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Insatisfação corporal em adolescentes brasileiros de municípios de pequeno porte de Minas Gerais

Body dissatisfaction in Brazilian adolescents from small municipalities of Minas Gerais

Resumos

OBJETIVO: Analisar a prevalência de insatisfação corporal em adolescentes e sua relação com idade, sexo e estado nutricional. MÉTODOS: A amostra foi composta por escolares do Ensino Médio de municípios com até cinco mil habitantes de Minas Gerais. O Body Shape Questionnaire (BSQ) e a Escala Evaluacíon de Insatisfacíon Corporal para Adolescentes (EEICA) avaliaram a insatisfação corporal. A idade, o sexo, o peso e a estatura, para o cálculo do índice de massa corporal, foram coletados nas escolas. Para análises estatísticas foram utilizados testes de variância e análise de correspondência. RESULTADOS: Dos 413 participantes, 49,2% e 50,8% estavam no período intermediário e final da adolescência, respectivamente. Desse total, 178 eram meninos e 235 eram meninas e a maioria (71,9%), eutrófico. A média do BSQ foi de 66,78 ± 29,63 pontos, sendo que 26,4% apresentaram algum nível de insatisfação corporal e, pela EEICA, a média de insatisfação foi de 17,96 ± 11,7 pontos. As análises de correspondência simples e múltipla indicaram o sexo e o estado nutricional como modalidades com maiores diferenças de insatisfação corporal. CONCLUSÃO: Apesar de baixa prevalência de insatisfação corporal, alguns adolescentes apresentaram grave insatisfação com sua imagem corporal, principalmente as meninas e adolescentes com sobrepeso ou obesidade.

Imagem corporal; adolescente; sexo; estado nutricional


OBJECTIVE: To analyze the prevalence of body dissatisfaction and its correlations with age, sex and the nutritional status of teenagers. METHODS: The sample consisted of high school students in cities with up to five thousand inhabitants in the state of Minas Gerais, Brazil. The Body Shape Questionnaire (BSQ) and the Escala Evaluacíon de Insatisfacíon Corporal para Adolescentes (EEICA) were instruments used to assess the adolescents' body dissatisfaction. The age, sex, weight and height to calculate body mass index was also collected in schools. For statistical analyses the variance test and correspondence analysis were used. RESULTS: Out of 413 participants, 49.2% and 50.8% were in the intermediate and final phases of adolescence, respectively. Of this total, 178 were boys and 235 were girls and, most (71.9%) eutrophic. The BSQ score mean was 66.78 ± 29.63 and 26.4% had some level of body dissatisfaction; the EEICA average score for body dissatisfaction was 17.96 ± 11.7. The single and multiple correspondence analyses have shown that sex and nutritional status are modalities with higher differences in rates of body dissatisfaction. CONCLUSION: In spite of the low prevalence of body dissatisfaction, some teenagers from the small towns surveyed had severe dissatisfaction with their body image, especially girls and adolescents with overweight and suffering from obesity.

Body image; adolescent; sex; nutritional status


ARTIGO ORIGINAL

Insatisfação corporal em adolescentes brasileiros de municípios de pequeno porte de Minas Gerais

Body dissatisfaction in Brazilian adolescents from small municipalities of Minas Gerais

Valter Paulo Neves MirandaI; Maria Aparecida ContiII; Ronaldo BastosIII; Maria Elisa Caputo FerreiraI

IUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Faculdade de Educação Física e Desportos, Grupo de Estudos Corpo e Diversidade Humana

IIUniversidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Instituto de Psiquiatria, Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares

IIIUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Estatística

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Valter Paulo Neves Miranda Rua Dr. Gil Horta, 163, ap. 402 - Centro 36016-400 - Juiz de Fora, MG Tel.: (32) 9928-9878 E-mail: vpnmiranda@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a prevalência de insatisfação corporal em adolescentes e sua relação com idade, sexo e estado nutricional.

MÉTODOS: A amostra foi composta por escolares do Ensino Médio de municípios com até cinco mil habitantes de Minas Gerais. O Body Shape Questionnaire (BSQ) e a Escala Evaluacíon de Insatisfacíon Corporal para Adolescentes (EEICA) avaliaram a insatisfação corporal. A idade, o sexo, o peso e a estatura, para o cálculo do índice de massa corporal, foram coletados nas escolas. Para análises estatísticas foram utilizados testes de variância e análise de correspondência.

RESULTADOS: Dos 413 participantes, 49,2% e 50,8% estavam no período intermediário e final da adolescência, respectivamente. Desse total, 178 eram meninos e 235 eram meninas e a maioria (71,9%), eutrófico. A média do BSQ foi de 66,78 ± 29,63 pontos, sendo que 26,4% apresentaram algum nível de insatisfação corporal e, pela EEICA, a média de insatisfação foi de 17,96 ± 11,7 pontos. As análises de correspondência simples e múltipla indicaram o sexo e o estado nutricional como modalidades com maiores diferenças de insatisfação corporal.

CONCLUSÃO: Apesar de baixa prevalência de insatisfação corporal, alguns adolescentes apresentaram grave insatisfação com sua imagem corporal, principalmente as meninas e adolescentes com sobrepeso ou obesidade.

Palavras-chave: Imagem corporal, adolescente, sexo, estado nutricional.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the prevalence of body dissatisfaction and its correlations with age, sex and the nutritional status of teenagers.

METHODS: The sample consisted of high school students in cities with up to five thousand inhabitants in the state of Minas Gerais, Brazil. The Body Shape Questionnaire (BSQ) and the Escala Evaluacíon de Insatisfacíon Corporal para Adolescentes (EEICA) were instruments used to assess the adolescents' body dissatisfaction. The age, sex, weight and height to calculate body mass index was also collected in schools. For statistical analyses the variance test and correspondence analysis were used.

RESULTS: Out of 413 participants, 49.2% and 50.8% were in the intermediate and final phases of adolescence, respectively. Of this total, 178 were boys and 235 were girls and, most (71.9%) eutrophic. The BSQ score mean was 66.78 ± 29.63 and 26.4% had some level of body dissatisfaction; the EEICA average score for body dissatisfaction was 17.96 ± 11.7. The single and multiple correspondence analyses have shown that sex and nutritional status are modalities with higher differences in rates of body dissatisfaction.

CONCLUSION: In spite of the low prevalence of body dissatisfaction, some teenagers from the small towns surveyed had severe dissatisfaction with their body image, especially girls and adolescents with overweight and suffering from obesity.

Keywords: Body image, adolescent, sex, nutritional status.

INTRODUÇÃO

A insatisfação corporal pode ser compreendida como um incômodo que o indivíduo vivencia em relação aos aspectos de sua aparência física1. Nos últimos 20 anos, pesquisadores intensificaram suas investigações, observando que esse sentimento negativo com a imagem corporal pode ser mais evidente durante a adolescência devido às transformações sofridas na puberdade, em decorrência dos padrões de beleza ofertados pela mídia, com a valorização de formas físicas supostamente ideais2.

A adolescência é uma fase de transição no desenvolvimento entre a infância e a idade adulta, envolvendo grandes mudanças físicas, cognitivas e psicossociais relacionadas entre si3. Durante a adolescência, pode ocorrer grande variação do estado nutricional em um período muito curto da vida do ser humano. O aumento do peso pode ser considerado um dos principais fatores relacionados à alta prevalência de insatisfação corporal, principalmente entre as meninas4,5. Algumas pesquisas realizadas no Brasil mostram que a insatisfação com a imagem corporal durante essa fase da vida pode atingir de 40% a 60% em ambos os sexos6,7, além de ser um fator que pode evoluir o desenvolvimento dos transtornos alimentares8.

A percepção corporal, as atitudes, as crenças, as práticas, as representações, os sentimentos, as sensações e os comportamentos relativos ao corpo são facetas que envolvem o fenômeno da imagem corporal1. Para avaliar esses aspectos, o pesquisador lançará mão de instrumentos validados e adaptados transculturalmente para a população que está sendo investigada. Os questionários e escalas autoaplicáveis são instrumentos mais adequados à avaliação dos aspectos que compõem a imagem corporal, quer em estudos epidemiológicos, como também em amostras clínicas9.

A literatura aponta que o adolescente pode sentir-se mais insatisfeito com sua aparência física por ser influenciado e pressionado pelas tendências sociais e culturais, e, assim, materializar, no próprio corpo, o ideal de forma física pertencente à cultura ao qual está inserido10. São carentes as pesquisas que abordam a insatisfação corporal de jovens moradores de diferentes regiões sociodemográficas6,7, além de não levar em consideração alguns fatores associados, como: idade, sexo e estado nutricional. Visto isso este estudo epidemiológico pretendeu analisar a prevalência de insatisfação corporal de adolescentes domiciliados em cidades pequenas.

MÉTODOS

O estudo realizado foi do tipo epidemiológico transversal de base escolar, desenvolvido pelo Laboratório de Estudos do Corpo (LABESC) da Faculdade de Educação Física e Desportos (FAEFID) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

POPULAÇÃO E AMOSTRA

A população foi constituída por adolescentes, de 15 a 19 anos11, de ambos os sexos, regularmente matriculados nas escolas da rede pública de municípios de pequeno porte12 do interior da Zona da Mata mineira, com até 5.000 habitantes. A escolha de cidades com essas características se justifica pelo fato de serem sociodemograficamente semelhantes, principalmente em relação à sua concentração populacional (Tabela 1).

Foram observados nove municípios com as características demográficas descritas no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)13. Em seguida, no site da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), buscaram-se informações sobre as escolas da rede pública que ofereciam ensino médio, sendo encontrada uma escola em cada cidade. A partir daí, realizou-se uma amostra por conglomerados, tendo como universo as 9 escolas (conglomerados) e uma população finita de 1.015 alunos, divididos por série e sexo.

Adotando-se uma precisão absoluta de 5 pontos para mais ou para menos na variável resposta de referência, o escore do Body Shape Questionnaire (BSQ)14, e a maior variabilidade de pontuação verificada para o sexo feminino (±34,3 pontos), como a pior situação ao nível de significância de 5%, obteve-se um tamanho de amostra mínimo necessário igual a 129 (n = 129), já feita a correção para populações finitas. Esse valor foi dividido pela menor média de sujeitos observada, ou seja, na terceira série do ensino médio (31,33), dando um valor aproximadamente igual a 4, sendo esse o número de municípios selecionados por amostragem alea-tória simples. Para realizar inferências independentes por série, considerando cada uma como estrato, o tamanho amostral inicial obtido foi multiplicado por 3 (referente às três séries do ensino médio), dando um tamanho amostral final igual a 387 alunos.

Os municípios selecionados foram: Goianá (151 alunos), Tabuleiro (167 alunos), Belmiro Braga (101 alunos) e Pequeri (94 alunos). Para atender ao requisito do tamanho amostral mínino calculado, optou-se por realizar um senso com os alunos das quatro escolas, totalizando 513 alunos. Foram excluídos aqueles que apenas estudavam na cidade e aqueles que faziam uso de remédio controlado. Por fim, a pesquisa foi realizada com 413 alunos, com exclusão de 100 indivíduos, mas ainda com o tamanho superior ao tamanho mínimo calculado.

Instrumentos e procedimentos

Esta pesquisa foi realizada com a autorização da direção de cada escola selecionada, sendo o projeto aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) com seres humanos da UFJF, no dia 19 de fevereiro de 2009, com número do protocolo 1612.302.2008. Os procedimentos de coleta de dados foram realizados nas próprias escolas, sendo os questionários respondidos em sala de aula e as medidas antropométricas, realizadas em uma sala adequada oferecida pela escola, para que a avaliação pudesse ocorrer de forma individual, mantendo, assim, a privacidade de cada participante. O jovem deveria aceitar participar voluntariamente da pesquisa, trazendo assinado pelo responsável o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), estar na faixa etária estabelecida (15 a 21 anos) e ser, além de estudante, morador do município.

Os instrumentos selecionados para a avaliação da insatisfação corporal foram o BSQ14 e a Escala Evaluacíon de Insatisfacíon Corporal para Adolescentes (EEICA)15, ambos validados e adaptados para a população adolescente brasileira e com conteúdos diferenciados para a avaliação da insatisfação corporal.

O BSQ é um questionário constituído por 34 questões, de autopreenchimento - na forma de escala Likert de pontos, com 6 opções de respostas (1: nunca a 6: sempre), 4 níveis de insatisfação com a aparência física, seguindo o modelo proposto16, de acordo com a pontuação: ausência de insatisfação corporal - abaixo de 80 pontos; leve insatisfação - a pontuação entre 80 e 110 pontos; moderada insatisfação - a pontuação entre 110 e 140 pontos; grave insatisfação corporal - pontuação igual ou acima de 140 pontos. A avaliação é subjetiva, com relação à forma e preocupação corporais nas últimas 4 semanas. Já a EEICA traz informações referentes à frequência de comportamentos relacionados ao cuidado corporal, à percepção corporal, à influência familiar e social com a insatisfação corporal, sendo composta por 32 questões de autopreenchimento na forma de escala Likert com 6 opções de resposta (1: nunca a 6: sempre), sendo que quanto maior a pontuação, maior a insatisfação corporal.

As variáveis idade, sexo e estado nutricional foram selecionadas para verificar a possível relação com a insatisfação corporal. A idade e o sexo foram obtidos pela informação preenchida pelos respondentes no cabeçalho dos instrumentos. A categorização do período da adolescência foi adotada segundo a classificação da World Health Organization (WHO)11: período intermediário (PI), com idade entre 15 a 17 anos, e período final (PF), idade entre 17 a 21 anos.

O estado nutricional foi avaliado a partir da classificação do índice de massa corporal (IMC) - relação entre peso (kg)/estatura² (m) - tendo como critério os valores dos percentis em relação a idade e sexo, proposto por17: IMC baixo os percentis abaixo de 3; IMC normal os percentis entre 3 e 85; sobrepeso os percentis entre 85 e 97; e, para classificação de obesidade, percentil acima de 97.

Os dados foram coletados entre os meses de outubro e dezembro de 2009, com o mínimo de três etapas em cada escola. No primeiro momento, realizou-se uma visita à escola da cidade para confirmar e esclarecer informações com a direção e com os alunos sobre a realização e participação voluntária da pesquisa e a entrega do TCLE.

No segundo momento, em sala de aula, após a entrega do TCLE devidamente assinado pelos responsáveis, os alunos responderam individualmente ao BSQ e a um cabeçalho de identificação contendo nome (opcional), sexo, idade e data de nascimento. Com a entrega do questionário, o aluno foi encaminhado para uma sala cedida pela escola para a avaliação do peso e estatura. Para tanto, esse aluno, trajando uniforme para a aula de educação física e descalço, foi direcionado até a balança eletrônica do tipo plataforma, com capacidade para 150 kg e graduação em 100 g da marca G-Tech®. Posicionado no meio da plataforma, duas medidas foram realizadas (19). Posteriormente, o aluno se dirigiu ao estadiômetro fixado, posicionando na posição ereta encostado com o dorso na parede, olhando para frente e os pés juntos dos calcanhares encostados. Duas medidas foram aferidas da estatura e considerada a média desse valor18.

No terceiro encontro foi aplicado o segundo instrumento de avaliação da insatisfação corporal (EEICA). Os alunos preencheram o cabeçalho de identificação e, posteriormente, foram orientados a responder individualmente às questões medidas em escala. Nesse dia, também foi permitida a inclusão de alunos que quisessem participar da pesquisa por terem faltado em algum procedimento anterior. Após o procedimento de coleta, os dados foram levados para interpretação e análise no LABESC-FAEFID/UFJF.

Análise estatística

Para análise estatística, realizou-se uma análise descritiva de cada variável, destacando os valores médios, medianas, valores mínimos, máximos e os desvios-padrão. O teste de Kolmogorov-Smirnov identificou que as variáveis numéricas não apresentaram normalidade, por isso optou-se por realizar testes não paramétricos19. A variação da insatisfação corporal entre os adolescentes das cidades pesquisadas e entre os grupos do estado nutricional foi avaliada pelo teste de Kruskal-Wallis e o teste post hoc de Bonferroni (19). Para a comparação das médias de insatisfação entre ambos os sexos e entre os dois grupos relacionados ao período da adolescência, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Análise de correspondência simples e múltipla foi utilizada para verificar a associação dos valores de insatisfação corporal e os grupos de categorização das variáveis independentes. O software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, foi usado com nível de significância adotado de 5% (α = 0,05) para as respectivas análises.

RESULTADOS

A análise descritiva do sexo, idade e estado nutricional pode ser observada na tabela 2. Dos 413 estudantes que participaram da pesquisa, houve mais meninas que meninos, ficando relativamente bem dividido entre as cidades e entre os perío-dos da adolescência (PI e PF). O IMC médio geral da amostra correspondeu a 22,06 ± 3,76 kg/m², sendo a maioria dos adolescentes classificados com IMC normal.

O valor da pontuação média do BSQ foi de 66,78 ± 29,63 pontos, sendo significativamente mais alto nas meninas e nos sujeitos com sobrepeso e obesidade (Tabela 3). A classificação de insatisfação corporal do BSQ constatou que 296 adolescentes (73,6%) apresentaram-se livres de insatisfação corporal e 106 (24,6%) alunos mostraram níveis de leve a grave insatisfação com sua aparência física. Entre os sexos, verificou-se que 11,5% das meninas e 3,5% dos meninos apresentaram classificação de moderada e grave insatisfação corporal. Já entre os grupos de classificação do estado nutricional, os indivíduos com sobrepeso (25,9%) e obesidade (18,9%) tiveram maior frequência nas classificações moderada e grave insatisfação corporal (BSQ) quando comparados aos jovens com IMC normal (4,7%). Porém, vale ressaltar que 30,6% das meninas com IMC normal apresentaram algum nível de insatisfação corporal.

Pela avaliação da EEICA, observou-se uma pontuação média de 17,96 ± 11,74 pontos. A diferença significativa de insatisfação corporal não foi constatada pela EEICA; somente as meninas da cidade de Goianá mostraram-se mais insatisfeitas que os meninos (Tabela 4). Em relação os grupos de classificação do estado nutricional, aqueles com sobrepeso e obesidade foram também mais insatisfeitos que aqueles adolescentes com IMC baixo e normal.

A prevalência de insatisfação corporal apresentou uma variação significativa (p < 0,05) entre as quatro cidades pesquisadas, sendo a cidade de Belmiro Braga a com maiores índices de insatisfação corporal. Ainda observando essa variação de insatisfação corporal, apenas entre as meninas das diferentes cidades esse aspecto pode ser constatado (Tabela 3).

Não houve diferença significativa de insatisfação corporal entre o PI e PF da adolescência pela análise de ambos os instrumentos, porém, vale ressaltar que os meninos no PF mostraram-se significativamente (p < 0,05) mais insatisfeitos com sua imagem corporal que os meninos do PI pela avaliação da EEICA (Tabela 4).

A figura 1 apresentou um conjunto de gráficos de análise de correspondência simples e múltipla, mostrando primeiramente na figura 1A que os grupos de classificação de insatisfação corporal do BSQ tiveram correspondência com a pontuação da EEICA, ou seja, aqueles indivíduos com maior pontuação na EEICA (> 21 pontos) corresponderam às classificações grave e moderada insatisfação do BSQ. As figuras 1B e 1C se referem à classificação da insatisfação corporal entre as diferentes cidades selecionadas; pela figura 1B ficou evidente a correspondência entre a cidade de Belmiro Braga com os grupos de classificação leve e grave insatisfação, respectivamente. Por fim, na figura 1D pode-se observar que o sexo feminino e a classificação sobrepeso e obesidade (ambos os sexos) do estado nutricional foram as variáveis independentes que tiveram relação com as maiores incidências de insatisfação corporal.


DISCUSSÃO

Observamos que foi baixa a prevalência da insatisfação corporal de adolescentes nas cidades pesquisadas. No entanto, embora reduzido, alguns jovens, principalmente as meninas e aqueles indivíduos com sobrepeso e obesidade, manifestaram altos índices de rejeição com a própria aparência física (Figura 1D). E, ainda, entre as cidades com características sociodemográficas semelhantes registrou-se uma variação significativa dos índices de insatisfação corporal.

Em países desenvolvidos, tanto em adolescentes quanto em adultos, a insatisfação com a imagem corporal atinge entre 50% a 70% dessa população2. Estudos no Brasil mostraram que a insatisfação corporal entre adolescentes e crianças varia de 64% a 82%20. No estudo de Vilela et al.21, 59% das crianças e adolescentes do interior de Minas Gerais estavam infelizes com sua a aparência. Nesta pesquisa os resultados mostraram que a prevalência de insatisfação corporal foi de 26,4% (BSQ) nos jovens residentes em cidades com até cinco mil habitantes, sendo mais baixa que os estudos correspondentes publicados atualmente.

A idade não apresentou relação com a insatisfação corporal, pois não houve diferença significativa e também não foi observada associação com os valores de insatisfação corporal entre adolescentes do PI e PF. Esses resultados estão de acordo com a pesquisa de Cafri et al.10, em que a idade não teve significância estatística enquanto moderador da relação entre internalização e sensibilização com a imagem corporal. Porém, vale ressaltar que os meninos no PF com maior IMC foram significativamente mais insatisfeitos que os meninos do PI com menor IMC. Algumas pesquisas atuais mostram que em idade pós-menarca as meninas apresentam o desejo de diminuir seu peso corporal8.

Em relação ao sexo, verificou-se que 35,4% das meninas apresentaram algum nível de insatisfação, contra 14,4% dos meninos. Nos países desenvolvidos, aproximadamente de 40% a 70% das jovens do sexo feminino estão insatisfeitas com seus corpos, sendo que a metade delas aspira um corpo mais delgado22. Pela perspectiva sociocultural é possível compreender essa diferença, pois meninos e meninas recebem diferentes estímulos culturais e sociais, os quais podem influenciar diretamente nos valores e comportamentos individuais em relação à aparência física23.

Por outro lado, pesquisadores destacam que os adolescentes se preocupam com o peso e com a aparência corporal, independentemente do sexo2,22. Essa constatação pode justificar as diferenças significativas de insatisfação corporal que ocorreram entre as cidades e entre os sexos terem sido observadas apenas pela avaliação do BSQ. Esse instrumento traz em seu conteúdo questionamentos relacionados ao desejo subjetivo com a forma física.

Nessa pesquisa, o estado nutricional foi o fator mais determinante na análise da incidência de insatisfação corporal nos escolares das cidades pequenas pesquisadas. Uma variação da insatisfação corporal entre os grupos de classificação do estado nutricional em cada sexo foi observada em ambos os sexos (Tabelas 3 e 4). É importante ressaltar que o adolescente pode ganhar cerca de 20% da altura do adulto e 50% da massa corporal24,25. Além do aumento natural do peso que acontece, o crescimento acelerado do número de jovens com sobrepeso tem sido observado pelas pesquisas no Brasil26-28. Outros estudos destacam os distúrbios na esfera emocional que o excesso de peso pode causar em adultos e principalmente entre os adolescentes24,29. As meninas jovens com sobrepeso têm 11 vezes mais chance de apresentar insatisfação corporal do que meninas eutróficas20.

Algumas observações importantes merecem ser destacadas na figura 1. Na figura 1A, houve correspondência na avaliação da insatisfação corporal entre o BSQ e a EEICA, mostrando que ambos avaliaram o mesmo aspecto da dimensão atitudinal da imagem corporal. As figuras 1B e 1C mostraram a correspondência dos grupos de classificação de insatisfação corporal entre as cidades, principalmente entre os grupos de classificação do BSQ. O gráfico de correspondência múltipla (Figura 1D) demonstrou que as meninas (mesmo as eutróficas) e aqueles (meninos e meninas) com sobrepeso e obesidade tiveram relação com insatisfação corporal. Nesse gráfico, a dimensão 1 (horizontal) explicou 48,2% de variân-cia entre os grupos de variáveis e a dimensão 2 (vertical), 38,1% da variância, respectivamente. Notou-se, na dimensão 1, que, abaixo da origem (média), encontram-se os grupos das categorias das variáveis que tiveram associação significativa com os resultados excessivos de insatisfação corporal: grave insatisfação, sobrepeso, obesidade e sexo feminino. Já acima da origem, encontram-se os grupos das categorias das variáveis que apresentaram associação significativa com a ausência ou os baixos índices de insatisfação corporal: livre de insatisfação, baixo IMC e sexo masculino.

A partir das análises realizadas, podemos compreender melhor o quanto a aparência física é um importante atributo na adolescência, determinada social e culturalmente23,27 e, talvez, por isso, possamos sugerir que a insatisfação corporal é uma realidade no adolescente e parece não estar atrelada à região demográfica específica em que se vive, mas sim a um contexto sociocultural mais abrangente. Esse fato pode justificar a diferença significativa de insatisfação corporal encontrada entre as cidades investigadas, observando a correção de Bonferroni (p = 0,016), visto que a maior prevalência de insatisfação corporal em Belmiro Braga pode ter ocorrido pelo fato de esse município ter apresentado maior frequência de meninas, as quais foram significativamente mais insatisfeitas que os meninos (Tabelas 2, 3 e Figura 1B).

A insatisfação com o corpo já afeta grande proporção dos pré-adolescentes das pequenas cidades do interior do Brasil, embora os menores índices tenham sido encontrados em um grande centro urbano da mesma Região Sul do Brasil30. Outros encontraram semelhança nos níveis de insatisfação corporal entre adolescentes da área urbana e rural6.

Todavia, o estudo apresentou algumas limitações metodológicas que merecem ser consideradas: o desenho do tipo transversal não permitiu que fosse realizada inferência de causalidade; isso significa que não temos como avaliar o grau de intensidade e a direção das associações encontradas entre a insatisfação corporal, sexo e estado nutricional. Na realidade, essa é uma limitação do estudo transversal, por apresentar um retrato instantâneo do contexto pesquisado. Outro aspecto a ser citado diz respeito ao fato de não ter sido incluído protocolo de questões referente aos aspectos socioculturais. Embora essas informações fossem pertinentes e esclarecedoras, não contemplavam o objetivo da presente pesquisa. Mesmo assim, acreditamos que o trabalho forneceu informações relevantes acerca da insatisfação corporal de adolescentes que vivem em municípios pequenos.

CONCLUSÃO

Concluiu-se pelas análises realizadas que os adolescentes das cidades de pequeno porte da Zona da Mineira apresentaram baixa prevalência de insatisfação corporal. Também foi constatado que entre as cidades pesquisadas houve variação significativa de insatisfação corporal, bem como a influência do sexo e, principalmente, do estado nutricional. Mais estudos epidemiológicos de base escolar são necessários para verificar como outras variáveis podem influenciar na formação negativa da imagem corporal. A escola seria um espaço privilegiado para conscientizar os jovens e seus familiares sobre a natureza das mudanças que ocorrem durante a adolescência, bem como para aprender a conviver de forma saudável com a nova aparência física que está sendo formada durante o desenvolvimento humano.

AGRADECIMENTOS

A todas as escolas pela disponibilidade e pelo incentivo para que os alunos participassem desta pesquisa.

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflito de interesse.

Recebido em 5/7/2011

Aprovado em 5/9/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Jul 2011
    • Aceito
      05 Set 2011
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