendo realizada a reavaliação fisioterapêutica e da percepção da dor por meio da escala. Esta era apresentada aos pacientes, sendo estes convidados a expressarem o valor numérico, de 0 a 10, que identificasse a intensidade dolorosa percebida. A aplicação do MIPS foi realizada uma única vez no pós-operatório, no momento em que os pacientes se encontravam na enfermaria, ou seja, entre o terceiro e o quinto DPO.

O modelo da investigação considerou as variáveis dependentes, mediana da percepção da dor obtida do primeiro ao quinto DPO e, como variáveis independentes, os fatores cirúrgicos (incisão cirúrgica e presença de drenos) e fisiológicos (obesidade, sobrepeso, HAS e diabetes) relacionados à dor, e os distintos estilos de personalidade, em seu desfecho. A análise estatística descritiva foi utilizada para caracterização geral dos aspectos clínicos e sociodemográficos da amostra, sendo composta por meio de frequências e porcentagens. Como a amostra do estudo apresentou distribuição normal, o teste t foi realizado para estabelecer as diferenças entre as características de personalidades dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e as respostas obtidas na escala numérica de dor do primeiro ao quinto DPO, com nível de significância 5%. Adotou-se o SPSS, versão 15.0 para Windows, como programa estatístico utilizado.

RESULTADOS

Os resultados foram obtidos a partir do acompanhamento dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, do pré-operatório até o quinto DPO. Predominaram os pacientes com menos de 60 anos (52,0%) e do sexo feminino (64,0%); 100,0% eram da raça branca e 48% não trabalhavam. Em relação à presença de comorbidades, 24% apresentaram hipertensão arterial sistêmica (HAS), 12,0% HAS e diabetes, 30% eram obesos e 33,0% apresentaram sobrepeso. A cardiopatia predominante foi insuficiência coronariana em 52%, sendo esses pacientes submetidos à revascularização do miocárdio.

A incisão realizada no transoperatório em todos os pacientes foi a esternotomia, com tempo cirúrgico médio de 233,7 ± 63,1 minutos. Observou-se nos registros médicos que 58,3% dos pacientes receberam anestesia geral associada à raquimedular, e 72% necessitaram de circulação extracorpórea, com tempo médio de 65,4 ± 53,6 minutos.

No pós-operatório imediato, quando da avaliação na unidade de terapia intensiva, 79,0% dos pacientes possuíam dois drenos torácicos, e a retirada deles ocorreu em 24 horas para 52,0% dos pacientes. Verificaram-se, ainda, nesse período intercorrências como tosse (12,5%) e vômitos 20,8%. Com relação à analgesia administrada, predominaram medicamentos não opioides (80%) do primeiro ao quinto DPO.

No primeiro DPO, a mediana da intensidade referida de dor foi de 2,5, e nesse período 24% dos pacientes não se queixaram de dor, 32% apresentaram comportamento qualitativo de dor leve, 28,0%, moderada e 16,0%, intensa. A principal causa da queixa dolorosa referida foi em relação à retirada dos drenos torácicos. Os medicamentos analgésicos empregados frequentemente nesse período foram o paracetamol (56,0%) e a dipirona (28,0%). Comparando a percepção dolorosa com os estilos de personalidade mais expressivos, evidenciaram-se como significativos os resultados para os fatores como preservação (p = 0,018) e individualismo (p = 0,045) nos pacientes que fizeram menor referência à dor (n = 14).

Quanto ao segundo DPO, a mediana da intensidade da dor foi de 3,5 e verificou-se que 12,0% dos pacientes não se queixaram de dor, 40,0% apresentaram dor de percepção leve, 40,0%, moderada e 8%, como de magnitude intensa. Os medicamentos analgésicos descritos como utilizados mais frequentemente foram o paracetamol (72,0%) e a dipirona (20,0%). Em relação aos estilos de personalidade, verificaram-se nos pacientes com maior percepção de dor (n = 12) características como: proteção (p = 0,042), extroversão (p = 0,012), retraimento (p = 0,029) e discrepância (p = 0,006), enquanto o fator introversão (p = 0,050) foi mais expressivo para os pacientes com menor referência à dor (n = 13).

O alívio da dor aguda foi relatado por 40,0% dos pacientes no terceiro DPO; 20,0% apresentaram magnitude leve e 36,0% moderada, mantendo-se a mediana da intensidade da dor em 1,0. Não foi observada distinção significativa em relação aos fatores de personalidade para pacientes com maior e menor percepção dolorosa.

A mediana da dor foi de 0,0 no quarto DPO, e o alívio da dor foi relatado por 68,0%, sendo a magnitude leve descrita por 8,0% e a dor moderada, por 24,0%. O fator de personalidade afetividade (p = 0,016) foi significativamente distinto nos pacientes com maior percepção de dor (n = 7).

Por fim, no primeiro DPO, a mediana da intensidade dolorosa foi de 0,0, e 80,0% dos pacientes não relataram mais dor. Contudo, 8,0% referiram dor leve, 8,0%, moderada e 4,0%, intensa. Para os pacientes com maior percepção de dor (n = 5), as características de acomodação retraimento (p = 0,002), comunicabilidade (p = 0,043) e firmeza (p = 0,024) foram significativamente distintas.

No terceiro, quarto e quinto DPO, os medicamentos analgésicos mais frequentes foram paracetamol (68,0%) e dipirona (20,0%). Sumarizam-se os dados referentes às características de personalidade e percepção da dor na tabela 1.

DISCUSSÃO

A cirurgia cardíaca é um procedimento complexo que implica alteração de vários mecanismos fisiológicos, contato com medicamentos e materiais que podem ser nocivos ao organismo e, ainda, impõe grande estresse orgânico13.

A dor é uma resposta natural ao ato cirúrgico, no entanto seu alívio traz conforto e minimiza respostas disfuncionais físicas e psicológicas. A dor pós-operatória é constante ou desencadeada pelos movimentos e sua intensidade é influenciada, entre outros fatores, pelo local da incisão, extensão do trauma tecidual, presença de drenos e de fatores individuais, de natureza física, cultural ou emocional e por circunstâncias ambientais14.

Observou-se que a percepção dolorosa teve uma tendência de magnitude de resposta, indo do grau leve à moderada, no período do primeiro ao quinto DPO. Neste estudo, o controle da dor foi realizado por meio da administração de diferentes tipos de analgésicos e observou-se o predomínio de medicamentos não opioides em 80% dos pacientes até o quinto DPO. Tendo em vista o esquema terapêutico preconizado no uso de medicamentos analgésicos ser variado, a possibilidade de separação por grupos (usuários mais frequentes de opioides e não opioides) não pode ser realizada. Logo não pode ser realizada a comparação entre os usuários de opioides e usuários de não opioides com os tipos de estilos de personalidade.

Os estilos de personalidade demonstram as formas diferenciadas como as estratégias utilizadas pelos pacientes são manifestadas enquanto condições para melhor entender as reações ante a aderência15. Verificou-se que os estilos de personalidade tendem a se relacionar tanto com as formas mais adaptadas quanto com as menos adaptadas de enfrentar as dificuldades decorrentes da convalescência e do pós-operatório.

Quanto às características de personalidade, verificou-se que nos pacientes com menor expressão de dor os fatores Preservação e Individualismo, ambos relacionados à Meta Motivacional, e a Introversão ao Modo Cognitivo, propostos por Millon11, foram distintos significativamente; por sua vez, nos pacientes com maior expressão referida de dor, os estilos Proteção e Acomodação (Meta Motivacional), Extroversão e Afetividade (Modo Cognitivo), Retraimento, Discrepância, Comunicabilidade e Firmeza (Relações Interpessoais). Os achados deste estudo mostram diferenças significativas na expressão de padrões de comportamento e estilos de personalidade dos pacientes estudados.

É imprescindível a identificação dos sentimentos e ações de enfrentamento dos pacientes no pré-operatório de cirurgia cardíaca, dadas as possibilidades de reforçar ações mais adaptadas e proativas dos pacientes, em detrimento de características não organizadas de comportamento. A doença cardíaca e seu tratamento cirúrgico podem representar uma nova realidade, abruptamente imposta, que desestrutura o paciente, exigindo condições de reorganização nem sempre dispostas e efetivas, acarretando alterações da autoimagem, medo quanto ao futuro de seu estado de saúde e temor de dependência2.

A qualidade de vida pode ser influenciada e alterada mesmo em períodos de recuperação e de sucesso terapêutico, conforme se evidenciou em outro trabalho11.

Os sentimentos dos pacientes no pré-operatório de cirurgias são os afetos de apreensão, ansiedade e medo enquanto atitudes típicas11. Pôde-se observar que sentimentos positivos e de esperança foram pouco destacados, o que dificulta a comparação dos resultados com os de outros autores, o que desperta uma nova ênfase na avaliação de características positivas e fatores protetivos no comportamento de pacientes com maiores chances de aderência e respostas positivas ao tratamento.

O retorno para casa após a alta hospitalar é um momento de ansiedade para os pacientes e familiares, uma vez que eles se sentem desprotegidos da vigilância constante da equipe de saúde fora do hospital. Assim, a alta hospitalar pode ser vista como uma ameaça para suas vidas ou despertar sentimentos e atitudes de incapacidade e receio em lidar com as necessidades de um pós-operatório1.

Ressalta-se como limitação deste estudo o fato de a variável analgesia não ter sido controlada para isolar a variável personalidade, bem como o controle dos pacientes que utilizaram opioides. Dessa forma, destaca-se a necessidade de que novos estudos sejam realizados, levando-se em consideração o controle das variáveis citadas acima, no intuito de aumentar a fidedignidade dos resultados encontrados no estudo.

Recebido em 17/1/2011

Aprovado em 14/3/2011

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  • Endereço para correspondência:

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    Rua i, 15, Urbis III, Jequiezinho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2011
    • Aceito
      14 Mar 2011
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