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Análise da percepção da fadiga, estresse e ansiedade em trabalhadores de uma indústria de calçados

Analysis of fatigue's perception, stress and anxiety among workers at the footwear industry

Resumos

OBJETIVO: Descrever e correlacionar os aspectos envolvidos com a percepção de fadiga e estresse laboral e percebido em trabalhadores de ambos os sexos, em função do setor de trabalho e traço de ansiedade. MÉTODOS: Foram avaliados 46 trabalhadores de uma indústria calçadista, por meio dos instrumentos: Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), Questionário de Fadiga de Yoshitake, Escala de Estresse no Trabalho e Escala Visual Analógica (EVA) para o estresse percebido. Os dados foram analisados por meio do teste t de Student e do teste de correlação de Pearson para p ≤ 0,05. RESULTADOS: Não foram verificadas diferenças significativas entre os sexos e entre os trabalhadores dos diferentes setores, quanto a fadiga, traço de ansiedade, estresse laboral e percebido. Quanto à fadiga, os trabalhadores com traço de ansiedade alto apresentaram maior nível de fadiga comparados àqueles que apresentavam traço de ansiedade baixo (p < 0,001). Foram observadas também correlações positivas entre as variáveis investigadas conforme o sexo, setor de trabalho e nível de ansiedade entre os trabalhadores. CONCLUSÃO: A percepção de fadiga afeta principalmente os trabalhadores que apresentam traço de ansiedade alto. Contudo, percebe-se, por meio dos testes de correlações, que as variáveis sexo, setor de trabalho e traço de ansiedade podem modular os níveis de fadiga e estresse laboral e percebido entre os trabalhadores.

Fadiga; estresse; traço de ansiedade; trabalhadores


OBJECTIVE: To describe and to correlate aspects involved in the perception of both fatigue and stress (perceived and job stress), in footwear industry workers, in function of subjects' anxiety trait, gender and class of work. METHODS: Forty six footwear industry workers were evaluated by instruments as follows: Inventory State-Trait Anxiety (STAI), Yoshitake Fatigue Questionnaire, Work Stress Scale. Visual Analogue Scale (VAS) was used to register the subjects' perceived stress. The data were analyzed by Student's t test and Pearson's correlation test, being considered, p ≤ 0,05 for all tests. RESULTS: No significant differences in fatigue perception, anxiety trait, perceived and job stress were observed between sexes or work classes. However, significant differences in fatigue perception were observed among workers with different levels (high or low) of anxiety trait (p < 0.001). The correlation patterns among the investigated variables differed in function of subject's sex, class of work and anxiety trait. CONCLUSION: The fatigue perception affects mainly the workers who exhibiting high scores of anxiety trait. Moreover, the registered correlations between the variables suggested that gender, class of work and anxiety trait can modulate the workers perception of fatigue, perceived and job stress.

Fatigue; stress; trait anxiety; workers


ARTIGO ORIGINAL

Análise da percepção da fadiga, estresse e ansiedade em trabalhadores de uma indústria de calçados

Analysis of fatigue's perception, stress and anxiety among workers at the footwear industry

Ciro Franco de Medeiros NetoI; Graciele Aquino de AlmeidaII; Berivaldo da Costa RamosIII; Suetânia Karen Pereira da CostaIII; Hélderes Peregrino Alves da SilvaI; Maria Bernardete Cordeiro de SousaI

IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia

IICentro Universitário de João Pessoa

IIIFaculdades Asper

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ciro Franco de Medeiros Neto Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Centro de Biociências – Programa de Pós-Gradua­ção em Psicobiologia Campus Universitário, Caixa Postal 1511 – 59078-970 – Natal, RN, Brasil Telefone: (84) 3215-3410/Telefax: (84) 3211-9206 E-mails: cirofranco@hotmail.com; helderes@cb.ufrn.br; mdesousa@cb.ufrn.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever e correlacionar os aspectos envolvidos com a percepção de fadiga e estresse laboral e percebido em trabalhadores de ambos os sexos, em função do setor de trabalho e traço de ansiedade.

MÉTODOS: Foram avaliados 46 trabalhadores de uma indústria calçadista, por meio dos instrumentos: Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), Questionário de Fadiga de Yoshitake, Escala de Estresse no Trabalho e Escala Visual Analógica (EVA) para o estresse percebido. Os dados foram analisados por meio do teste t de Student e do teste de correlação de Pearson para p ≤ 0,05.

RESULTADOS: Não foram verificadas diferenças significativas entre os sexos e entre os trabalhadores dos diferentes setores, quanto a fadiga, traço de ansiedade, estresse laboral e percebido. Quanto à fadiga, os trabalhadores com traço de ansiedade alto apresentaram maior nível de fadiga comparados àqueles que apresentavam traço de ansiedade baixo (p < 0,001). Foram observadas também correlações positivas entre as variáveis investigadas conforme o sexo, setor de trabalho e nível de ansiedade entre os trabalhadores.

CONCLUSÃO: A percepção de fadiga afeta principalmente os trabalhadores que apresentam traço de ansiedade alto. Contudo, percebe-se, por meio dos testes de correlações, que as variáveis sexo, setor de trabalho e traço de ansiedade podem modular os níveis de fadiga e estresse laboral e percebido entre os trabalhadores.

Palavras-chave: Fadiga, estresse, traço de ansiedade, trabalhadores.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe and to correlate aspects involved in the perception of both fatigue and stress (perceived and job stress), in footwear industry workers, in function of subjects' anxiety trait, gender and class of work.

METHODS: Forty six footwear industry workers were evaluated by instruments as follows: Inventory State-Trait Anxiety (STAI), Yoshitake Fatigue Questionnaire, Work Stress Scale. Visual Analogue Scale (VAS) was used to register the subjects' perceived stress. The data were analyzed by Student's t test and Pearson's correlation test, being considered, p ≤ 0,05 for all tests.

RESULTS: No significant differences in fatigue perception, anxiety trait, perceived and job stress were observed between sexes or work classes. However, significant differences in fatigue perception were observed among workers with different levels (high or low) of anxiety trait (p < 0.001). The correlation patterns among the investigated variables differed in function of subject's sex, class of work and anxiety trait.

CONCLUSION: The fatigue perception affects mainly the workers who exhibiting high scores of anxiety trait. Moreover, the registered correlations between the variables suggested that gender, class of work and anxiety trait can modulate the workers perception of fatigue, perceived and job stress.

Keywords: Fatigue, stress, trait anxiety, workers.

INTRODUÇÃO

O estresse laboral é um fenômeno subjetivo que se expressa no reconhecimento das pessoas a respeito de sua inabilidade de lidar com as demandas das situações de trabalho1,2. O estresse produz uma série de consequências onerosas e debilitantes que afetam tanto os trabalhadores quanto as organizações3. Vários aspectos psicossociais e organizacionais do trabalho já foram associados com uma variedade de efeitos adversos à saúde dos trabalhadores, tais como problemas cardiovasculares, transtornos mentais, lesões musculoesqueléticas e fadiga4.

Particularmente, a fadiga e a ansiedade estão entre as consequências e alterações fisiológicas e psicológicas mais comumente relacionadas ao estresse ocupacional em trabalhadores5,6. Essas consequências podem variar entre os indivíduos conforme o gênero, o tipo do trabalho e as características individuais.

Com relação ao gênero, certas características do trabalho, tais como os elevados ou baixos controle, demanda e apoio social para a realização das tarefas, parecem afetar de forma diferente homens e mulheres quanto à percepção da carga de trabalho física, tensão muscular, dores no corpo e fadiga7,8. Elevados níveis de estresse crônico no trabalho geralmente estão associados com características específicas dele. Por exemplo, Schreuder et al.9 verificaram que os sinais e sintomas relacionados ao estresse são expressos de forma diferente entre trabalhadores que atuam em setores de administração (maior demanda psicológica) e de produção (maior exigência física).

Outros aspectos que também podem modular a resposta ao estresse são as características genéticas e psicológicas do indivíduo, tais como: traços psicológicos da personalidade10-12; tendência a expressar os sentimentos negativos13; nível de humor e diferenças genéticas associadas a diferenças no funcionamento neural, como polimorfismos para os receptores do neurotransmissor serotonina14, e elas também podem ser influenciadas pelas diferenças sociais e de classe15.

Diante da multiplicidade de fatores envolvidos na modulação da resposta de estresse, este estudo buscou descrever e correlacionar os aspectos estresse (percebido e laboral), traço de ansiedade e percepção de fadiga dos trabalhadores, caracterizando as potenciais diferenças entre gêneros e entre diferentes setores de trabalho (administrativo e produção) em uma indústria de calçados.

A hipótese investigada é que a carga de trabalho física, a ausência de controle e a grande demanda de trabalho ao qual estão expostos os funcionários do setor de produção, especialmente as mulheres, podem ter feito com que eles apresentassem escores significativamente superiores de fadiga e estresse percebido e laboral quando comparados aos trabalhadores que atuam no setor administrativo.

MÉTODOS

Participantes

Participaram da pesquisa 60 funcionários, selecionados a partir dos seguintes critérios de inclusão e exclusão: possuir o ensino médio completo, ser funcionário da empresa por tempo mínimo de um ano; estar em pleno estado de saúde física e mental e não estar fazendo qualquer tipo de tratamento psicológico ou medicamentoso durante o período de coleta de dados. Contudo, apenas os dados de 46 voluntários foram utilizados para análise, pois dois desistiram de continuar na pesquisa e 12 foram transferidos ou demitidos da empresa durante o período de coleta dos dados. Dos 46 voluntários, 20 eram do sexo masculino e 26, do sexo feminino, com faixa etária entre 20 e 40 anos de idade (média: 30,5; dp: ± 5,2 anos e mediana: 29 anos). Quanto ao setor de trabalho, 18 pessoas atuavam no setor administrativo (oito homens e dez mulheres) e 28 pessoas trabalhavam na linha de montagem no setor de produção (12 homens e 16 mulheres). Esta pesquisa se caracterizou por ser uma pesquisa de campo, exploratória, de corte transversal, realizada no mês de novembro de 2008.

Instrumentos

Para avaliação do traço de ansiedade, foi utilizado o State-Trait Anxiety Inventory (STAI)16, em sua versão validada para o português, o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)17, que é um inventário autoaplicável, composto por duas escalas distintas elaboradas para medir o estado e o traço de ansiedade. No entanto, nesse estudo foi utilizada apenas a parte correspondendo ao traço, que se refere a uma disposição relativamente estável do indivíduo para responder ao estresse com ansiedade e, também, a uma tendência de perceber uma ampla gama de situações como ameaçadoras16.

Para análise da percepção dos sinais e sintomas relacionados à fadiga, foi utilizado o Questionário de Fadiga de Yoshitake18, também em sua versão traduzida para o português19, que é composto por 30 questões de múltipla escolha divididas em três sessões: a primeira visa avaliar a sonolência e a falta de disposição para o trabalho; a segunda avalia as dificuldades de concentração e de atenção; e a terceira avalia as projeções da fadiga sobre o corpo. Suas respostas são convertidas em valores numéricos, da seguinte forma: "sempre", valor de cinco pontos; "muitas vezes", quatro pontos; "às vezes", três pontos; "raramente", dois pontos; e "nunca", um ponto. Esse escore pode variar de 30 pontos (menor fadiga) até 150 pontos (maior fadiga), indicando eventual queda nas atividades físicas e cognitivas de um indivíduo quanto aos diferentes modos de percepção da fadiga20.

Para avaliação do estresse laboral e percebido, foram utilizados dois instrumentos. O primeiro foi a Escala de Estresse no Trabalho21. Esse instrumento é composto por 13 afirmativas, com opções de respostas apresentadas em uma escala de Likert, que vai de um a cinco, cada valor correspondendo respectivamente às seguintes categorizações, em ordem crescente: "discordo totalmente, discordo, concordo em parte, concordo e concordo totalmente". O segundo instrumento foi a Escala Visual Analógica (EVA), composta por uma linha horizontal de 10 centímetros, enumerada em suas extremidades em 0 e 10, sendo 0 correspondendo a "sem estresse" e 10 a "estresse máximo"22.

Procedimentos

Após autorização da empresa, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba, com o registro do CAAE nº 349-08. Todas as avaliações ocorreram sempre durante o período de intervalo para o almoço, de forma a não interferir na jornada de trabalho.

A coleta de dados foi realizada durante o mês de novembro de 2008, período em que a empresa normalmente apresenta maior ritmo de produção, em virtude dos pedidos para a época natalina e também pelo fechamento do balanço administrativo anual. No primeiro momento (início do mês), após composição da amostra, foi solicitado aos voluntários que preenchessem o IDATE-traço. Em seguida, teve início o processo de avaliação do estresse percebido pelos trabalhadores, por meio da EVA, realizada em três dias distintos e aleatórios ao longo do último mês de trabalho do ano (início, meio e fim do mês). Os voluntários, antes de preencher o instrumento, foram instruídos a considerar todos os aspectos de sua vida: pessoal, familiar, estado de saúde, situação financeira e de trabalho. Em outro momento, distinto da aplicação dos instrumentos já citados, foi conduzido o preenchimento da Escala de Estresse no Trabalho (meio do mês) e, por fim, da Escala de Fadiga de Yoshitake (fim do mês).

Análise dos dados

Os dados foram tabulados e analisados pelo software SPSS versão 15.0. Inicialmente, foi realizada a análise estatística descritiva, para obtenção das médias, desvios-padrões e medianas. A mediana foi utilizada para formação de subgrupos categóricos entre os voluntários. Para verificar diferenças significativas entre as variáveis categóricas, primeiramente foi realizado o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov e em seguida foi utilizado o teste t de Student. Adicionalmente, para investigação das correlações entre as variáveis, foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Para todos os testes, foi considerado p ≤ 0,05.

RESULTADOS

Nos resultados obtidos com o IDATE-traço, os escores da amostra variaram entre 29 e 62 pontos (média: 43,7; dp: ± 8,1 e mediana: 44 pontos). Para fins de análise dos dados, classificamos e dividimos os voluntários em dois grupos: Ansiedade alta (Aa), para aqueles que registraram escore igual ou superior a 44 pontos (n = 24; média e desvio-padrão = 49,8 ± 5,2); e Ansiedade baixa (Ab), para aqueles que registraram escore inferior a 44 pontos (n = 22; média e desvio-padrão = 35,6 ± 5,3). Não foram constatadas diferenças estatisticamente significativas entre os sexos e entre os setores de trabalho (Tabela 1).

Quanto aos resultados obtidos com a Escala de Fadiga de Yoshitake (EFY), os valores distribuíram-se no intervalo de 47 a 123 pontos (média: 82,6; dp: ± 14,6). Foram evidenciadas diferenças estatísticas significativas entre os grupos Aa e Ab; e o grupo Aa apresentou escores significativamente mais elevados do que o grupo Ab para a percepção de fadiga (p ≤ 0,01) (Tabela 1).

Em relação aos resultados obtidos com a Escala de Estresse no Trabalho (EET), os escores variaram entre 16 e 50 pontos (média: 35,6; dp: ± 8,3). Os resultados não demonstraram diferenças entre sexos, setores de trabalho e níveis de ansiedade (Tabela 1). No entanto, entre os homens é verificada uma tendência (p = 0,09) de maior percepção de estresse laboral do que entre as mulheres.

Quanto aos resultados obtidos com a Escala Visual Analógica (EVA) para o estresse percebido, os valores variaram no intervalo de 0 a 10 centímetros. Os resultados obtidos com esse instrumento também não evidenciaram diferenças significativas entre os sexos, setores de trabalho e níveis de ansiedade. Contudo, no grupo Aa é verificada uma tendência (p = 0,07) de maior percepção ao estresse comparada ao grupo Ab.

A tabela 2 apresenta as correlações entre as variáveis psicológicas avaliadas nos instrumentos para toda a amostra e para cada uma das variáveis categóricas. Para a amostra como um todo, foram verificadas correlações positivas significativas entre o traço de ansiedade (IDATE) e a Escala de Fadiga de Yoshitake (EFY) (r = 0,63; p < 0,001) e entre estresse percebido aferido pela Escala Visual Analógica (EVA) e o estresse laboral avaliado pela Escala de Estresse no Trabalho (EET) (r = 0,34; p = 0,019).

Na análise de cada sexo isoladamente, foram registradas para o sexo masculino correlações positivas entre IDATE e EFY (r = 0,66; p = 0,002), entre IDATE e EET (r = 0,75; p < 0,001) e entre EFY e EET (r = 0,46; p = 0,041); para o sexo feminino também foram verificadas correlações positivas significativas entre IDATE e EFY (r = 0,60; p = 0,001) e entre EVA e EFY (r = 0,40; p = 0,04) (Tabela 2).

Quanto aos setores de trabalho, tanto os funcionários do setor administrativo quanto os do setor de produção apresentaram altas correlações entre IDATE e EFY (setor administrativo: r = 0,78; p < 0,001; setor de produção: r = 0,60; p = 0,001); os trabalhadores do setor produtivo também apresentaram correlações positivas entre EVA e EET (r = 0,58; p = 0,001) (Tabela 2).

Quanto ao fator ansiedade, o grupo Ab apresentou apenas correlação entre IDATE e EET (r = 0,43; p = 0,046); enquanto o grupo Aa apresentou correlações positivas entre IDATE e EFY (r = 0,60; p = 0,002) e entre EFY e EVA (r = 0,40; p = 0,049), além de correlação negativa entre EET e EVA (r = -0,57; p = 0,04), conforme apresentado na tabela 2.

DISCUSSÃO

Esta pesquisa buscou avaliar a influência do traço de ansiedade sobre a percepção da fadiga e do estresse percebido e laboral nos trabalhadores, de ambos os sexos e em diferentes setores de trabalho, em uma indústria de calçados na Paraíba, Brasil.

Em nossos resultados não foram observadas diferenças significativas entre os sexos com relação aos níveis de fadiga e estresse percebido e laboral. Esse fato pode ser explicado pela limitação metodológica quanto à representatividade da amostra. Todavia, outros dados da literatura que utilizaram instrumentos e metodologias diferentes do presente estudo sugerem a ocorrência de diferença entre os sexos no que diz respeito à ocorrência e à intensidade da percepção de fadiga. Bensing et al.23 mencionam que a fadiga é um problema que afeta muito mais as mulheres do que os homens. Em estudo realizado por Makowiec-Dabrowska et al.8, que analisaram a percepção de fadiga e gasto energético entre 114 homens e 147 mulheres realizando um mesmo tipo de tarefa com alta exigência física, foi constatado que a percepção de fadiga e gasto energético foi maior nas mulheres. Fjell et al.7 também observaram que mulheres relatam níveis mais elevados de tensão relacionada à percepção da carga de trabalho física associada com dores musculoesqueléticas e fadiga, quando comparadas a homens submetidos às mesmas condições.

Por outro lado, em relação à comparação entre os grupos Aa e Ab foram evidenciadas diferenças estatisticamente significativas quanto à percepção de fadiga, que foi significativamente maior no grupo Aa. No presente estudo foram também observadas correlações positivas entre o traço de ansiedade e a percepção de fadiga, tanto para toda a amostra quanto para cada uma das variáveis categóricas investigadas isoladamente – com exceção do grupo Ab. Esses dados corroboram o estudo de Jiang et al.24, que, utilizando os mesmos instrumentos do presente estudo, constataram a existência de correlações significativas entre o traço de ansiedade e a percepção de fadiga para homens e mulheres.

Quanto ao estresse laboral, não foram evidenciadas diferenças estatísticas entre os sexos. Esses dados estão de acordo com os achados de Gyllensten e Palmer25, que, por meio de pesquisa de metanálise, avaliaram a influência do sexo na modulação da percepção do estresse laboral. Esses autores concluem que as evidências que sugerem que as mulheres apresentam níveis de estresse mais elevados do que os dos homens são inconsistentes. Adicionalmente, outros autores apresentam fortes evidências que sugerem que o sexo não seja um fator importante na modulação da percepção de estresse nos ambientes de trabalho26-28. Por outro lado, nossos dados apontaram que os homens foram os únicos a apresentar correlações positivas significativas entre a percepção de fadiga e estresse laboral. Conforme Godin et al.6, o início precoce de estresse laboral está fortemente associado com a incidência de depressão, ansiedade e fadiga crônica.

Em relação ao estresse percebido para os diversos aspectos da vida dos sujeitos, os resultados obtidos foram similares entre os sexos, setores de trabalho e entre os grupos de ansiedade alta e baixa. No entanto, foi possível evidenciar correlações positivas entre o estresse percebido e o laboral apenas para as mulheres e para os trabalhadores do setor de produção e correlação negativa entre as mesmas variáveis para o grupo ansiedade alta, dados que demonstram a complexidade na modulação da percepção do estresse em humanos no ambiente de trabalho9.

Quando analisamos a influência do setor de trabalho, para cada sexo, mais uma vez não foram verificadas diferenças estatísticas quanto a fadiga e estresse percebido e laboral. Por outro lado, Schreuder et al.9 verificaram que os sinais e sintomas relacionados ao estresse são expressos de forma diferente entre trabalhadores que atuam em setores de administração (maior demanda psicológica) e de produção (maior exigência física). Dados da literatura sugerem a existência de diferenças entre os sexos quanto ao impacto gerado pelas características do tipo de trabalho que é realizado. Segundo Godin et al.29, as características do trabalho parecem exercer impactos diferentes em homens e mulheres: os homens apresentam sinais de depressão em situações de alta exigência no trabalho, enquanto as mulheres apresentam esses sinais quando o apoio social é baixo no ambiente de trabalho. Um dos motivos pelos quais atribuímos a não constatação de diferenças significativas quanto a essas variáveis no presente estudo pode ser explicado pela avaliação positiva quanto ao aspecto do apoio social da empresa pelos seus funcionários, constatado por meio dos resultados parciais da EET, por intermédio das perguntas: "sentir-se isolado na organização", "competição no ambiente de trabalho" e "a falta de confiança de meu superior sobre o meu trabalho" cujas queixas de incômodo foram menores que 20% em toda a amostra.

Ahsberg e Gamberale30, investigando a percepção da fadiga, verificaram que as queixas dos sujeitos, após realização de trabalho dinâmico, estavam mais relacionadas ao esforço físico, enquanto as queixas envolvidas com a realização de trabalho estático estavam mais relacionadas ao desconforto físico. Escores elevados de fadiga também foram relacionados à falta de energia após realização dos dois tipos de tarefas. Nessa pesquisa, assim como no presente estudo, não foram verificadas diferenças significativas entre os sexos e entre os diferentes setores de trabalho.

Considerando que os estudos anteriormente citados não analisaram o fator traço de ansiedade, podemos sugerir que as diferenças de personalidade, mais especificamente o traço de ansiedade, podem ter atuado como uma covariável, influenciando indiretamente nos resultados obtidos por pesquisador, no que diz respeito à ocorrência ou não de diferenças entre os sexos na percepção do estresse laboral e fadiga. Em nossos resultados, os escores elevados para o traço de ansiedade foram o fator mais fortemente correlacionado à fadiga e ao estresse percebido, independentemente do sexo ou setor de trabalho dos sujeitos. Todavia, ressaltamos que, apesar da limitação metodológica quanto à representatividade amostral, particularmente dos homens e dos funcionários do setor administrativo, é provável que as diferenças não evidenciadas neste estudo possam ser investigadas e constatadas em ambientes laborais similares com maior número de funcionários, tendo em vista a presença de valores limítrofes de significância obtidos em algumas variáveis desta investigação.

Dessa forma, nossos resultados sugerem fortemente a necessidade de considerar os aspectos individuais dos sujeitos, em especial o traço de ansiedade, na avaliação das potenciais implicações das características do trabalho como fator gerador de estresse. Adicionalmente, as correlações obtidas entre as variáveis psicológicas avaliadas foram diferentes para cada gênero e setor de trabalho, o que sugere que a interação entre esses fatores é complexa e pode ser modulada por características individuais, sociais e culturais.

CONCLUSÃO

A partir de dados da literatura, em sua maioria baseados em dados obtidos de populações da Europa e América do Norte, esperávamos que a carga de trabalho físico, a ausência de controle e a grande demanda de trabalho ao qual estão expostos os funcionários do setor de produção, especialmente as mulheres, fariam com que eles apresentassem escores significativamente superiores de ansiedade, fadiga e estresse percebido e laboral, quando comparados aos trabalhadores que atuam no setor administrativo. Contudo, nesta amostra de trabalhadores brasileiros, a ocorrência de altos escores para o traço de ansiedade foi o fator mais fortemente correlacionado à maior fadiga e estresse percebido, independentemente do sexo ou do setor de trabalho dos sujeitos. Adicionalmente, foi observado que as correlações entre as variáveis psicológicas relacionadas ao estresse laboral variam conforme o sexo, o setor de trabalho e o nível do traço de ansiedade. Dessa forma, sugerimos a realização de novos estudos utilizando outras amostras da população de trabalhadores brasileiros, buscando identificar os principais fatores determinantes do impacto e possíveis repercussões dos ambientes de trabalho sobre as pessoas, nas condições vigentes no Brasil, uma vez que esse impacto pode ser modulado por características individuais, sociais e culturais.

Recebido em 27/2/2012

Aprovado em 11/8/2012

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  • Endereço para correspondência:

    Ciro Franco de Medeiros Neto
    Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Centro de Biociências – Programa de Pós-Gradua­ção em Psicobiologia
    Campus Universitário, Caixa Postal 1511 – 59078-970 – Natal, RN, Brasil
    Telefone: (84) 3215-3410/Telefax: (84) 3211-9206
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Fev 2012
    • Aceito
      11 Ago 2012
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