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Escolha de alimentos durante a abstinência alcoólica: influência na fissura e no peso corporal

Food choice during alcohol abstinence: influence in craving and body weight

Resumos

Objetivo: Avaliar a influência da fissura na escolha de alimentos doces e alteração do peso corporal em pacientes alcoolistas. Métodos: Vinte e um pacientes alcoolistas em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), Ouro Preto/MG, foram selecionados para participar deste estudo (14 homens e 7 mulheres, com idade entre 25 e 64 anos). Foi aplicado questionário para avaliar a fissura (craving) e o consumo alimentar. A alteração do peso corporal e do índice de massa corporal (IMC) foi estimada por métodos antropométricos para avaliar o estado nutricional. As avaliações foram realizadas no momento inicial e final, contemplando até três meses de tratamento. Resultados: As mulheres apresentaram ganho de peso (1,9 ± 1,86 kg) e os homens, perda de peso corporal (-0,13 ± 2,09 kg) (p = 0,04). Não houve diferença estatística quando essa variação de peso foi comparada entre os abstinentes (AB) e não abstinentes (NA) (Homens: AB = 0,39 ± 2,19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/Mulheres: AB: 2,73 ± 1,95 kg; NA: 1,42 ± 1,85 kg). A presença de fissura inicial e final foi semelhante entre os que recaíram e os abstinentes. Os abstinentes mantiveram menor fissura e maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos simples ou complexos. Conclusão: Os alcoolistas que conseguiram se abster tiveram menor grau de fissura com maior bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos. Houve mudanças do peso corporal ao longo do tempo de acompanhamento dos alcoolistas em tratamento para a abstinência.

Síndrome de abstinência; craving; carboidratos; peso corporal


Objective: To assess the craving influence in the choice of simple carbohydrate and changing in body weight in alcoholics patients. Methods: Twenty one patients alcoholics in treatment in a specialized center for alcohol and drugs (CAPSad), Ouro Preto/MG were selected to participate in the study (14 men and 7 women), with aged between 25 and 64 years. A questionnaire was applied to assess craving, and food consumption. The change in body weight and body mass index (BMI) were estimated by anthropometrical methods to assess the nutritional status. Evaluations were performed at baseline and end up covering three months of treatment. Results: It was observed in women the average increase in weight (1.9 ± 1.86 kg), and in men the average loss of weight (-0.13 ± 2.09 kg) (p = 0.04). The statistical analysis showed no difference in the weight change when compared abstinent (A) and non-abstinent (NA) Men: AB = 0.39 ± 2.19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/Women: AB: 2.73 ± 1.95 kg; NA: 1.42 ± 1.85 kg. The initial and final craving was similar between those who relapsed and the abstinents. Abstainers maintained lower craving and greater sense of well-being with food sources of simple and complex carbohydrates consumption. Conclusion: There were changes in body weight over time of follow-up treatment for alcoholics in abstinence.

Withdrawal syndrome; craving; carbohydrate; body weight


COMUNICAÇÕES BREVES BRIEF COMMUNICATIONS

Escolha de alimentos durante a abstinência alcoólica: influência na fissura e no peso corporal

Food choice during alcohol abstinence: influence in craving and body weight

Mayla Cardoso Fernandes ToffoloI; Izabelle de Sousa PereiraII; Karine Aparecida Louvera SilvaII; Cláudia Aparecida MarliéreIII; Aline Silva de Aguiar NemerIV

IUniversidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Escola de Nutrição (ENUT), Programa de Pós-Graduação em Saúde e Nutrição

IIENUT/UFOP

IIIENUT/UFOP, Departamento de Nutrição Clínica e Social

IVUniversidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Departamento de Nutrição; UFOP, Programa de Pós-Graduação em Saúde e Nutrição

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Aline Silva de Aguiar Nemer Universidade Federal de Juiz de Fora/Instituto de Ciências Biológicas – Departamento de Nutrição Cidade Universitária – 36036-900 – Juiz de Fora, MG Tels.: (32) 2102-3234/(32) 8888-0193 E-mails: aline.nemer@ufjf.edu.br; alinesaguiar@yahoo.com.br

RESUMO

Objetivo: Avaliar a influência da fissura na escolha de alimentos doces e alteração do peso corporal em pacientes alcoolistas.

Métodos: Vinte e um pacientes alcoolistas em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), Ouro Preto/MG, foram selecionados para participar deste estudo (14 homens e 7 mulheres, com idade entre 25 e 64 anos). Foi aplicado questionário para avaliar a fissura (craving) e o consumo alimentar.

A alteração do peso corporal e do índice de massa corporal (IMC) foi estimada por métodos antropométricos para avaliar o estado nutricional. As avaliações foram realizadas no momento inicial e final, contemplando até três meses de tratamento.

Resultados: As mulheres apresentaram ganho de peso (1,9 ± 1,86 kg) e os homens, perda de peso corporal (-0,13 ± 2,09 kg)

(p = 0,04). Não houve diferença estatística quando essa variação de peso foi comparada entre os abstinentes (AB) e não abstinentes (NA) (Homens: AB = 0,39 ± 2,19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/Mulheres: AB: 2,73 ± 1,95 kg; NA: 1,42 ± 1,85 kg). A presença de fissura inicial e final foi semelhante entre os que recaíram e os abstinentes. Os abstinentes mantiveram menor fissura e maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos simples ou complexos.

Conclusão: Os alcoolistas que conseguiram se abster tiveram menor grau de fissura com maior bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos. Houve mudanças do peso corporal ao longo do tempo de acompanhamento dos alcoolistas em tratamento para a abstinência.

Palavras-chave: Síndrome de abstinência, craving, carboidratos, peso corporal.

ABSTRACT

Objective: To assess the craving influence in the choice of simple carbohydrate and changing in body weight in alcoholics patients.

Methods: Twenty one patients alcoholics in treatment in a specialized center for alcohol and drugs (CAPSad), Ouro Preto/MG were selected to participate in the study (14 men and 7 women), with aged between 25 and 64 years. A questionnaire was applied to assess craving, and food consumption. The change in body weight and body mass index (BMI) were estimated by anthropometrical methods to assess the nutritional status. Evaluations were performed at baseline and end up covering three months of treatment.

Results: It was observed in women the average increase in weight (1.9 ± 1.86 kg), and in men the average loss of weight (-0.13 ± 2.09 kg) (p = 0.04). The statistical analysis showed no difference in the weight change when compared abstinent (A) and non-abstinent (NA) Men: AB = 0.39 ± 2.19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/Women: AB: 2.73 ± 1.95 kg; NA: 1.42 ± 1.85 kg. The initial and final craving was similar between those who relapsed and the abstinents. Abstainers maintained lower craving and greater sense of well-being with food sources of simple and complex carbohydrates consumption.

Conclusion: There were changes in body weight over time of follow-up treatment for alcoholics in abstinence.

Keywords: Withdrawal syndrome, craving, carbohydrate, body weight.

INTRODUÇÃO

O álcool é a única substância psicoativa que fornece calorias consideradas "vazias" (7,1 kcal/g), por não fornecer outros nutrientes como proteínas, minerais, oligoelementos ou vitaminas1. O consumo extra das calorias do álcool pode favorecer o excesso de peso e o aumento da gordura corporal entre consumidores moderados de álcool2. Porém, seu consumo crônico e pesado está relacionado à desnutrição, tanto primária (por interferir no consumo de alimentos fontes de macro e micronutrientes) quanto secundária (por ser responsável pela má absorção e agressão celular decorrentes de sua citotoxicidade direta)3 .

Quando dependentes de álcool diminuem o seu consumo ou se abstêm, podem apresentar um conjunto de sinais e sintomas denominados síndrome de abstinência do álcool (SAA)4.Devido às amplas alterações orgânicas e neuroquímicas causadas pela dependência alcoólica, sintomas como tremores, insônia, agitação e inquietação psicomotora são comuns na síndrome de abstinência5.

A síndrome de abstinência aguda do álcool geralmente é superada até o final dos primeiros sete dias de tratamento6.

É nessa fase que o craving ou "fissura" (desejo intenso em usar a substância) está mais intenso. Entretanto, os três primeiros meses são críticos para a manutenção da abstinência, mesmo após uma interrupção mais prolongada, e o craving pode estar presente, levando a um lapso ou recaída7.

Alterações dos padrões alimentares e sobrepeso têm sido observados durante tratamento para dependência química8,9. Wurtman e Wurtman8 observaram o aumento da vontade de comer alimentos ricos em carboidratos, como doces, durante a abstinência, por causa de sua influência na melhora do humor e alívio da irritabilidade. Esses alimentos contribuem para o aumento dos níveis de triptofano cerebral e, consequentemente, para a síntese e liberação do neurotransmissor serotonina, aliviando potencialmente a sua deficiência pela interrupção do uso do álcool na abstinência.

O aumento do consumo alimentar a fim de aliviar os sintomas de abstinência pode levar ao ganho de peso corporal. Cowan e Devine9 observaram aumento do consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares e excessivo ganho de peso entre homens durante a recuperação da dependência alcoólica, o que pode favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas9.

Entretanto, ainda há poucos estudos na literatura avaliando a escolha de alimentos durante a abstinência entre homens e mulheres e de como esses alimentos podem favorecer a manutenção da abstinência e levar ao ganho de peso corporal.

Uma vez que o início da abstinência é marcado por intensa fissura, nossa hipótese é de que os pacientes abstinentes consomem mais alimentos ricos em carboidratos para controlar a fissura, levando ao ganho de peso. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a influência da fissura na escolha de alimentos e alteração do peso corporal em pacientes alcoolistas em tratamento.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo longitudinal, realizado no período de junho a dezembro de 2010. A avaliação inicial foi realizada de junho a setembro de 2010 e a avaliação final, ao completar três meses de tratamento, até dezembro de 2010. Participaram da pesquisa 21 pacientes alcoolistas de ambos os sexos (14 homens), com idade de 25 a 64 anos e frequentadores do Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), Ouro Preto/MG, Brasil. Foram incluídos todos os pacientes diagnosticados como dependentes de álcool, conforme critérios da Classificação Internacional das Doenças (CID-10).

Não participaram da pesquisa os usuários de drogas ilícitas, mulheres grávidas, menores de 18 anos, pacientes que não apresentaram condições cognitivas adequadas e os que não completaram três meses de acompanhamento no CAPSad. Para avaliar o estado cognitivo dos participantes, utilizou-se o Miniexame do Estado Mental (Mini-Mental State Examination – MMSE)10.A pontuação do MMSE pode variar de 0 (maior grau de comprometimento cognitivo) a 30 pontos (melhor capacidade cognitiva). Considera-se que haja comprometimento cognitivo no caso de: alfabetizados que obtêm menos de 24 pontos; indivíduos com escolaridade entre o 5º e o 9º ano que obtêm menos de 18 pontos; e analfabetos que obtêm pontuação menor que 14 pontos.

Todos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil (CEP/UFOP – CAAE: 0031.0.238.000-09).

No início do tratamento, os participantes responderam a um questionário com informações sociodemográficas. Em seguida, responderam a um questionário semiestruturado para obter informações sobre os alimentos consumidos para controlar a fissura ou craving pelo uso de álcool. Para cada alimento relatado, atribuiu-se uma nota, numa escala analógica de 0 a 10 pontos, para sensação de bem-estar e alívio da fissura após consumir tal alimento. A nota 0 foi atribuída para nenhuma sensação de bem-estar; a nota 1 ou 2, para pouca sensação de bem-estar; as notas 3 a 6, para média sensação de bem-estar; as notas 6 a 8, para forte sensação de bem-estar; a nota 9 ou 10, para ótima sensação de bem-estar. Nesse questionário inclui-se a terceira questão adaptada do questionário para avaliação do craving, proposto por Araújo et al.6 para avaliar a nota atribuída à fissura sentida na semana da avaliação, a saber: não teve fissura (nota 0), fissura fraca (nota 1 ou 2), fissura média/fraca (nota 3 ou 4), fissura média/forte (nota 5 ou 6), fissura forte (nota 8) e fissura muito forte (nota 9 ou 10).

A avaliação nutricional foi baseada nas medidas de peso corporal e altura, para cálculo do índice de massa corporal (IMC). As medidas foram coletadas seguindo normas propostas por Lohman11.

Após três meses de tratamento, foi repetida a aplicação do questionário sobre o consumo de alimentos durante a fissura pelo álcool e realizada a avaliação antropométrica.

Utilizou-se o software PASW versão 17.0 para a análise dos dados. Variáveis categóricas foram analisadas pelo teste exato de Fischer. Para comparações das variáveis contínuas iniciais e finais de peso corporal e IMC, utilizou-se o teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. Para comparação da diferença de peso (peso final/peso inicial) entre homens e mulheres, utilizou-se o teste U Mann-Whitney. As variáveis classificadas em inicial e final referem-se à primeira e à última semana de acompanhamento, respectivamente. O nível de significância foi fixado em menor que 5% (p < 0,05).

RESULTADOS

Trinta e seis pacientes foram convidados para participar da pesquisa. Foram excluídos usuários de drogas ilícitas (n = 10), menores de 18 anos (n = 1), paciente com estado cognitivo não adequado (n = 1), pacientes que não completaram três meses de acompanhamento (n = 3). Nenhum paciente convidado se recusou a participar. Vinte um participantes foram incluídos no estudo; 12 mantiveram a abstinência e 9 não se abstiveram ao final dos três meses de acompanhamento. Homens e mulheres apresentaram média de idade em torno de 45,57 ± 9,97 anos e 39,14 ± 7,13 anos, respectivamente.

A amostra estudada apresentou perfil sociodemográfico semelhante (p > 0,05) entre abstinentes e não abstinentes (Tabela 1).

As mulheres apresentaram ganho de peso e os homens, perda de peso corporal (Mulheres: 1,98 ± 1,86 kg/Homens: -0,13 ± 2,09; p = 0,04). Entretanto, não houve diferença estatística quando a variação de peso corporal foi comparada, separadamente, entre homens e mulheres abstinentes e não abstinentes (Tabela 2). Embora não significativo, as mulheres abstinentes e não abstinentes ganharam mais peso do que os homens.

A classificação da fissura inicial e final foi semelhante entre os que recaíram (não abstinentes) e os abstinentes. Porém, após consumir o alimento escolhido para controlar a vontade de usar o álcool, a maioria dos abstinentes (n = 9,75%) que apresentaram fissura fraca ou não sentiram fissura relatou maior sensação de bem-estar em comparação aos que não conseguiram se abster (p = 0,04 – teste exato de Fischer).

Houve diferença estatística quanto ao grau de fissura entre as mulheres abstinentes e não abstinentes no início do tratamento. Entre as abstinentes, não houve relato de fissura no início do tratamento. Porém, para as que não conseguiram se abster, o início do tratamento foi enfrentado com relato de fissura moderada a fraca (n = 3) e fissura muito forte (n = 1) (p = 0,04 – teste exato de Fischer). Não houve diferença para a pontuação de fissura final, porém a maioria das não abstinentes apresentou fissura média (n = 3). Entre os homens, a abstinência foi marcada pela presença de fissura forte a muito forte (n = 5). A pontuação ≥ 5 para a sensação inicial e final de bem-estar após o consumo de doce (numa escala de 0 a 10) foi atribuída por 65% dos homens e 86% das mulheres.

Os alimentos relatados para controlar a fissura eram fontes de carboidratos simples e complexos, tanto doces quanto salgados. Entre os 21 participantes, 19 (90%) relataram consumir doces para controlar a vontade de usar droga (Figura 1). Dentre os alimentos consumidos, os mais relatados entre os usuários foram: doces, balas, refrigerantes, frutas e sucos, massas, pães e salgadinhos.


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DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo indicam que alcoolistas que conseguiram se abster, durante o período de acompanhamento, mantiveram menor grau de fissura e maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos simples ou complexos para controlar a vontade de usar o álcool.

No presente estudo, observou-se que mulheres abstinentes e não abstinentes ganharam peso no período de acompanhamento. Já os homens abstinentes apresentaram pequeno ganho de peso corporal (390 g) e os não abstinentes perderam peso.

O mecanismo de ganho de peso durante a abstinência não foi ainda bem compreendido de acordo com o estudo que avaliou o ganho de peso em pacientes alcoolistas durante a abstinência12. Por outro lado, diferenças encontradas nas alterações de peso entre homens e mulheres podem ser atribuídas a outros fatores não avaliados neste estudo, como hábito alimentar diferenciado entre os sexos, estados motivacionais, processos metabólicos e fisiológicos.

A redução do IMC e da gordura corporal em homens alcoolistas em abstinência foi encontrada por Addolorato et al.12, os quais foram normalizados após o tempo mínimo de três meses de abstinência, enfatizando a melhora do estado nutricional com a abstinência.

O relato de menor sensação de fissura ou até mesmo de não senti-la no início entre os que mantiveram a abstinência, neste estudo, pode estar associado à frequência de maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos para controlar o uso do álcool.

Em contrapartida, Wurtman e Wurtman8 relataram que alterações neuroquímicas em áreas cerebrais envolvidas na recompensa podem ser induzidas pelo consumo de açúcares. A maioria dos alcoolistas e dependentes de outras drogas apresenta preferência por alimentos com alta concentração de carboidratos simples, indicando que o consumo de alimentos doces promove a liberação de endorfinas e dopamina no cérebro, simulando o efeito da droga de abuso13.

Entretanto, ainda são poucos os estudos que relacionam o abuso de álcool e sua abstinência com o consumo de açúcares e a recompensa. Krahn et al.14 mostraram que alcoolistas têm preferência por alimentos com sacarose e que a busca por doces, no primeiro mês de abstinência, é grande e tende a diminuir ao longo de seis meses sem consumo alcoólico. Entretanto, essa preferência alimentar por doces seria um dos motivos que contribuem para o ganho de peso na abstinência.

Recentemente, Cowan e Devine9 observaram presença de compulsão alimentar e uso de alimentos como substitutos das drogas para satisfazer a fissura entre homens alcoolistas em tratamento para a abstinência. Os autores também relataram que a privação alimentar durante a adicção e as interações entre o estágio de recuperação e convívio ambiental podem contribuir para mudanças na escolha de alimentos e para o ganho de peso excessivo na abstinência, que excede o peso perdido durante a adicção. Não foram encontrados estudos comparando esses fatores entre homens e mulheres em tratamento para o alcoolismo, apenas estudo avaliando o perfil nutricional e o padrão alimentar de 25 adolescentes frequentadores do CAPSad, encontrando-se eutrofia em 84% dos participantes eutróficos e bom padrão de consumo alimentar diário15.

Durante o acompanhamento nutricional de pacientes alcoolistas em tratamento, é prudente considerar a mudança de hábitos alimentares com maior consumo de alimentos fonte de carboidratos, justificado pela sensação de bem-estar para controlar a fissura entre os abstinentes, além do desenvolvimento de maior risco de doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes10.

Neste estudo, foi pequeno o número de alcoolistas avaliados, assim como a participação do sexo feminino. Isso se justifica pela característica do serviço prestado pelo CAPSad, onde a procura em sua grande maioria é espontânea, e neste caso poucos pacientes, especificamente as mulheres, procuraram tratamento.

Como outros métodos para avaliação do consumo alimentar, o levantamento de consumo de alimentos a posteriori apresenta viés de memória. Para minimizar esse tipo de erro e obter resultados mais fidedignos, obedeceu-se a todo o protocolo previamente estabelecido, no qual as entrevistas foram individualizadas, o que o torna mais sensível para detectar diferenças culturais mediante a coleta livre de informação, não forçando um nível de padronização.

Este estudo inicial indica alterações antropométricas durante o tratamento e comportamentos diferentes para a fissura e a manutenção da abstinência entre homens e mulheres, sugerindo a necessidade de abordagens multidisciplinares nos CAPSad. Porém, é necessário mais estudos com número maior de participantes para melhor caracterizar a diferença entre os sexos quanto ao consumo de alimentos e à alteração da composição corporal durante o processo de abstinência.

CONCLUSÃO

Houve alteração de peso corporal ao longo do tempo de acompanhamento e maior fissura inicial entre as mulheres que não conseguiram se abster. O relato de consumo de alimentos fonte de carboidratos simples e complexos foi semelhante entre alcoolistas abstinentes e não abstinentes. Porém, a sensação de bem-estar com o consumo desses alimentos, para evitar o uso do álcool, foi maior entre os abstinentes que também relataram não ter ou ter fissura fraca.

É importante a orientação para as escolhas alimentares entre alcoolistas em tratamento, a fim de controlar a fissura e manter o estado nutricional adequado, estabelecendo metas de peso saudável e evitando o aumento de peso corporal, compatível com aumento de riscos cardiovasculares.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação/UFOP, à Escola de Nutrição/UFOP, a Paulo Francisco e a todos os funcionários e usuários do CAPSad e à Késia Diego Quintaes, por contribuírem para a realização deste trabalho.

Recebido em 27/7/2011

Aprovado em 29/11/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Aline Silva de Aguiar Nemer
    Universidade Federal de Juiz de Fora/Instituto de Ciências Biológicas – Departamento de Nutrição
    Cidade Universitária – 36036-900 – Juiz de Fora, MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Jul 2011
    • Aceito
      29 Nov 2011
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