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Comorbidades clínicas e psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar do tipo I

Psychiatric and medical comorbidities in type 1 bipolar disorder patients

Resumos

Contexto: O transtorno bipolar tipo I está comumente associado a comorbidades clínicas e psiquiátricas, mas ainda há poucos dados disponíveis sobre pacientes brasileiros. Objetivos: O objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de comorbidades clínicas e psiquiátricas em uma amostra brasileira de pacientes bipolares tipo I. O objetivo secundário foi investigar as associações de características clínico-demográficas e comorbidades com tentativas de suicídio. Métodos: Foram incluídos neste estudo 94 pacientes bipolares tipo I. O diagnóstico psiquiátrico foi determinado utilizando-se a avaliação Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus). O diagnóstico de comorbidades clínicas foi baseado na história clínica e no acompanhamento de clínicos gerais. Resultados: As comorbidades mais prevalentes nos pacientes bipolares foram: transtorno de ansiedade generalizada (19,20%), dependência de substâncias (43,60%), hipertensão arterial (29,80%), diabetes mellitus (17,00%), dislipidemia (22,30%) e hipotireoidismo (19,10%). Não foram encontradas diferenças estatísticas em relação às características demográficas ou à prevalência de comorbidades nos grupos com e sem tentativa de suicídio. Conclusão: Pacientes bipolares atendidos em serviço psiquiátrico apresentam elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas. Nessa população, tentativas de suicídio não se associam com a presença de comorbidades ou características demográficas.

Transtorno bipolar; comorbidades; mania; suicídio


Background: Bipolar disorder type I is frequently associated with psychiatric and medical comorbidities, but data regarding Brazilian patients are lacking. Objectives: The aim of the present study was to evaluate the prevalence of psychiatric and medical comorbidities in a Brazilian sample of bipolar disorder patients type I. A secondary aim was to investigate the association of demographic characteristics and comorbidities with suicide attempts. Methods: Ninety four bipolar disorder type I patients were included in this study. Psychiatric diagnoses were performed following the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus) evaluation. The diagnosis of medical comorbidities was based on clinical history and general practice consultation. Results: The commonest comorbidities in bipolar disorder patients were generalized anxiety disorder (19.20%), substance dependence (43.60%), arterial hypertension (29.80%), diabetes mellitus (17.00%), dyslipidemia (22.30%) and hypothyroidism (19.10%). There were no differences in demographic characteristics or the prevalence of comorbidities when comparing patients with and without previous suicide attempt. Conclusion: Bipolar disorder patients from a psychiatric unit present higher prevalence of psychiatric and clinical comorbidities. Previous suicide attempts were not associated with comorbidities or demographic characteristics.

Bipolar disorder; comorbidities; mania; suicide


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Comorbidades clínicas e psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar do tipo I

Psychiatric and medical comorbidities in type 1 bipolar disorder patients

Izabela Guimarães BarbosaI; Rodrigo de Almeida FerreiraII; Rodrigo Barreto HuguetIII; Fábio Lopes RochaIV; João Vinícius SalgadoIII; Antônio Lúcio TeixeiraIII

IUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Programa de Pós-Graduação em Neurociências, Belo Horizonte; Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), Hospital Governador Israel Pinheiro, Ambulatório de Transtorno Bipolar, Belo Horizonte, Estresse, Psiquiatria e Imunologia, Divisão de Medicina Psicológica, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK

IIUFMG, Programa de Pós-Graduação em Neurociências; IPSEMG, Ambulatório de Transtorno Bipolar, Hospital; Governador Israel Pinheiro, Belo Horizonte

IIIEstresse, Psiquiatria e Imunologia, Divisão de Medicina Psicológica, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK

IVIPSEMG, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Belo Horizonte

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Antônio Lúcio Teixeira – Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, UFMG Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia – 30130-100 – Belo Horizonte, MG E-mail: altexr@gmail.com

RESUMO

Contexto: O transtorno bipolar tipo I está comumente associado a comorbidades clínicas e psiquiátricas, mas ainda há poucos dados disponíveis sobre pacientes brasileiros.

Objetivos: O objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de comorbidades clínicas e psiquiátricas em uma amostra brasileira de pacientes bipolares tipo I. O objetivo secundário foi investigar as associações de características clínico-demográficas e comorbidades com tentativas de suicídio.

Métodos: Foram incluídos neste estudo 94 pacientes bipolares tipo I. O diagnóstico psiquiátrico foi determinado utilizando-se a avaliação Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus). O diagnóstico de comorbidades clínicas foi baseado na história clínica e no acompanhamento de clínicos gerais.

Resultados: As comorbidades mais prevalentes nos pacientes bipolares foram: transtorno de ansiedade generalizada (19,20%), dependência de substâncias (43,60%), hipertensão arterial (29,80%), diabetes mellitus (17,00%), dislipidemia (22,30%) e hipotireoidismo (19,10%). Não foram encontradas diferenças estatísticas em relação às características demográficas ou à prevalência de comorbidades nos grupos com e sem tentativa de suicídio.

Conclusão: Pacientes bipolares atendidos em serviço psiquiátrico apresentam elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas. Nessa população, tentativas de suicídio não se associam com a presença de comorbidades ou características demográficas.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, comorbidades, mania, suicídio.

ABSTRACT

Background: Bipolar disorder type I is frequently associated with psychiatric and medical comorbidities, but data regarding Brazilian patients are lacking.

Objectives: The aim of the present study was to evaluate the prevalence of psychiatric and medical comorbidities in a Brazilian sample of bipolar disorder patients type I. A secondary aim was to investigate the association of demographic characteristics and comorbidities with suicide attempts.

Methods: Ninety four bipolar disorder type I patients were included in this study. Psychiatric diagnoses were performed following the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus) evaluation. The diagnosis of medical comorbidities was based on clinical history and general practice consultation.

Results: The commonest comorbidities in bipolar disorder patients were generalized anxiety disorder (19.20%), substance dependence (43.60%), arterial hypertension (29.80%), diabetes mellitus (17.00%), dyslipidemia (22.30%) and hypothyroidism (19.10%). There were no differences in demographic characteristics or the prevalence of comorbidities when comparing patients with and without previous suicide attempt.

Conclusion: Bipolar disorder patients from a psychiatric unit present higher prevalence of psychiatric and clinical comorbidities. Previous suicide attempts were not associated with comorbidities or demographic characteristics.

Keywords: Bipolar disorder, comorbidities, mania, suicide.

INTRODUÇÃO

O transtorno bipolar do tipo I se caracteriza por episódios recorrentes de mania e depressão e ocorre em 0,6% da população mundial1. Apesar dos avanços relacionados à terapêutica, os pacientes com transtorno bipolar, mesmo em períodos de eutimia, apresentam sintomas de humor residuais, assim como déficits cognitivos2. Estima-se que 15% a 20% das mortes em pacientes com transtorno bipolar possam ser atribuídas a suicídio3. Fatores sociodemográficos parecem ter pequena influência nas taxas de tentativa de suicídio e suicídio completo em pacientes com transtorno bipolar, entretanto a presença de comorbidades psiquiátricas é uma das principais variáveis associadas4.

Comorbidade pode ser conceituada como a ocorrência de duas ou mais entidades nosológicas no mesmo paciente. A coocorrência de diagnósticos em um mesmo paciente pode influenciar o curso, a resposta ao tratamento e/ou o prognóstico da enfermidade. Pacientes bipolares tipo I apresentam, em média, 3,1 comorbidades psiquiátricas ao longo da vida1. Há um debate na literatura sobre se esse dado seria um artefato dos sistemas diagnósticos atuais, que empregam uma abordagem categórica, ou se refletiria a existência de entidades nosológicas distintas com um mesmo substrato neurobiológico5. Em relação à presença de comorbidades clínicas, descreve-se elevada prevalência de distúrbios metabólicos, cardiovasculares e endócrinos nesses pacientes6. Não se sabe se essas comorbidades clínicas se referem a condições ligadas ao transtorno bipolar per se, se seriam consequência do tratamento farmacológico ou uma combinação de ambos os fatores. Apesar de a presença de comorbidades psiquiátricas e clínicas ser importante na avaliação, no prognóstico e no curso do transtorno bipolar, a maioria dos estudos farmacoterápicos ignora esse fato.

Na população brasileira, ainda há poucos dados sobre a prevalência de comorbidades e sua influência no transtorno bipolar. O objetivo deste estudo é, portanto, identificar a prevalência de comorbidade sem uma amostra de pacientes com transtorno bipolar do tipo I provenientes de um serviço psiquiátrico. O objetivo secundário foi avaliar quais as características do transtorno bipolar e comorbidades (psiquiá­tricas e clínicas) estariam relacionadas com a presença de tentativas de suicídio.

MÉTODOS

Sujeitos

Foram incluídos no presente estudo 94 pacientes com o diagnóstico de transtorno bipolar tipo I. Os pacientes foram recrutados em serviço psiquiátrico de atendimento especializado em transtorno bipolar no Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), Belo Horizonte. Esse serviço é responsável pelo atendimento de pacientes provenientes da rede ambulatorial e de internação do Hospital Governador Israel Pinheiro, que pertence ao IPSEMG. O diagnóstico de transtornos psiquiátricos baseou-se na entrevista clínica estruturada Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus)7. Devido ao fato de os pacientes bipolares serem acompanhados regularmente por clínicos gerais no mesmo serviço, foi extraído do prontuário dos pacientes o diagnóstico das seguintes comorbidades clínicas: 1) hipertensão arterial sistêmica; 2) diabetes mellitus; 3) hipotireoidismo; 4) dislipidemia.

As medidas antropométricas foram realizadas no mesmo dia da entrevista clínica. Tentativa de suicídio foi definida como qualquer ato de injúria, deliberadamente autoinfligido, independentemente do risco da letalidade envolvido, em que o paciente tenha a intenção consciente de terminar a própria vida8.

Todos os procedimentos descritos no estudo receberam autorização do comitê de ética local. Todos os participantes tinham idade superior a 18 anos, e o consentimento livre e esclarecido foi obtido previamente à entrada no estudo. Não houve critério de exclusão para a entrada neste estudo.

Análise estatística

A análise descritiva foi usada para apresentar os dados clínicos e sociodemográficos da população. As variáveis contínuas foram apresentadas como médias e desvios-padrão. Os pacientes foram divididos em dois grupos segundo a presença de tentativas prévias de suicídio. As variáveis categóricas dos dados sociodemográficos e prevalências de comorbidades foram comparadas entre o grupo de pacientes com tentativas prévias de suicídio e o grupo sem tentativas prévias, empregando-se o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, quando apropriado.

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para verificar a distribuição de variáveis contínuas entre pacientes bipolares que apresentaram ou não tentativas de suicídio. Devido ao fato de os dados dos pacientes referentes a idade, escolaridade, índice de massa corporal, primeiro episódio de humor, primeiro episódio depressivo, primeiro episódio maníaco e número de internações hospitalares possuírem distribuição normal, o teste t de Student foi empregado para a comparação dos dois grupos. As análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico SPSS versão 17.0. Um valor de p bilateral menor que 0,05 foi adotado como nível de significância estatística para todos os testes.

RESULTADOS

Os dados sociodemográficos e clínicos dos participantes são apresentados na tabela 1. A prevalência do gênero feminino foi de 69,10%, e 32,30% dos pacientes eram solteiros. Apesar de os pacientes apresentarem idade média de 50,25 anos (DP = 12,02), apenas 68,10% se encontravam inativos laboralmente. A maioria dos pacientes apresentou longo tempo de evolução da doença (idade média ± DP em anos de 24,01 ± 12,77). Na presente amostra, 33,00% dos pacientes relataram tentativas de suicídio. O número médio de internações psiquiátricas foi de 4,18 (DP = 4,04) e o de tentativas de suicídio foi de 0,90 (DP = 1,58). Curiosamente, 24 pacientes não tinham apresentado, até o momento da entrevista, nenhum episódio depressivo.

A prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas na amostra é apresentada na tabela 2. Cinquenta e nove (63,83%) pacientes apresentaram ao menos uma comorbidade psiquiátrica. Os transtornos mais prevalentes foram: transtorno de ansiedade generalizada (27,20%), dependência de álcool (35,50%) e tabaco (43,60%). Em relação a comorbidades clínicas, 52,13% dos pacientes apresentaram ao menos uma comorbidade.

Os pacientes bipolares foram subdivididos em dois grupos: pacientes que apresentaram tentativas de suicídio e pacientes que não apresentaram tentativas de suicídio. Não foi encontrada nenhuma associação significativa entre as variáveis investigadas e a presença ou ausência de tentativas de suicídio (ver tabela 3).

DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou as comorbidades clínicas e psiquiátricas em uma amostra clínica de pacientes bipolares do tipo I. Transtorno de ansiedade generalizada e dependência de substâncias foram as comorbidades psiquiátricas mais comuns. Hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia foram as comorbidades clínicas mais prevalentes. História de tentativas de suicídio não se associou com comorbidades clínicas ou psiquiátricas.

Os dados referentes à prevalência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar estão em consonância com a literatura1, inclusive com outros estudos brasileiros9-13. Aparentemente, a presença de comorbidades em pacientes bipolares é mais regra do que exceção. Uma das hipóteses que poderia justificar tal dado pode ser um artefato dos sistemas diagnósticos contemporâneos que preconizam uma abordagem categórica. Essa abordagem, apesar de permitir maior confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos e melhorar a comunicação entre clínicos e pesquisadores, apresenta algumas limitações14. Por exemplo, a definição individualizada de categorias diagnósticas como entidades nosológicas diferentes, ainda que baseada em consenso de especialistas, pode não ter validade discriminante que permita separar doenças distintas. Ademais, a ocorrência de dois transtornos em um mesmo paciente, em momentos diferentes ou concomitantes, pode sugerir mecanismo fisiopatológico subjacente em comum6. De nota, transtorno bipolar e transtornos de ansiedade apresentam aumento de atividade monoaminérgica15, alterações de neuroplasticidade na amígdala e estruturas do sistema límbico15, assim como genes em comum16, o que sugere que possa haver um mesmo mecanismo fisiopatológico comum a dois transtornos.

Em relação à prevalência das comorbidades psiquiátricas descritas no presente trabalho, estudos epidemiológicos anteriores apontam a mesma prevalência de transtornos de ansiedade em pacientes bipolares6. Entretanto, há estudos discordantes, não havendo consenso na literatura1,17. A prevalência de qualquer transtorno de ansiedade nos pacientes bipolares é mais elevada que na população em geral (18,1%)18. Possíveis hipóteses associadas à discrepância dos dados são diferenças no desenho do estudo, por exemplo, estudos populacionais e estudos clínicos, assim como o uso de diferentes instrumentos para entrevista e diagnóstico.

Transtornos relacionados a substâncias apresentaram elevada prevalência na nossa população em comparação com estudos que usaram similares ferramentas de entrevista em pacientes bipolares12 e mesmo quando comparados à população geral (3,8%)18. Os dados apresentados corroboram a prevalência de uso e/ou dependência de substâncias em pacientes bipolares na população brasileira19. Há inúmeras hipóteses que procuram explicar a elevada prevalência de dependência de substâncias associada ao transtorno bipolar. Em uma perspectiva baseada em crenças psicológicas, os pacientes com transtorno bipolar buscariam o uso de substâncias como uma forma de aliviar sintomas de humor considerados desagradáveis, como o taquipsiquismo e a irritabilidade20. Por outro lado, o uso nocivo de substâncias poderia deflagrar o primeiro episódio maníaco21. Ainda, o fato de o transtorno bipolar estar relacionado com maior impulsividade, envolvimento excessivo em atividades prazerosas e prejuízo de crítica durante o episódio maníaco poderia estimular a busca de substâncias psicoativas22.

Em relação às comorbidades clínicas, a alta prevalência demonstrada no presente estudo está em conformidade com dados prévios na literatura em pacientes bipolares23. A sobreposição de comorbidades clínicas no paciente com transtorno bipolar tem provável etiologia multifatorial. Pesquisas têm demonstrado que a desregulação do humor e do apetite compartilha alguns substratos neurobiológicos24. Dados de neuroimagem, por exemplo, mostram que há sobreposição dos circuitos neurais ligados à regulação do humor e do comportamento alimentar, como as conexões entre a amígdala e o córtex pré-frontal25,26. Além disso, a hiperatividade persistente do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em pacientes bipolares pode estar relacionada a elevação da pressão arterial, aumento de resistência à insulina e dislipidemia27,28. É importante mencionar que o uso de medicamentos psicotrópicos, particularmente os antipsicóticos atípicos, também está ligado a síndrome metabólica, aumento do apetite e preferência por alimentos doces, assim como redução da atividade física29. Reconhece-se também que o uso do lítio está associado ao hipotireoidismo.

Em nosso estudo, não foram encontradas associações entre tentativas de suicídio e comorbidades clínicas ou psiquiátricas. Esse dado difere do relatado em outros trabalhos, que demonstraram que comorbidades psiquiátricas aumentam o risco de suicídio no transtorno bipolar9,10,30. É reconhecido que a inclusão de pacientes bipolares do tipo II nas amostras de estudo pode determinar o aumento da prevalência de tentativas de suicídio11,31. Ressalta-se ainda que, por se tratar de um estudo retrospectivo, pode existir viés de recordação.

Como limitações de nosso trabalho, destacam-se alguns pontos. O fato de se tratar de uma amostra obtida de serviço de atenção psiquiátrica especializada pode comprometer a generalização dos achados para pacientes com transtorno bipolar na comunidade ou acompanhados em outros contextos. O diagnóstico de comorbidades clínicas por meio do registro em prontuário pode ter subestimado a prevalência delas. A inclusão de pacientes bipolares em diferentes estados de humor (mania, eutimia e depressão) pode ter influenciado a avaliação da prevalência das comorbidades psiquiá­tricas. Deve-se considerar também a possibilidade de que o presente estudo apresente o viés de Berkson32. Segundo esse viés, pessoas portadoras de mais de uma doença ou transtorno tendem a procurar mais frequentemente tratamento médico, o que faz com que amostras clínicas pos­suam taxas de comorbidades maiores que a população geral. Por outro lado, pelo nosso conhecimento, este é o estudo brasileiro que investiga o maior número de comorbidades na maior amostra formada exclusivamente por pacientes portadores de transtorno bipolar tipo I. Novos estudos, com amostras ampliadas ou de base populacional, incluindo exames complementares ou de rastreio para o diagnóstico de comorbidades, são necessários.

CONCLUSÃO

Pacientes bipolares atendidos em centros psiquiátricos especializados apresentam elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas, particularmente transtornos de ansiedade, transtornos relacionados a substâncias, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. Essas comorbidades não se associaram a tentativas de suicídio. Portanto, é importante que sejam incluídos na prática clínica exames complementares ou de rastreio para o diagnóstico de comorbidades clínicas em pacientes com transtorno bipolar.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig, Brasil) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Brasil).

Recebido em 18/8/2011

Aprovado em 16/11/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Antônio Lúcio Teixeira – Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, UFMG
    Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia – 30130-100 – Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Ago 2011
    • Aceito
      16 Nov 2011
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